Brunel Centre for Sport, Health and Wellbeing Exploração de crianças e adolescentes e a Copa do Mundo: uma análise dos riscos e das intervenções de proteção julho de 2013 [traduzido em outubro de 2013] BC.SHaW, School of Sport and Education, Brunel University London Kingston Lane Uxbridge Middlesex UB8 3PH BC•SHaW 7 BC•SHaW 0 © 2013 Brunel University London. Brunel University London é detentora dos direitos autorais, mas os usuários têm direito a consultar os materiais livremente para fins de reivindicação, proteção ou estudo, desde que as fontes sejam citadas. Data de publicação [em inglês]: julho de 2013 ISBN: 978-1-908549-10-5 Autores: Celia Brackenridge, Sarah Palmer-Felgate, Daniel Rhind, Laura Hills, Tess Kay, Anne Tiivas, Lucy Faulkner, Iain Lindsay Contato com os autores: [email protected] Termo de isenção: O teor deste relatório não reflete necessariamente as opiniões da Fundação Oak. Encomendado pela Fundação Oak www.oakfnd.org 1 Agradecimentos Os autores agradecem às pessoas que auxiliaram esta análise respondendo entrevistas e por outros meios: Tatiana Akabane Van Eyll, Childhood Brasil Jens Sejer Andersen, Diretor Internacional, Play The Game Jane Bateman, Diretora de Relações Internacionais, The English Football Association Amanda Bennett, Diretora de Governança, UK Sport Susan Bissell, Diretora de Proteção Infantil, UNICEF Kristin Blom, Diretora de Campanhas, International Trade Union Confederation Leticia Born, Childhood Brasil Jane Buchanan, Diretora Associada – Divisão da Europa e Ásia Central, Human Rights Watch Diana Copper, Consultora sobre Direitos Humanos, Commonwealth Sport Eddie Cottle, Coordenador de Campanhas Esportivas, Building and Wood Workers International Mike Dottridge, consultor independente sobre tráfico e violações de direitos Ollie Dudfield, Consultor sobre Desenvolvimento Esportivo, Commonwealth Sport Annemarie Elsom, Administradora do Programa "Sport for Change", Comic Relief Anna Flora, ChildhoodBrasil Kirk Friedrich, Diretor executivo, Grassroot Soccer Chris Gaffney, Professor, Universidade Federal Fluminense, Brasil Itamar Batista Gonçalves, Administrador de Programa, Childhood Brasil Jim Grattan, Irish Football Association David Harrison, Grassroot Soccer Geert Hendriks, Administrador de Desenvolvimento Esportivo, International Academy of Sport Science and Technology Autoridade médica da Federação Internacional (anônimo) Charmaine Jelbert, doutoranda (tráfico de pessoas nas Olímpiadas de 2012),Universidade de Cambridge Andrew Jennings, jornalista investigativo Astrid Junge, Diretora de Pesquisas, F-MARC, FIFA Jo Knight, International Inspirations, UK Sport Sue Law, Diretora de Proteção da Criança e da Igualdade, The English Football Association Vivienne Mentor-Lalu, SWEAT (Sex Worker Education and Advocacy Taskforce) Priyanka Motaparthy, Human Rights Watch Sarah Murray, Women Win Elias Musangeya, Consultor Sênior, UK Sport Esther Nicholls, Diretora de Grandes Eventos, UK Sport Dean Peacock, Co-Diretor Fundador, Sonke Gender Justice Fiorella Rojas, Diretora Regional para as Américas, ECPAT International Kelly Simmons, Diretora de Futebol Feminino e Jogos Nacionais, The English Football Association Rachel Tarr, Diretora de Proteção Infantil, The Football Association Anne Tiivas, Diretora de Proteção Infantil na Unidade Esportiva, NSPCC Liz Twyford, Especialista em Programas Esportivos, UNICEF REINO UNIDO Junita Upadhyay, Diretora Adjunta de Programas, ECPAT International Hans van de Glind, Diretor Técnico Sênior, Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil, Organização Internacional do Trabalho Sally Warren, Learn Director, Keeping Children Safe Jean Zermatten, Diretor, International Institute for the Rights of the Child, ex-presidente da Comissão das Nações Unidas sobre Direitos da Criança Gostaríamos de estender nossos agradecimentos a Brigette de Lay e Anastasia Anthopoulos da Fundação Oak pelo apoio, assessoria e serviços de informação. 2 Siglas AISTS International Academy of Sports Science and Technology [Academia Internacional de Esportes, Ciência e Tecnologia] CoE Conselho da Europa CPSU NSPCC Child Protection in Sport Unite [Proteção Infantil na Unidade Esportiva] (Inglaterra) ECPAT End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking of Children for Sexual Purposes [Coalizão de organizações da sociedade civil que trabalham para eliminação da exploração sexual de crianças e adolescentes ] UE União Europeia FIFA Federação Internacional de Futebol GAATW Global Alliance Against Traffic in Women [Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres] OIT Organização Internacional do Trabalho COI Comitê Olímpico Internacional ITUC International Trade Union Confederation [Confederação Sindical Internacional] LCSG London Children’s Safeguarding Board [Conselho de Defesa das Crianças de Londres] LOCOG Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Londres (2012) NSPCC National Society for the Prevention of Cruelty to Children [Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade com Crianças] (Inglaterra) SAD Swiss Academy for Development [Academia Suíça de Desenvolvimento] SWEAT Sex Worker Education and Advocacy Taskforce [Força-tarefa de Defesa e Educação de Profissionais do Sexo] CDC da ONU Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas UNICEF United Nations Children’s Education Fund [Fundo das Nações Unidas para a Infância] UNCSDP United Nations Committee for Sport Development and Peace [Comitê das Nações Unidas para a Paz e o Desenvolvimento Esportivo] 3 Sumário Página Informação sobre direitos autorais . . . . . . 1 Agradecimentos . . . . . . . . 2 Siglas . . . . . . . . 3 . . . . . . . . 6 1.0 Introdução . . . . . 1.1 A Fundação Oak e os esportes 1.2 Objetivo 1.3 Contexto mais amplo 1.4 Estrutura desta análise 1.5 Projeto de pesquisa e metodologia . . . 10 2.0 Conhecimento sobre os riscos de exploração de crianças e adolescentes em ambientes esportivos . . . . . . 12 2.1 Introdução 2.2 Restrições na análise de riscos para crianças associados aos grandes eventos esportivos 2.3 O mapeamento de riscos específicos 2.4 Conclusão 3.0 Programas de intervenção e advocacy para tratar de riscos específicos para crianças e adolescentes associados a grandes eventos esportivos . . 23 3.1 Introdução 3.2 Tráfico de pessoas com efeito sobre crianças 3.3 Exploração sexual de crianças e adolescentes 3.4 Advocacy 3.5 Conclusão 4.0 Mensagens para os profissionais que trabalham pelos direitos de crianças e adolescentes e organizadores de eventos esportivos internacionais. . 37 4.1 Lições tiradas da análise 4.2 A arte do possível 5.0 Chamado à ação e pesquisas futuras 5.1 Chamado à ação 5.2 Pesquisas futuras . Resumo executivo . . . . . 40 4 Continuação do sumário Página ESTUDOS DE CASO Um: The Human Trafficking and London 2012 Network [Rede contra o tráfico de pessoas e Londres 2012] . . Dois: A Copa Mundial de Crianças em Situação de Rua de 2010 em Durban, África do Sul . . . . . . Três: ECPAT e o Código de Conduta para a Proteção de Crianças e Adolescentes contra Exploração Sexual em Viagens e Turismo. Quatro: A campanha “Don’t Lose!” na EURO 2012 . . . Cinco: O aplicativo para Smartphone INEQE de defesa . . . Seis: A Copa do Mundo da FIFA de 2010 como plataforma para lidar com a pobreza e a exploração de crianças e adolescentes . Sete: Play Fair [Jogo Honesto] . . . . . . Oito: Campanhas de "Cartão Vermelho" na Copa do Mundo da FIFA de 2010 . . . . 25 26 26 28 30 31 32 34 FIGURA 1: Quadro para análise de riscos para crianças associados a grandes eventos esportivos . . . . . . 12 TABELAS 1: Fontes de riscos para crianças associados a grandes eventos esportivos 14 2: Provas sobre o tráfico de pessoas em grandes eventos esportivos . 21 3: Fatores que inibem um bom trabalho de proteção de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 4: Principais descobertas e conselhos para organizadores de eventos e defensores da causa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 5: Algumas questões para pesquisas futuras . . . . 41 APÊNDICES 1: Glossário de termos. . . 2: Exemplo do roteiro de entrevista . . . . . . . . . . . 43 45 ANEXO Referências e termos de pesquisa [vide arquivo separado] 5 Resumo executivo Esta análise foi encomendada pelo Child Abuse Programme (CAP) [Programa contra Abuso Infantil] da Fundação Oak, uma grande organização filantrópica internacional. Ela faz parte do esforço do CAP para assegurar que a sociedade rejeite práticas como a exploração sexual de crianças e adolescentes em torno de grandes eventos esportivos, bem como para incluir a prevenção e a proteção contra a exploração como permanente fator de preocupação das entidades relacionadas ao esporte no mundo todo. Esta análise tem como objetivo oferecer dados informativos para ações em países que sediam grandes eventos esportivos e oferecer algumas sugestões sobre como os paísessede podem evitar armadilhas e erros em relação à exploração de crianças, especialmente de cunho econômico e sexual. Além disso, ela também é um chamado à ação para os responsáveis pela organização e realização de grandes eventos esportivos, como a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional, para prever, preparar e adotar intervenções e estratégias de atenuação de riscos. Uma liderança positiva nessas entidades com poder cultural tão forte poderá constituir um fator decisivo para a mudança de emoções, mentalidades e ações no sentido de aumentar a segurança para as crianças. Adotou-se um projeto de pesquisa com três frentes: entrevistas com mais de 70 especialistas de ONGs, organizações esportivas e órgãos públicos; uma pesquisa sistemática na literatura especializada pertinente; e a seleção de vários estudos de caso a partir de intervenções anteriores de proteção à infância e à adolescência associadas a grandes eventos esportivos. O trabalho foi concebido com o objetivo de descobrir a extensão do conjunto de evidências que fundamenta as intervenções de proteção associadas a grandes eventos esportivos e que abordam a atenuação de riscos em geral e a exploração econômica e sexual de crianças em particular. Os muitos benefícios de grandes eventos esportivos para o desenvolvimento infantil no que se refere a aprendizado, atividade física saudável, orgulho cívico e sensibilização multicultural estão bem documentados. Esses benefícios devem obviamente ser comparados com as preocupações sobre a violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos. A análise constatou que: alguns empreendimentos empresariais associados aos grandes eventos esportivos – tanto legais quanto ilegais – ainda usam o trabalho infantil; com frequência, as crianças são vítimas do deslocamento de comunidades que é tipicamente associado a grandes eventos esportivos; a exploração sexual relacionada aos grandes eventos esportivos parece ficar escondida atrás de outros problemas sociais, como alterações nos serviços públicos, estresse familiar, pobreza e violência doméstica; o tráfico de pessoas para exploração sexual associado a grandes eventos esportivos aparece ser focado em adultos, reage às intervenções de advocacy e é difícil de mensurar. Nos locais em que ocorre, é provável que mascare danos às crianças. 6 Apesar da constatação de que os riscos de exploração de crianças e adolescentes aumentaram durante alguns dos grandes eventos esportivos, todos os exemplos discutidos ressaltam a grande escassez de dados empíricos confiáveis em torno desses eventos. É essencial que existam projetos sólidos de pesquisa, com foco específico em crianças, para confirmar as muitas afirmativas que foram descobertas. Constatou-se que as respostas para minimizar o impacto dos riscos para crianças associados aos grandes eventos esportivos são muito diversas. De acordo com a literatura, e pelas nossas consultas, fica evidente que as respostas específicas com foco nas crianças são escassas. Pouquíssimos programas de intervenção e advocacy são específicos para uma determinada faixa etária, e a maioria aborda riscos mais gerais, ao invés dos específicos. Além disso, o tráfico de pessoas parece ocultar todos os demais riscos no que se refere a atenção, recursos e prioridade dos planejadores de programas, independentemente da importância relativa desse risco para as crianças. Há muito pouco material sobre programas ou advocacy relacionados especificamente ao trabalho infantil, à exploração sexual e ao deslocamento. Essa lacuna na literatura abre questões interessantes para pesquisas futuras. O importante é que ela também mascara o fato de que, com muita frequência, as crianças também são vítimas quando adultos próximos a elas são explorados. Então, apesar de muitas das iniciativas descritas nesta análise terem como foco os adultos, é preciso reconhecer que elas também podem trazer benefícios preventivos significativos para crianças. Uma série de descobertas importantes emergiram desta análise, e elas poderão auxiliar os que estiverem atuando em trabalhos de atenuação de riscos em grandes eventos esportivos no futuro. Primeiramente, sabemos que existem riscos significativos para as crianças em torno de grandes eventos esportivos. Em segundo lugar, não temos dados para definir se, como e em qual extensão esses riscos se traduzem em danos. Em terceiro lugar, a maior parte das atenções é conferida ao tráfico e à exploração sexual, ao mesmo tempo em que o trabalho e o deslocamento provavelmente constituem problemas maiores. Em quarto lugar, damos pouca atenção ao fato de as crianças serem vítimas “por tabela” das injustiças experimentadas pelos adultos ao redor delas. Finalmente, não devemos supor que ausência de dados signifique a ausência de problemas. Principais mensagens para organizadores de eventos e defensores dos direitos de crianças e adolescentes Estabelecer o quanto antes uma coalizão entre todos os parceiros pertinentes e desenvolver uma estratégia coerente que atribua responsabilidades claras e evite atrapalhar o trabalho diário das ONGs locais. 7 Principais mensagens para organizadores de eventos e defensores dos direitos de crianças e adolescentes Garantir um Memorando de Cooperação, ou documento similar, entre todos os parceiros da coalizão para colocar os interesses das crianças acima dos interesses das agências parceiras Assegurar que a exploração de crianças e adolescentes também se torne visível em todas as intervenções Garantir que todas as intervenções estabeleçam desde o início planos sólidos de monitoramento e avaliação Garantir que os planos de monitoramento e avaliação adotem projetos de métodos múltiplos que ofereçam provas tanto quantitativas (estatísticas) quanto qualitativas (de experiência prévia) Não supor que ausência de dados seja sinônimo de ausência de problemas Ampliar a visão de formuladores de política, programadores e defensores de modo a incluir a possibilidade de exploração de crianças e adolescentes associada a outras questões relacionadas a grandes eventos esportivos, como por exemplo, deslocamento e trabalhos de construção civil Responsabilizar as sedes de grandes eventos esportivos por suas promessas de um legado de desenvolvimento social por meio de planos longitudinais de monitoramento e avaliação Adotar os critérios de exploração de crianças e adolescentes e as avaliações de proteção infantil como um pré-requisito nas licitações e candidaturas para todos os grandes eventos esportivos Garantir que as crianças sejam incluídas de maneira explícita como alvo de todas as atividades de atenuação de riscos Envolver e ouvir as crianças de diferentes contextos socioeconômicos no projeto e na realização de todas as intervenções de proteção à infância Esta análise oferece múltiplas possibilidades para as intervenções programáticas e para as iniciativas de advocacy com o objetivo de atenuar os riscos de exploração sexual de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos. Todavia, caberá aos órgãos locais nos países e cidades-sede decidirem exatamente quais intervenções estão melhor adaptadas a suas próprias condições e grau de preparação. Para alguns países e cidades-sede, suas limitações culturais, históricas, financeiras e jurídicas poderão significar que o produto final da atenuação de riscos seja provavelmente menor que o ideal. Mesmo assim, não há razão para que – pelo menos em termos de visão e estratégia – os governos, as ONGs, as organizações de direitos humanos e a sociedade civil no geral não assumam suas responsabilidades sociais e morais de acordo com a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança. A falta de provas que estabelecem uma conexão de causa e consequência entre os grandes eventos esportivos e a exploração de crianças e adolescentes e outros abusos é uma das principais descobertas desta análise. Mas precisamos nos perguntar: por que isso ocorre? Há várias razões possíveis, entre elas: 1. o problema não existe – o que é o mais improvável, considerando as denúncias e os estudos de casos que ouvimos de trabalhadores de ONGs que atuaram nos locais; 2. o problema é mascarado pela atenção dada à exploração de adultos – o que é provável, já que trabalhos de advocacy dedicados a uma faixa etária específica parecem ser incomuns; 3. as pesquisas sobre monitoramento e avaliação não existem ou não são concebidas para obter dados com rigor suficiente – o que é muito provável, dada a relativa escassez de pesquisas e dados que descobrimos. 8 Contudo, a ausência de dados não deve ser desculpa para a falta de ação. Os riscos para a infância estão muito evidentes no contexto dos grandes eventos esportivos, é então necessário atenuar esses riscos para prevenir os danos e reagir a eles. As boas intervenções de proteção não precisam esperar pela realização de novas pesquisas, mas as perspectivas de longo prazo para as captações de fundo e o apoio político para tal trabalho dependem, de forma crucial, da demonstração de que essas intervenções são eficazes. Esta análise se apresenta como um chamado à ação – para defensores da infância e grandes organizações esportivas, inclusive a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional – para que trabalhem juntos na atenuação dos riscos de violação dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes dos países-sede. A colaboração resultante deve garantir que as estratégias de proteção infantil não sejam apenas uma prioridade temporária, relacionada a um único grande evento esportivo, mas parte de um plano sustentável de longo prazo, como já ocorreu com as normas de proteção do meio ambiente. Além disso, as avaliações de impacto social que porventura já estejam embutidas nos critérios para diversos grandes eventos esportivos devem priorizar as vozes, as necessidades e os direitos das crianças. No geral, embora eventos como a Copa do Mundo da FIFA não tenham demonstrado ser uma causa direta de aumento da exploração de crianças e adolescentes, eles representam uma oportunidade significativa para que as organizações de grandes eventos esportivos atuem como catalisadoras da adoção de políticas e práticas que aumentem a proteção infantil pelos países-sede. Professora Celia Brackenridge OBE Brunel University - Londres 12 de julho de 2013 9 1.0 Introdução 1.1 A Fundação Oak e os esportes A Fundação Oak é uma importante organização filantrópica cujo Programa contra Abuso Infantil [Child Abuse Programme – CAP] investe em iniciativas que catalisam a ação dos participantes, incluindo as crianças, com o objetivo de melhorar as práticas, influenciar as políticas e aumentar a captação de fundos para enfrentar o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e adolescentes. A Fundação Oak não se envolveu até hoje na área de esportes, mas decidiu que agora é o momento certo para verificar as possibilidades de como sua própria pauta de prevenção e atenuação de abuso e exploração pode se alinhar com a pauta das principais entidades esportivas. Em trabalho conjunto com numerosos agentes, ela optou por dar início a essa missão examinando os conhecimentos existentes sobre os riscos da exploração de crianças e adolescentes relacionados aos grandes eventos esportivos, e sobre como a FIFA, indiscutivelmente a principal responsável pelo maior esporte do mundo, está trabalhando para evitar esse problema em relação ao seu principal evento – a Copa do Mundo FIFA de futebol que terá sede no Brasil em sua próxima edição, em 2014. 1.2 Objetivo Esta análise tem como objetivo oferecer dados informativos para as ações em países que sediam grandes eventos esportivos e oferecer algumas sugestões sobre como os paísessede podem evitar armadilhas e erros em relação à exploração de crianças e adolescentes. Além disso, ela também é um chamado à ação para os responsáveis pela organização e realização de grandes eventos esportivos, como a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional, os governos e a sociedade civil, para prever, preparar e adotar intervenções e estratégias de atenuação de riscos. Uma liderança positiva dessas entidades com poder cultural tão forte poderá constituir um fator decisivo para a mudança em emoções, mentalidade e ações no sentido de aumento da segurança para as crianças. Em termos específicos, o programa tem como meta estabelecer pontos de alavancagem de políticas no âmbito da Federação Internacional de Futebol (FIFA), para que a Copa do Mundo da FIFA no Brasil e as próximas tenham uma política clara e intrínseca de proteção infantil. O Programa contra Abuso Infantil [CAP] reconhece que diferentes organizações participantes com interesses específicos no esporte, nas crianças e no desenvolvimento têm missões diferentes como objeto de sua constituição, e que essas missões diferentes podem influenciar a forma como interpretam suas prioridades. 1.3 Contexto mais amplo Esta análise é oportuna e vem complementar o trabalho que é realizado pela UNICEF, pelo Comitê Olímpico Internacional e por outros órgãos envolvidos em esportes, desenvolvimento e ambientes humanitários para fazer do esporte um espaço mais seguro para as crianças. Uma iniciativa especialmente relevante a este respeito é o lançamento de um conjunto de Normas Internacionais de Salvaguarda e Proteção de Crianças no Esporte [International Standards for Safeguarding and Protecting Children in Sport] que foi publicado inicialmente pela UNICEF no Beyond Sport Summit 2012, em Londres (Paramasivan, 2012). 10 A análise é alicerçada no marco legal dos direitos da criança, estabelecidos pela Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas e nos respectivos Comentários Gerais sobre a Convenção (David, 2005; OHCHR, 2013). Em particular, isso reforça a necessidade de que todos os profissionais que trabalham com crianças em contextos esportivos e culturais adotem e empreguem códigos éticos e padrões apropriados, bem como a necessidade de proteção das crianças contra agressões cometidas por outros jovens (art. 31. da referida Convenção). 1.4 Estrutura desta análise O documento começa com um resumo das provas existentes de exploração de crianças e adolescentes no contexto dos esportes (parágrafo 2.2). Ele prossegue com a identificação de riscos específicos para as crianças associados à Copa do Mundo da FIFA e outros grandes eventos esportivos de teor similar, antes, durante e após sua realização (parágrafo 2.3). Ele então avalia as provas de eficácia dos programas de atenuação de riscos e das intervenções de advocacy (parágrafo 3.0). Um conjunto de opções para a futura atenuação de riscos é oferecido para organizadores de eventos esportivos internacionais e defensores (parágrafo 4.0). A análise termina com conclusões e algumas prioridades para futuras pesquisas nesse campo (parágrafo 5.0). Reconhecemos que muitas terminologias diferentes são usadas para se referir a abusos infantis e danos a crianças e que o termo “proteção infantil” não é entendido nem aplicado universalmente. O termo geral “exploração” é usado aqui para se referir aos danos às crianças, especialmente a exploração econômica e sexual. “Proteção infantil” é usado aqui para se referir a estratégias e intervenções para prevenção de danos. O Apêndice 1 inclui um glossário para alguns termos empregados. Todas as referências para esta análise estão disponíveis em um anexo separado. 1.5 Projeto de pesquisa e metodologia Foi adotado um projeto de pesquisa com três frentes: Entrevistas consultivas – mais de 70 participantes-chave foram identificados, com experiência específica em esportes, esporte para desenvolvimento, proteção infantil ou variadas formas de exploração de crianças e adolescentes como trabalho infantil, escravidão e tráfico para comércio sexual. Todos foram abordados e convidados para uma entrevista (veja nos Agradecimentos a lista dos que responderam). Entre esses, sentimos que era importante ouvir as vozes divergentes, bem como as vozes das pessoas altamente comprometidas com a prevenção da exploração infantil. Para esse propósito, tentamos ouvir indivíduos e grupos cujas missões organizacionais ou posicionamentos pudessem refletir abordagens conflitantes (veja o Apêndice 2 para um exemplo do roteiro de entrevista). As entrevistas foram realizadas por e-mail, telefone, Skype ou pessoalmente. Análises da literatura especializada – foram focadas principalmente em esportes, esporte para desenvolvimento e variados termos associados à exploração sexual de crianças e adolescentes, como tráfico de pessoas, abuso, proteção infantil (vide o anexo com a estratégia de pesquisa). Estudos de caso – foram apresentados neste relatório como exemplos de práticas de prevenção nas Copas do Mundo e em outros grandes eventos esportivos. 11 2.0 Conhecimento sobre os riscos de exploração de crianças e adolescentes em ambientes esportivos 2.1 Introdução Examinamos nesta parte as descobertas de pesquisas e das práticas sobre os riscos para crianças associados à Copa do Mundo da FIFA e a outros grandes eventos esportivos de teor similar. Foram avaliadas as suposições e as provas do que poderia expor as crianças ao abuso e à exploração antes, durante e depois esses eventos. 2.2 Restrições na análise de riscos para crianças associados aos grandes eventos esportivos Parece inexistir uma forma de abordagem conceitual sobre análise de riscos para crianças que seja adotada mundialmente. O estudo global do Secretário Geral das Nações Unidas sobre a Violência contra Crianças (Pinheiro, 2006) adotou uma abordagem por ambientes (casa e família; escolas e educação; instituições assistenciais e judiciais; comunidade e trabalho). Ele se baseou no Modelo Bioecológico do Desenvolvimento de Bronfenbrenner (1977 e 1979), que também foi usado por Krug (2002) para entender os riscos e os fatores de proteção contra violência (indivíduo, relacionamento, comunidade e sociedade). Outros tiveram como foco as experiências de exploração de crianças e adolescentes – abuso sexual, castigos físicos e outros (por exemplo, Cawson et al., 2000, Radford et al., 2011). ANTES APÓS DURANTE Sociedade Econômica (por exemplo, oportunidades comerciais) Comunidade Ambiental (por exemplo, deslocamento) Grandes eventos esportivos Social (por exemplo, reuniões de massa) Família Estrutural (por exemplo, falta de proteção legal) Cultural (por exemplo, desinibição com álcool) Indivíduo Figura 1: Quadro para análise de riscos para crianças associados a grandes eventos esportivos 12 O que está claro é que os riscos surgem em todos os níveis – individual, familiar, comunidade e sociedade (Oak Foundation, 2012, 13). Esses riscos resultam de uma associação de fatores sociais, econômicos, culturais, ambientais e estruturais que podem tirar o poder das crianças e enfraquecer seu ambiente de proteção (Mbecke, 2010, 100). Desvendar as determinantes de risco para as crianças e suas relações de causas e efeitos é uma tarefa muito complexa. Fazê-lo em relação a um período de tempo – antes, durante e após grandes eventos esportivos (Figura 1) – é ainda mais difícil em um campo repleto de suposições mas com frequente falta de provas. Na falta de uma estrutura conceitual comum para examinar os riscos a crianças associados a grandes eventos esportivos, optamos por seguir o que existe em trabalhos impressos, que normalmente abordam as experiências de risco. Muitas afirmações já foram feitas, tanto nas publicações que consultamos como em nossas entrevistas, sobre as fontes de risco de exploração de crianças e adolescentes associado a grandes eventos esportivos. Em relação à Copa do Mundo da FIFA, por exemplo, os entrevistados falaram sobre os riscos “óbvios” do alto número de pessoas concentradas em um só lugar, as oportunidades para atividade criminal, violência e abuso em abordagens na rua, armadilhas por cafetões e agências para induzir mulheres e crianças a trabalharem no comércio sexual, tráfico para trabalho infantil, a perigosa influência de pedófilos e o aumento de consumo de álcool e drogas associado ao “clima do futebol”. Igualmente, embora essas questões pareçam alarmantes, os entrevistados também deixaram claro que elas podem estar baseadas em provas insuficientes, propaganda dos interesses velados e problemas sociais pré-existentes na vizinhança de grandes eventos esportivos. A dificuldade aqui, então, é a de desvendar as provas sólidas desses problemas e ao mesmo tempo estabelecer a associação precisa entre eles e esses eventos esportivos. Para averiguar as muitas afirmações sobre os problemas de exploração, é essencial que existam projetos sólidos de pesquisa e informações confiáveis. No entanto, a própria natureza da exploração de crianças e adolescentes não se presta a formas convencionais de teste de hipóteses, e a característica ilícita, delicada, pessoal e escondida dos problemas de exploração os tornam difíceis de serem atingidos pelos pesquisadores. Os seguintes itens foram sugeridos como correlacionados aos riscos para crianças nas Copas do Mundo e em outros grandes eventos esportivos: desemprego; pobreza; falta de acesso a serviços, incluindo educação e saúde; HIV/AIDS tendo como consequência órfãos e famílias chefiadas por crianças; conflito; álcool e droga como fonte de crimes sociais e violência; fragilidade de fronteiras; força policial inadequada; deslocamento e migração forçados; desigualdade de gênero; práticas culturais, sociais e religiosas do local – por exemplo, a normalização da violência sexual, a subordinação de crianças e a hegemonia masculina comumente associada a alguns participantes da cultura do futebol. 13 Embora possam ser consideradas forças socioculturais e econômicas genéricas, elas têm intersecções de formas específicas com cada local de grande evento esportivo. Por exemplo, foi sugerido que algumas características da localização de Vancouver aumentaram o risco de tráfico de pessoas relacionado às Olimpíadas de Inverno de 2010. Entre elas estavam a proximidade com a fronteira dos Estados Unidos, as leis de imigração relativamente sem restrições, a alta demanda de serviços sexuais e o alto nível de crime organizado (The Future Group, 2007, 7). Da mesma forma, há alegações de que os riscos de tráfico para a Copa do Mundo de 2010 da FIFA na África do Sul estavam ligados às condições socioeconômicas locais, entre elas as altas taxas de crime, a desigualdade econômica, a falta de leis contra o tráfico de pessoas, o afrouxamento dos controles de vistos durante o evento e a falta de experiência em sediar grandes eventos esportivos (Jelbert, 2010, 3; Hamman, 2011, 15). Ainda assim, apesar de tais alegações, não foi encontrado nenhum estudo que demonstrasse condições causais específicas do risco para exploração de crianças e adolescentes antes, durante ou após grandes eventos esportivos. 2.3 O mapeamento de riscos específicos Alguns de nossos entrevistados descartaram a possibilidade de um trabalho especial de proteção à criança em grandes eventos esportivos, com base na alegação de que os riscos de abuso a crianças não estavam previstos. Outros entrevistados sugeriram uma vasta gama de riscos específicos dos eventos, com ou sem elementos comprobatórios (Tabela 1). Apesar da dificuldade em fundamentar essas fontes de risco, uma análise extensa dos materiais publicados (vide Anexo independente) mostra que parte da exploração de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos não ocorre universalmente (Williams, 2011). Os riscos específicos antes, durante e após grandes eventos esportivos podem ser assim classificados de forma ampla: trabalho infantil, deslocamento de crianças como resultado de remoções forçadas para construção de infraestrutura e liberação de ruas, exploração sexual e tráfico de pessoas afetando crianças. Tabela 1: Fontes de riscos para crianças associados a grandes eventos esportivos Fontes de risco Antes Cronogramas de construção acelerados com um grande número de homens separados de suas famílias e recorrendo a sexo pago – e com menores de idade Impactos negativos em crianças decorrentes da migração por trabalho e demandas altas porém temporárias de trabalho comercial, por exemplo, passaportes ilegais e documentos de confirmação de idade permitindo o uso de trabalhadores menores de idade, envolvimento em vendas na rua Durante Após Cobertura midiática que eventualmente omite as más notícias relacionadas aos grandes eventos esportivos (abusos infantis) Detenção e revista ilegal, inclusive de crianças Deslocamento de crianças de suas casas para lugares temporários e/ou desconhecidos 14 Fontes de risco Coação de crianças para atividades ilegais como tráfico de drogas, roubo, violência sectária ou étnica Antes Durante Celebridades, figuras públicas atividades e/ou entidades que vestem a camisa do “esporte inclusivo” desviando a atenção das autoridades e organizações de seus procedimentos corriqueiros de fiscalização de riscos à criança Trabalhador migrante sem acesso a creche, educação, serviços de saúde Prorrogação das férias escolares sem supervisão ou sem programação Níveis elevados de abuso sexual e físico devido à sensação de impunidade decorrente do aumento das festividades Efeito negativo na saúde mental e física da criança causado por doenças contagiosas se elas são abusadas e/ou forçadas a consumir drogas Após Trabalho infantil Os trabalhos publicados sugerem que o trabalho infantil tem sido a forma de exploração de crianças e adolescentes mais frequente associada a grandes eventos esportivos, e que ele pode ser a principal causa do tráfico de pessoas nesses eventos (Pemberton Ford, 2012). Os incidentes incluem o envolvimento de crianças na produção de artigos esportivos, na construção de estádios, e coação a pedir esmolas ou vender produtos na rua (Gustafson, 2011, 446; Morrow, 2008). A primeira comprovação de trabalho infantil ligado a grandes eventos esportivos que encontramos veio da reportagem sobre crianças trabalhando na Índia e no Paquistão, costurando à mão bolas de futebol antes da Copa do Mundo de 1998 na França (Donnelly et al., 2004, 304). Houve também o envolvimento de crianças na fabricação de produtos com o logotipo olímpico para os Jogos Olímpicos de 2004 na Grécia, apesar da legislação sobre trabalho infantil: as fábricas haviam recebido licenças para produzir mercadorias dignas do "Espírito Olímpico" (Playfair, 2008, 29). Quatro anos mais tarde, a mesma organização encontrou provas de crianças de apenas 12 anos de idade produzindo mercadorias olímpicas para os Jogos Olímpicos de Beijing de 2008. Antes das Olimpíadas de 2012 em Londres, surgiram novamente preocupações sobre as condições em uma fábrica na China contratada para fornecer mascotes olímpicos de brinquedo (Coordination Group on Human Trafficking and London 2012 Network, 2011). A construção de um novo estádio e de infraestrutura para os Jogos da Commonwealth de 2010 na Índia envolveu outro exemplo de trabalho infantil forçado (BBC News, 2010; CNN, 2010). O acadêmico Siddharth Kara encontrou 14 casos de crianças envolvidas especificamente na construção civil relacionada aos Jogos (Pemberton Ford, 2012). Ele relatou que famílias inteiras haviam sido transferidas para trabalhar em condições “desumanas” em canteiros de obras, com promessas não cumpridas de salários para adultos e crianças. Embora as autoridades dos Jogos da Commonwealth tenham agido rapidamente para remover as crianças desses projetos de grandes obras, muitas fotografias de trabalhadores infantis indianos trabalhando na infraestrutura para os Jogos ainda podem ser encontradas em sites de buscas na Internet. O principal desafio nesse local específico é que o trabalho infantil não é "anormal" na Índia. Os dados demográficos da força de 15 trabalho na Índia incluem 12% de crianças de apenas cinco anos (ibid). Similarmente, no Brasil, as estatísticas sugerem que 1,4 milhão de crianças são forçadas ao trabalho infantil, principalmente pela pobreza, mas ainda assim não foram encontradas provas de crianças trabalhando na construção de estádios para a Copa do Mundo da FIFA em 2014 (Latino Daily News, 2012). Forçar crianças a pedir esmolas, com relação a grandes eventos esportivos, foi um fato informado por ONGs tanto após os Jogos Olímpicos de 2014 na Grécia (Pemberton Ford 2012) como após a Copa do Mundo da FIFA de 2010 na África do Sul (Conteh, 2009). Esse risco também foi encontrado por Cherti et al.(2012, 15) em relação aos Jogos Olímpicos de 2012 em Londres. As reportagens da mídia citaram um aumento de migrantes do Leste Europeu, principalmente romenos, traficados para Londres por gangues de crime organizado para esse propósito. Mas essas alegações não são apoiadas por estudos de avaliação (Dottridge interview; Pemberton Ford, 2012). De fato, de acordo com Pemberton Ford (2012), durante os Jogos Olímpicos de 2004, o número de crianças em situação de rua registrado por trabalhadores de apoio de ONGs na realidade diminuiu. Não está claro se isso se deveu ao policiamento das ruas mais intenso que o normal - com efeito de dissuasão e/ou às dificuldades envolvendo o monitoramento da exploração de crianças e adolescentes. Resumo: Alguns serviços empresariais associados aos grandes eventos esportivos - tanto legais quanto ilegais - ainda utilizam o trabalho infantil. Deslocamento de crianças por remoções forçadas pela construção de infraestrutura e liberação de ruas É comum o deslocamento de comunidades para a construção de infraestrutura antes de grandes eventos esportivos. A literatura a respeito é vaga em relação a quando o deslocamento se torna remoção forçada, e ainda mais vaga em relação a quando isso constitui uma violação direta ou indireta dos direitos das crianças e dos adolescentes. Para os Jogos Olímpicos de 1988, em Seul, 720.000 pessoas foram deslocadas à força para a construção de estádios e infraestrutura antes dos Jogos. De acordo com Czeglédy (2009, 236) e COHRE (2007, 396), o deslocamento aumentou a pobreza, separou famílias e teve um forte impacto sobre as crianças que presenciaram seus pais sendo agredidos e suas casas sendo demolidas. A exploração de crianças e adolescentes que resulta de remoção forçada por causa da construção de infraestrutura afeta largamente as crianças de famílias que já são marginalizadas e vulneráveis: antes dos Jogos Olímpicos de 1992 em Barcelona, e em 2004 na Grécia, 90 a 100% da comunidade de ciganos foi deslocada para fora da Vila Olímpica (Thomas, 2008, 2); os Jogos Olímpicos de 2008 em Beijing declaradamente deslocaram 1,25 milhão de residentes, com um adicional de 400.000 migrantes das áreas rurais vivendo temporariamente em situação de extrema insegurança (Advocates for Human Dignity, 2012); os Jogos da Commonwealth de 2010 em Delhi acarretaram a remoção de 300.000 pessoas das favelas da cidade. COHRE (2007, 53) relata que alguns dos casos de remoção foram violentos e não planejados, sem direitos para os despejados, que 16 agora vivem em campos de reassentamento longe de escolas e das oportunidades econômicas em Delhi; antes do sorteio das eliminatórias da FIFA na África do Sul em 2007, crianças em situação de rua foram "abrigadas" na prisão de Westville, o que as expôs a violência, estupro e possível contaminação por HIV (Ngonyama, 2010, 174); a cobertura pelos meios de comunicação das manifestações nas favelas brasileiras fez surgir alegações de violação dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes associada à construção de infraestrutura para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos (BBC News, 2011). Esses casos ilustram até que ponto os riscos específicos para crianças estão interligados. A remoção forçada de crianças para a construção de estádios e infraestrutura, por exemplo, causa um aumento adicional na vulnerabilidade em relação a riscos como exploração sexual ou de trabalho infantil, já que as alternativas econômicas são retiradas e os sistemas de apoio tradicionais são rompidos. O deslocamento de crianças em situação de rua e de comunidades pobres, como parte da "limpeza" do evento, tem sido uma preocupação constante de defensores do bem estar da infância, bem como de pesquisas a respeito dos grandes eventos esportivos no passado. Jogos Olímpicos de Seul, 1988 - vendedores informais de rua foram banidos da região, aumentando o risco de suas crianças serem atraídas para a exploração sexual ou para o trabalho, devido à falta de alternativas de renda (COHRE, 2007); Jogos Olímpicos de Barcelona, 1992 - as comunidades de ciganos e os comerciantes informais foram estrategicamente retirados das ruas durante o evento, como parte de uma meta política a longo prazo das autoridades espanholas (Czeglédy, 2009, 236); Jogos Olímpicos de Sydney, 2000 - moradores em situação de rua foram retirados das ruas e levados de ônibus para outras cidades (Beadnell, 2000); Copa do Mundo da FIFA no Japão e na Coréia em 2002 - 300 moradores em situação de rua foram "limpos" de Osaka, e as autoridades em Seul delimitaram áreas "proibidas" para moradores em situação de rua. A alegação é de que a cidade teria como intenção original enviar esses moradores em situação de rua para programas de reabilitação fora da cidade durante a Copa do Mundo, mas que esses planos foram cancelados diante da pressão da mídia e de grupos de direitos humanos (COHRE, 2007); Campeonato Africano das Nações em Gana, 2008 - houve relatos de vendedores ambulantes sendo removidos à força dos espaços (Broadbent, 2012); Jogos da Commonwealth em Delhi, 2010 - "tribunais migrantes" foram estabelecidos para remover pedintes das ruas, e as reportagens da mídia alegaram que os vendedores de rua foram forçados a sair de Delhi durante o evento; Copa do Mundo da FIFA na África do Sul em 2010 - 600 crianças e adolescentes em situação de rua foram deslocados para uma área de transferência como em apartheid ou acampamentos transitórios a 30 km da Cidade do Cabo, levando a um aumento nos problemas sociais, incluindo violência sexual contra crianças (Samara, 2010; van Blerk, 2011, 35; Maharaj, 2011, 58). Outros relatos sugerem que jovens e alguns adultos com crianças pequenas foram acusados de vadiagem e punidos com 17 multas que eles não tinham condições de pagar, só para que fossem presos e removidos das ruas (Ngonyama, 2010, 174); Jogos Olímpicos de Inverno de Vancouver em 2010 - Kennelly et al.(2011) alegaram que os jovens em situação de vulnerabilidade são ainda mais marginalizados com os programas de remoção das ruas que têm como foco os moradores em situação de rua em geral, e citou os investimentos nos Jogos que redirecionaram os recursos para fora das redes e estruturas de apoio existentes; Copa do Mundo da FIFA em 2014 e Jogos Olímpicos em 2016, no Brasil - um relatório sugere que a operação "Choque de Ordem", que tem como objetivo promover a ordem pública como preparação para a Copa do Mundo, é responsável pelo aumento da violência contra crianças em situação de rua e pela criminalização de crianças em situação de rua que são vendedores ambulantes (Consortium for Street Children, 2012). Nos lugares onde os níveis de pobreza e desigualdade são mais extremos, como em partes do Hemisfério Sul, há um aumento da pressão sobre os organizadores de grandes eventos esportivos para esvaziar as ruas, numa tentativa de apresentar uma imagem segura e agradável. Sendo assim, os governos dos países precisam administrar o paradoxo de aumentar o investimento estrangeiro e o turismo, ao mesmo tempo em que administram diariamente a pobreza e os problemas sociais (Robinson, 2002; Rogerson, 2009). Esse foi um problema bem específico da Copa do Mundo da FIFA em 2010, na África do Sul. O medo de que o crime e a pobreza pudessem afastar o turismo internacional e os investimentos do comércio internacional estimularam uma solução centrada em segurança, policiamento e prisões, incluindo esvaziar as ruas dos "elementos indesejados" (SANTAC, 2007). Ironicamente, apesar de relatos de crianças em situação de rua sendo removidas à força como parte do esvaziamento das ruas, as crianças em situação de vulnerabilidade representaram uma característica de pouca importância no planejamento para o futuro e nas avaliações em larga escala de um desenvolvimento nacional, social e econômico mais amplo, resultante do fato de terem sediado a Copa do Mundo (Maharaj, 2011, 58). Resumo: As crianças são frequentemente vítimas do deslocamento de comunidades que é associado de forma típica aos grandes eventos esportivos. Exploração sexual de crianças e adolescentes São escassas as comprovações sólidas de exploração sexual antes e durante os grandes eventos esportivos. Os exemplos descobertos indicam o risco e não a incidência de exploração sexual, ou sua conexão explícita com os eventos é difícil de confirmar. Como exemplo, antes do Campeonato Africano das Nações de 2008 em Gana, a polícia descobriu planos de recrutamento de crianças para a prostituição durante o evento (Morrow, 2008, 260). O Instituto de Migração também relatou jovens garotas resgatadas de um bordel nos dias que precederam o evento (IOM, 2008). Um aumento geral na exploração sexual de crianças e adolescentes foi previsto por ONGs durante o período da Copa do Mundo da FIFA em 2010 na África do Sul, mas como era parte de uma tendência de aumento geral no país sua conexão exata com o evento não ficou clara (Molo Songololo in Jelbert, 2010). Além disso, os números poderiam ser atribuídos ao aumento da conscientização a respeito. Muitas das garotas menores de idade encontradas 18 pelas autoridades policiais durante a Copa do Mundo pareciam ser originárias de áreas rurais pobres da África do Sul, preparadas e coagidas a trabalhar no comércio sexual, mas inexistem informações sólidas que embasem essa percepção (London Councils, 2011, 19). Um outro risco de exploração sexual durante a Copa do Mundo de 2010 surgiu por causa das férias escolares prolongadas, que deixavam as crianças sem supervisão e vulneráveis à violência e à exploração sexuais (Hayes, 2010, 1105). A proibição de vendedores ambulantes e de mascates nas "áreas FIFA" também significou uma pressão econômica contra as famílias, alimentando potencialmente a violência doméstica e o aumento dos riscos de exploração sexual com propósitos econômicos (Maharaj, 2011, 59). Um estudo do Reino Unido sobre a conexão entre a violência doméstica e a Copa do Mundo de 2006 mostrou uma ligação entre a exploração sexual de crianças e adolescentes, o aumento de consumo de álcool e os grandes eventos esportivos (Braaf and Gilbert, 2007). Os eventos futebolísticos são sem dúvida particularmente arriscados devido à cultura sexista dos "garotos comportando-se mal" que está culturalmente associada ao jogo (Palmer, 2011). Comparando duas Campanhas de Contenção de Violência Doméstica, a segunda realizada deliberadamente durante as finais da Copa do Mundo da FIFA em 2006, descobriu-se que, nos finais de semana durante as finais da Copa do Mundo (nos dias em que a Inglaterra jogava), os incidentes de violência doméstica subiram na segunda campanha, em média, entre 11,69% e 31,42%, se comparados com o mesmo dia da semana durante a primeira campanha, sem futebol. Resumo: a exploração sexual de crianças e adolescentes relacionada aos grandes eventos esportivos parece ficar escondida por trás de outros problemas sociais como desvio na oferta de atendimento, estresse familiar, pobreza e violência doméstica. Tráfico de pessoas para exploração sexual afetando crianças Pouquíssimos estudos têm como foco exclusivo a exploração sexual de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos ou próximo a eles. Uma atenção significativa tem sido dada à suposta conexão entre esses eventos e a limpeza forçada nas ruas, o tráfico de pessoas e a prostituição. Não se pode descartar que esses relatórios reflitam, em certa parte, a probabilidade de impactos sobre as crianças (Hennig et al.,2006; Morrow, 2008, 263). Os aumentos previstos na demanda de serviços de sexo pago por visitantes e turistas em grandes eventos esportivos foram atribuídos à suposta conexão entre a exploração sexual e esses eventos (Palmer, 2011, 4; SANTAC, 2007). À exceção de alguns poucos casos relatados, não parece haver comprovação sólida de apoio a essas previsões. Os Jogos Olímpicos de 2004, na Grécia, foram o primeiro grande evento esportivo em que essa questão atraiu um interesse significativo do público. O número de vítimas do tráfico de pessoas aumentou 94% em 2004 e continuou alto nos anos subsequentes (Gustafson, 2011, 434), mas, ainda assim, em nenhum desses casos as autoridades gregas relacionaram esse fato ao evento em si (GAATW, 2011). A Copa do Mundo da FIFA em 2006 na Alemanha também atraiu especulações da mídia de que 40.000 mulheres teriam sido traficadas para o evento em resposta a um aumento da demanda de sexo pago (Morrow, 2008). "(...) na Copa do Mundo de 2006 havia um debate sobre prostitutas do Leste Europeu - o número era de 40.000 - mas isso na realidade não tinha fundamento." (Jens Sejer Andersen, Play the Game). Apenas cinco casos de tráfico de pessoas diretamente relacionado à Copa do Mundo 19 foram efetivamente relatados (Tavella, 2007; Gustafson, 2011, 446; SANTAC, 2007), embora o governo alemão tenha de fato relatado um aumento na prostituição legalizada como decorrência da Copa do Mundo (The Future Group, 2007). A mídia e os grupos antiprostituição também citaram o tráfico estimado de 40.000 mulheres antes dos Jogos Olímpicos de Inverno de Vancouver em 2010. Ainda assim, de acordo com o Departamento de Combate ao Tráfico de Pessoas da Colúmbia Britânica, no Canadá, não houve denúncia nem comprovação explícita de exploração sexual em conexão com o evento (Pemberton Ford, 2012). Mais recentemente, a Copa do Mundo da FIFA em 2010, na África do Sul, atraiu atenção similar da mídia sobre um aumento previsto de profissionais do sexo (Richter and Delva, 2011, 8). As estimativas variavam amplamente entre 40.000 e 100.000 mas também não foi encontrada nenhuma prova que sustentasse essa suposição. Uma relação de causa e consequência entre o tráfico de pessoas para exploração sexual e grandes eventos esportivos não tem portanto confirmação. Em apoio a Gold (2010, 40) em relação à Copa do Mundo da FIFA em 2010, Delva et al. (2010, 3) afirmam que "as informações não sustentam a hipótese largamente disseminada de que milhares de mulheres e crianças estrangeiras tenham sido traficadas para a África do Sul para dar conta do aumento da demanda de sexo pago". Richter e Delva (2011, 7) e Hayes (2001, 1105) observam que, embora o "o medo tenha uma explicação lógica", há poucas pesquisas sistemáticas que produzam provas que demonstrem o impacto dos grandes eventos esportivos sobre o trabalho sexual. É difícil avaliar se a falta de provas reflete o sucesso das estratégias de atenuação, ou a inexistência de problema (Hayes, 201, 1105), ou talvez ainda a debilidade dos projetos de monitoramento e avaliação. A falta de dados básicos de referência sobre exploração sexual de crianças e adolescentes significa que não é possível saber se os números da prostituição durante grandes eventos esportivos constituem ou não um aumento em relação aos índices normais. Por exemplo, apesar de um estudo ter afirmado que 10.000 mulheres estiveram envolvidas em prostituição durante as Olimpíadas de Sidney de 2000 (Coordination Group for the Human Trafficking and London 2012 Network, 2011), não é possível saber se isso é atípico ou não. O relatório de 2011 do GAAWT chega ao ponto de dizer que há recursos desperdiçados no enfrentamento da presumida, mas falsa, ligação entre eventos esportivos e o tráfico para prostituição. Os que se opõe a essa ideia argumentam que a relação é altamente improvável porque: 1. as estatísticas não são factíveis; 2. os eventos de curta duração não são financeiramente viáveis para traficantes ou profissionais do sexo; 3. não apenas homens comparecem aos eventos (por exemplo, em termos de estatísticas demográficas, os visitantes da Copa do Mundo da Alemanha em 2006 eram principalmente famílias); 4. os visitantes não têm condições de pagar por serviços sexuais. (Coordination Group for the Human Trafficking, London 2012 Network, 2011; Richter and Massawe 2010, 222). Diversos críticos da suposta conexão entre o tráfico de pessoas e grandes eventos esportivos argumentam que isso é "em grande parte fabricado para ser usado como ferramenta em campanhas moralizantes sobre a natureza da prostituição" (Hayes, 2010, 1107). Por exemplo, Chris Smith (em Morrow, 2008, 258) afirma que o número previsto de 20 40.000 vítimas do tráfico associadas à Copa do Mundo da FIFA em 2006 na Alemanha resultaram mais de um interesse político na revogação da prostituição legalizada do que de um aumento de consciência e preocupações sobre a exploração sexual. Essa visão foi endossada por um consultor em direitos humanos (entrevista Dottridge). Tabela 2: Provas sobre o tráfico de pessoas em grandes eventos esportivos (Fonte: GAATW, 2011, 8) Evento O que foi previsto? O que aconteceu realmente? Copa do Mundo 2010 (África do Sul) 40.000 profissionais do sexo/ mulheres traficadas seriam "importadas" para o evento "Uma explosão no tráfico de pessoas" O Departamento de Justiça e Desenvolvimento Constitucional da África do Sul não relatou nenhum caso de tráfico durante o evento As informações estão sendo finalizadas: relatos informais e preliminares sugerem que não foram identificados casos de tráfico e que o movimento para profissionais do sexo diminuiu Cinco casos de tráfico foram encontrados e relacionados à Copa do Mundo 2006 Olimpíadas 2010 (Canadá) Copa do Mundo 2006 (Alemanha) Olimpíadas 2004 (Grécia) Super Bowl 2011, 2009, 2008 (EUA) 40.000 profissionais do sexo/ mulheres traficadas seriam "importadas" para o evento Aumento no tráfico para prostituição 10.000 a 100.000 profissionais do sexo invadindo e inundando o evento ou traficados para ele Nenhum caso de tráfico para prostituição foi relatado como tendo relação com as Olimpíadas de 2004 Órgãos policiais não observaram aumento em prisões relacionadas ao trabalho sexual durante o evento Ultrapassar as ideologias pessoais e organizacionais e os interesses políticos prévios dessas afirmativas requer o investimento de tempo e dinheiro em relatos mais precisos de provas exatas de que o abuso esteja ocorrendo (Cherti et al., 2012). O atual excesso de confiança nas reportagens da mídia é problemático, como mostrado na pesquisa de Hamman (2011, 56) sobre a cobertura midiática antes, durante e após a Copa do Mundo da FIFA em 2010 na África do Sul. Anteriormente ao evento, as campanhas de combate ao tráfico tratavam o assunto com sensacionalismo, e o tráfico de pessoas estava muito presente na mídia. Durante e após o evento, no entanto, a cobertura esteve baixa, como resultado de histórias alternativas que recebiam os holofotes da mídia como prioridades. Como resultado, o público foi mal informado, tornando difícil diferenciar alegações das provas do que realmente aconteceu (ver a Tabela 2 com mais exemplos). Resumo: O tráfico de pessoas para exploração sexual associado a grandes eventos esportivos parece ser focado em adultos, sendo sensível a intervenções de advocacy e difícil de medir. Onde ele acontece é provável que esteja mascarando danos a crianças. 2.4 Conclusão Os impactos da exploração de crianças e adolescentes associada a grandes eventos esportivos são tanto tangíveis e diretos, quanto intangíveis e indiretos (Bob et al., 2010, 2). Giulianotti e Klauser (2009) defendem que deveria ocorrer o distanciamento de um foco estreito em questões de segurança, como risco de terrorismo ou violência de espectadores, para uma consideração mais ampla de questões como pobreza, desigualdade, divisões sociais profundas e crime urbano associado. Por exemplo, quando uma nação-sede 21 redireciona seus recursos de canais de atendimento em áreas pobres para projetos de infraestrutura, isso acarreta problemas de violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes em resultado da pobreza em algum outro lugar. Jelbert (2010, 12) exemplifica isso, alegando que houve um aumento nos estupros por gangues de jovens em Kwa Zulu Natal durante a Copa do Mundo em 2010 devido à polícia ter sido realocada para mais perto das áreas do evento da FIFA. A literatura especializada é claramente dominada pela questão do tráfico de pessoas, mas isso mascara a exploração de crianças que está por trás da exploração de adultos. Embora os riscos da exploração de crianças e adolescentes por si só tenham certamente aumentado durante alguns desses eventos, todos os exemplos discutidos ressaltam a raridade global de dados empíricos confiáveis em torno de grandes eventos esportivos (Hayes, 2001, 1105). É essencial que tenhamos projetos de pesquisa sólidos e focados especificamente em crianças, para confirmar essas afirmações. 22 3.0 Programas de intervenção e advocacy para tratar de riscos específicos para crianças e adolescentes associados a grandes eventos esportivos 3.1 Introdução As reações para minimizar o impacto de riscos para crianças associados a grandes eventos esportivos são de grande amplitude: algumas se relacionam com um elemento do quadro de riscos (Figura 1) e outras tentam abordar a diversidade dos riscos específicos. É evidente pela literatura já produzida, e por nossas consultas, que as reações específicas com foco em crianças são escassas. Pouquíssimos programas de intervenção ou advocacy são específicos para uma determinada faixa etária, e a maioria aborda riscos mais gerais, ao invés dos específicos. Além disso, como refletido abaixo, o tráfico de pessoas parece encobrir todos os demais riscos no que tange aos níveis de atenção, recursos e prioridade concedidos a ele pelos organizadores, independentemente do significado relativo desse risco para crianças. Há muito pouco material sobre programas ou advocacy relacionados a trabalho infantil, exploração sexual e deslocamentos. Essa distorção na literatura revela questões importantes para pesquisas futuras (vide parágrafo 5.0). O importante, conforme ressaltado acima, é que ela também mascara o fato de que, com muita frequência, as crianças são vítimas quando adultos próximos a elas são explorados. Logo, embora muitas das iniciativas descritas abaixo tenham como alvo os adultos, elas podem também trazer benefícios de prevenção que serão importantes para as crianças. As intervenções são discutidas aqui sob os seguintes títulos: Tráfico de pessoas com efeito sobre crianças; Exploração sexual de crianças e adolescentes; e Advocacy 3.2 Tráfico de pessoas com efeito sobre crianças Ocorreram ações de cooperação internacional, nacional e local antes dos Jogos Olímpicos da Grécia em 2004 como reação ao "pânico moral" instigado pelas reportagens da mídia sobre o risco do tráfico de pessoas relacionado ao evento (Gould, 2010). As iniciativas implementadas em conjunto por diversos órgãos para tratar dos riscos para as crianças, tanto nesse como em outros grandes eventos esportivos que ocorreram posteriormente, incluíram: ação policial, estratégias de proteção infantil e conscientização sobre HIV/AIDS. Ação policial: Com foco específico no risco do tráfico de pessoas, as autoridades gregas desenvolveram um Plano de Ação Nacional contra o tráfico, acordado logo antes das Olimpíadas de 2004 por vários Secretários Gerais. Esse Plano teve seu foco central voltado para os esforços de aumento da força policial, com implantação de extensas patrulhas policiais e o estabelecimento de um programa de assistência jurídica. O governo pela primeira vez tomou algumas providências punitivas contra a cumplicidade policial no tráfico, incluindo: tornar o tráfico um crime do Código Penal; fornecer vistos temporários e serviços para as vítimas; e tornar a legislação mais rigorosa para que vistos de trabalho parassem de ser usados para traficar mulheres (Bowen e Shannon, 2009, 17). A implementação e a captação de recursos foram, no entanto, questões-chave. Na prática, não houve nenhum processo judicial diretamente promovido nos termos do Código Penal, e poucas vítimas foram auxiliadas em seus pedidos de visto antes dos Jogos (Pemberton Ford, 2012). 23 As intervenções para reduzir os riscos associados à Copa do Mundo da FIFA de 2006 na Alemanha também tiveram como foco o tráfico de pessoas com debates que frequentemente confundiram a questão como sinônimo de prostituição (Hennig et al., 2006). Isso levou à legalização do trabalho sexual no país antes da Copa do Mundo (Richter and Massawe, 2010, 222). Os esforços policiais foram diferentes em cada cidade-sede, mas incluíram grande aumento da presença policial e de centros de aconselhamento especializados. Houve uma grande cooperação entre os órgãos policiais de nível nacional e internacional, culminando na resolução do Parlamento Europeu no contexto de eventos esportivos mundiais e apoio para a campanha "Cartão Vermelho para Prostituição Forçada" para a Copa do Mundo de 2006 (Henning et al., 2006). Os processos judiciais também foram simplificados com sucesso para a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul, onde juizados especiais foram criados e abertos ... justiça incrivelmente rápida que normalmente levaria anos e mais anos. De algumas formas, o que a Copa do Mundo ofereceu à África do Sul foi um momento em que o governo decidiu que, finalmente, iria fazer seu trabalho direito. Nós talvez nunca mais vejamos a mesma determinação política. Dean Peacock, da ONG Sonke Gender Justice A abordagem em Vancouver para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2010 também teve seu foco voltado para o reforço na ação policial contra o tráfico. Ela foi coordenada pelo Departamento de Combate ao Tráfico de Pessoas da Colúmbia Britânica (na sigla em inglês: OCTIP), estabelecido em 2007 conforme o Protocolo de Palermo da ONU sobre tráfico: seu objetivo era coordenar todas as intervenções de linha de frente e de ação policial, bem como realizar monitoramento e vigilância. Apesar de não ter sido especificamente desenvolvida para os Jogos, foi a primeira estratégia desse tipo projetada antes dos Jogos, e ainda assim mirava também o momento seguinte aos Jogos, o futuro (Lepp, 2010, 49). A coordenação e a governança das reações ao risco do tráfico associado a grandes eventos esportivos foi particularmente forte nos Jogos Olímpicos de 2012 em Londres (veja Estudo de Caso Um). O governo do Reino Unido optou pela diretiva da União Europeia "sobre prevenção e combate do tráfico de pessoas e proteção de suas vítimas" e publicou um documento de seu Home Office [Departamento de Relações Exteriores] sobre a Estratégia contra o Tráfico de Pessoas em julho de 2011. O Centro contra Tráfico de Pessoas do Reino Unido [United Kingdom Human Trafficking Centre (UKHTC)] e a Agência contra Crime Organizado Grave [Serious Organised Crime Agency (SOCA)] também trabalharam com agências análogas em países de origem e de trânsito, unindo esforços para desfazer e prevenir o tráfico de pessoas (Bowen e Shannon, 2009, 25). De acordo com Cherti et al. (2012, 19), a verdadeira força da estratégia contra o tráfico humano do Reino Unido para as Olimpíadas foi o forte foco no legado e a ampliação de um entendimento do risco, para ajudar a informar as medidas de combate ao tráfico para futuros países-sedes das Olimpíadas. As provas confirmando a eficácia dessas medidas ainda não foram avaliadas. 24 Estudo de Caso Um: The Human Trafficking and London 2012 Network [Rede contra o tráfico de pessoas e Londres 2012] Órgãos públicos e privados uniram seus esforços para tratar dos riscos do tráfico e da prostituição antes, durante e após os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2012 em Londres. Coordenados pelo órgão da Grande Londres, os integrantes da Rede incluíam: o Departamento da Prefeitura de Policiamento e Crime, o Departamento de Polícia Metropolitana, o Conselho de Defesa da Criança de Londres, o "Home Office" (Departamento de Relações Exteriores), o Ministério da Justiça, Eaves, Anti-Slavery International, Stop the Traffik e o Exército da Salvação. A Rede lançou várias iniciativas em resposta tanto ao problema corrente de tráfico como aos riscos específicos em torno dos Jogos Olímpicos. Atividades abrangidas: demanda de tráfico, assegurando que as pessoas traficadas saibam como ter acesso a apoio, assegurar que o público saiba como reagir em caso de suspeita de tráfico, aumentar a consciência dos perigos do tráfico em países de origem, e melhorar o apoio no setor de justiça criminal para as vítimas do tráfico, da exploração sexual e do trabalho forçado. Apesar da dificuldade ainda existente para se avaliar o sucesso da resposta de Londres em 2012, as autoridades do Reino Unido encararam com seriedade os riscos que os Jogos representavam, e a Rede teve um melhor resultado do que as múltiplas campanhas sem coordenação que foram problemáticas em grandes eventos esportivos anteriores. Fonte: website do Conselho de Londres (2013) e http://cfab.s3.amazonaws.com/documents/15-107safeguarding-children-in-the-olympic-co-ordination-zone.pdf As estratégias de proteção infantil As iniciativas de vários órgãos prevenindo e protegendo as crianças do risco de exploração antes, durante e após grandes eventos esportivos têm sido predominantemente lideradas por estratégias de proteção infantil do governo do país-sede. A primeira comprovação dessa estratégia foi a Estratégia de Segurança Nacional para a Copa do Mundo de 2006, que incluía proteções nacionais específicas para as crianças. Um relatório de 2007 do governo alemão após a Copa do Mundo afirmou ter sido comprovado que a estratégia havia dado bons resultados, com o aumento da presença da polícia e melhor compartilhamento de informações. Ainda assim, há lacunas significativas nas comprovações de que a atenuação dos riscos possa de fato ser atribuída a medidas preventivas estruturadas especificamente para a Copa do Mundo (Morrow, 2008). O Governo da África do Sul, em parceria com ONGs, adotou uma estratégia de proteção infantil específica para a Copa do Mundo da FIFA em 2010. Em grande parte, isso ocorreu como resposta às ações de advocacy direta por parte da ONG defensora de direitos da infância Molo Songololo (Conteh, 2009, 386). Embora a estratégia pareça abrangente ao destacar a necessidade de minimizar os fatores de risco para abuso, exploração e tráfico de crianças durante o evento, ela não abordava a alocação de recursos financeiros nem de outros recursos para sua implementação (ibid). O Governo também foi amplamente criticado por sua lenta atuação (Richter e Massawe, 2010, 222), e não foram encontradas provas avaliando o impacto e a eficácia do planejamento de proteção infantil para esse evento. A Copa do Mundo de Crianças em Situação de Rua em Durban em 2010 na África do Sul foi sem dúvida mais eficaz (Estudo de Caso Dois). 25 Estudo de Caso Dois: A Copa Mundial de Crianças em Situação de Rua de 2010 em Durban, África do Sul A Primeira Copa Mundial de Crianças em Situação de Rua foi realizada em Durban, África do Sul, em março de 2010. Patrocinada pela Deloitte, o evento reuniu oito equipes de crianças então ou anteriormente em situação de rua, de ambos os sexos, com idade entre 14 e 16 anos, de organizações que lidavam com crianças em situação de rua no mundo todo. Entre os países representados estavam Brasil, África do Sul, Nicarágua, Ucrânia, Índia, Filipinas e Tanzânia. O conceito foi lançado pela ONG de direitos humanos do Reino Unido denominada Amos Trust, e o evento foi centralizado pela ONG focada em crianças em situação de rua com base em Durban, a Umthombo Street Children. Além de competirem num campeonato de futebol, as crianças criaram obras de arte para exposição e participaram de um congresso de jovens. Os resultados desse congresso foram publicados em novembro de 2010 sob o título de Declaração de Durban, pedindo o reconhecimento e a defesa dos direitos das crianças em situação de rua. As meninas que participaram dessa Copa Mundial também emitiram um Manifesto das Meninas em Situação de Rua. O evento foi uma vigorosa iniciativa de advocacy, ampliando a consciência do direito das crianças em situação de rua a serem ouvidas, a um lar, à proteção contra violência e a saúde e educação, e começou a instigar alterações legislativas sobre as crianças em situação de rua nos países das respectivas equipes. Outra alegação é que a conscientização gerada pelo evento também acarretou o banimento das batidas policiais visando as crianças em situação de rua em Durban que ocorriam com frequência antes de visitas internacionais ou antes de grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo. Também houve benefícios para muitas das crianças que participaram do evento quando voltaram a seus países de origem e receberam bolsas de estudos ou foram reencaminhadas para lares de família. Como resultado do sucesso observado, uma Copa do Mundo de Crianças em Situação de Rua está sendo planejada para 2014, no Brasil. Fonte: website da Copa do Mundo de Crianças em Situação de Rua (2013) http://streetchildworldcup.org A organização ECPAT promoveu com sucesso um Código de Conduta referente a proteção infantil e turismo que tem relevância clara para o fluxo de visitantes em grandes eventos esportivos (Estudo de Caso Três) Estudo de Caso Três: ECPAT e o Código de Conduta para a Proteção de Crianças contra a Exploração Sexual em Viagens e Turismo O Código de Conduta é uma iniciativa de múltiplas partes interessadas, criada pelo setor de viagens e turismo para promover a conscientização, as ferramentas e o apoio ao setor de turismo, de maneira a enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes em destinos turísticos. Iniciado pela ECPAT, o Código é agora uma entidade independente, com o apoio da Organização Mundial de Turismo, da UNICEF e da ECPAT em todo o mundo. Os operadores turísticos e as organizações de turismo que assinam o Código de Conduta se comprometem a informar os clientes de sua política de proteção infantil, treinar suas equipes em direitos da infância, denunciar casos de exploração sexual e aplicar outras medidas de proteção às crianças. O Código é uma das primeiras iniciativas para definir o papel e as obrigações das organizações de turismo no que se refere à exploração sexual de crianças e adolescentes. Fonte: website do Código: (2013) http://www.thecode.org A partir das críticas feitas à falta de colaboração em grandes eventos esportivos anteriores, os organizadores dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Londres de 2012 (LOCOG) atribuíram uma importância especial ao trabalho em parceria para responder às necessidades de crianças em risco. O Ponto Único de Contato (na sigla em inglês: SPOC) de Londres para questões de salvaguarda (proteção infantil), administrado pelo Conselho de Proteção Infantil de Londres [London Safeguarding Children Board] (2012) é um exemplo disso (ECPAT, 2012). O Grupo contra o Tráfico do Conselho (Estudo de Caso Um) também foi 26 estabelecido para assegurar que os Conselhos de Proteção Infantil de Londres e de outras cidades envolvidas, os Distritos Olímpicos e as agências parceiras estivessem preparados para os potenciais desafios na proteção à infância durante os Jogos, bem como para influenciar as entidades fornecedoras das Olimpíadas, no que dizia respeito a priorizar a proteção à infância em todos os pontos de planejamento e fornecimento. Como exemplo, a LOCOG elaborou um "Procedimento para Avaliação de Preocupações de Proteção referente a Crianças e Adultos Vulneráveis", que serviu como documento de controle para todos que tiveram contato com crianças e adultos vulneráveis durante os meses dos Jogos (Pemberton Ford, 2012). O Conselho também preparou um kit para ajudar assistentes sociais e outras autoridades responsáveis a identificar potenciais casos de tráfico de crianças, bem como para preparar uma avaliação das práticas ideais e técnicas de identificação (London Safeguarding Children Board, 2012). No que tange a estratégias de proteção infantil em grandes eventos esportivos anteriores, o monitoramento e a avaliação foram negligenciados, de forma que os dados de pesquisa existentes são escassos demais para permitir o exame da eficácia dessas intervenções. As abordagens programáticas para tratar de riscos específicos à infância em grandes eventos esportivos foram iniciativas pioneiras, implementadas principalmente por ONGs, embora existam provas do envolvimento ou financiamento de órgãos públicos em determinados eventos. O governo grego, por exemplo, liberou três milhões de Euros a ONGs para darem apoio a vítimas do tráfico durante os Jogos Olímpicos de 2004. Três novos abrigos do governo também foram abertos para oferecer uma capacidade adicional aos abrigos de ONGs existentes, e foram oferecidos recursos a ONGs para que conduzissem avaliações em ruas, que levaram diretamente à identificação e ao repatriamento de seis crianças traficadas (Bowen e Shannon, 2009, 17). As atividades programáticas de ONGs aumentaram dramaticamente desde os Jogos Olímpicos de 2004 na Grécia e a Copa do Mundo da FIFA em 2006 na Alemanha: Jogos Olímpicos da Grécia de 2004 – a ONG internacional Terre des Hommes, em parceria com a ONG grega Arsis, estabeleceu operações na área com o projeto Resposta Emergencial Contra o Tráfico de Crianças [Emergency Response Against Child Trafficking (ERACT)]; Copa do Mundo da FIFA de 2006 na Alemanha – as ONGs aumentaram a capacidade de abrigos: o foco das intervenções de ONGs foi em campanhas de conscientização para reduzir a demanda, já que o financiamento estava escasso para trabalhos práticos como aconselhamento ou assistência a vítimas (Hennig et al., 2006); Jogos Olímpicos de Inverno de Vancouver em 2010 – O Exército da Salvação abriu uma casa de segurança para mulheres traficadas para o comércio sexual em 2010, mas não há provas de esforços programáticos focados crianças em risco antes, durante ou após os Jogos (Vancouver Observer, 2010); Jogos Olímpicos de Londres em 2012 – O Exército da Salvação recebeu 6 milhões de libras do governo do Reino Unido para liderar o cuidado de adultos vítimas do tráfico (Weir, 2012). 3.3 Exploração sexual de crianças e adolescentes Há poucas provas de iniciativas de múltiplas agências usando os grandes eventos esportivos como plataforma para abordar as condições culturais e socioeconômicas mais amplas que 27 possam aumentar o risco da exploração sexual de crianças e adolescentes. Um dos poucos exemplos é o da Copa do Mundo da FIFA em 2010 na África do Sul. O Setor de Esporte e Entretenimento da SANAC [Conselho Nacional sobre AIDS da África do Sul] coordenou e administrou uma abordagem multissetorial usando a Copa do Mundo como plataforma para promover a conscientização e a prevenção do HIV/AIDS. O foco principal dos programas da ONG para esse evento era reduzir os riscos da exploração sexual por meio de programas de saúde e atividades focadas no trabalho, por exemplo pela SWEAT [Força-tarefa de defesa e educação para profissionais do sexo] e pelo movimento Sisonke [movimento dos próprios profissionais do sexo]. Pela primeira vez, no entanto, as ONGs também reagiram especificamente para abordar os riscos à infância antes, durante e após a Copa do Mundo. Entre elas, estavam: o programa de férias do grupo “Concerned Parents for Missing Children” para crianças em idade escolar (Langenberg, 2011); “estações de comida” da Childline, para alimentar as crianças durante as férias escolares prolongadas durante a Copa do Mundo (USAID 2010); a parceria entre World Vision South Africa, Johannesburg Child Welfare e Olive Leaf Foundation para administrar um Espaço Amigável à Infância no Estádio Elkah em Soweto; o envolvimento do Ultimate Goal na coordenação do treinamento e da mobilização de 2.000 igrejas em aproximadamente 600 cidades e vilas sul africanas para operar os eventos; embaixadores do Sport Africa que trabalharam com igrejas envolvidas em operar clubes de férias, campos de futebol, clínicas de futebol e torneios com o objetivo de manter as crianças seguras; Mr Price (uma loja de varejo) que respondeu ao risco de tráfico de crianças fazendo parceria com Open Door, Development House, Childline e a prefeitura de eThekweni para tornar suas lojas seguras; Kidz Clinic KwaZulu – Natal que promoveu um Clube de Férias para crianças com 3 semanas de duração; três escritórios provinciais do Childline que criaram espaços próprios à infância nos parques de torcedores; Umthombo Street Children e Universidade de Durban de Tecnologia que sediaram a Copa do Mundo Deloitte das Crianças em Situação de Rua; um projeto local, Keeping Them Safe, desenvolvido pela prefeitura de Stellenbosch como um projeto de férias para proteger as crianças dessa cidade (Jelbert, 2010). Em 2012, ECPAT também executou a campanha Don’t Lose (Estudo de Caso Quatro). Estudo de Caso Quatro: A campanha “Don’t Lose!” na EURO 2012 Essa foi uma grande campanha de aumento de conscientização implementada na Polônia e na Ucrânia antes e durante a realização da EURO 2012 nesses dois países. É um exemplo de uma campanha abrangente de aumento de conscientização pois as envolveu partes interessadas relevantes, visou os públicos-chave e abordou todas as formas de exploração sexual de crianças. Ela deve portanto servir de exemplo para futuros esforços para o aumento da conscientização sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (ESCA) na Polônia. A NCF na Polônia e o Fundo de Bem-Estar da Criança e La Strada na Ucrânia, em cooperação com instituições governamentais iniciaram a campanha “Don't Lose!” [Não perca!] para prevenir a exploração sexual durante grandes eventos esportivos. Essa campanha foi especial na Polônia pois abordou todas as 28 formas de ESCA, tendo como alvo tanto a juventude como potenciais exploradores de crianças vítimas que poderiam alimentar a demanda de sexo pago com crianças e/ou adolescentes. A campanha incluiu a produção e a disseminação de materiais educativos para uso em salas de aula durante o ano letivo, além de treinamento para profissionais que trabalhavam com crianças. Crianças e adolescentes foram também informados sobre os serviços de apoio disponíveis para vítimas da exploração sexual, incluindo uma maior conscientização sobre a linha de ajuda nacional. Também foram publicados, como parte dessa campanha, pôsteres, panfletos e folhetos que informavam os torcedores de futebol, os turistas e outros viajantes sobre leis da Polônia ou da Ucrânia relacionadas à exploração sexual, em polonês, inglês, russo e ucraniano, com ampla divulgação nos países, com a ajuda de parceiros do setor privado (inclusive hoteis, aeroportos, etc.). Para aprofundar o engajamento do setor privado, a campanha foi usada como plataforma para implementar e promover o Código. Fonte: ECPAT (2012b) A tecnologia também foi usada para diversas intervenções. Linhas diretas, por exemplo, foram implantadas pela primeira vez durante os Jogos Olímpicos de 2004, quando o governo grego lançou uma linha direta para vítimas nacionais (GAATW, 2011). Na Copa do Mundo de 2006 na Alemanha, três linhas diretas nacionais foram criadas – duas para vítimas e uma para clientes para denunciar casos suspeitos (Bowen e Shannon, 2009, 21). As ONGs Solwodi e FiM também estabeleceram suas próprias linhas diretas para vítimas de tráfico durante o evento (Hennig et al., 2006). Durante a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul, a linha direta SACTAP da IOM ampliou seus horários de atendimento, o Exército da Salvação implantou uma linha direta em sete línguas diferentes, a SWEAT implantou uma linha direta para profissionais do sexo, a Childline ofereceu um serviço de aconselhamento online, e as organizações Life Line e Rape Crisis também ofereceram uma linha direta para ligações gratuitas. As avaliações dessas iniciativas mostram que as ONGs não estavam cientes das atividades umas das outras, reforçando a necessidade de parcerias melhores e de uma melhor comunicação em intervenções futuras (Langenberg, 2011). Ainda assim, as linhas diretas foram valiosas como ferramenta em relação aos riscos no evento. O Exército da Salvação implantou uma linha direta 24 horas para vítimas do tráfico durante todo o período dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 (Weir, 2012), e uma linha telefônica de aconselhamento contra tráfico de crianças também funcionou (Bowen e Shannon, 2009, 26). A Rede Human Trafficking and London 2012 também ofereceu uma linha direta para denúncia de tráfico, possibilitada pela Polícia Metropolitana (Pemberton Ford, 2012). Novamente, também aqui, há uma falta de dados de avaliação sobre essas iniciativas. Uma nova tecnologia que poderá ser usada para futuros grandes eventos esportivos é um aplicativo desenvolvido pela INEQE (Estudo de Caso Cinco). 29 Estudo de Caso Cinco: O aplicativo para Smartphone INEQE de defesa A associação beneficente Children and Families Across Borders solicitou o desenvolvimento desse recurso de treinamento em proteção da criança como parte dos preparativos anteriores aos Jogos Olímpicos de Londres em 2012. Com recursos da Comic Relief, e desenvolvido pela sociedade de novas tecnologias INEQE Safe and Secure, o aplicativo para Internet e Smartphone "Child Trafficking Basics" [Informações básicas sobre tráfico de crianças] é uma intervenção com abordagem específica dos riscos de exploração sexual enfrentados pelas crianças. Concebido especificamente para os principais agentes atuando em policiamento, assistência social, educação e imigração, bem como para um treinamento mais abrangente em proteção infantil, o aplicativo contém informações que auxiliam os usuários a identificar, proteger e resgatar crianças vítimas do tráfico. Fonte: Children and Families Across Borders (2013) http://www.cfab.org.uk Conforme ilustrado no Estudo de Caso Seis, a abordagem de quatro frentes da UNICEF para a Copa do Mundo da FIFA de 2010 na África do Sul incluía a abertura de espaços infantis nos Fan Fests da FIFA. A cada entrada havia um posto com fitas de identificação, onde os pais e as crianças podiam, se quisessem, pegar pulseiras de identificação para usar. Esse sistema permitia que uma equipe treinada reunisse crianças perdidas e seus pais. Embora a FIFA tenha realizado suas próprias iniciativas de desenvolvimento social na África do Sul durante a Copa do Mundo de 2010, Harper et al. (2010, 4) alegam que a FIFA não colaborou com as iniciativas empreendidas por outros grupos e ignorou todas as recomendações de parceria, com exceção da distribuição de camisinhas nos estádios. Um grande número de ONGs realizou ações de atenuação dos riscos de exploração de crianças e adolescentes associados à Copa do Mundo, mas houve pouca coordenação entre elas. Os mesmos autores argumentam que o governo da África do Sul e a FIFA foram parceiros notavelmente ausentes de programas especiais que abordavam riscos da exploração sexual (Harper et al., 2010, 3). 30 Estudo de Caso Seis: A Copa do Mundo da FIFA de 2010 como plataforma para lidar com a pobreza e a exploração de crianças e adolescentes A Copa do Mundo na África do Sul foi o primeiro grande evento esportivo em que programas específicos trataram da vulnerabilidade infantil à exploração por meio de programas de redução da pobreza: A abordagem de 4 frentes da UNICEF na África do Sul (2010): (1) Proteção infantil (treinamento de 1.000 assistentes sociais e profissionais especializados na área infantil, alocados nos pontos de maior risco das cidades-sede; campanha informativa "Red Card" [Cartão Vermelho] da OIT, lançada pela primeira vez em 2002; Adoção do Código Internacional contra a Exploração Sexual de Crianças em Viagens e Turismo; espaços dedicados às crianças em 4 Fan Fests da FIFA) (2) Esporte-para-o-Desenvolvimento (21 festivais esportivos comunitários por todo o país) (3) Promoção das metas do milênio para o desenvolvimento - MDGs (reivindicação e defesa da visão para 2015) (4) Meios de comunicação em geral e Internet (cooperação de parceiros do setor privado na distribuição de mensagens sobre proteção infantil e esporte para o desenvolvimento) Iniciativas de Desenvolvimento Social da FIFA: campanha "20 centros para 2010" (serviços de saúde e educação para jovens) programa "Vencer na África com a África" (apoio a organizações locais de desenvolvimento social) Não há atualmente nenhuma comprovação nem acompanhamento sistemático dos impactos desses programas de desenvolvimento comunitário sobre a vulnerabilidade infantil à exploração. Aparentemente, embora a demonstração dos benefícios do legado a ser deixado seja de extrema importância para a licitação para grandes eventos esportivos, não houve nenhuma avaliação crítica dos benefícios de tal legado a longo prazo. Ainda resta comprovar se as promessas tentadoras de legado da Copa do Mundo existem para realmente atender às necessidades coletivas ou apenas para promover interesses pessoais prévios (Bob et al., 2010, 7; Czeglédy, 2009, 243). 3.4 Advocacy As intervenções de advocacy – via mídia, educação ou intervenções diretas – destacaram-se entre os esforços para tratar dos riscos da exploração de crianças e adolescentes associados a grandes eventos esportivos. Os riscos específicos focalizados por tais intervenções, discutidos abaixo, são o trabalho infantil e o tráfico de pessoas para exploração sexual. Advocacy contra trabalho infantil O trabalho infantil foi a primeira questão relacionada a grandes eventos esportivos a ser tema de campanhas de ONGs. A campanha “Foul Ball” do International Labor Rights Forum [ILRF], lançada em 1996, surgiu a parte de preocupações com a exploração do trabalho na manufatura de bolas de futebol (ILRF, 2001). A proteção relacionada ao trabalho infantil foi o único tipo de intervenção durante a Copa do Mundo de 2002 no Japão e na Coreia, com a Marcha Mundial contra o Trabalho Infantil que deu início a uma campanha de maior vulto, a “Kick Child Labour out of Soccer" [Chute o trabalho infantil para fora do futebol], antes do evento. Essa campanha teve bom resultado e motivou o acordo entre a FIFA, a Federação Mundial da Indústria de Artigos Esportivos (incluindo Adidas-Salomon, Nike, Puma, Decathlon e Reebok), e a Sports Goods Foundation of India (SGFI) [Fundação de Artigos Esportivos da Índia], para que nenhuma bola usada na Copa do Mundo fosse fruto do trabalho infantil, e que as empresas não usassem mais o trabalho infantil na manufatura das bolas de futebol (Donnelly e Petherick, 2004). Pode-se dizer que a melhor campanha de advocacy desse tipo é a Play Fair (Estudo de Caso Sete). 31 Estudo de Caso Sete: "Play Fair" [Jogo honesto] A campanha "Play Fair at the Olympics" [Jogo honesto nas Olimpíadas] foi uma das maiores mobilizações jamais ocorridas no mundo a respeito das condições humanas de trabalho. A campanha foi lançada nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004, com o objetivo de eliminar a exploração e o abuso de trabalhadores (principalmente mulheres) no setor de fabricação de artigos esportivos no mundo todo. (Playfair, 2008, 4). A campanha concentrou-se em reivindicações feitas diretamente a empresas de calçados atléticos e esportivos, o Comitê Olímpico Internacional (COI), seus comitês organizadores e os Comitês Olímpicos nacionais, bem como frente a governos nacionais, no sentido de que fossem tomadas medidas identificáveis e concretas para eliminar a exploração de trabalhadores. Especial atenção foi dada ao COI, para conseguir que eles se comprometessem a apoiar os direitos fundamentais dos trabalhadores já na Declaração Olímpica, com a elaboração de sistemas de denúncia de casos de exploração no setor esportivo. "Play Fair" [Jogo honesto] continua sendo uma intervenção muito vigorosa de reivindicação e defesa. A campanha tem estado presente em todos os grandes eventos esportivos desde os Jogos Olímpicos de 2008 em Beijing e os Jogos Olímpicos de Inverno de 2010 em Vancouver. Mais recentemente, foi desenvolvida a campanha Play Fair 2012, que atuou durante três anos nos preparativos para os Jogos Olímpicos de 2012 em Londres. A campanha "Play Fair" atualmente reivindica condições decentes de trabalho no Brasil, nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. A campanha está realizando uma das primeiras intervenções de advocacy com foco no problema de exploração do trabalho no desenvolvimento de infraestrutura em torno dos estádios. Fonte: website da campanha Playfair (2013) http://play-fair.org Embora não tenham sido encontrados indícios de outras campanhas informativas importantes durante os Jogos da Commonwealth de 2010 em Délhi, houveram algumas poucas iniciativas de reivindicação feita diretamente por ONGs, com foco na questão do trabalho infantil. Entre elas estavam a ONG Kingsway Camp, que fez reivindicações diretas para que o governo se encarregasse do “Scheme for the Rehabilitation of Child Beggars & Street Children in NCT of Delhi” [Plano para Reabilitação de Crianças Pedintes e Crianças em Situação de Rua em Délhi] (Juvenile Justice National Desk, 2013), e a ONG Child Rights and You (CRY), que fez uma campanha contra a violação dos direitos infantis na construção dos espaços para os Jogos da Commonwealth (Child Rights and You, 2011). Advocacy contra o tráfico de pessoas para exploração sexual Uma atenção maior tem sido dada à questão do tráfico de pessoas e da exploração sexual em intervenções de advocacy em grandes eventos esportivos. Essas abordagens começaram nos Jogos Olímpicos de 2004 na Grécia, com várias campanhas que usaram a mídia para aumentar a conscientização sobre o tráfico. A ONG Terre des Hommes patrocinou folhetos distribuídos pelas agências de viagem para informar pessoas viajando para os Jogos sobre questões de tráfico de crianças (Hennig et al., 2006, 19). O Ministério das Relações Exteriores também financiou o atendimento judicial gratuito para vítimas do tráfico (GAATW, 2011). No entanto, não parece existir qualquer avaliação de tais atividades de combate ao tráfico. As intervenções de advocacy com o objetivo de reduzir a demanda de trabalho sexual constituíram a estratégia básica na abordagem dos riscos do tráfico de pessoas relacionados à Copa do Mundo da FIFA de 2006 na Alemanha. Cinco campanhas importantes foram empreendidas durante o evento: 32 1) "Final Whistle – Stop Forced Prostitution" [Apito Final – Parem a Prostituição Forçada] pelo Conselho Feminino da Alemanha [German Women’s Council]; 2) "Red Card for Sexual Exploitation and Forced Prostitution" [Cartão Vermelho para a Exploração Sexual e Prostituição Forçada] pela ONG Solwodi; 3) "Stop Forced Prostitution" [Parem a Prostituição Forçada] pela ONG Frauenrecht ist Menschenrecht (FiM) [O direito das mulheres é o direito das pessoas humanas]; 4) "Action Against Forced Prostitution" [Ação Contra a Prostituição Forçada] pela organização de bem-estar social Diakonie da Igreja Protestante; 5) uma campanha lançada pelos Instituto de Migração e Fundação MTV Europe, Agência de Cooperação ao Desenvolvimento Internacional da Suécia (Sida) e World Childhood Foundation. Além disso, muitas ONGs lançaram suas próprias campanhas regionais, de menor dimensão, sobre os problemas do tráfico usando Serviços de Anúncios ao Público, panfletos, pôsteres, cartões postais e a Internet (Hennig et al., 2006). Várias organizações internacionais também emitiram declarações de imprensa sobre a questão, incluindo OIT, UNICEF e a Anistia Internacional, e anúncios foram oferecidos sem custo para emissoras, direcionando os espectadores para uma página da Internet com informações adicionais sobre como fazer denúncias anônimas em caso de suspeita de tráfico (Bowen e Shannon, 2009, 21). Não foram encontradas provas de serviço específico de mensagens sobre exploração sexual de crianças e adolescentes. Apesar das alegações feitas pelo Parlamento Europeu, pela OIT e por ONGs em relação ao impacto dessas iniciativas de advocacy sobre o não aparecimento do fluxo previsto de profissionais do sexo, também não há dados empíricos confiáveis para demonstrar tal impacto (Henning et al., 2006, 7). A Copa do Mundo da FIFA de 2010 na África do Sul abordou pela primeira vez a exploração sexual de crianças e adolescentes em um grande evento esportivo. Várias grandes campanhas e programas educacionais para aumentar a consciência sobre os riscos do tráfico de pessoas aconteceram antes, durante e após o evento, com notável destaque para as organizações religiosas: SWEAT e Sisonke distribuíram materiais de sexo seguro e organizaram programas de treinamento dos profissionais do sexo para lidar com a mídia, incluindo a assinatura de formulários de consentimento adequados; A Campanha Mundial Contra a AIDS [World AIDS Campaign (WAC)] desenvolveu um folheto informativo com foco no trabalho sexual, nos direitos humanos e no direito penal; líderes dos grupos de profissionais do sexo da Sisonke de Joanesburgo e da Cidade do Cabo receberam treinamento em direitos humanos e cuidados psicossociais; “Red Card Campaign” [Campanha do Cartão Vermelho] (Estudo de Caso Oito); o Departamento de Desenvolvimento Social, em cooperação com o Nelson Mandela Children’s Fund e numerosas organizações da sociedade civil lançaram a campanha “Champions For Children” [Campeões para a Infância] visando garantir a proteção e a segurança das crianças durante a Copa do Mundo (USAID, 2010); a Fair Trade Tourism da África do Sul lançou um Código Internacional contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças em Viagens e Turismo, com 39 signatários, aumentando a consciência sobre a exploração sexual comercial de crianças em turismo imediatamente antes e durante a Copa do Mundo; 33 entre as campanhas de informação (imprensa, rádio e Internet) estavam: a campanha Straatwerk “Valuable to Jezus”, Not for Sale – stop slavery, a campanha STOP CARE, a campanha educativa Girl Guides – anti-TIP, treinamento do Exército da Salvação (Jelbert, 2010); os seguintes agentes levaram apresentações educativas a escolas, grupos civis e à polícia: Instituto de Migração e Justice ACTS = Traffick Proof, KZN Task Team, Exército da Salvação, New Life Centre for Girls, Child Welfare Group, programa Mother Tongue, Embaixadores do Esporte na África, Molo Songololo (Jelbert, 2010). Estudo de Caso Oito: Campanhas de "Cartão Vermelho" na Copa do Mundo da FIFA de 2010 Ocorreram duas campanhas principais "Cartão Vermelho" na Copa do Mundo de 2010 na África do Sul: Adotada pela OIT, pela UNICEF, pelo Exército da Salvação e pela campanha "Not for Sale", a campanha "Give the Red Card to Child Exploitation" [Dê o Cartão Vermelho para a Exploração Infantil] tinha como meta reduzir a vulnerabilidade de crianças, especialmente meninas, à exploração durante e após o evento. Os cartões promoveram a consciência sobre exploração sexual, ampliando a capacidade e a disponibilidade das pessoas para intervenções de prevenção e/ou para denunciar, e tinham como meta mudar as atitudes e os comportamentos, principalmente entre homens e meninos; Uma campanha "Cartão Vermelho" também foi realizada pela Rede Sonke Gender Justice e pelas ONGs Grassroot Soccer e Matchboxology. Com recursos principalmente fornecidos pela Fundação Oak, os Cartões Vermelhos também tinham como objeto impedir a exploração sexual de crianças e adolescentes, o assédio sexual e a violência sexual na África do Sul. Em resposta ao feedback positivo da campanha, a Sonke continuou a utilizar essa intervenção de observação paralela desde o final da Copa do Mundo, com o objetivo de prevenir a violência de homens contra mulheres. Os estudos realizados sugerem que os Cartões Vermelhos deram bom resultado com sua abordagem de múltiplas parcerias e com a estrutura apresentada para interpretar e julgar as relações sexuais além das restrições familiares contra sexo antes do casamento e com a utilização poderosa de um símbolo que incentivava a reflexão e os debates entre o público em geral. O principal ponto fraco dessa campanha foi o fato de não conseguir apontar um caminho para o futuro. O feedback recebido mostrou que seriam necessários mais conselhos concretos sobre os recursos disponíveis e sobre como as pessoas e as comunidades poderiam se mobilizar para tomar providências a respeito (Colvin, 2011, 1). A campanha também foi criticada por não conseguir abordar a questão de gênero e sua relação com a exploração sexual, e por não olhar para as principais causas da exploração (Colvin, 2011, 8). Assim como a campanha Cartão Vermelho, as Olimpíadas de Inverno de 2010 em Vancouver contaram com uma abordagem de advocacy focada nos “Cartões de Bolso”. Esses kits educacionais sobre tráfico de pessoas foram distribuídos em controles de fronteiras, locais de encontro social, escolas canadenses e junto com pacotes de ingressos (Lepp, 2010, 49). Também foram incluídas informações detalhadas sobre os serviços oferecidos pelo Escritório de Combate ao Tráfico de Pessoas da Colúmbia Britânica em todas as mochilas de Segurança nos Jogos, que eram distribuídas entre os espectadores dos Jogos. Várias ONGs e vários grupos religiosos também iniciaram uma série de campanhas públicas de conscientização prevendo a chegada dos visitantes na cidade. Por exemplo, em maio de 2009, a REED, uma organização de base cristã, lançou oficialmente sua campanha “Buying Sex is Not a Sport” [Pagar por sexo não é um esporte], e o Exército da Salvação lançou uma campanha similar, intitulada “The Truth is Not Sexy” [A verdade não é sexy] (ibid). Algumas 34 ONGs, inclusive Anti-Slavery, Hope for Justice, CARE, ECPAT e Beyond the Streets, também empreenderam campanhas e ofereceram recursos de treinamento na Internet sobre o risco de exploração sexual nos Jogos Olímpicos de 2012 em Londres (Weir, 2012). As provas da eficácia das intervenções de advocacy são limitadas e não há estudos que ofereçam dados sólidos sobre seu impacto na redução de vulnerabilidade à exploração sexual de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos. Por si só, as ações de advocacy não são suficientes para diminuir a vulnerabilidade à exploração sexual, já que elas não abordam as principais causas da exploração (Hamman, 2011, 21). São necessárias outras comprovações da conexão entre o aumento da conscientização e o nível de ocorrência da exploração sexual para que a avaliação dessas intervenções pudesse ser confiável. Além disso, os riscos da exploração sexual parecem estar ofuscados pela pauta do tráfico de pessoas no âmbito geral de combate à exploração. Os defensores dessas abordagens precisam ter cuidado para não reforçar a ideia de que tais riscos apenas estejam presentes na proximidade de grandes eventos esportivos. Devem, ao contrário, utilizar a plataforma desses eventos como um catalisador para que os países-sede incluam a proteção de crianças e adolescentes de forma mais ampla e abrangente em seus planos de atuação. 3.5 Conclusão As iniciativas conjuntas focadas apenas na legislação são importantes, mas constituem apenas um ponto de partida (Hamman, 2011, 14). Ações focadas nas conjunturas globais, nacionais e individuais que tornam crianças e adolescentes mais vulneráveis à exploração são tão importantes quanto as intervenções do lado da demanda, em relação aos riscos associados à Copa do Mundo de 2014 no Brasil (Morrow, 2008, 264). Ao mesmo tempo em que se alega que as leis contra o tráfico de pessoas no Brasil são aplicadas de maneira corrupta, é fato que 24% da população vive abaixo da linha da pobreza, com todos os problemas daí decorrentes. Resolver essas questões enquanto se investe dinheiro público em infraestrutura de estádios (o que inclui US$ 3,5 bilhões para a reforma dos estádios para os Jogos Olímpicos e mais de US$1,5 bilhão para os estádios da Copa do Mundo e as instalações esportivas (Alm, 2012, 80)) é portanto um importante desafio para o governo brasileiro e os organizadores da Copa do Mundo de 2014. 35 Tabela 3: Fatores que inibem um bom trabalho de proteção de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos COMPORTAMENTO ORGANIZAÇÃO Ignorância e falta de conscientização e compreensão Medo Segredo Negação O tabu da violência sexual PROCEDIMENTO Abusos não denunciados Dificuldade de execução das políticas Falta de um legado de aprendizado compartilhado entre grandes eventos esportivos Falta de abordagens que envolvam crianças/ participantes Falta de informações que possam ser confirmadas Falta de políticas e procedimentos Falta de avaliações sobre os riscos Falta de critérios obrigatórios de proteção de crianças e adolescentes nas licitações para grandes eventos esportivos Falta de bons modelos para avaliação contínua Falta de planejamento de longo prazo Falta de liderança, especialmente em cargos mais altos Inércia política e legislativa Obsessão por dinheiro Pressão de tempo, energia e recursos (“falta de capacidade para lobby internacional ou coleta de provas”) Interesses disfarçados Foro e competência (mentalidade de “compartimentos”, “não é nosso problema”, “abordagem da cabeça na areia”) A dimensão e a complexidade de algumas das organizações envolvidas Dificuldade na adaptação de ações a diferentes tipos e tamanhos de organizações Dados insuficientes para sensibilizar o setor privado a adotar ações nas práticas de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade Falta de transparência/ democracia no governo Fazer com que patrocinadores prestem atenção ao problema Preocupações sobre riscos à reputação por se associar com a questão Desvio de recursos para esportes de elite Parceria com patrocinadores inapropriados, por exemplo, bebidas alcoolicas Apesar da falta de dados para avaliação, recebemos relatos das agências de que suas estratégias de intervenção funcionaram melhor quando foram bem coordenadas e tinham um conceito claro de segurança para crianças e adolescentes que agregava valor a trabalhos já existentes nos órgãos de proteção. As pessoas que consultamos relataram vários fatores que dificultam o trabalho de proteção de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos (Tabela 3). Todos esses fatores significam que os pesquisadores e agentes de intervenção estão trabalhando no que um dos entrevistados chamou de “terreno perigoso”. Está claro que as intervenções anteriores de campo e de defesa da causa foram fortemente influenciadas pela maior visibilidade da questão do tráfico de pessoas. Apesar de a última Copa do Mundo na África do Sul ter realizado algumas intervenções específicas para crianças e adolescentes, como as pulseiras de identificação e os programas de férias, pouquíssimas iniciativas conjuntas de órgãos ou iniciativas de advocacy foram direcionadas especificamente para a prevenção da exploração de crianças e adolescentes. 36 4.0 Mensagens para os profissionais que trabalham pelos direitos de crianças e adolescentes e organizadores de eventos esportivos internacionais 4.1 Lições tiradas da análise Ninguém que trabalhe pela promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, e que entenda os problemas relacionados a grandes eventos esportivos, espera que seu trabalho seja fácil. De fato, um entrevistado descreveu o trabalho como “um desafio do tamanho de um enorme gorila!” As pessoas envolvidas diariamente na prevenção da exploração nos contaram que, por vezes, tiveram seu trabalho dificultado pelo grande número de outras entidades ou organizações “chegando na cidade” para grandes eventos esportivos. Ainda assim, algumas descobertas detalhadas desta análise poderão auxiliar os que estiverem atuando na atenuação de riscos em futuros grandes eventos esportivos (Tabela 4). Tabela 4: Principais descobertas e conselhos para organizadores de eventos e defensores da causa Descoberta Algumas ONGs e profissionais têm seu trabalho interrompido ou repetido por outras ONGs externas durante os grandes eventos esportivos Falta de coordenação entre os organizadores de eventos e os grupos de defesa da causa por diversos motivos: promoção da marca / lealdade, competição por fontes de renda, guerras territoriais, interesses pessoais e egos etc. A exploração de adultos – seja de profissionais do sexo ou de trabalhadores da construção civil – muitas vezes mascara os abusos infantis Há uma enorme falta de monitoramento e avaliação e, por consequência, também de dados sistemáticos que demonstrem a eficácia e os impactos de intervenções anteriores Os projetos de pesquisa quantitativos, inclusive entrevistas, produzem apenas uma comprovação limitada das experiências de risco e segurança de crianças e adolescentes nos grandes eventos esportivos Conselho para organizadores de eventos e defensores da causa Estabelecer o quanto antes uma coalizão entre todos os parceiros pertinentes e desenvolver uma estratégia coerente que atribua responsabilidades claras, sem obstruir a rotina das ONGs locais Garantir um Memorando de Cooperação, ou documento similar, entre todos os parceiros da coalizão para colocar os interesses das crianças e dos adolescentes acima dos interesses das instituições Assegurar que a exploração de crianças e adolescentes se torne visível em todas as intervenções Garantir que todas as intervenções incluam planos sólidos de monitoramento e avaliação, desde o início Garantir que os planos de monitoramento e avaliação adotem projetos com diversos métodos que ofereçam provas quantitativas (estatísticas) e qualitativas (de experiência prévia) 37 Descoberta Muitas vezes, é difícil identificar a relação de causa e consequência entre os grandes eventos esportivos e os riscos de exploração de crianças e adolescentes por causa da enorme complexidade das questões O tráfico de pessoas é a prioridade esmagadora dos programas atuais de atenuação de riscos associados aos grandes eventos esportivos As cidades candidatas a sede fazem grandes promessas de legado com benefícios de desenvolvimento social que raramente são acompanhadas de provas comprobatórias posteriores A atenuação de riscos de exploração de crianças e adolescentes ainda não é obrigatória para candidatos a sede de grandes eventos esportivos Os trabalhos de prevenção em grandes eventos esportivos muitas vezes deixam de fazer a distinção entre beneficiários adultos e crianças/adolescentes Há pouca consulta ou envolvimento significativo de crianças e adolescentes no desenvolvimento de intervenções de proteção Conselho para organizadores de eventos e defensores da causa Não supor que ausência de dados = ausência de problemas Ampliar o olhar dos formuladores de políticas, programadores e defensores para incluir a possibilidade de exploração de crianças e adolescentes associada a outras questões ligadas aos grandes eventos esportivos, como deslocamento de pessoas e trabalhos de construção civil Responsabilizar as sedes de grandes eventos esportivos por suas promessas de um legado de desenvolvimento social por meio de de planos longitudinais de monitoramento e avaliação Adotar os critérios de exploração de crianças e adolescentes e as avaliações de proteção como um pré-requisito nas licitações e candidaturas para todos os grandes eventos esportivos Garantir que a infância e a adolescência sejam claramente incluídas como meta em todas as atividades de atenuação de riscos Envolver e ouvir crianças e adolescentes de diferentes contextos socioeconômicos no projeto e na realização de todas as intervenções de proteção Muitas das estratégias destacadas nesta análise revelam a falta de envolvimento de crianças e adolescentes, destacando a “necessidade urgente de destravar o potencial da iniciativa infantil, sua participação e criatividade para que elas também, como atores sociais, tenham a possibilidade de contribuir para soluções de longo prazo” (Oak Foundation, 2012, 3). Portanto, é importante encontrar formas de promover a participação de crianças e adolescentes, tanto no projeto quanto na realização de trabalhos de atenuação de riscos. Por essa razão, adicionamos a última linha à Tabela 4. Em resumo: 1. sabemos que há riscos significativos para crianças e adolescentes em torno dos grandes eventos esportivos; 2. não temos dados para definir se, como e em qual medida esses riscos se convertem em danos; 38 3. a maior parte da atenção é dada ao tráfico e à exploração sexual, quando o trabalho infantil e o deslocamento de pessoas constituem provavelmente problemas maiores; 4. prestamos pouca atenção ao fato de as crianças serem vítimas “por tabela” das injustiças infligidas aos adultos; 5. não deveríamos supor que “ausência de dados = ausência de problema”. 4.2 A arte do possível Os limites de responsabilidade moral e social são controversos, especialmente se organizações esportivas internacionais como a FIFA ou o Comitê Olímpico Internacional são percebidos como fontes de recursos ilimitados e por consequência espera-se que façam investimentos para resolver toda mazela social imaginável. Esta análise oferece múltiplas possibilidades para intervenções programáticas e iniciativas de advocacy para atenuar os riscos de exploração sexual de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos. Todavia, caberá aos órgãos locais nos países e cidades-sede decidir exatamente quais as intervenções melhor adaptadas às suas próprias condições e ao seu grau de preparação. Para alguns países ou cidades-sede, suas limitações culturais, históricas, financeiras e judiciais significam que o produto final de atenuação de riscos será provavelmente menor que o ideal. No entanto, não há razão – pelo menos em termos de visão e estratégia – para que governos, ONGs, organizações de direitos humanos e a sociedade civil no geral não aceitem suas responsabilidades sociais e morais, em consonância com a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança. 39 5.0 Chamado à ação e pesquisas futuras 5.1 Chamado à ação Os muitos benefícios de grandes eventos esportivos para o desenvolvimento infantil no que se refere a aprendizado, atividade física saudável, orgulho cívico e sensibilização multicultural estão bem documentados. Esses benefícios devem obviamente ser pesados e comparados com as preocupações sobre a violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos. A falta de provas que estabeleçam uma conexão de causa e consequência entre os grandes eventos esportivos e a exploração e outros abusos contra crianças e adolescentes é uma das principais descobertas desta análise. Mas precisamos nos perguntar: qual o motivo para isso? Há várias razões possíveis, entre elas: 1. o problema não existe – o que é o mais improvável, dadas as denúncias e os estudos de caso que ouvimos de trabalhadores de ONGs em campo; 2. o problema é mascarado pela atenção dada à exploração de adultos – o que é provável, já que trabalhos de defesa dedicados a uma faixa etária específica parecem ser incomuns; 3. as pesquisas de monitoramento e avaliação não existem ou não são concebidas para obter dados com rigor suficiente – o que é muito provável, dada a relativa escassez de pesquisas e de dados que descobrimos. Contudo, nem a ausência de dados, nem a dificuldade para lidar com essa difícil questão social podem ser desculpa para a falta de ação. Os riscos para a infância e a adolescência estão claramente evidentes no contexto de grandes eventos esportivos, e há então a necessidade de atenuar esses riscos para prevenir os danos e reagir a eles. As boas intervenções de proteção não precisam esperar pela realização de novas pesquisas, mas as perspectivas de longo prazo para as captações de fundo e o apoio político para tal trabalho dependem, de forma crucial, da demonstração de que essas intervenções são eficazes. Esta análise se apresenta como um chamado à ação – para profissionais que trabalham pelos direitos de crianças e adolescentes e para grandes organizações esportivas, inclusive a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional – para um trabalho conjunto para a atenuação dos riscos de violação dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes dos países-sede. A colaboração resultante deve garantir que as estratégias de proteção infantil não sejam apenas uma prioridade temporária, relacionada a um único grande evento esportivo, mas parte de um plano sustentável de longo prazo, como já ocorreu com as normas de proteção do meio ambiente. Além disso, as avaliações do impacto social que já estejam embutidas nos critérios para muitos dos grandes eventos esportivos devem priorizar as vozes, as necessidades e os direitos das crianças e dos adolescentes. No geral, embora eventos como a Copa do Mundo não tenham demonstrado ser uma causa direta de aumento da exploração de crianças e adolescentes, eles representam uma oportunidade significativa para que organizações de grandes eventos esportivos atuem como catalisadoras da adoção 40 pelos países-sede de políticas e práticas que aumentem a proteção de crianças e adolescentes. 5.2 Pesquisas futuras A política baseada em comprovação é um mantra para muitos governos e ONGs, mas esta análise revela que muitas das práticas para atenuação do risco de exploração de crianças e adolescentes são baseadas em suposições. De acordo com as lacunas de dados mencionadas acima, será importante desenvolver uma pauta de pesquisas que ajude os organizadores e os anfitriões de grandes eventos esportivos em geral – e a Copa do Mundo da FIFA em particular – a trabalhar com as organizações de direitos humanos em intervenções de proteção da infância e da adolescência que sejam o mais eficazes possível. Uma forma de fazer isso é estabelecer um plano de entrevista que inclua pontos prioritários para esses órgãos. Alguns exemplos estão listados na Tabela 5. Tabela 5: Algumas questões para pesquisas futuras A incidência de danos a crianças e adolescentes se altera durante os grandes eventos esportivos em suas comunidades, e essa informação varia por gênero e outros fatores demográficos? Em caso afirmativo, em que extensão pode ser estabelecida uma relação de causa e consequência entre esses danos e os grandes eventos esportivos? Como as próprias crianças e adolescentes percebem os riscos associados a grandes eventos esportivos antes, durante e após eles acontecerem? Como os benefícios e os custos de grandes eventos esportivos para crianças e adolescentes (sociais, educacionais, psicológicos, interpessoais etc.) podem ser medidos e pesados? Qual é o impacto do aumento da diligência (polícia, assistentes sociais, campanhas de defesa etc.) na incidência relatada de violações dos direitos de crianças e adolescentes antes, durante e após os grandes eventos esportivos? Quais os impactos dos grandes eventos esportivos sobre a utilização dos sistemas de atendimento (apoio, serviços de saúde e jurídico) por crianças e adolescentes locais antes, durante e após grandes eventos esportivos em sua comunidade? Quais os riscos e danos colaterais para crianças e adolescentes que decorrem das diferentes formas de exploração de adultos antes, durante e após grandes eventos esportivos (por exemplo, deslocamento de moradias, separação de unidades familiares e interrupção da escola, separação de trabalhadores da construção civil de suas famílias, recrutamento para trabalho sexual)? Qual o número de crianças e adolescentes envolvidos em atividades comerciais relacionadas a grandes eventos esportivos (venda ambulante, trabalho sexual, produção de equipamentos, construção civil, serviços de hotel e alimentação) e como esses totais flutuam antes, durante e após tais eventos? Qual é a forma mais eficaz de parceria para atenuação dos riscos para crianças e adolescentes associados aos grandes eventos esportivos? Quais órgãos devem ser envolvidos? Como e quando eles deveriam estabelecer um plano conjunto? Como os dados sobre suas experiências e exemplos de prática eficaz podem ser coletados ao longo do tempo? Quais os indicadores de desempenho devem ser adotados para monitorar a eficácia da atenuação de risco? Quais as dinâmicas pessoais, sociais, econômicas e outras que afetam os aumentos e as 41 diminuições de riscos para a infância e a adolescência associados a grandes eventos esportivos? Como as histórias de vítimas da exploração associada a grandes eventos esportivos podem trazer informações para futuros planejamentos de atenuação de riscos? 42 Apêndice 1: Glossário de Termos Abandono: Deliberadamente, ou por falta de cuidados ou negligência, não prover ou não garantir para a criança os seus direitos à integridade física e ao desenvolvimento. O abandono é por vezes denominado uma forma “passiva” de abuso, na medida em que se refere à não realização de algum aspecto fundamental do cuidado e da proteção de crianças, acarretando prejuízo significativo para a saúde ou o desenvolvimento da criança, inclusive deficiência emocional e social. O abandono inclui o abandono físico em si, a falta de supervisão adequada e não proteção das crianças contra danos, tanto quanto for possível, a não realização deliberada de aspectos importantes dos cuidados, acarretando ou com probabilidade de acarretar danos à criança, o não fornecimento deliberado de cuidados médicos ou a exposição sem cuidado de uma criança a perigos, por exemplo, podem também significar abandono. (Save the Children, 2010) Abuso Infantil: Um ato deliberado de maus-tratos que possam prejudicar ou sejam passíveis de causar danos à segurança da criança, a seu bem-estar, à sua dignidade e a seu desenvolvimento. Abuso inclui todas as formas de maus-tratos: físico, sexual, psicológico ou emocional. O termo "abuso" é, em alguns contextos, usado para se referir principalmente a tais atos quando cometidos "no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder", como por alguém que cuida da criança, incluindo o pai ou a mãe, os representantes legais ou qualquer outra pessoa que cuide da criança, mesmo que temporariamente, como um professor, um agente comunitário, uma babá ou governanta, etc. Na maioria dos contextos, porém, "o abuso de crianças" é entendido como menção a todos os referidos atos de maus-tratos, inclusive quando cometidos por estranho(a). O abuso de crianças terá sido cometido independentemente de qualquer justificativa ou razão que possa ser fornecida para os maus-tratos, inclusive castigos disciplinares, sanção legal, necessidade econômica, o próprio consentimento da criança ou em nome de prática cultural e religiosa. - Abuso Físico envolve o uso de força física violenta, de modo a causar sofrimento ou lesão física real ou potencial (por exemplo, bater, chacoalhar, queimar, mutilação genital feminina, tortura) Abuso Físico ou Emocional inclui tratamento humilhante e degradante como xingamentos, críticas constantes, menosprezo, humilhação persistente, confinamento em solitária e isolamento Abuso sexual inclui todas as formas de violência sexual, incluindo incesto, casamento precoce e forçado, estupro, envolvimento em pornografia e escravidão sexual. O abuso sexual infantil pode incluir também toques ou exposição indecente, usar linguagem sexual explícita com a criança ou mostrar material pornográfico às crianças” (Save the Children, 2010) O abuso sexual se torna exploração sexual quando outra pessoa se beneficia da atividade sexual envolvendo a criança, obtendo lucros ou com assédio sexual por chantagem ou posição de poder. Isso pode incluir prostituição e pornografia infantil. (Subgroup Against the Sexual Exploitation of Children, 2005, 16). O direito da criança de ser protegida contra abusos e abandono está previsto no Artigo 19 da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança. Os Estados participantes adotarão todas as medidas apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, lesão ou abuso, abandono ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. (OHCHR, 1989) Artigo 39 (Reabilitação das vítimas infantis): Toda criança vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso deve receber ajuda especial para sua recuperação física e psicológica e para sua reintegração social. Deve ser conferida uma atenção particular à restauração da saúde, do respeito próprio e da dignidade da criança. (Convenção da ONU Sobre os Direitos da Criança) Criança: O Artigo 1º da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança define a criança como “todas as pessoas com idade inferior a dezoito anos, a não ser quando, por lei do seu país, a maioridade seja determinada com idade mais baixa”. (Artigo 1º da CDC da ONU, OHCHR, 1989) Exploração de crianças e adolescentes: refere-se ao uso de crianças e adolescentes para vantagem, gratificação ou lucro de outra pessoa, resultando frequentemente em tratamento injusto, cruel e danoso da vítima. Essas atividades são nocivas para a saúde física e mental, a educação, o desenvolvimento moral ou socioemocional de crianças e adolescentes. Abrange situações de manipulação, uso indevido, abuso, vitimização, opressão ou maus-tratos. 43 - Exploração econômica da criança é o uso da criança no trabalho ou em outras atividades para o benefício de outros. Isso inclui, entre outros e não exclusivamente, o trabalho infantil. Exploração econômica traz em si a ideia de um certo ganho ou lucro através da produção, da distribuição e do consumo de bens e serviços. Esse interesse material tem um impacto sobre a economia de uma determinada unidade, seja ela o Estado, a comunidade ou a família. Por exemplo, trabalho infantil doméstico, crianças soldados e o recrutamento e envolvimento de crianças em conflitos armados, escravidão infantil, o uso de crianças para atividades criminais, incluindo a venda e distribuição de narcóticos, o envolvimento de crianças em qualquer trabalho nocivo ou perigoso. Exploração sexual é o abuso de uma posição de vulnerabilidade, poder diferenciado ou confiança para fins sexuais; isso inclui lucro monetário, social ou político com a exploração da outra pessoa, inclusive gratificação sexual pessoal. Por exemplo, prostituição infantil, tráfico de crianças para abuso e exploração sexual, turismo sexual infantil e casamentos com crianças. [O direito da criança à proteção contra todas as formas de exploração sexual, incluindo pornografia infantil e prostituição infantil, está estipulado no Artigo 34 da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança] O direito da criança à proteção contra exploração econômica está estipulado no Artigo 32 da Convenção sobre os Direitos da Criança. Os Estados Partes devem tomar as medidas apropriadas para a aplicação desse direito e, em particular, deverão: estabelecer uma idade mínima (ou idades mínimas) para a admissão em emprego; estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego; e estabelecer sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo do disposto no Artigo 32. (Save the Children, 2010; Centro de Pesquisas Innocenti da UNICEF, 2013) Prostituição Infantil: “O uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou qualquer outra forma de contraprestação.” (OHCHR, 2002) Trabalho infantil: O trabalho infantil pode ser dividido em seis categorias: doméstico, não-doméstico, nãomonetário, trabalho forçado, trabalho assalariado e atividade econômica marginal. Isso inclui todo trabalho realizado por uma criança e que seja prejudicial para sua saúde, sua educação, seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social. (Centro de Pesquisas Innocenti da UNICEF, 2013) Tráfico de Crianças: Recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou de outras formas de coação, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou de posição de vulnerabilidade ou a entrega ou o recebimento de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa com controle sobre outra, para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas similares à escravidão, servidão ou remoção de órgãos. O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum desses meios. (UNODC, 2013) Turismo Sexual Infantil: O turismo sexual infantil é a exploração sexual comercial de crianças por estrangeiros. Ele normalmente se refere a pessoas que viajam de seu próprio país para outro para realizar atos sexuais com crianças, ou a estrangeiros que realizam atividades sexuais com crianças enquanto estão no exterior. (ECPAT, 2013 ) Violência: Há uma série de definições de violência utilizadas, dependendo do foco e da abordagem levada em conta. Por exemplo, se for definida para fins jurídicos, médicos ou sociológicos. A definição de violência do Estudo da ONU sobre Violência Contra a Criança (2006) está no Artigo 19 da Convenção sobre os Direitos da Criança: “todas as formas de violência física ou mental, dano e abuso, abandono ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual”, bem como a definição usada pela OMS em seu Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (2002): “o uso intencional de força física ou do poder, ameaçado ou real, contra a criança, por um indivíduo ou grupo, que acarrete ou tenha alta probabilidade de acarretar dano real ou potencial para a saúde, a sobrevivência, o desenvolvimento ou a dignidade da criança”. A violência pode ser cometida por indivíduos ou pelo Estado, bem como por grupos e organizações, através de seus membros e de suas políticas. Isso resulta não somente em medo de lesão ou lesão efetiva, como também em uma interferência fundamental com a liberdade pessoal. 44 Apêndice 2: Exemplo do roteiro de entrevista Os entrevistados foram contatados em dois momentos. Primeiro por meio de e-mail ou telefonema para apresentar o contexto do projeto e os termos e diretrizes éticas da entrevista. Aqueles que concordavam em participar tinham a opção de fazê-lo por e-mail ou telefone, em horário conveniente para ambas as partes. As transcrições parciais foram compiladas e questionadas para verificar sobreposições, contradições e exemplos de estudo de caso. 1. Favor confirmar seu nome, sua organização e o respectivo objetivo principal 2. Qual é sua função ou seu cargo? 3. Quais riscos específicos de exploração você acredita surgirem para crianças e adolescentes, antes, durante ou após as Copas do Mundo de futebol ["Copas do Mundo"]? 4. Como você avalia o risco de exploração sexual de crianças e adolescentes em comparação com outras formas de exploração? 5. Quais os trabalhos a sua organização já realizou, eventualmente, para prevenir e atenuar os riscos de exploração de crianças e adolescentes antes, durante e após as Copas do Mundo? Qual foi o resultado? Qual foi o impacto? 6. Em que medida você acha que foram capazes de atenuar os riscos de exploração de crianças e adolescentes associados às Copas do Mundo? 7. Quais têm sido as principais barreiras para promover ações de prevenção de tais riscos antes, durante e após as Copas do Mundo? Como vocês superaram essas barreiras? 8. De quais exigências de prevenção da exploração de crianças e adolescentes você está ciente para as Copas do Mundo? Quais dados de monitoramento e avaliação estão disponíveis para tais exigências? Podemos ter acesso a esses dados? 9. Você tem conhecimento de tensões entre os objetivos de desenvolvimento e os objetivos esportivos de sua organização ou de seu programa? Em caso afirmativo: descreva-os, por favor. 10. Quais são os principais desafios para defensores que tencionem incluir a prevenção da exploração sexual no âmbito nas Copas do Mundo? 11. Em quais intervenções específicas sua organização já se envolveu para reduzir a exploração de crianças e adolescentes – inclusive no contexto de Copas do Mundo? Você tem dados de monitoramento e de avaliação sobre essas intervenções? Em caso afirmativo, podemos ter acesso a esses dados? Podemos analisar a possibilidade de usá-los como estudo de caso em nosso relatório? 12. Você gostaria de falar mais alguma coisa sobre a eficácia de tais medidas de prevenção no contexto de grandes eventos esportivos como as Copas do Mundo? 13. Qual passo específico mais útil pode ser tomado para prevenir a exploração de crianças e adolescentes no contexto das Copas do Mundo? 14. Qual seria a pesquisa mais útil nesse tópico para a sua organização? 45 15. Você poderia recomendar algum estudo – pesquisa – material paralelo - ou recursos ou pessoas-chave com quem possamos aprender mais sobre a prevenção da exploração de crianças e adolescentes em Copas do Mundo? 16. Você estaria disposto a falar comigo novamente, se necessário? 17. Podemos usar seu nome em nosso relatório ou você prefere manter o anonimato? Agradecemos sua atenção. 46