Brunel Centre for Sport, Health and Wellbeing
Exploração de crianças e
adolescentes e a Copa do Mundo:
uma análise
dos riscos e das intervenções
de proteção
julho de 2013
[traduzido em outubro de 2013]
BC.SHaW, School of Sport and Education,
Brunel University London
Kingston Lane
Uxbridge
Middlesex
UB8 3PH
BC•SHaW
7
BC•SHaW
0
© 2013 Brunel University London. Brunel University London é detentora dos direitos autorais, mas os
usuários têm direito a consultar os materiais livremente para fins de reivindicação, proteção ou estudo, desde
que as fontes sejam citadas.
Data de publicação [em inglês]: julho de 2013
ISBN:
978-1-908549-10-5
Autores:
Celia Brackenridge, Sarah Palmer-Felgate, Daniel Rhind,
Laura Hills, Tess Kay, Anne Tiivas, Lucy Faulkner, Iain Lindsay
Contato com os autores:
[email protected]
Termo de isenção:
O teor deste relatório não reflete necessariamente
as opiniões da Fundação Oak.
Encomendado pela Fundação Oak
www.oakfnd.org
1
Agradecimentos
Os autores agradecem às pessoas que auxiliaram esta análise respondendo entrevistas e por outros
meios:
Tatiana Akabane Van Eyll, Childhood Brasil
Jens Sejer Andersen, Diretor Internacional, Play The Game
Jane Bateman, Diretora de Relações Internacionais, The English Football Association
Amanda Bennett, Diretora de Governança, UK Sport
Susan Bissell, Diretora de Proteção Infantil, UNICEF
Kristin Blom, Diretora de Campanhas, International Trade Union Confederation
Leticia Born, Childhood Brasil
Jane Buchanan, Diretora Associada – Divisão da Europa e Ásia Central, Human Rights Watch
Diana Copper, Consultora sobre Direitos Humanos, Commonwealth Sport
Eddie Cottle, Coordenador de Campanhas Esportivas, Building and Wood Workers International
Mike Dottridge, consultor independente sobre tráfico e violações de direitos
Ollie Dudfield, Consultor sobre Desenvolvimento Esportivo, Commonwealth Sport
Annemarie Elsom, Administradora do Programa "Sport for Change", Comic Relief
Anna Flora, ChildhoodBrasil
Kirk Friedrich, Diretor executivo, Grassroot Soccer
Chris Gaffney, Professor, Universidade Federal Fluminense, Brasil
Itamar Batista Gonçalves, Administrador de Programa, Childhood Brasil
Jim Grattan, Irish Football Association
David Harrison, Grassroot Soccer
Geert Hendriks, Administrador de Desenvolvimento Esportivo, International Academy of Sport
Science and Technology
Autoridade médica da Federação Internacional (anônimo)
Charmaine Jelbert, doutoranda (tráfico de pessoas nas Olímpiadas de 2012),Universidade de Cambridge
Andrew Jennings, jornalista investigativo
Astrid Junge, Diretora de Pesquisas, F-MARC, FIFA
Jo Knight, International Inspirations, UK Sport
Sue Law, Diretora de Proteção da Criança e da Igualdade, The English Football Association
Vivienne Mentor-Lalu, SWEAT (Sex Worker Education and Advocacy Taskforce)
Priyanka Motaparthy, Human Rights Watch
Sarah Murray, Women Win
Elias Musangeya, Consultor Sênior, UK Sport
Esther Nicholls, Diretora de Grandes Eventos, UK Sport
Dean Peacock, Co-Diretor Fundador, Sonke Gender Justice
Fiorella Rojas, Diretora Regional para as Américas, ECPAT International
Kelly Simmons, Diretora de Futebol Feminino e Jogos Nacionais, The English Football Association
Rachel Tarr, Diretora de Proteção Infantil, The Football Association
Anne Tiivas, Diretora de Proteção Infantil na Unidade Esportiva, NSPCC
Liz Twyford, Especialista em Programas Esportivos, UNICEF REINO UNIDO
Junita Upadhyay, Diretora Adjunta de Programas, ECPAT International
Hans van de Glind, Diretor Técnico Sênior, Programa Internacional de Eliminação do Trabalho
Infantil, Organização Internacional do Trabalho
Sally Warren, Learn Director, Keeping Children Safe
Jean Zermatten, Diretor, International Institute for the Rights of the Child, ex-presidente da
Comissão das Nações Unidas sobre Direitos da Criança
Gostaríamos de estender nossos agradecimentos a Brigette de Lay e Anastasia Anthopoulos da
Fundação Oak pelo apoio, assessoria e serviços de informação.
2
Siglas
AISTS
International Academy of Sports Science and Technology
[Academia Internacional de Esportes, Ciência e Tecnologia]
CoE
Conselho da Europa
CPSU
NSPCC Child Protection in Sport Unite
[Proteção Infantil na Unidade Esportiva] (Inglaterra)
ECPAT
End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking of Children for
Sexual Purposes [Coalizão de organizações da sociedade civil que trabalham
para eliminação da exploração sexual de crianças e adolescentes ]
UE
União Europeia
FIFA
Federação Internacional de Futebol
GAATW
Global Alliance Against Traffic in Women
[Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres]
OIT
Organização Internacional do Trabalho
COI
Comitê Olímpico Internacional
ITUC
International Trade Union Confederation
[Confederação Sindical Internacional]
LCSG
London Children’s Safeguarding Board
[Conselho de Defesa das Crianças de Londres]
LOCOG
Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Londres (2012)
NSPCC
National Society for the Prevention of Cruelty to Children [Sociedade
Nacional para a Prevenção da Crueldade com Crianças] (Inglaterra)
SAD
Swiss Academy for Development [Academia Suíça de Desenvolvimento]
SWEAT
Sex Worker Education and Advocacy Taskforce
[Força-tarefa de Defesa e Educação de Profissionais do Sexo]
CDC da ONU Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas
UNICEF
United Nations Children’s Education Fund
[Fundo das Nações Unidas para a Infância]
UNCSDP
United Nations Committee for Sport Development and Peace
[Comitê das Nações Unidas para a Paz e o Desenvolvimento Esportivo]
3
Sumário
Página
Informação sobre direitos autorais .
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1
Agradecimentos
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2
Siglas .
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3
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.
.
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.
.
.
6
1.0
Introdução .
.
.
.
.
1.1
A Fundação Oak e os esportes
1.2
Objetivo
1.3
Contexto mais amplo
1.4
Estrutura desta análise
1.5
Projeto de pesquisa e metodologia
.
.
.
10
2.0
Conhecimento sobre os riscos de exploração de crianças e adolescentes
em ambientes esportivos
.
.
.
.
.
.
12
2.1
Introdução
2.2
Restrições na análise de riscos para crianças associados aos grandes eventos
esportivos
2.3
O mapeamento de riscos específicos
2.4
Conclusão
3.0
Programas de intervenção e advocacy para tratar de riscos específicos para
crianças e adolescentes associados a grandes eventos esportivos . . 23
3.1
Introdução
3.2
Tráfico de pessoas com efeito sobre crianças
3.3
Exploração sexual de crianças e adolescentes
3.4
Advocacy
3.5
Conclusão
4.0
Mensagens para os profissionais que trabalham pelos direitos de crianças e
adolescentes e organizadores de eventos esportivos internacionais. .
37
4.1
Lições tiradas da análise
4.2
A arte do possível
5.0
Chamado à ação e pesquisas futuras
5.1
Chamado à ação
5.2
Pesquisas futuras
.
Resumo executivo
.
.
.
.
. 40
4
Continuação do sumário
Página
ESTUDOS DE CASO
Um:
The Human Trafficking and London 2012 Network
[Rede contra o tráfico de pessoas e Londres 2012]
.
.
Dois:
A Copa Mundial de Crianças em Situação de Rua de 2010
em Durban, África do Sul .
.
.
.
.
.
Três:
ECPAT e o Código de Conduta para a Proteção de Crianças
e Adolescentes contra Exploração Sexual em Viagens e Turismo.
Quatro: A campanha “Don’t Lose!” na EURO 2012
.
.
.
Cinco:
O aplicativo para Smartphone INEQE de defesa .
.
.
Seis:
A Copa do Mundo da FIFA de 2010 como plataforma para lidar
com a pobreza e a exploração de crianças e adolescentes
.
Sete:
Play Fair [Jogo Honesto] .
.
.
.
.
.
Oito:
Campanhas de "Cartão Vermelho"
na Copa do Mundo da FIFA de 2010
.
.
.
.
25
26
26
28
30
31
32
34
FIGURA
1:
Quadro para análise de riscos para crianças associados
a grandes eventos esportivos .
.
.
.
.
.
12
TABELAS
1: Fontes de riscos para crianças associados a grandes eventos esportivos
14
2: Provas sobre o tráfico de pessoas em grandes eventos esportivos
.
21
3: Fatores que inibem um bom trabalho de proteção de crianças e adolescentes em
grandes eventos esportivos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
36
4: Principais descobertas e conselhos para organizadores de eventos e defensores da
causa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
5: Algumas questões para pesquisas futuras
.
.
.
.
41
APÊNDICES
1: Glossário de termos.
.
.
2: Exemplo do roteiro de entrevista .
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
43
45
ANEXO
Referências e termos de pesquisa [vide arquivo separado]
5
Resumo executivo
Esta análise foi encomendada pelo Child Abuse Programme (CAP) [Programa contra Abuso
Infantil] da Fundação Oak, uma grande organização filantrópica internacional. Ela faz parte
do esforço do CAP para assegurar que a sociedade rejeite práticas como a exploração sexual
de crianças e adolescentes em torno de grandes eventos esportivos, bem como para incluir
a prevenção e a proteção contra a exploração como permanente fator de preocupação das
entidades relacionadas ao esporte no mundo todo.
Esta análise tem como objetivo oferecer dados informativos para ações em países que
sediam grandes eventos esportivos e oferecer algumas sugestões sobre como os paísessede podem evitar armadilhas e erros em relação à exploração de crianças, especialmente
de cunho econômico e sexual. Além disso, ela também é um chamado à ação para os
responsáveis pela organização e realização de grandes eventos esportivos, como a FIFA e o
Comitê Olímpico Internacional, para prever, preparar e adotar intervenções e estratégias de
atenuação de riscos. Uma liderança positiva nessas entidades com poder cultural tão forte
poderá constituir um fator decisivo para a mudança de emoções, mentalidades e ações no
sentido de aumentar a segurança para as crianças.
Adotou-se um projeto de pesquisa com três frentes: entrevistas com mais de 70
especialistas de ONGs, organizações esportivas e órgãos públicos; uma pesquisa sistemática
na literatura especializada pertinente; e a seleção de vários estudos de caso a partir de
intervenções anteriores de proteção à infância e à adolescência associadas a grandes
eventos esportivos.
O trabalho foi concebido com o objetivo de descobrir a extensão do conjunto de evidências
que fundamenta as intervenções de proteção associadas a grandes eventos esportivos e que
abordam a atenuação de riscos em geral e a exploração econômica e sexual de crianças em
particular.
Os muitos benefícios de grandes eventos esportivos para o desenvolvimento infantil no que
se refere a aprendizado, atividade física saudável, orgulho cívico e sensibilização
multicultural estão bem documentados. Esses benefícios devem obviamente ser
comparados com as preocupações sobre a violação dos direitos humanos de crianças e
adolescentes em grandes eventos esportivos. A análise constatou que:
 alguns empreendimentos empresariais associados aos grandes eventos esportivos
– tanto legais quanto ilegais – ainda usam o trabalho infantil;
 com frequência, as crianças são vítimas do deslocamento de comunidades que é
tipicamente associado a grandes eventos esportivos;
 a exploração sexual relacionada aos grandes eventos esportivos parece ficar
escondida atrás de outros problemas sociais, como alterações nos serviços
públicos, estresse familiar, pobreza e violência doméstica;
 o tráfico de pessoas para exploração sexual associado a grandes eventos esportivos
aparece ser focado em adultos, reage às intervenções de advocacy e é difícil de
mensurar. Nos locais em que ocorre, é provável que mascare danos às crianças.
6
Apesar da constatação de que os riscos de exploração de crianças e adolescentes
aumentaram durante alguns dos grandes eventos esportivos, todos os exemplos discutidos
ressaltam a grande escassez de dados empíricos confiáveis em torno desses eventos. É
essencial que existam projetos sólidos de pesquisa, com foco específico em crianças, para
confirmar as muitas afirmativas que foram descobertas.
Constatou-se que as respostas para minimizar o impacto dos riscos para crianças associados
aos grandes eventos esportivos são muito diversas. De acordo com a literatura, e pelas
nossas consultas, fica evidente que as respostas específicas com foco nas crianças são
escassas. Pouquíssimos programas de intervenção e advocacy são específicos para uma
determinada faixa etária, e a maioria aborda riscos mais gerais, ao invés dos específicos.
Além disso, o tráfico de pessoas parece ocultar todos os demais riscos no que se refere a
atenção, recursos e prioridade dos planejadores de programas, independentemente da
importância relativa desse risco para as crianças. Há muito pouco material sobre programas
ou advocacy relacionados especificamente ao trabalho infantil, à exploração sexual e ao
deslocamento. Essa lacuna na literatura abre questões interessantes para pesquisas futuras.
O importante é que ela também mascara o fato de que, com muita frequência, as crianças
também são vítimas quando adultos próximos a elas são explorados. Então, apesar de
muitas das iniciativas descritas nesta análise terem como foco os adultos, é preciso
reconhecer que elas também podem trazer benefícios preventivos significativos para
crianças.
Uma série de descobertas importantes emergiram desta análise, e elas poderão auxiliar os
que estiverem atuando em trabalhos de atenuação de riscos em grandes eventos esportivos
no futuro.
Primeiramente, sabemos que existem riscos significativos para as crianças em torno de
grandes eventos esportivos.
Em segundo lugar, não temos dados para definir se, como e em qual extensão esses riscos
se traduzem em danos.
Em terceiro lugar, a maior parte das atenções é conferida ao tráfico e à exploração sexual,
ao mesmo tempo em que o trabalho e o deslocamento provavelmente constituem
problemas maiores.
Em quarto lugar, damos pouca atenção ao fato de as crianças serem vítimas “por tabela”
das injustiças experimentadas pelos adultos ao redor delas.
Finalmente, não devemos supor que ausência de dados signifique a ausência de
problemas.
Principais mensagens para organizadores de eventos e defensores dos direitos de
crianças e adolescentes
Estabelecer o quanto antes uma coalizão entre todos os parceiros pertinentes e desenvolver uma
estratégia coerente que atribua responsabilidades claras e evite atrapalhar o trabalho diário das
ONGs locais.
7
Principais mensagens para organizadores de eventos e defensores dos direitos de
crianças e adolescentes
Garantir um Memorando de Cooperação, ou documento similar, entre todos os parceiros da
coalizão para colocar os interesses das crianças acima dos interesses das agências parceiras
Assegurar que a exploração de crianças e adolescentes também se torne visível em todas as
intervenções
Garantir que todas as intervenções estabeleçam desde o início planos sólidos de monitoramento e
avaliação
Garantir que os planos de monitoramento e avaliação adotem projetos de métodos múltiplos que
ofereçam provas tanto quantitativas (estatísticas) quanto qualitativas (de experiência prévia)
Não supor que ausência de dados seja sinônimo de ausência de problemas
Ampliar a visão de formuladores de política, programadores e defensores de modo a incluir a
possibilidade de exploração de crianças e adolescentes associada a outras questões relacionadas a
grandes eventos esportivos, como por exemplo, deslocamento e trabalhos de construção civil
Responsabilizar as sedes de grandes eventos esportivos por suas promessas de um legado de
desenvolvimento social por meio de planos longitudinais de monitoramento e avaliação
Adotar os critérios de exploração de crianças e adolescentes e as avaliações de proteção infantil
como um pré-requisito nas licitações e candidaturas para todos os grandes eventos esportivos
Garantir que as crianças sejam incluídas de maneira explícita como alvo de todas as atividades de
atenuação de riscos
Envolver e ouvir as crianças de diferentes contextos socioeconômicos no projeto e na realização de
todas as intervenções de proteção à infância
Esta análise oferece múltiplas possibilidades para as intervenções programáticas e para as
iniciativas de advocacy com o objetivo de atenuar os riscos de exploração sexual de crianças
e adolescentes em grandes eventos esportivos. Todavia, caberá aos órgãos locais nos países
e cidades-sede decidirem exatamente quais intervenções estão melhor adaptadas a suas
próprias condições e grau de preparação. Para alguns países e cidades-sede, suas limitações
culturais, históricas, financeiras e jurídicas poderão significar que o produto final da
atenuação de riscos seja provavelmente menor que o ideal. Mesmo assim, não há razão
para que – pelo menos em termos de visão e estratégia – os governos, as ONGs, as
organizações de direitos humanos e a sociedade civil no geral não assumam suas
responsabilidades sociais e morais de acordo com a Convenção da ONU sobre os Direitos da
Criança.
A falta de provas que estabelecem uma conexão de causa e consequência entre os grandes
eventos esportivos e a exploração de crianças e adolescentes e outros abusos é uma das
principais descobertas desta análise. Mas precisamos nos perguntar: por que isso ocorre?
Há várias razões possíveis, entre elas:
1. o problema não existe – o que é o mais improvável, considerando as denúncias e
os estudos de casos que ouvimos de trabalhadores de ONGs que atuaram nos locais;
2. o problema é mascarado pela atenção dada à exploração de adultos – o que é
provável, já que trabalhos de advocacy dedicados a uma faixa etária específica
parecem ser incomuns;
3. as pesquisas sobre monitoramento e avaliação não existem ou não são concebidas
para obter dados com rigor suficiente – o que é muito provável, dada a relativa
escassez de pesquisas e dados que descobrimos.
8
Contudo, a ausência de dados não deve ser desculpa para a falta de ação. Os riscos para a
infância estão muito evidentes no contexto dos grandes eventos esportivos, é então
necessário atenuar esses riscos para prevenir os danos e reagir a eles. As boas intervenções
de proteção não precisam esperar pela realização de novas pesquisas, mas as perspectivas
de longo prazo para as captações de fundo e o apoio político para tal trabalho dependem,
de forma crucial, da demonstração de que essas intervenções são eficazes.
Esta análise se apresenta como um chamado à ação – para defensores da infância e grandes
organizações esportivas, inclusive a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional – para que
trabalhem juntos na atenuação dos riscos de violação dos direitos humanos das crianças e
dos adolescentes dos países-sede. A colaboração resultante deve garantir que as estratégias
de proteção infantil não sejam apenas uma prioridade temporária, relacionada a um único
grande evento esportivo, mas parte de um plano sustentável de longo prazo, como já
ocorreu com as normas de proteção do meio ambiente. Além disso, as avaliações de
impacto social que porventura já estejam embutidas nos critérios para diversos grandes
eventos esportivos devem priorizar as vozes, as necessidades e os direitos das crianças. No
geral, embora eventos como a Copa do Mundo da FIFA não tenham demonstrado ser uma
causa direta de aumento da exploração de crianças e adolescentes, eles representam uma
oportunidade significativa para que as organizações de grandes eventos esportivos atuem
como catalisadoras da adoção de políticas e práticas que aumentem a proteção infantil
pelos países-sede.
Professora Celia Brackenridge OBE
Brunel University - Londres
12 de julho de 2013
9
1.0
Introdução
1.1 A Fundação Oak e os esportes
A Fundação Oak é uma importante organização filantrópica cujo Programa contra Abuso
Infantil [Child Abuse Programme – CAP] investe em iniciativas que catalisam a ação dos
participantes, incluindo as crianças, com o objetivo de melhorar as práticas, influenciar as
políticas e aumentar a captação de fundos para enfrentar o abuso sexual e a exploração
sexual de crianças e adolescentes. A Fundação Oak não se envolveu até hoje na área de
esportes, mas decidiu que agora é o momento certo para verificar as possibilidades de como
sua própria pauta de prevenção e atenuação de abuso e exploração pode se alinhar com a
pauta das principais entidades esportivas. Em trabalho conjunto com numerosos agentes,
ela optou por dar início a essa missão examinando os conhecimentos existentes sobre os
riscos da exploração de crianças e adolescentes relacionados aos grandes eventos
esportivos, e sobre como a FIFA, indiscutivelmente a principal responsável pelo maior
esporte do mundo, está trabalhando para evitar esse problema em relação ao seu principal
evento – a Copa do Mundo FIFA de futebol que terá sede no Brasil em sua próxima edição,
em 2014.
1.2 Objetivo
Esta análise tem como objetivo oferecer dados informativos para as ações em países que
sediam grandes eventos esportivos e oferecer algumas sugestões sobre como os paísessede podem evitar armadilhas e erros em relação à exploração de crianças e adolescentes.
Além disso, ela também é um chamado à ação para os responsáveis pela organização e
realização de grandes eventos esportivos, como a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional, os
governos e a sociedade civil, para prever, preparar e adotar intervenções e estratégias de
atenuação de riscos. Uma liderança positiva dessas entidades com poder cultural tão forte
poderá constituir um fator decisivo para a mudança em emoções, mentalidade e ações no
sentido de aumento da segurança para as crianças.
Em termos específicos, o programa tem como meta estabelecer pontos de alavancagem de
políticas no âmbito da Federação Internacional de Futebol (FIFA), para que a Copa do
Mundo da FIFA no Brasil e as próximas tenham uma política clara e intrínseca de proteção
infantil. O Programa contra Abuso Infantil [CAP] reconhece que diferentes organizações
participantes com interesses específicos no esporte, nas crianças e no desenvolvimento têm
missões diferentes como objeto de sua constituição, e que essas missões diferentes podem
influenciar a forma como interpretam suas prioridades.
1.3 Contexto mais amplo
Esta análise é oportuna e vem complementar o trabalho que é realizado pela UNICEF, pelo
Comitê Olímpico Internacional e por outros órgãos envolvidos em esportes,
desenvolvimento e ambientes humanitários para fazer do esporte um espaço mais seguro
para as crianças. Uma iniciativa especialmente relevante a este respeito é o lançamento de
um conjunto de Normas Internacionais de Salvaguarda e Proteção de Crianças no Esporte
[International Standards for Safeguarding and Protecting Children in Sport] que foi
publicado inicialmente pela UNICEF no Beyond Sport Summit 2012, em Londres
(Paramasivan, 2012).
10
A análise é alicerçada no marco legal dos direitos da criança, estabelecidos pela Convenção
sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas e nos respectivos Comentários Gerais sobre
a Convenção (David, 2005; OHCHR, 2013). Em particular, isso reforça a necessidade de que
todos os profissionais que trabalham com crianças em contextos esportivos e culturais
adotem e empreguem códigos éticos e padrões apropriados, bem como a necessidade de
proteção das crianças contra agressões cometidas por outros jovens (art. 31. da referida
Convenção).
1.4 Estrutura desta análise
O documento começa com um resumo das provas existentes de exploração de crianças e
adolescentes no contexto dos esportes (parágrafo 2.2). Ele prossegue com a identificação de
riscos específicos para as crianças associados à Copa do Mundo da FIFA e outros grandes
eventos esportivos de teor similar, antes, durante e após sua realização (parágrafo 2.3). Ele
então avalia as provas de eficácia dos programas de atenuação de riscos e das intervenções
de advocacy (parágrafo 3.0). Um conjunto de opções para a futura atenuação de riscos é
oferecido para organizadores de eventos esportivos internacionais e defensores (parágrafo
4.0). A análise termina com conclusões e algumas prioridades para futuras pesquisas nesse
campo (parágrafo 5.0).
Reconhecemos que muitas terminologias diferentes são usadas para se referir a abusos
infantis e danos a crianças e que o termo “proteção infantil” não é entendido nem aplicado
universalmente. O termo geral “exploração” é usado aqui para se referir aos danos às
crianças, especialmente a exploração econômica e sexual. “Proteção infantil” é usado aqui
para se referir a estratégias e intervenções para prevenção de danos. O Apêndice 1 inclui
um glossário para alguns termos empregados. Todas as referências para esta análise estão
disponíveis em um anexo separado.
1.5 Projeto de pesquisa e metodologia
Foi adotado um projeto de pesquisa com três frentes:
Entrevistas consultivas – mais de 70 participantes-chave foram identificados, com
experiência específica em esportes, esporte para desenvolvimento, proteção infantil ou
variadas formas de exploração de crianças e adolescentes como trabalho infantil, escravidão
e tráfico para comércio sexual. Todos foram abordados e convidados para uma entrevista
(veja nos Agradecimentos a lista dos que responderam). Entre esses, sentimos que era
importante ouvir as vozes divergentes, bem como as vozes das pessoas altamente
comprometidas com a prevenção da exploração infantil. Para esse propósito, tentamos
ouvir indivíduos e grupos cujas missões organizacionais ou posicionamentos pudessem
refletir abordagens conflitantes (veja o Apêndice 2 para um exemplo do roteiro de
entrevista). As entrevistas foram realizadas por e-mail, telefone, Skype ou pessoalmente.
Análises da literatura especializada – foram focadas principalmente em esportes, esporte
para desenvolvimento e variados termos associados à exploração sexual de crianças e
adolescentes, como tráfico de pessoas, abuso, proteção infantil (vide o anexo com a
estratégia de pesquisa).
Estudos de caso – foram apresentados neste relatório como exemplos de práticas de
prevenção nas Copas do Mundo e em outros grandes eventos esportivos.
11
2.0
Conhecimento sobre os riscos de exploração de crianças e adolescentes
em ambientes esportivos
2.1 Introdução
Examinamos nesta parte as descobertas de pesquisas e das práticas sobre os riscos para
crianças associados à Copa do Mundo da FIFA e a outros grandes eventos esportivos de teor
similar. Foram avaliadas as suposições e as provas do que poderia expor as crianças ao
abuso e à exploração antes, durante e depois esses eventos.
2.2 Restrições na análise de riscos para crianças associados aos grandes eventos
esportivos
Parece inexistir uma forma de abordagem conceitual sobre análise de riscos para crianças
que seja adotada mundialmente. O estudo global do Secretário Geral das Nações Unidas
sobre a Violência contra Crianças (Pinheiro, 2006) adotou uma abordagem por ambientes
(casa e família; escolas e educação; instituições assistenciais e judiciais; comunidade e
trabalho). Ele se baseou no Modelo Bioecológico do Desenvolvimento de Bronfenbrenner
(1977 e 1979), que também foi usado por Krug (2002) para entender os riscos e os fatores
de proteção contra violência (indivíduo, relacionamento, comunidade e sociedade). Outros
tiveram como foco as experiências de exploração de crianças e adolescentes – abuso
sexual, castigos físicos e outros (por exemplo, Cawson et al., 2000, Radford et al., 2011).
ANTES
APÓS
DURANTE
Sociedade
Econômica (por exemplo,
oportunidades comerciais)
Comunidade
Ambiental (por
exemplo,
deslocamento)
Grandes
eventos
esportivos
Social (por exemplo,
reuniões de massa)
Família
Estrutural (por exemplo,
falta de proteção legal)
Cultural (por exemplo,
desinibição com álcool)
Indivíduo
Figura 1: Quadro para análise de riscos para crianças
associados a grandes eventos esportivos
12
O que está claro é que os riscos surgem em todos os níveis – individual, familiar,
comunidade e sociedade (Oak Foundation, 2012, 13). Esses riscos resultam de uma
associação de fatores sociais, econômicos, culturais, ambientais e estruturais que podem
tirar o poder das crianças e enfraquecer seu ambiente de proteção (Mbecke, 2010, 100).
Desvendar as determinantes de risco para as crianças e suas relações de causas e efeitos é
uma tarefa muito complexa. Fazê-lo em relação a um período de tempo – antes, durante e
após grandes eventos esportivos (Figura 1) – é ainda mais difícil em um campo repleto de
suposições mas com frequente falta de provas. Na falta de uma estrutura conceitual comum
para examinar os riscos a crianças associados a grandes eventos esportivos, optamos por
seguir o que existe em trabalhos impressos, que normalmente abordam as experiências de
risco.
Muitas afirmações já foram feitas, tanto nas publicações que consultamos como em nossas
entrevistas, sobre as fontes de risco de exploração de crianças e adolescentes associado a
grandes eventos esportivos. Em relação à Copa do Mundo da FIFA, por exemplo, os
entrevistados falaram sobre os riscos “óbvios” do alto número de pessoas concentradas em
um só lugar, as oportunidades para atividade criminal, violência e abuso em abordagens na
rua, armadilhas por cafetões e agências para induzir mulheres e crianças a trabalharem no
comércio sexual, tráfico para trabalho infantil, a perigosa influência de pedófilos e o
aumento de consumo de álcool e drogas associado ao “clima do futebol”. Igualmente,
embora essas questões pareçam alarmantes, os entrevistados também deixaram claro que
elas podem estar baseadas em provas insuficientes, propaganda dos interesses velados e
problemas sociais pré-existentes na vizinhança de grandes eventos esportivos. A dificuldade
aqui, então, é a de desvendar as provas sólidas desses problemas e ao mesmo tempo
estabelecer a associação precisa entre eles e esses eventos esportivos.
Para averiguar as muitas afirmações sobre os problemas de exploração, é essencial que
existam projetos sólidos de pesquisa e informações confiáveis. No entanto, a própria
natureza da exploração de crianças e adolescentes não se presta a formas convencionais de
teste de hipóteses, e a característica ilícita, delicada, pessoal e escondida dos problemas de
exploração os tornam difíceis de serem atingidos pelos pesquisadores.
Os seguintes itens foram sugeridos como correlacionados aos riscos para crianças nas Copas
do Mundo e em outros grandes eventos esportivos:
 desemprego;
 pobreza;
 falta de acesso a serviços, incluindo educação e saúde;
 HIV/AIDS tendo como consequência órfãos e famílias chefiadas por crianças;
 conflito;
 álcool e droga como fonte de crimes sociais e violência;
 fragilidade de fronteiras;
 força policial inadequada;
 deslocamento e migração forçados;
 desigualdade de gênero;
 práticas culturais, sociais e religiosas do local – por exemplo, a normalização da
violência sexual, a subordinação de crianças e a hegemonia masculina comumente
associada a alguns participantes da cultura do futebol.
13
Embora possam ser consideradas forças socioculturais e econômicas genéricas, elas têm
intersecções de formas específicas com cada local de grande evento esportivo. Por exemplo,
foi sugerido que algumas características da localização de Vancouver aumentaram o risco de
tráfico de pessoas relacionado às Olimpíadas de Inverno de 2010. Entre elas estavam a
proximidade com a fronteira dos Estados Unidos, as leis de imigração relativamente sem
restrições, a alta demanda de serviços sexuais e o alto nível de crime organizado (The Future
Group, 2007, 7). Da mesma forma, há alegações de que os riscos de tráfico para a Copa do
Mundo de 2010 da FIFA na África do Sul estavam ligados às condições socioeconômicas
locais, entre elas as altas taxas de crime, a desigualdade econômica, a falta de leis contra o
tráfico de pessoas, o afrouxamento dos controles de vistos durante o evento e a falta de
experiência em sediar grandes eventos esportivos (Jelbert, 2010, 3; Hamman, 2011, 15).
Ainda assim, apesar de tais alegações, não foi encontrado nenhum estudo que
demonstrasse condições causais específicas do risco para exploração de crianças e
adolescentes antes, durante ou após grandes eventos esportivos.
2.3 O mapeamento de riscos específicos
Alguns de nossos entrevistados descartaram a possibilidade de um trabalho especial de
proteção à criança em grandes eventos esportivos, com base na alegação de que os riscos
de abuso a crianças não estavam previstos. Outros entrevistados sugeriram uma vasta gama
de riscos específicos dos eventos, com ou sem elementos comprobatórios (Tabela 1). Apesar
da dificuldade em fundamentar essas fontes de risco, uma análise extensa dos materiais
publicados (vide Anexo independente) mostra que parte da exploração de crianças e
adolescentes em grandes eventos esportivos não ocorre universalmente (Williams, 2011).
Os riscos específicos antes, durante e após grandes eventos esportivos podem ser assim
classificados de forma ampla: trabalho infantil, deslocamento de crianças como resultado de
remoções forçadas para construção de infraestrutura e liberação de ruas, exploração sexual
e tráfico de pessoas afetando crianças.
Tabela 1: Fontes de riscos para crianças
associados a grandes eventos esportivos
Fontes de risco
Antes

Cronogramas de construção acelerados com um grande número
de homens separados de suas famílias e recorrendo a sexo pago
– e com menores de idade

Impactos negativos em crianças decorrentes da migração por
trabalho e demandas altas porém temporárias de trabalho
comercial, por exemplo, passaportes ilegais e documentos de
confirmação de idade permitindo o uso de trabalhadores
menores de idade, envolvimento em vendas na rua
Durante

Após

Cobertura midiática que eventualmente omite as más notícias
relacionadas aos grandes eventos esportivos (abusos infantis)


Detenção e revista ilegal, inclusive de crianças
Deslocamento de crianças de suas casas para lugares
temporários e/ou desconhecidos





14
Fontes de risco
Coação de crianças para atividades ilegais como tráfico de
drogas, roubo, violência sectária ou étnica
Antes

Durante

Celebridades, figuras públicas atividades e/ou entidades que
vestem a camisa do “esporte inclusivo” desviando a atenção
das autoridades e organizações de seus procedimentos
corriqueiros de fiscalização de riscos à criança


Trabalhador migrante sem acesso a creche, educação, serviços
de saúde
Prorrogação das férias escolares sem supervisão ou sem
programação




Níveis elevados de abuso sexual e físico devido à sensação de
impunidade decorrente do aumento das festividades
Efeito negativo na saúde mental e física da criança causado por
doenças contagiosas se elas são abusadas e/ou forçadas a
consumir drogas
Após




Trabalho infantil
Os trabalhos publicados sugerem que o trabalho infantil tem sido a forma de exploração de
crianças e adolescentes mais frequente associada a grandes eventos esportivos, e que ele
pode ser a principal causa do tráfico de pessoas nesses eventos (Pemberton Ford, 2012). Os
incidentes incluem o envolvimento de crianças na produção de artigos esportivos, na
construção de estádios, e coação a pedir esmolas ou vender produtos na rua (Gustafson,
2011, 446; Morrow, 2008).
A primeira comprovação de trabalho infantil ligado a grandes eventos esportivos que
encontramos veio da reportagem sobre crianças trabalhando na Índia e no Paquistão,
costurando à mão bolas de futebol antes da Copa do Mundo de 1998 na França (Donnelly
et al., 2004, 304). Houve também o envolvimento de crianças na fabricação de produtos
com o logotipo olímpico para os Jogos Olímpicos de 2004 na Grécia, apesar da legislação
sobre trabalho infantil: as fábricas haviam recebido licenças para produzir mercadorias
dignas do "Espírito Olímpico" (Playfair, 2008, 29). Quatro anos mais tarde, a mesma
organização encontrou provas de crianças de apenas 12 anos de idade produzindo
mercadorias olímpicas para os Jogos Olímpicos de Beijing de 2008. Antes das Olimpíadas de
2012 em Londres, surgiram novamente preocupações sobre as condições em uma fábrica na
China contratada para fornecer mascotes olímpicos de brinquedo (Coordination Group on
Human Trafficking and London 2012 Network, 2011).
A construção de um novo estádio e de infraestrutura para os Jogos da Commonwealth de
2010 na Índia envolveu outro exemplo de trabalho infantil forçado (BBC News, 2010; CNN,
2010). O acadêmico Siddharth Kara encontrou 14 casos de crianças envolvidas
especificamente na construção civil relacionada aos Jogos (Pemberton Ford, 2012). Ele
relatou que famílias inteiras haviam sido transferidas para trabalhar em condições
“desumanas” em canteiros de obras, com promessas não cumpridas de salários para adultos
e crianças. Embora as autoridades dos Jogos da Commonwealth tenham agido rapidamente
para remover as crianças desses projetos de grandes obras, muitas fotografias de
trabalhadores infantis indianos trabalhando na infraestrutura para os Jogos ainda podem
ser encontradas em sites de buscas na Internet. O principal desafio nesse local específico é
que o trabalho infantil não é "anormal" na Índia. Os dados demográficos da força de
15
trabalho na Índia incluem 12% de crianças de apenas cinco anos (ibid). Similarmente, no
Brasil, as estatísticas sugerem que 1,4 milhão de crianças são forçadas ao trabalho infantil,
principalmente pela pobreza, mas ainda assim não foram encontradas provas de crianças
trabalhando na construção de estádios para a Copa do Mundo da FIFA em 2014 (Latino Daily
News, 2012).
Forçar crianças a pedir esmolas, com relação a grandes eventos esportivos, foi um fato
informado por ONGs tanto após os Jogos Olímpicos de 2014 na Grécia (Pemberton Ford
2012) como após a Copa do Mundo da FIFA de 2010 na África do Sul (Conteh, 2009). Esse
risco também foi encontrado por Cherti et al.(2012, 15) em relação aos Jogos Olímpicos de
2012 em Londres. As reportagens da mídia citaram um aumento de migrantes do Leste
Europeu, principalmente romenos, traficados para Londres por gangues de crime
organizado para esse propósito. Mas essas alegações não são apoiadas por estudos de
avaliação (Dottridge interview; Pemberton Ford, 2012). De fato, de acordo com Pemberton
Ford (2012), durante os Jogos Olímpicos de 2004, o número de crianças em situação de rua
registrado por trabalhadores de apoio de ONGs na realidade diminuiu. Não está claro se isso
se deveu ao policiamento das ruas mais intenso que o normal - com efeito de dissuasão e/ou às dificuldades envolvendo o monitoramento da exploração de crianças e
adolescentes.
Resumo: Alguns serviços empresariais associados aos grandes eventos esportivos - tanto
legais quanto ilegais - ainda utilizam o trabalho infantil.
Deslocamento de crianças por remoções forçadas pela construção de infraestrutura e
liberação de ruas
É comum o deslocamento de comunidades para a construção de infraestrutura antes de
grandes eventos esportivos. A literatura a respeito é vaga em relação a quando o
deslocamento se torna remoção forçada, e ainda mais vaga em relação a quando isso
constitui uma violação direta ou indireta dos direitos das crianças e dos adolescentes. Para
os Jogos Olímpicos de 1988, em Seul, 720.000 pessoas foram deslocadas à força para a
construção de estádios e infraestrutura antes dos Jogos. De acordo com Czeglédy (2009,
236) e COHRE (2007, 396), o deslocamento aumentou a pobreza, separou famílias e teve um
forte impacto sobre as crianças que presenciaram seus pais sendo agredidos e suas casas
sendo demolidas.
A exploração de crianças e adolescentes que resulta de remoção forçada por causa da
construção de infraestrutura afeta largamente as crianças de famílias que já são
marginalizadas e vulneráveis:
 antes dos Jogos Olímpicos de 1992 em Barcelona, e em 2004 na Grécia, 90 a 100% da
comunidade de ciganos foi deslocada para fora da Vila Olímpica (Thomas, 2008, 2);
 os Jogos Olímpicos de 2008 em Beijing declaradamente deslocaram 1,25 milhão de
residentes, com um adicional de 400.000 migrantes das áreas rurais vivendo
temporariamente em situação de extrema insegurança (Advocates for Human
Dignity, 2012);
 os Jogos da Commonwealth de 2010 em Delhi acarretaram a remoção de 300.000
pessoas das favelas da cidade. COHRE (2007, 53) relata que alguns dos casos de
remoção foram violentos e não planejados, sem direitos para os despejados, que
16


agora vivem em campos de reassentamento longe de escolas e das oportunidades
econômicas em Delhi;
antes do sorteio das eliminatórias da FIFA na África do Sul em 2007, crianças em
situação de rua foram "abrigadas" na prisão de Westville, o que as expôs a violência,
estupro e possível contaminação por HIV (Ngonyama, 2010, 174);
a cobertura pelos meios de comunicação das manifestações nas favelas brasileiras
fez surgir alegações de violação dos direitos humanos das crianças e dos
adolescentes associada à construção de infraestrutura para a Copa do Mundo e os
Jogos Olímpicos (BBC News, 2011).
Esses casos ilustram até que ponto os riscos específicos para crianças estão interligados. A
remoção forçada de crianças para a construção de estádios e infraestrutura, por exemplo,
causa um aumento adicional na vulnerabilidade em relação a riscos como exploração sexual
ou de trabalho infantil, já que as alternativas econômicas são retiradas e os sistemas de
apoio tradicionais são rompidos.
O deslocamento de crianças em situação de rua e de comunidades pobres, como parte da
"limpeza" do evento, tem sido uma preocupação constante de defensores do bem estar da
infância, bem como de pesquisas a respeito dos grandes eventos esportivos no passado.
 Jogos Olímpicos de Seul, 1988 - vendedores informais de rua foram banidos da
região, aumentando o risco de suas crianças serem atraídas para a exploração sexual
ou para o trabalho, devido à falta de alternativas de renda (COHRE, 2007);
 Jogos Olímpicos de Barcelona, 1992 - as comunidades de ciganos e os comerciantes
informais foram estrategicamente retirados das ruas durante o evento, como parte
de uma meta política a longo prazo das autoridades espanholas (Czeglédy, 2009,
236);
 Jogos Olímpicos de Sydney, 2000 - moradores em situação de rua foram retirados
das ruas e levados de ônibus para outras cidades (Beadnell, 2000);
 Copa do Mundo da FIFA no Japão e na Coréia em 2002 - 300 moradores em situação
de rua foram "limpos" de Osaka, e as autoridades em Seul delimitaram áreas
"proibidas" para moradores em situação de rua. A alegação é de que a cidade teria
como intenção original enviar esses moradores em situação de rua para programas
de reabilitação fora da cidade durante a Copa do Mundo, mas que esses planos
foram cancelados diante da pressão da mídia e de grupos de direitos humanos
(COHRE, 2007);
 Campeonato Africano das Nações em Gana, 2008 - houve relatos de vendedores
ambulantes sendo removidos à força dos espaços (Broadbent, 2012);
 Jogos da Commonwealth em Delhi, 2010 - "tribunais migrantes" foram estabelecidos
para remover pedintes das ruas, e as reportagens da mídia alegaram que os
vendedores de rua foram forçados a sair de Delhi durante o evento;
 Copa do Mundo da FIFA na África do Sul em 2010 - 600 crianças e adolescentes em
situação de rua foram deslocados para uma área de transferência como em
apartheid ou acampamentos transitórios a 30 km da Cidade do Cabo, levando a um
aumento nos problemas sociais, incluindo violência sexual contra crianças (Samara,
2010; van Blerk, 2011, 35; Maharaj, 2011, 58). Outros relatos sugerem que jovens e
alguns adultos com crianças pequenas foram acusados de vadiagem e punidos com
17


multas que eles não tinham condições de pagar, só para que fossem presos e
removidos das ruas (Ngonyama, 2010, 174);
Jogos Olímpicos de Inverno de Vancouver em 2010 - Kennelly et al.(2011) alegaram
que os jovens em situação de vulnerabilidade são ainda mais marginalizados com os
programas de remoção das ruas que têm como foco os moradores em situação de
rua em geral, e citou os investimentos nos Jogos que redirecionaram os recursos
para fora das redes e estruturas de apoio existentes;
Copa do Mundo da FIFA em 2014 e Jogos Olímpicos em 2016, no Brasil - um relatório
sugere que a operação "Choque de Ordem", que tem como objetivo promover a
ordem pública como preparação para a Copa do Mundo, é responsável pelo
aumento da violência contra crianças em situação de rua e pela criminalização de
crianças em situação de rua que são vendedores ambulantes (Consortium for Street
Children, 2012).
Nos lugares onde os níveis de pobreza e desigualdade são mais extremos, como em partes
do Hemisfério Sul, há um aumento da pressão sobre os organizadores de grandes eventos
esportivos para esvaziar as ruas, numa tentativa de apresentar uma imagem segura e
agradável. Sendo assim, os governos dos países precisam administrar o paradoxo de
aumentar o investimento estrangeiro e o turismo, ao mesmo tempo em que administram
diariamente a pobreza e os problemas sociais (Robinson, 2002; Rogerson, 2009). Esse foi um
problema bem específico da Copa do Mundo da FIFA em 2010, na África do Sul. O medo de
que o crime e a pobreza pudessem afastar o turismo internacional e os investimentos do
comércio internacional estimularam uma solução centrada em segurança, policiamento e
prisões, incluindo esvaziar as ruas dos "elementos indesejados" (SANTAC, 2007).
Ironicamente, apesar de relatos de crianças em situação de rua sendo removidas à força
como parte do esvaziamento das ruas, as crianças em situação de vulnerabilidade
representaram uma característica de pouca importância no planejamento para o futuro e
nas avaliações em larga escala de um desenvolvimento nacional, social e econômico mais
amplo, resultante do fato de terem sediado a Copa do Mundo (Maharaj, 2011, 58).
Resumo: As crianças são frequentemente vítimas do deslocamento de comunidades que é
associado de forma típica aos grandes eventos esportivos.
Exploração sexual de crianças e adolescentes
São escassas as comprovações sólidas de exploração sexual antes e durante os grandes
eventos esportivos. Os exemplos descobertos indicam o risco e não a incidência de
exploração sexual, ou sua conexão explícita com os eventos é difícil de confirmar. Como
exemplo, antes do Campeonato Africano das Nações de 2008 em Gana, a polícia descobriu
planos de recrutamento de crianças para a prostituição durante o evento (Morrow, 2008,
260). O Instituto de Migração também relatou jovens garotas resgatadas de um bordel nos
dias que precederam o evento (IOM, 2008).
Um aumento geral na exploração sexual de crianças e adolescentes foi previsto por ONGs
durante o período da Copa do Mundo da FIFA em 2010 na África do Sul, mas como era parte
de uma tendência de aumento geral no país sua conexão exata com o evento não ficou clara
(Molo Songololo in Jelbert, 2010). Além disso, os números poderiam ser atribuídos ao
aumento da conscientização a respeito. Muitas das garotas menores de idade encontradas
18
pelas autoridades policiais durante a Copa do Mundo pareciam ser originárias de áreas
rurais pobres da África do Sul, preparadas e coagidas a trabalhar no comércio sexual, mas
inexistem informações sólidas que embasem essa percepção (London Councils, 2011, 19).
Um outro risco de exploração sexual durante a Copa do Mundo de 2010 surgiu por causa
das férias escolares prolongadas, que deixavam as crianças sem supervisão e vulneráveis à
violência e à exploração sexuais (Hayes, 2010, 1105). A proibição de vendedores ambulantes
e de mascates nas "áreas FIFA" também significou uma pressão econômica contra as
famílias, alimentando potencialmente a violência doméstica e o aumento dos riscos de
exploração sexual com propósitos econômicos (Maharaj, 2011, 59).
Um estudo do Reino Unido sobre a conexão entre a violência doméstica e a Copa do Mundo
de 2006 mostrou uma ligação entre a exploração sexual de crianças e adolescentes, o
aumento de consumo de álcool e os grandes eventos esportivos (Braaf and Gilbert, 2007).
Os eventos futebolísticos são sem dúvida particularmente arriscados devido à cultura
sexista dos "garotos comportando-se mal" que está culturalmente associada ao jogo
(Palmer, 2011). Comparando duas Campanhas de Contenção de Violência Doméstica, a
segunda realizada deliberadamente durante as finais da Copa do Mundo da FIFA em 2006,
descobriu-se que, nos finais de semana durante as finais da Copa do Mundo (nos dias em
que a Inglaterra jogava), os incidentes de violência doméstica subiram na segunda
campanha, em média, entre 11,69% e 31,42%, se comparados com o mesmo dia da semana
durante a primeira campanha, sem futebol.
Resumo: a exploração sexual de crianças e adolescentes relacionada aos grandes eventos
esportivos parece ficar escondida por trás de outros problemas sociais como desvio na
oferta de atendimento, estresse familiar, pobreza e violência doméstica.
Tráfico de pessoas para exploração sexual afetando crianças
Pouquíssimos estudos têm como foco exclusivo a exploração sexual de crianças e
adolescentes em grandes eventos esportivos ou próximo a eles. Uma atenção significativa
tem sido dada à suposta conexão entre esses eventos e a limpeza forçada nas ruas, o tráfico
de pessoas e a prostituição. Não se pode descartar que esses relatórios reflitam, em certa
parte, a probabilidade de impactos sobre as crianças (Hennig et al.,2006; Morrow, 2008,
263).
Os aumentos previstos na demanda de serviços de sexo pago por visitantes e turistas em
grandes eventos esportivos foram atribuídos à suposta conexão entre a exploração sexual e
esses eventos (Palmer, 2011, 4; SANTAC, 2007). À exceção de alguns poucos casos
relatados, não parece haver comprovação sólida de apoio a essas previsões.
Os Jogos Olímpicos de 2004, na Grécia, foram o primeiro grande evento esportivo em que
essa questão atraiu um interesse significativo do público. O número de vítimas do tráfico de
pessoas aumentou 94% em 2004 e continuou alto nos anos subsequentes (Gustafson, 2011,
434), mas, ainda assim, em nenhum desses casos as autoridades gregas relacionaram esse
fato ao evento em si (GAATW, 2011). A Copa do Mundo da FIFA em 2006 na Alemanha
também atraiu especulações da mídia de que 40.000 mulheres teriam sido traficadas para o
evento em resposta a um aumento da demanda de sexo pago (Morrow, 2008). "(...) na Copa
do Mundo de 2006 havia um debate sobre prostitutas do Leste Europeu - o número era de
40.000 - mas isso na realidade não tinha fundamento." (Jens Sejer Andersen, Play the
Game). Apenas cinco casos de tráfico de pessoas diretamente relacionado à Copa do Mundo
19
foram efetivamente relatados (Tavella, 2007; Gustafson, 2011, 446; SANTAC, 2007), embora
o governo alemão tenha de fato relatado um aumento na prostituição legalizada como
decorrência da Copa do Mundo (The Future Group, 2007). A mídia e os grupos
antiprostituição também citaram o tráfico estimado de 40.000 mulheres antes dos Jogos
Olímpicos de Inverno de Vancouver em 2010. Ainda assim, de acordo com o Departamento
de Combate ao Tráfico de Pessoas da Colúmbia Britânica, no Canadá, não houve denúncia
nem comprovação explícita de exploração sexual em conexão com o evento (Pemberton
Ford, 2012). Mais recentemente, a Copa do Mundo da FIFA em 2010, na África do Sul, atraiu
atenção similar da mídia sobre um aumento previsto de profissionais do sexo (Richter and
Delva, 2011, 8). As estimativas variavam amplamente entre 40.000 e 100.000 mas também
não foi encontrada nenhuma prova que sustentasse essa suposição.
Uma relação de causa e consequência entre o tráfico de pessoas para exploração sexual e
grandes eventos esportivos não tem portanto confirmação. Em apoio a Gold (2010, 40) em
relação à Copa do Mundo da FIFA em 2010, Delva et al. (2010, 3) afirmam que "as
informações não sustentam a hipótese largamente disseminada de que milhares de
mulheres e crianças estrangeiras tenham sido traficadas para a África do Sul para dar conta
do aumento da demanda de sexo pago". Richter e Delva (2011, 7) e Hayes (2001, 1105)
observam que, embora o "o medo tenha uma explicação lógica", há poucas pesquisas
sistemáticas que produzam provas que demonstrem o impacto dos grandes eventos
esportivos sobre o trabalho sexual. É difícil avaliar se a falta de provas reflete o sucesso das
estratégias de atenuação, ou a inexistência de problema (Hayes, 201, 1105), ou talvez ainda
a debilidade dos projetos de monitoramento e avaliação. A falta de dados básicos de
referência sobre exploração sexual de crianças e adolescentes significa que não é possível
saber se os números da prostituição durante grandes eventos esportivos constituem ou não
um aumento em relação aos índices normais. Por exemplo, apesar de um estudo ter
afirmado que 10.000 mulheres estiveram envolvidas em prostituição durante as Olimpíadas
de Sidney de 2000 (Coordination Group for the Human Trafficking and London 2012
Network, 2011), não é possível saber se isso é atípico ou não.
O relatório de 2011 do GAAWT chega ao ponto de dizer que há recursos desperdiçados no
enfrentamento da presumida, mas falsa, ligação entre eventos esportivos e o tráfico para
prostituição. Os que se opõe a essa ideia argumentam que a relação é altamente improvável
porque:
1. as estatísticas não são factíveis;
2. os eventos de curta duração não são financeiramente viáveis para traficantes ou
profissionais do sexo;
3. não apenas homens comparecem aos eventos (por exemplo, em termos de
estatísticas demográficas, os visitantes da Copa do Mundo da Alemanha em 2006
eram principalmente famílias);
4. os visitantes não têm condições de pagar por serviços sexuais.
(Coordination Group for the Human Trafficking, London 2012 Network, 2011; Richter
and Massawe 2010, 222).
Diversos críticos da suposta conexão entre o tráfico de pessoas e grandes eventos
esportivos argumentam que isso é "em grande parte fabricado para ser usado como
ferramenta em campanhas moralizantes sobre a natureza da prostituição" (Hayes, 2010,
1107). Por exemplo, Chris Smith (em Morrow, 2008, 258) afirma que o número previsto de
20
40.000 vítimas do tráfico associadas à Copa do Mundo da FIFA em 2006 na Alemanha
resultaram mais de um interesse político na revogação da prostituição legalizada do que de
um aumento de consciência e preocupações sobre a exploração sexual. Essa visão foi
endossada por um consultor em direitos humanos (entrevista Dottridge).
Tabela 2: Provas sobre o tráfico de pessoas em grandes eventos esportivos
(Fonte: GAATW, 2011, 8)
Evento
O que foi previsto?
O que aconteceu realmente?
Copa do Mundo
2010 (África do Sul)
40.000 profissionais do sexo/
mulheres traficadas seriam
"importadas" para o evento
"Uma explosão no tráfico de
pessoas"
O Departamento de Justiça e Desenvolvimento
Constitucional da África do Sul não relatou
nenhum caso de tráfico durante o evento
As informações estão sendo finalizadas: relatos
informais e preliminares sugerem que não foram
identificados casos de tráfico e que o movimento
para profissionais do sexo diminuiu
Cinco casos de tráfico foram encontrados e
relacionados à Copa do Mundo 2006
Olimpíadas 2010
(Canadá)
Copa do Mundo
2006 (Alemanha)
Olimpíadas 2004
(Grécia)
Super Bowl 2011,
2009, 2008 (EUA)
40.000 profissionais do sexo/
mulheres traficadas seriam
"importadas" para o evento
Aumento no tráfico para
prostituição
10.000 a 100.000 profissionais do
sexo invadindo e inundando o
evento ou traficados para ele
Nenhum caso de tráfico para prostituição foi
relatado como tendo relação com as Olimpíadas
de 2004
Órgãos policiais não observaram aumento em
prisões relacionadas ao trabalho sexual durante
o evento
Ultrapassar as ideologias pessoais e organizacionais e os interesses políticos prévios dessas
afirmativas requer o investimento de tempo e dinheiro em relatos mais precisos de provas
exatas de que o abuso esteja ocorrendo (Cherti et al., 2012). O atual excesso de confiança
nas reportagens da mídia é problemático, como mostrado na pesquisa de Hamman (2011,
56) sobre a cobertura midiática antes, durante e após a Copa do Mundo da FIFA em 2010 na
África do Sul. Anteriormente ao evento, as campanhas de combate ao tráfico tratavam o
assunto com sensacionalismo, e o tráfico de pessoas estava muito presente na mídia.
Durante e após o evento, no entanto, a cobertura esteve baixa, como resultado de histórias
alternativas que recebiam os holofotes da mídia como prioridades. Como resultado, o
público foi mal informado, tornando difícil diferenciar alegações das provas do que
realmente aconteceu (ver a Tabela 2 com mais exemplos).
Resumo: O tráfico de pessoas para exploração sexual associado a grandes eventos
esportivos parece ser focado em adultos, sendo sensível a intervenções de advocacy e difícil
de medir. Onde ele acontece é provável que esteja mascarando danos a crianças.
2.4
Conclusão
Os impactos da exploração de crianças e adolescentes associada a grandes eventos
esportivos são tanto tangíveis e diretos, quanto intangíveis e indiretos (Bob et al., 2010, 2).
Giulianotti e Klauser (2009) defendem que deveria ocorrer o distanciamento de um foco
estreito em questões de segurança, como risco de terrorismo ou violência de espectadores,
para uma consideração mais ampla de questões como pobreza, desigualdade, divisões
sociais profundas e crime urbano associado. Por exemplo, quando uma nação-sede
21
redireciona seus recursos de canais de atendimento em áreas pobres para projetos de
infraestrutura, isso acarreta problemas de violação dos direitos humanos de crianças e
adolescentes em resultado da pobreza em algum outro lugar. Jelbert (2010, 12) exemplifica
isso, alegando que houve um aumento nos estupros por gangues de jovens em Kwa Zulu
Natal durante a Copa do Mundo em 2010 devido à polícia ter sido realocada para mais perto
das áreas do evento da FIFA. A literatura especializada é claramente dominada pela questão
do tráfico de pessoas, mas isso mascara a exploração de crianças que está por trás da
exploração de adultos. Embora os riscos da exploração de crianças e adolescentes por si só
tenham certamente aumentado durante alguns desses eventos, todos os exemplos
discutidos ressaltam a raridade global de dados empíricos confiáveis em torno de grandes
eventos esportivos (Hayes, 2001, 1105). É essencial que tenhamos projetos de pesquisa
sólidos e focados especificamente em crianças, para confirmar essas afirmações.
22
3.0 Programas de intervenção e advocacy para tratar de riscos específicos
para crianças e adolescentes associados a grandes eventos esportivos
3.1 Introdução
As reações para minimizar o impacto de riscos para crianças associados a grandes eventos
esportivos são de grande amplitude: algumas se relacionam com um elemento do quadro
de riscos (Figura 1) e outras tentam abordar a diversidade dos riscos específicos. É evidente
pela literatura já produzida, e por nossas consultas, que as reações específicas com foco em
crianças são escassas. Pouquíssimos programas de intervenção ou advocacy são específicos
para uma determinada faixa etária, e a maioria aborda riscos mais gerais, ao invés dos
específicos. Além disso, como refletido abaixo, o tráfico de pessoas parece encobrir todos os
demais riscos no que tange aos níveis de atenção, recursos e prioridade concedidos a ele
pelos organizadores, independentemente do significado relativo desse risco para crianças.
Há muito pouco material sobre programas ou advocacy relacionados a trabalho infantil,
exploração sexual e deslocamentos. Essa distorção na literatura revela questões
importantes para pesquisas futuras (vide parágrafo 5.0). O importante, conforme ressaltado
acima, é que ela também mascara o fato de que, com muita frequência, as crianças são
vítimas quando adultos próximos a elas são explorados. Logo, embora muitas das iniciativas
descritas abaixo tenham como alvo os adultos, elas podem também trazer benefícios de
prevenção que serão importantes para as crianças.
As intervenções são discutidas aqui sob os seguintes títulos: Tráfico de pessoas com efeito
sobre crianças; Exploração sexual de crianças e adolescentes; e Advocacy
3.2 Tráfico de pessoas com efeito sobre crianças
Ocorreram ações de cooperação internacional, nacional e local antes dos Jogos Olímpicos da
Grécia em 2004 como reação ao "pânico moral" instigado pelas reportagens da mídia sobre
o risco do tráfico de pessoas relacionado ao evento (Gould, 2010). As iniciativas
implementadas em conjunto por diversos órgãos para tratar dos riscos para as crianças,
tanto nesse como em outros grandes eventos esportivos que ocorreram posteriormente,
incluíram: ação policial, estratégias de proteção infantil e conscientização sobre HIV/AIDS.
Ação policial:
Com foco específico no risco do tráfico de pessoas, as autoridades gregas desenvolveram
um Plano de Ação Nacional contra o tráfico, acordado logo antes das Olimpíadas de 2004
por vários Secretários Gerais. Esse Plano teve seu foco central voltado para os esforços de
aumento da força policial, com implantação de extensas patrulhas policiais e o
estabelecimento de um programa de assistência jurídica. O governo pela primeira vez
tomou algumas providências punitivas contra a cumplicidade policial no tráfico, incluindo:
tornar o tráfico um crime do Código Penal; fornecer vistos temporários e serviços para as
vítimas; e tornar a legislação mais rigorosa para que vistos de trabalho parassem de ser
usados para traficar mulheres (Bowen e Shannon, 2009, 17). A implementação e a captação
de recursos foram, no entanto, questões-chave. Na prática, não houve nenhum processo
judicial diretamente promovido nos termos do Código Penal, e poucas vítimas foram
auxiliadas em seus pedidos de visto antes dos Jogos (Pemberton Ford, 2012).
23
As intervenções para reduzir os riscos associados à Copa do Mundo da FIFA de 2006 na
Alemanha também tiveram como foco o tráfico de pessoas com debates que
frequentemente confundiram a questão como sinônimo de prostituição (Hennig et al.,
2006). Isso levou à legalização do trabalho sexual no país antes da Copa do Mundo (Richter
and Massawe, 2010, 222). Os esforços policiais foram diferentes em cada cidade-sede, mas
incluíram grande aumento da presença policial e de centros de aconselhamento
especializados. Houve uma grande cooperação entre os órgãos policiais de nível nacional e
internacional, culminando na resolução do Parlamento Europeu no contexto de eventos
esportivos mundiais e apoio para a campanha "Cartão Vermelho para Prostituição Forçada"
para a Copa do Mundo de 2006 (Henning et al., 2006).
Os processos judiciais também foram simplificados com sucesso para a Copa do Mundo de
2010 na África do Sul, onde juizados especiais foram criados e abertos
... justiça incrivelmente rápida que normalmente levaria anos e mais anos. De algumas
formas, o que a Copa do Mundo ofereceu à África do Sul foi um momento em que o
governo decidiu que, finalmente, iria fazer seu trabalho direito. Nós talvez nunca mais
vejamos a mesma determinação política. Dean Peacock, da ONG Sonke Gender Justice
A abordagem em Vancouver para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2010 também teve seu
foco voltado para o reforço na ação policial contra o tráfico. Ela foi coordenada pelo
Departamento de Combate ao Tráfico de Pessoas da Colúmbia Britânica (na sigla em inglês:
OCTIP), estabelecido em 2007 conforme o Protocolo de Palermo da ONU sobre tráfico: seu
objetivo era coordenar todas as intervenções de linha de frente e de ação policial, bem
como realizar monitoramento e vigilância. Apesar de não ter sido especificamente
desenvolvida para os Jogos, foi a primeira estratégia desse tipo projetada antes dos Jogos, e
ainda assim mirava também o momento seguinte aos Jogos, o futuro (Lepp, 2010, 49).
A coordenação e a governança das reações ao risco do tráfico associado a grandes eventos
esportivos foi particularmente forte nos Jogos Olímpicos de 2012 em Londres (veja Estudo
de Caso Um). O governo do Reino Unido optou pela diretiva da União Europeia "sobre
prevenção e combate do tráfico de pessoas e proteção de suas vítimas" e publicou um
documento de seu Home Office [Departamento de Relações Exteriores] sobre a Estratégia
contra o Tráfico de Pessoas em julho de 2011. O Centro contra Tráfico de Pessoas do Reino
Unido [United Kingdom Human Trafficking Centre (UKHTC)] e a Agência contra Crime
Organizado Grave [Serious Organised Crime Agency (SOCA)] também trabalharam com
agências análogas em países de origem e de trânsito, unindo esforços para desfazer e
prevenir o tráfico de pessoas (Bowen e Shannon, 2009, 25). De acordo com Cherti et al.
(2012, 19), a verdadeira força da estratégia contra o tráfico humano do Reino Unido para as
Olimpíadas foi o forte foco no legado e a ampliação de um entendimento do risco, para
ajudar a informar as medidas de combate ao tráfico para futuros países-sedes das
Olimpíadas. As provas confirmando a eficácia dessas medidas ainda não foram avaliadas.
24
Estudo de Caso Um: The Human Trafficking and London 2012 Network [Rede contra o
tráfico de pessoas e Londres 2012]
Órgãos públicos e privados uniram seus esforços para tratar dos riscos do tráfico e da prostituição antes,
durante e após os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2012 em Londres. Coordenados pelo órgão da
Grande Londres, os integrantes da Rede incluíam: o Departamento da Prefeitura de Policiamento e Crime,
o Departamento de Polícia Metropolitana, o Conselho de Defesa da Criança de Londres, o "Home Office"
(Departamento de Relações Exteriores), o Ministério da Justiça, Eaves, Anti-Slavery International, Stop the
Traffik e o Exército da Salvação. A Rede lançou várias iniciativas em resposta tanto ao problema corrente de
tráfico como aos riscos específicos em torno dos Jogos Olímpicos. Atividades abrangidas: demanda de
tráfico, assegurando que as pessoas traficadas saibam como ter acesso a apoio, assegurar que o público
saiba como reagir em caso de suspeita de tráfico, aumentar a consciência dos perigos do tráfico em países
de origem, e melhorar o apoio no setor de justiça criminal para as vítimas do tráfico, da exploração sexual e
do trabalho forçado. Apesar da dificuldade ainda existente para se avaliar o sucesso da resposta de Londres
em 2012, as autoridades do Reino Unido encararam com seriedade os riscos que os Jogos representavam, e
a Rede teve um melhor resultado do que as múltiplas campanhas sem coordenação que foram
problemáticas em grandes eventos esportivos anteriores.
Fonte: website do Conselho de Londres (2013) e http://cfab.s3.amazonaws.com/documents/15-107safeguarding-children-in-the-olympic-co-ordination-zone.pdf
As estratégias de proteção infantil
As iniciativas de vários órgãos prevenindo e protegendo as crianças do risco de exploração
antes, durante e após grandes eventos esportivos têm sido predominantemente lideradas
por estratégias de proteção infantil do governo do país-sede. A primeira comprovação dessa
estratégia foi a Estratégia de Segurança Nacional para a Copa do Mundo de 2006, que
incluía proteções nacionais específicas para as crianças. Um relatório de 2007 do governo
alemão após a Copa do Mundo afirmou ter sido comprovado que a estratégia havia dado
bons resultados, com o aumento da presença da polícia e melhor compartilhamento de
informações. Ainda assim, há lacunas significativas nas comprovações de que a atenuação
dos riscos possa de fato ser atribuída a medidas preventivas estruturadas especificamente
para a Copa do Mundo (Morrow, 2008).
O Governo da África do Sul, em parceria com ONGs, adotou uma estratégia de proteção
infantil específica para a Copa do Mundo da FIFA em 2010. Em grande parte, isso ocorreu
como resposta às ações de advocacy direta por parte da ONG defensora de direitos da
infância Molo Songololo (Conteh, 2009, 386). Embora a estratégia pareça abrangente ao
destacar a necessidade de minimizar os fatores de risco para abuso, exploração e tráfico de
crianças durante o evento, ela não abordava a alocação de recursos financeiros nem de
outros recursos para sua implementação (ibid). O Governo também foi amplamente
criticado por sua lenta atuação (Richter e Massawe, 2010, 222), e não foram encontradas
provas avaliando o impacto e a eficácia do planejamento de proteção infantil para esse
evento. A Copa do Mundo de Crianças em Situação de Rua em Durban em 2010 na África do
Sul foi sem dúvida mais eficaz (Estudo de Caso Dois).
25
Estudo de Caso Dois: A Copa Mundial de Crianças em Situação de Rua de 2010 em
Durban, África do Sul
A Primeira Copa Mundial de Crianças em Situação de Rua foi realizada em Durban, África do Sul, em março
de 2010. Patrocinada pela Deloitte, o evento reuniu oito equipes de crianças então ou anteriormente em
situação de rua, de ambos os sexos, com idade entre 14 e 16 anos, de organizações que lidavam com
crianças em situação de rua no mundo todo. Entre os países representados estavam Brasil, África do Sul,
Nicarágua, Ucrânia, Índia, Filipinas e Tanzânia. O conceito foi lançado pela ONG de direitos humanos do
Reino Unido denominada Amos Trust, e o evento foi centralizado pela ONG focada em crianças em situação
de rua com base em Durban, a Umthombo Street Children. Além de competirem num campeonato de
futebol, as crianças criaram obras de arte para exposição e participaram de um congresso de jovens. Os
resultados desse congresso foram publicados em novembro de 2010 sob o título de Declaração de Durban,
pedindo o reconhecimento e a defesa dos direitos das crianças em situação de rua. As meninas que
participaram dessa Copa Mundial também emitiram um Manifesto das Meninas em Situação de Rua. O
evento foi uma vigorosa iniciativa de advocacy, ampliando a consciência do direito das crianças em situação
de rua a serem ouvidas, a um lar, à proteção contra violência e a saúde e educação, e começou a instigar
alterações legislativas sobre as crianças em situação de rua nos países das respectivas equipes. Outra
alegação é que a conscientização gerada pelo evento também acarretou o banimento das batidas policiais
visando as crianças em situação de rua em Durban que ocorriam com frequência antes de visitas
internacionais ou antes de grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo. Também houve benefícios
para muitas das crianças que participaram do evento quando voltaram a seus países de origem e receberam
bolsas de estudos ou foram reencaminhadas para lares de família. Como resultado do sucesso observado,
uma Copa do Mundo de Crianças em Situação de Rua está sendo planejada para 2014, no Brasil.
Fonte: website da Copa do Mundo de Crianças em Situação de Rua (2013) http://streetchildworldcup.org
A organização ECPAT promoveu com sucesso um Código de Conduta referente a proteção
infantil e turismo que tem relevância clara para o fluxo de visitantes em grandes eventos
esportivos (Estudo de Caso Três)
Estudo de Caso Três: ECPAT e o Código de Conduta para a Proteção de Crianças contra a
Exploração Sexual em Viagens e Turismo
O Código de Conduta é uma iniciativa de múltiplas partes interessadas, criada pelo setor de viagens e
turismo para promover a conscientização, as ferramentas e o apoio ao setor de turismo, de maneira a
enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes em destinos turísticos. Iniciado pela ECPAT, o
Código é agora uma entidade independente, com o apoio da Organização Mundial de Turismo, da UNICEF e
da ECPAT em todo o mundo. Os operadores turísticos e as organizações de turismo que assinam o Código
de Conduta se comprometem a informar os clientes de sua política de proteção infantil, treinar suas
equipes em direitos da infância, denunciar casos de exploração sexual e aplicar outras medidas de
proteção às crianças. O Código é uma das primeiras iniciativas para definir o papel e as obrigações das
organizações de turismo no que se refere à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Fonte: website do Código: (2013) http://www.thecode.org
A partir das críticas feitas à falta de colaboração em grandes eventos esportivos anteriores,
os organizadores dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Londres de 2012 (LOCOG)
atribuíram uma importância especial ao trabalho em parceria para responder às
necessidades de crianças em risco. O Ponto Único de Contato (na sigla em inglês: SPOC) de
Londres para questões de salvaguarda (proteção infantil), administrado pelo Conselho de
Proteção Infantil de Londres [London Safeguarding Children Board] (2012) é um exemplo
disso (ECPAT, 2012). O Grupo contra o Tráfico do Conselho (Estudo de Caso Um) também foi
26
estabelecido para assegurar que os Conselhos de Proteção Infantil de Londres e de outras
cidades envolvidas, os Distritos Olímpicos e as agências parceiras estivessem preparados
para os potenciais desafios na proteção à infância durante os Jogos, bem como para
influenciar as entidades fornecedoras das Olimpíadas, no que dizia respeito a priorizar a
proteção à infância em todos os pontos de planejamento e fornecimento. Como exemplo, a
LOCOG elaborou um "Procedimento para Avaliação de Preocupações de Proteção referente
a Crianças e Adultos Vulneráveis", que serviu como documento de controle para todos que
tiveram contato com crianças e adultos vulneráveis durante os meses dos Jogos (Pemberton
Ford, 2012). O Conselho também preparou um kit para ajudar assistentes sociais e outras
autoridades responsáveis a identificar potenciais casos de tráfico de crianças, bem como
para preparar uma avaliação das práticas ideais e técnicas de identificação (London
Safeguarding Children Board, 2012). No que tange a estratégias de proteção infantil em
grandes eventos esportivos anteriores, o monitoramento e a avaliação foram
negligenciados, de forma que os dados de pesquisa existentes são escassos demais para
permitir o exame da eficácia dessas intervenções.
As abordagens programáticas para tratar de riscos específicos à infância em grandes
eventos esportivos foram iniciativas pioneiras, implementadas principalmente por ONGs,
embora existam provas do envolvimento ou financiamento de órgãos públicos em
determinados eventos. O governo grego, por exemplo, liberou três milhões de Euros a ONGs
para darem apoio a vítimas do tráfico durante os Jogos Olímpicos de 2004. Três novos
abrigos do governo também foram abertos para oferecer uma capacidade adicional aos
abrigos de ONGs existentes, e foram oferecidos recursos a ONGs para que conduzissem
avaliações em ruas, que levaram diretamente à identificação e ao repatriamento de seis
crianças traficadas (Bowen e Shannon, 2009, 17).
As atividades programáticas de ONGs aumentaram dramaticamente desde os Jogos
Olímpicos de 2004 na Grécia e a Copa do Mundo da FIFA em 2006 na Alemanha:
 Jogos Olímpicos da Grécia de 2004 – a ONG internacional Terre des Hommes, em
parceria com a ONG grega Arsis, estabeleceu operações na área com o projeto
Resposta Emergencial Contra o Tráfico de Crianças [Emergency Response Against
Child Trafficking (ERACT)];
 Copa do Mundo da FIFA de 2006 na Alemanha – as ONGs aumentaram a capacidade
de abrigos: o foco das intervenções de ONGs foi em campanhas de conscientização
para reduzir a demanda, já que o financiamento estava escasso para trabalhos
práticos como aconselhamento ou assistência a vítimas (Hennig et al., 2006);
 Jogos Olímpicos de Inverno de Vancouver em 2010 – O Exército da Salvação abriu
uma casa de segurança para mulheres traficadas para o comércio sexual em 2010,
mas não há provas de esforços programáticos focados crianças em risco antes,
durante ou após os Jogos (Vancouver Observer, 2010);
 Jogos Olímpicos de Londres em 2012 – O Exército da Salvação recebeu 6 milhões de
libras do governo do Reino Unido para liderar o cuidado de adultos vítimas do tráfico
(Weir, 2012).
3.3 Exploração sexual de crianças e adolescentes
Há poucas provas de iniciativas de múltiplas agências usando os grandes eventos esportivos
como plataforma para abordar as condições culturais e socioeconômicas mais amplas que
27
possam aumentar o risco da exploração sexual de crianças e adolescentes. Um dos poucos
exemplos é o da Copa do Mundo da FIFA em 2010 na África do Sul. O Setor de Esporte e
Entretenimento da SANAC [Conselho Nacional sobre AIDS da África do Sul] coordenou e
administrou uma abordagem multissetorial usando a Copa do Mundo como plataforma para
promover a conscientização e a prevenção do HIV/AIDS. O foco principal dos programas da
ONG para esse evento era reduzir os riscos da exploração sexual por meio de programas de
saúde e atividades focadas no trabalho, por exemplo pela SWEAT [Força-tarefa de defesa e
educação para profissionais do sexo] e pelo movimento Sisonke [movimento dos próprios
profissionais do sexo]. Pela primeira vez, no entanto, as ONGs também reagiram
especificamente para abordar os riscos à infância antes, durante e após a Copa do Mundo.
Entre elas, estavam:










o programa de férias do grupo “Concerned Parents for Missing Children” para
crianças em idade escolar (Langenberg, 2011);
“estações de comida” da Childline, para alimentar as crianças durante as férias
escolares prolongadas durante a Copa do Mundo (USAID 2010);
a parceria entre World Vision South Africa, Johannesburg Child Welfare e Olive Leaf
Foundation para administrar um Espaço Amigável à Infância no Estádio Elkah em
Soweto;
o envolvimento do Ultimate Goal na coordenação do treinamento e da mobilização
de 2.000 igrejas em aproximadamente 600 cidades e vilas sul africanas para operar
os eventos;
embaixadores do Sport Africa que trabalharam com igrejas envolvidas em operar
clubes de férias, campos de futebol, clínicas de futebol e torneios com o objetivo de
manter as crianças seguras;
Mr Price (uma loja de varejo) que respondeu ao risco de tráfico de crianças fazendo
parceria com Open Door, Development House, Childline e a prefeitura de eThekweni
para tornar suas lojas seguras;
Kidz Clinic KwaZulu – Natal que promoveu um Clube de Férias para crianças com 3
semanas de duração;
três escritórios provinciais do Childline que criaram espaços próprios à infância nos
parques de torcedores;
Umthombo Street Children e Universidade de Durban de Tecnologia que sediaram a
Copa do Mundo Deloitte das Crianças em Situação de Rua;
um projeto local, Keeping Them Safe, desenvolvido pela prefeitura de Stellenbosch
como um projeto de férias para proteger as crianças dessa cidade (Jelbert, 2010).
Em 2012, ECPAT também executou a campanha Don’t Lose (Estudo de Caso Quatro).
Estudo de Caso Quatro: A campanha “Don’t Lose!” na EURO 2012
Essa foi uma grande campanha de aumento de conscientização implementada na Polônia e na Ucrânia antes
e durante a realização da EURO 2012 nesses dois países. É um exemplo de uma campanha abrangente de
aumento de conscientização pois as envolveu partes interessadas relevantes, visou os públicos-chave e
abordou todas as formas de exploração sexual de crianças. Ela deve portanto servir de exemplo para futuros
esforços para o aumento da conscientização sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (ESCA) na
Polônia. A NCF na Polônia e o Fundo de Bem-Estar da Criança e La Strada na Ucrânia, em cooperação com
instituições governamentais iniciaram a campanha “Don't Lose!” [Não perca!] para prevenir a exploração
sexual durante grandes eventos esportivos. Essa campanha foi especial na Polônia pois abordou todas as
28
formas de ESCA, tendo como alvo tanto a juventude como potenciais exploradores de crianças vítimas que
poderiam alimentar a demanda de sexo pago com crianças e/ou adolescentes.
A campanha incluiu a produção e a disseminação de materiais educativos para uso em salas de aula durante
o ano letivo, além de treinamento para profissionais que trabalhavam com crianças. Crianças e adolescentes
foram também informados sobre os serviços de apoio disponíveis para vítimas da exploração sexual,
incluindo uma maior conscientização sobre a linha de ajuda nacional. Também foram publicados, como parte
dessa campanha, pôsteres, panfletos e folhetos que informavam os torcedores de futebol, os turistas e
outros viajantes sobre leis da Polônia ou da Ucrânia relacionadas à exploração sexual, em polonês, inglês,
russo e ucraniano, com ampla divulgação nos países, com a ajuda de parceiros do setor privado (inclusive
hoteis, aeroportos, etc.). Para aprofundar o engajamento do setor privado, a campanha foi usada como
plataforma para implementar e promover o Código.
Fonte: ECPAT (2012b)
A tecnologia também foi usada para diversas intervenções. Linhas diretas, por exemplo,
foram implantadas pela primeira vez durante os Jogos Olímpicos de 2004, quando o
governo grego lançou uma linha direta para vítimas nacionais (GAATW, 2011). Na Copa do
Mundo de 2006 na Alemanha, três linhas diretas nacionais foram criadas – duas para
vítimas e uma para clientes para denunciar casos suspeitos (Bowen e Shannon, 2009, 21).
As ONGs Solwodi e FiM também estabeleceram suas próprias linhas diretas para vítimas de
tráfico durante o evento (Hennig et al., 2006). Durante a Copa do Mundo de 2010 na África
do Sul, a linha direta SACTAP da IOM ampliou seus horários de atendimento, o Exército da
Salvação implantou uma linha direta em sete línguas diferentes, a SWEAT implantou uma
linha direta para profissionais do sexo, a Childline ofereceu um serviço de aconselhamento
online, e as organizações Life Line e Rape Crisis também ofereceram uma linha direta para
ligações gratuitas. As avaliações dessas iniciativas mostram que as ONGs não estavam
cientes das atividades umas das outras, reforçando a necessidade de parcerias melhores e
de uma melhor comunicação em intervenções futuras (Langenberg, 2011). Ainda assim, as
linhas diretas foram valiosas como ferramenta em relação aos riscos no evento. O Exército
da Salvação implantou uma linha direta 24 horas para vítimas do tráfico durante todo o
período dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 (Weir, 2012), e uma linha telefônica de
aconselhamento contra tráfico de crianças também funcionou (Bowen e Shannon, 2009,
26). A Rede Human Trafficking and London 2012 também ofereceu uma linha direta para
denúncia de tráfico, possibilitada pela Polícia Metropolitana (Pemberton Ford, 2012).
Novamente, também aqui, há uma falta de dados de avaliação sobre essas iniciativas. Uma
nova tecnologia que poderá ser usada para futuros grandes eventos esportivos é um
aplicativo desenvolvido pela INEQE (Estudo de Caso Cinco).
29
Estudo de Caso Cinco: O aplicativo para Smartphone INEQE de defesa
A associação beneficente Children and Families Across Borders solicitou o desenvolvimento desse recurso
de treinamento em proteção da criança como parte dos preparativos anteriores aos Jogos Olímpicos de
Londres em 2012. Com recursos da Comic Relief, e desenvolvido pela sociedade de novas tecnologias
INEQE Safe and Secure, o aplicativo para Internet e Smartphone "Child Trafficking Basics" [Informações
básicas sobre tráfico de crianças] é uma intervenção com abordagem específica dos riscos de exploração
sexual enfrentados pelas crianças. Concebido especificamente para os principais agentes atuando em
policiamento, assistência social, educação e imigração, bem como para um treinamento mais abrangente
em proteção infantil, o aplicativo contém informações que auxiliam os usuários a identificar, proteger e
resgatar crianças vítimas do tráfico.
Fonte: Children and Families Across Borders (2013) http://www.cfab.org.uk
Conforme ilustrado no Estudo de Caso Seis, a abordagem de quatro frentes da UNICEF para
a Copa do Mundo da FIFA de 2010 na África do Sul incluía a abertura de espaços infantis nos
Fan Fests da FIFA. A cada entrada havia um posto com fitas de identificação, onde os pais e
as crianças podiam, se quisessem, pegar pulseiras de identificação para usar. Esse sistema
permitia que uma equipe treinada reunisse crianças perdidas e seus pais.
Embora a FIFA tenha realizado suas próprias iniciativas de desenvolvimento social na África
do Sul durante a Copa do Mundo de 2010, Harper et al. (2010, 4) alegam que a FIFA não
colaborou com as iniciativas empreendidas por outros grupos e ignorou todas as
recomendações de parceria, com exceção da distribuição de camisinhas nos estádios. Um
grande número de ONGs realizou ações de atenuação dos riscos de exploração de crianças e
adolescentes associados à Copa do Mundo, mas houve pouca coordenação entre elas. Os
mesmos autores argumentam que o governo da África do Sul e a FIFA foram parceiros
notavelmente ausentes de programas especiais que abordavam riscos da exploração sexual
(Harper et al., 2010, 3).
30
Estudo de Caso Seis: A Copa do Mundo da FIFA de 2010 como plataforma para lidar
com a pobreza e a exploração de crianças e adolescentes
A Copa do Mundo na África do Sul foi o primeiro grande evento esportivo em que programas específicos
trataram da vulnerabilidade infantil à exploração por meio de programas de redução da pobreza:
A abordagem de 4 frentes da UNICEF na África do Sul (2010):
(1) Proteção infantil (treinamento de 1.000 assistentes sociais e profissionais especializados na área infantil,
alocados nos pontos de maior risco das cidades-sede; campanha informativa "Red Card" [Cartão Vermelho]
da OIT, lançada pela primeira vez em 2002; Adoção do Código Internacional contra a Exploração Sexual de
Crianças em Viagens e Turismo; espaços dedicados às crianças em 4 Fan Fests da FIFA)
(2) Esporte-para-o-Desenvolvimento (21 festivais esportivos comunitários por todo o país)
(3) Promoção das metas do milênio para o desenvolvimento - MDGs (reivindicação e defesa da visão para
2015)
(4) Meios de comunicação em geral e Internet (cooperação de parceiros do setor privado na distribuição de
mensagens sobre proteção infantil e esporte para o desenvolvimento)
Iniciativas de Desenvolvimento Social da FIFA:
 campanha "20 centros para 2010" (serviços de saúde e educação para jovens)
 programa "Vencer na África com a África" (apoio a organizações locais de desenvolvimento social)
Não há atualmente nenhuma comprovação nem acompanhamento sistemático dos impactos desses
programas de desenvolvimento comunitário sobre a vulnerabilidade infantil à exploração. Aparentemente,
embora a demonstração dos benefícios do legado a ser deixado seja de extrema importância para a
licitação para grandes eventos esportivos, não houve nenhuma avaliação crítica dos benefícios de tal
legado a longo prazo. Ainda resta comprovar se as promessas tentadoras de legado da Copa do Mundo
existem para realmente atender às necessidades coletivas ou apenas para promover interesses pessoais
prévios (Bob et al., 2010, 7; Czeglédy, 2009, 243).
3.4 Advocacy
As intervenções de advocacy – via mídia, educação ou intervenções diretas – destacaram-se
entre os esforços para tratar dos riscos da exploração de crianças e adolescentes associados
a grandes eventos esportivos. Os riscos específicos focalizados por tais intervenções,
discutidos abaixo, são o trabalho infantil e o tráfico de pessoas para exploração sexual.
Advocacy contra trabalho infantil
O trabalho infantil foi a primeira questão relacionada a grandes eventos esportivos a ser
tema de campanhas de ONGs. A campanha “Foul Ball” do International Labor Rights Forum
[ILRF], lançada em 1996, surgiu a parte de preocupações com a exploração do trabalho na
manufatura de bolas de futebol (ILRF, 2001). A proteção relacionada ao trabalho infantil foi
o único tipo de intervenção durante a Copa do Mundo de 2002 no Japão e na Coreia, com a
Marcha Mundial contra o Trabalho Infantil que deu início a uma campanha de maior vulto, a
“Kick Child Labour out of Soccer" [Chute o trabalho infantil para fora do futebol], antes do
evento. Essa campanha teve bom resultado e motivou o acordo entre a FIFA, a Federação
Mundial da Indústria de Artigos Esportivos (incluindo Adidas-Salomon, Nike, Puma,
Decathlon e Reebok), e a Sports Goods Foundation of India (SGFI) [Fundação de Artigos
Esportivos da Índia], para que nenhuma bola usada na Copa do Mundo fosse fruto do
trabalho infantil, e que as empresas não usassem mais o trabalho infantil na manufatura das
bolas de futebol (Donnelly e Petherick, 2004). Pode-se dizer que a melhor campanha de
advocacy desse tipo é a Play Fair (Estudo de Caso Sete).
31
Estudo de Caso Sete: "Play Fair" [Jogo honesto]
A campanha "Play Fair at the Olympics" [Jogo honesto nas Olimpíadas] foi uma das maiores mobilizações
jamais ocorridas no mundo a respeito das condições humanas de trabalho. A campanha foi lançada nos
Jogos Olímpicos de Atenas em 2004, com o objetivo de eliminar a exploração e o abuso de trabalhadores
(principalmente mulheres) no setor de fabricação de artigos esportivos no mundo todo. (Playfair, 2008, 4).
A campanha concentrou-se em reivindicações feitas diretamente a empresas de calçados atléticos e
esportivos, o Comitê Olímpico Internacional (COI), seus comitês organizadores e os Comitês Olímpicos
nacionais, bem como frente a governos nacionais, no sentido de que fossem tomadas medidas
identificáveis e concretas para eliminar a exploração de trabalhadores. Especial atenção foi dada ao COI,
para conseguir que eles se comprometessem a apoiar os direitos fundamentais dos trabalhadores já na
Declaração Olímpica, com a elaboração de sistemas de denúncia de casos de exploração no setor
esportivo. "Play Fair" [Jogo honesto] continua sendo uma intervenção muito vigorosa de reivindicação e
defesa. A campanha tem estado presente em todos os grandes eventos esportivos desde os Jogos
Olímpicos de 2008 em Beijing e os Jogos Olímpicos de Inverno de 2010 em Vancouver. Mais
recentemente, foi desenvolvida a campanha Play Fair 2012, que atuou durante três anos nos preparativos
para os Jogos Olímpicos de 2012 em Londres. A campanha "Play Fair" atualmente reivindica condições
decentes de trabalho no Brasil, nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de
2016. A campanha está realizando uma das primeiras intervenções de advocacy com foco no problema de
exploração do trabalho no desenvolvimento de infraestrutura em torno dos estádios.
Fonte: website da campanha Playfair (2013) http://play-fair.org
Embora não tenham sido encontrados indícios de outras campanhas informativas
importantes durante os Jogos da Commonwealth de 2010 em Délhi, houveram algumas
poucas iniciativas de reivindicação feita diretamente por ONGs, com foco na questão do
trabalho infantil. Entre elas estavam a ONG Kingsway Camp, que fez reivindicações diretas
para que o governo se encarregasse do “Scheme for the Rehabilitation of Child Beggars &
Street Children in NCT of Delhi” [Plano para Reabilitação de Crianças Pedintes e Crianças em
Situação de Rua em Délhi] (Juvenile Justice National Desk, 2013), e a ONG Child Rights and
You (CRY), que fez uma campanha contra a violação dos direitos infantis na construção dos
espaços para os Jogos da Commonwealth (Child Rights and You, 2011).
Advocacy contra o tráfico de pessoas para exploração sexual
Uma atenção maior tem sido dada à questão do tráfico de pessoas e da exploração sexual
em intervenções de advocacy em grandes eventos esportivos. Essas abordagens começaram
nos Jogos Olímpicos de 2004 na Grécia, com várias campanhas que usaram a mídia para
aumentar a conscientização sobre o tráfico. A ONG Terre des Hommes patrocinou folhetos
distribuídos pelas agências de viagem para informar pessoas viajando para os Jogos sobre
questões de tráfico de crianças (Hennig et al., 2006, 19). O Ministério das Relações
Exteriores também financiou o atendimento judicial gratuito para vítimas do tráfico
(GAATW, 2011). No entanto, não parece existir qualquer avaliação de tais atividades de
combate ao tráfico.
As intervenções de advocacy com o objetivo de reduzir a demanda de trabalho sexual
constituíram a estratégia básica na abordagem dos riscos do tráfico de pessoas relacionados
à Copa do Mundo da FIFA de 2006 na Alemanha. Cinco campanhas importantes foram
empreendidas durante o evento:
32
1) "Final Whistle – Stop Forced Prostitution" [Apito Final – Parem a Prostituição
Forçada] pelo Conselho Feminino da Alemanha [German Women’s Council];
2) "Red Card for Sexual Exploitation and Forced Prostitution" [Cartão Vermelho para a
Exploração Sexual e Prostituição Forçada] pela ONG Solwodi;
3) "Stop Forced Prostitution" [Parem a Prostituição Forçada] pela ONG Frauenrecht ist
Menschenrecht (FiM) [O direito das mulheres é o direito das pessoas humanas];
4) "Action Against Forced Prostitution" [Ação Contra a Prostituição Forçada] pela
organização de bem-estar social Diakonie da Igreja Protestante;
5) uma campanha lançada pelos Instituto de Migração e Fundação MTV Europe,
Agência de Cooperação ao Desenvolvimento Internacional da Suécia (Sida) e World
Childhood Foundation.
Além disso, muitas ONGs lançaram suas próprias campanhas regionais, de menor dimensão,
sobre os problemas do tráfico usando Serviços de Anúncios ao Público, panfletos, pôsteres,
cartões postais e a Internet (Hennig et al., 2006). Várias organizações internacionais
também emitiram declarações de imprensa sobre a questão, incluindo OIT, UNICEF e a
Anistia Internacional, e anúncios foram oferecidos sem custo para emissoras, direcionando
os espectadores para uma página da Internet com informações adicionais sobre como fazer
denúncias anônimas em caso de suspeita de tráfico (Bowen e Shannon, 2009, 21). Não
foram encontradas provas de serviço específico de mensagens sobre exploração sexual de
crianças e adolescentes. Apesar das alegações feitas pelo Parlamento Europeu, pela OIT e
por ONGs em relação ao impacto dessas iniciativas de advocacy sobre o não aparecimento
do fluxo previsto de profissionais do sexo, também não há dados empíricos confiáveis para
demonstrar tal impacto (Henning et al., 2006, 7).
A Copa do Mundo da FIFA de 2010 na África do Sul abordou pela primeira vez a exploração
sexual de crianças e adolescentes em um grande evento esportivo. Várias grandes
campanhas e programas educacionais para aumentar a consciência sobre os riscos do
tráfico de pessoas aconteceram antes, durante e após o evento, com notável destaque para
as organizações religiosas:
 SWEAT e Sisonke distribuíram materiais de sexo seguro e organizaram programas de
treinamento dos profissionais do sexo para lidar com a mídia, incluindo a assinatura
de formulários de consentimento adequados;
 A Campanha Mundial Contra a AIDS [World AIDS Campaign (WAC)] desenvolveu um
folheto informativo com foco no trabalho sexual, nos direitos humanos e no direito
penal;
 líderes dos grupos de profissionais do sexo da Sisonke de Joanesburgo e da Cidade
do Cabo receberam treinamento em direitos humanos e cuidados psicossociais;
 “Red Card Campaign” [Campanha do Cartão Vermelho] (Estudo de Caso Oito);
 o Departamento de Desenvolvimento Social, em cooperação com o Nelson Mandela
Children’s Fund e numerosas organizações da sociedade civil lançaram a campanha
“Champions For Children” [Campeões para a Infância] visando garantir a proteção e
a segurança das crianças durante a Copa do Mundo (USAID, 2010);
 a Fair Trade Tourism da África do Sul lançou um Código Internacional contra a
Exploração Sexual Comercial de Crianças em Viagens e Turismo, com 39 signatários,
aumentando a consciência sobre a exploração sexual comercial de crianças em
turismo imediatamente antes e durante a Copa do Mundo;
33


entre as campanhas de informação (imprensa, rádio e Internet) estavam: a
campanha Straatwerk “Valuable to Jezus”, Not for Sale – stop slavery, a campanha
STOP CARE, a campanha educativa Girl Guides – anti-TIP, treinamento do Exército da
Salvação (Jelbert, 2010);
os seguintes agentes levaram apresentações educativas a escolas, grupos civis e à
polícia: Instituto de Migração e Justice ACTS = Traffick Proof, KZN Task Team,
Exército da Salvação, New Life Centre for Girls, Child Welfare Group, programa
Mother Tongue, Embaixadores do Esporte na África, Molo Songololo (Jelbert, 2010).
Estudo de Caso Oito: Campanhas de "Cartão Vermelho" na Copa do Mundo da FIFA de
2010
Ocorreram duas campanhas principais "Cartão Vermelho" na Copa do Mundo de 2010 na África do Sul:
 Adotada pela OIT, pela UNICEF, pelo Exército da Salvação e pela campanha "Not for Sale", a campanha
"Give the Red Card to Child Exploitation" [Dê o Cartão Vermelho para a Exploração Infantil] tinha como
meta reduzir a vulnerabilidade de crianças, especialmente meninas, à exploração durante e após o
evento. Os cartões promoveram a consciência sobre exploração sexual, ampliando a capacidade e a
disponibilidade das pessoas para intervenções de prevenção e/ou para denunciar, e tinham como meta
mudar as atitudes e os comportamentos, principalmente entre homens e meninos;
 Uma campanha "Cartão Vermelho" também foi realizada pela Rede Sonke Gender Justice e pelas ONGs
Grassroot Soccer e Matchboxology. Com recursos principalmente fornecidos pela Fundação Oak, os
Cartões Vermelhos também tinham como objeto impedir a exploração sexual de crianças e
adolescentes, o assédio sexual e a violência sexual na África do Sul. Em resposta ao feedback positivo
da campanha, a Sonke continuou a utilizar essa intervenção de observação paralela desde o final da
Copa do Mundo, com o objetivo de prevenir a violência de homens contra mulheres.
Os estudos realizados sugerem que os Cartões Vermelhos deram bom resultado com sua abordagem de
múltiplas parcerias e com a estrutura apresentada para interpretar e julgar as relações sexuais além das
restrições familiares contra sexo antes do casamento e com a utilização poderosa de um símbolo que
incentivava a reflexão e os debates entre o público em geral. O principal ponto fraco dessa campanha foi o
fato de não conseguir apontar um caminho para o futuro. O feedback recebido mostrou que seriam
necessários mais conselhos concretos sobre os recursos disponíveis e sobre como as pessoas e as
comunidades poderiam se mobilizar para tomar providências a respeito (Colvin, 2011, 1). A campanha
também foi criticada por não conseguir abordar a questão de gênero e sua relação com a exploração
sexual, e por não olhar para as principais causas da exploração (Colvin, 2011, 8).
Assim como a campanha Cartão Vermelho, as Olimpíadas de Inverno de 2010 em Vancouver
contaram com uma abordagem de advocacy focada nos “Cartões de Bolso”. Esses kits
educacionais sobre tráfico de pessoas foram distribuídos em controles de fronteiras, locais
de encontro social, escolas canadenses e junto com pacotes de ingressos (Lepp, 2010, 49).
Também foram incluídas informações detalhadas sobre os serviços oferecidos pelo
Escritório de Combate ao Tráfico de Pessoas da Colúmbia Britânica em todas as mochilas de
Segurança nos Jogos, que eram distribuídas entre os espectadores dos Jogos. Várias ONGs e
vários grupos religiosos também iniciaram uma série de campanhas públicas de
conscientização prevendo a chegada dos visitantes na cidade. Por exemplo, em maio de
2009, a REED, uma organização de base cristã, lançou oficialmente sua campanha “Buying
Sex is Not a Sport” [Pagar por sexo não é um esporte], e o Exército da Salvação lançou uma
campanha similar, intitulada “The Truth is Not Sexy” [A verdade não é sexy] (ibid). Algumas
34
ONGs, inclusive Anti-Slavery, Hope for Justice, CARE, ECPAT e Beyond the Streets, também
empreenderam campanhas e ofereceram recursos de treinamento na Internet sobre o risco
de exploração sexual nos Jogos Olímpicos de 2012 em Londres (Weir, 2012).
As provas da eficácia das intervenções de advocacy são limitadas e não há estudos que
ofereçam dados sólidos sobre seu impacto na redução de vulnerabilidade à exploração
sexual de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos. Por si só, as ações de
advocacy não são suficientes para diminuir a vulnerabilidade à exploração sexual, já que
elas não abordam as principais causas da exploração (Hamman, 2011, 21). São necessárias
outras comprovações da conexão entre o aumento da conscientização e o nível de
ocorrência da exploração sexual para que a avaliação dessas intervenções pudesse ser
confiável. Além disso, os riscos da exploração sexual parecem estar ofuscados pela pauta do
tráfico de pessoas no âmbito geral de combate à exploração. Os defensores dessas
abordagens precisam ter cuidado para não reforçar a ideia de que tais riscos apenas estejam
presentes na proximidade de grandes eventos esportivos. Devem, ao contrário, utilizar a
plataforma desses eventos como um catalisador para que os países-sede incluam a proteção
de crianças e adolescentes de forma mais ampla e abrangente em seus planos de atuação.
3.5 Conclusão
As iniciativas conjuntas focadas apenas na legislação são importantes, mas constituem
apenas um ponto de partida (Hamman, 2011, 14). Ações focadas nas conjunturas globais,
nacionais e individuais que tornam crianças e adolescentes mais vulneráveis à exploração
são tão importantes quanto as intervenções do lado da demanda, em relação aos riscos
associados à Copa do Mundo de 2014 no Brasil (Morrow, 2008, 264). Ao mesmo tempo em
que se alega que as leis contra o tráfico de pessoas no Brasil são aplicadas de maneira
corrupta, é fato que 24% da população vive abaixo da linha da pobreza, com todos os
problemas daí decorrentes. Resolver essas questões enquanto se investe dinheiro público
em infraestrutura de estádios (o que inclui US$ 3,5 bilhões para a reforma dos estádios para
os Jogos Olímpicos e mais de US$1,5 bilhão para os estádios da Copa do Mundo e as
instalações esportivas (Alm, 2012, 80)) é portanto um importante desafio para o governo
brasileiro e os organizadores da Copa do Mundo de 2014.
35
Tabela 3: Fatores que inibem um bom trabalho de proteção de crianças e adolescentes em
grandes eventos esportivos
COMPORTAMENTO
ORGANIZAÇÃO
 Ignorância e falta de conscientização e
compreensão
 Medo
 Segredo
 Negação
 O tabu da violência sexual




PROCEDIMENTO
 Abusos não denunciados
 Dificuldade de execução das políticas
 Falta de um legado de aprendizado
compartilhado entre grandes eventos
esportivos
 Falta de abordagens que envolvam
crianças/ participantes
 Falta de informações que possam ser
confirmadas
 Falta de políticas e procedimentos
 Falta de avaliações sobre os riscos
 Falta de critérios obrigatórios de proteção
de crianças e adolescentes nas licitações
para grandes eventos esportivos
 Falta de bons modelos para avaliação
contínua
 Falta de planejamento de longo prazo










Falta de liderança, especialmente em cargos mais altos
Inércia política e legislativa
Obsessão por dinheiro
Pressão de tempo, energia e recursos (“falta de capacidade
para lobby internacional ou coleta de provas”)
Interesses disfarçados
Foro e competência (mentalidade de “compartimentos”,
“não é nosso problema”, “abordagem da cabeça na areia”)
A dimensão e a complexidade de algumas das organizações
envolvidas
Dificuldade na adaptação de ações a diferentes tipos e
tamanhos de organizações
Dados insuficientes para sensibilizar o setor privado a
adotar ações nas práticas de responsabilidade social
corporativa e sustentabilidade
Falta de transparência/ democracia no governo
Fazer com que patrocinadores prestem atenção ao
problema
Preocupações sobre riscos à reputação por se associar com
a questão
Desvio de recursos para esportes de elite
Parceria com patrocinadores inapropriados, por exemplo,
bebidas alcoolicas
Apesar da falta de dados para avaliação, recebemos relatos das agências de que suas
estratégias de intervenção funcionaram melhor quando foram bem coordenadas e tinham
um conceito claro de segurança para crianças e adolescentes que agregava valor a trabalhos
já existentes nos órgãos de proteção.
As pessoas que consultamos relataram vários fatores que dificultam o trabalho de proteção
de crianças e adolescentes em grandes eventos esportivos (Tabela 3). Todos esses fatores
significam que os pesquisadores e agentes de intervenção estão trabalhando no que um dos
entrevistados chamou de “terreno perigoso”. Está claro que as intervenções anteriores de
campo e de defesa da causa foram fortemente influenciadas pela maior visibilidade da
questão do tráfico de pessoas. Apesar de a última Copa do Mundo na África do Sul ter
realizado algumas intervenções específicas para crianças e adolescentes, como as pulseiras
de identificação e os programas de férias, pouquíssimas iniciativas conjuntas de órgãos ou
iniciativas de advocacy foram direcionadas especificamente para a prevenção da exploração
de crianças e adolescentes.
36
4.0
Mensagens para os profissionais que trabalham pelos direitos de crianças e
adolescentes e organizadores de eventos esportivos internacionais
4.1
Lições tiradas da análise
Ninguém que trabalhe pela promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e
adolescentes, e que entenda os problemas relacionados a grandes eventos esportivos,
espera que seu trabalho seja fácil. De fato, um entrevistado descreveu o trabalho como “um
desafio do tamanho de um enorme gorila!” As pessoas envolvidas diariamente na prevenção
da exploração nos contaram que, por vezes, tiveram seu trabalho dificultado pelo grande
número de outras entidades ou organizações “chegando na cidade” para grandes eventos
esportivos. Ainda assim, algumas descobertas detalhadas desta análise poderão auxiliar os
que estiverem atuando na atenuação de riscos em futuros grandes eventos esportivos
(Tabela 4).
Tabela 4: Principais descobertas e conselhos para organizadores de eventos e defensores
da causa
Descoberta
Algumas ONGs e profissionais têm seu
trabalho interrompido ou repetido por outras
ONGs externas durante os grandes eventos
esportivos
Falta de coordenação entre os organizadores
de eventos e os grupos de defesa da causa por
diversos motivos: promoção da marca /
lealdade, competição por fontes de renda,
guerras territoriais, interesses pessoais e egos
etc.
A exploração de adultos – seja de profissionais
do sexo ou de trabalhadores da construção
civil – muitas vezes mascara os abusos infantis
Há uma enorme falta de monitoramento e
avaliação e, por consequência, também de
dados sistemáticos que demonstrem a eficácia
e os impactos de intervenções anteriores
Os projetos de pesquisa quantitativos,
inclusive entrevistas, produzem apenas uma
comprovação limitada das experiências de
risco e segurança de crianças e adolescentes
nos grandes eventos esportivos
Conselho para organizadores de eventos e
defensores da causa
Estabelecer o quanto antes uma coalizão
entre todos os parceiros pertinentes e
desenvolver uma estratégia coerente que
atribua responsabilidades claras, sem
obstruir a rotina das ONGs locais
Garantir um Memorando de Cooperação,
ou documento similar, entre todos os
parceiros da coalizão para colocar os
interesses das crianças e dos adolescentes
acima dos interesses das instituições
Assegurar que a exploração de crianças e
adolescentes se torne visível em todas as
intervenções
Garantir que todas as intervenções incluam
planos sólidos de monitoramento e
avaliação, desde o início
Garantir que os planos de monitoramento
e avaliação adotem projetos com diversos
métodos que ofereçam provas
quantitativas (estatísticas) e qualitativas
(de experiência prévia)
37
Descoberta
Muitas vezes, é difícil identificar a relação de
causa e consequência entre os grandes
eventos esportivos e os riscos de exploração
de crianças e adolescentes por causa da
enorme complexidade das questões
O tráfico de pessoas é a prioridade
esmagadora dos programas atuais de
atenuação de riscos associados aos grandes
eventos esportivos
As cidades candidatas a sede fazem grandes
promessas de legado com benefícios de
desenvolvimento social que raramente são
acompanhadas de provas comprobatórias
posteriores
A atenuação de riscos de exploração de
crianças e adolescentes ainda não é
obrigatória para candidatos a sede de grandes
eventos esportivos
Os trabalhos de prevenção em grandes
eventos esportivos muitas vezes deixam de
fazer a distinção entre beneficiários adultos e
crianças/adolescentes
Há pouca consulta ou envolvimento
significativo de crianças e adolescentes no
desenvolvimento de intervenções de proteção
Conselho para organizadores de eventos e
defensores da causa
Não supor que ausência de dados =
ausência de problemas
Ampliar o olhar dos formuladores de
políticas, programadores e defensores para
incluir a possibilidade de exploração de
crianças e adolescentes associada a outras
questões ligadas aos grandes eventos
esportivos, como deslocamento de pessoas
e trabalhos de construção civil
Responsabilizar as sedes de grandes
eventos esportivos por suas promessas de
um legado de desenvolvimento social por
meio de de planos longitudinais de
monitoramento e avaliação
Adotar os critérios de exploração de
crianças e adolescentes e as avaliações de
proteção como um pré-requisito nas
licitações e candidaturas para todos os
grandes eventos esportivos
Garantir que a infância e a adolescência
sejam claramente incluídas como meta em
todas as atividades de atenuação de riscos
Envolver e ouvir crianças e adolescentes de
diferentes contextos socioeconômicos no
projeto e na realização de todas as
intervenções de proteção
Muitas das estratégias destacadas nesta análise revelam a falta de envolvimento de crianças
e adolescentes, destacando a “necessidade urgente de destravar o potencial da iniciativa
infantil, sua participação e criatividade para que elas também, como atores sociais, tenham
a possibilidade de contribuir para soluções de longo prazo” (Oak Foundation, 2012, 3).
Portanto, é importante encontrar formas de promover a participação de crianças e
adolescentes, tanto no projeto quanto na realização de trabalhos de atenuação de riscos.
Por essa razão, adicionamos a última linha à Tabela 4.
Em resumo:
1. sabemos que há riscos significativos para crianças e adolescentes em torno dos
grandes eventos esportivos;
2. não temos dados para definir se, como e em qual medida esses riscos se convertem
em danos;
38
3. a maior parte da atenção é dada ao tráfico e à exploração sexual, quando o trabalho
infantil e o deslocamento de pessoas constituem provavelmente problemas maiores;
4. prestamos pouca atenção ao fato de as crianças serem vítimas “por tabela” das
injustiças infligidas aos adultos;
5. não deveríamos supor que “ausência de dados = ausência de problema”.
4.2
A arte do possível
Os limites de responsabilidade moral e social são controversos, especialmente se
organizações esportivas internacionais como a FIFA ou o Comitê Olímpico Internacional são
percebidos como fontes de recursos ilimitados e por consequência espera-se que façam
investimentos para resolver toda mazela social imaginável.
Esta análise oferece múltiplas possibilidades para intervenções programáticas e iniciativas
de advocacy para atenuar os riscos de exploração sexual de crianças e adolescentes em
grandes eventos esportivos. Todavia, caberá aos órgãos locais nos países e cidades-sede
decidir exatamente quais as intervenções melhor adaptadas às suas próprias condições e ao
seu grau de preparação. Para alguns países ou cidades-sede, suas limitações culturais,
históricas, financeiras e judiciais significam que o produto final de atenuação de riscos será
provavelmente menor que o ideal. No entanto, não há razão – pelo menos em termos de
visão e estratégia – para que governos, ONGs, organizações de direitos humanos e a
sociedade civil no geral não aceitem suas responsabilidades sociais e morais, em
consonância com a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança.
39
5.0
Chamado à ação e pesquisas futuras
5.1
Chamado à ação
Os muitos benefícios de grandes eventos esportivos para o desenvolvimento infantil no que
se refere a aprendizado, atividade física saudável, orgulho cívico e sensibilização
multicultural estão bem documentados. Esses benefícios devem obviamente ser pesados e
comparados com as preocupações sobre a violação dos direitos humanos de crianças e
adolescentes em grandes eventos esportivos.
A falta de provas que estabeleçam uma conexão de causa e consequência entre os grandes
eventos esportivos e a exploração e outros abusos contra crianças e adolescentes é uma das
principais descobertas desta análise. Mas precisamos nos perguntar: qual o motivo para
isso? Há várias razões possíveis, entre elas:
1. o problema não existe – o que é o mais improvável, dadas as denúncias e os estudos
de caso que ouvimos de trabalhadores de ONGs em campo;
2. o problema é mascarado pela atenção dada à exploração de adultos – o que é
provável, já que trabalhos de defesa dedicados a uma faixa etária específica
parecem ser incomuns;
3. as pesquisas de monitoramento e avaliação não existem ou não são concebidas para
obter dados com rigor suficiente – o que é muito provável, dada a relativa escassez
de pesquisas e de dados que descobrimos.
Contudo, nem a ausência de dados, nem a dificuldade para lidar com essa difícil questão
social podem ser desculpa para a falta de ação. Os riscos para a infância e a adolescência
estão claramente evidentes no contexto de grandes eventos esportivos, e há então a
necessidade de atenuar esses riscos para prevenir os danos e reagir a eles. As boas
intervenções de proteção não precisam esperar pela realização de novas pesquisas, mas as
perspectivas de longo prazo para as captações de fundo e o apoio político para tal trabalho
dependem, de forma crucial, da demonstração de que essas intervenções são eficazes.
Esta análise se apresenta como um chamado à ação – para profissionais que trabalham
pelos direitos de crianças e adolescentes e para grandes organizações esportivas, inclusive a
FIFA e o Comitê Olímpico Internacional – para um trabalho conjunto para a atenuação dos
riscos de violação dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes dos países-sede. A
colaboração resultante deve garantir que as estratégias de proteção infantil não sejam
apenas uma prioridade temporária, relacionada a um único grande evento esportivo, mas
parte de um plano sustentável de longo prazo, como já ocorreu com as normas de proteção
do meio ambiente. Além disso, as avaliações do impacto social que já estejam embutidas
nos critérios para muitos dos grandes eventos esportivos devem priorizar as vozes, as
necessidades e os direitos das crianças e dos adolescentes. No geral, embora eventos como
a Copa do Mundo não tenham demonstrado ser uma causa direta de aumento da
exploração de crianças e adolescentes, eles representam uma oportunidade significativa
para que organizações de grandes eventos esportivos atuem como catalisadoras da adoção
40
pelos países-sede de políticas e práticas que aumentem a proteção de crianças e
adolescentes.
5.2
Pesquisas futuras
A política baseada em comprovação é um mantra para muitos governos e ONGs, mas esta
análise revela que muitas das práticas para atenuação do risco de exploração de crianças e
adolescentes são baseadas em suposições. De acordo com as lacunas de dados
mencionadas acima, será importante desenvolver uma pauta de pesquisas que ajude os
organizadores e os anfitriões de grandes eventos esportivos em geral – e a Copa do Mundo
da FIFA em particular – a trabalhar com as organizações de direitos humanos em
intervenções de proteção da infância e da adolescência que sejam o mais eficazes possível.
Uma forma de fazer isso é estabelecer um plano de entrevista que inclua pontos prioritários
para esses órgãos. Alguns exemplos estão listados na Tabela 5.
Tabela 5:
Algumas questões para pesquisas futuras
A incidência de danos a crianças e adolescentes se altera durante os grandes eventos
esportivos em suas comunidades, e essa informação varia por gênero e outros fatores
demográficos? Em caso afirmativo, em que extensão pode ser estabelecida uma relação de
causa e consequência entre esses danos e os grandes eventos esportivos?
Como as próprias crianças e adolescentes percebem os riscos associados a grandes eventos
esportivos antes, durante e após eles acontecerem?
Como os benefícios e os custos de grandes eventos esportivos para crianças e adolescentes
(sociais, educacionais, psicológicos, interpessoais etc.) podem ser medidos e pesados?
Qual é o impacto do aumento da diligência (polícia, assistentes sociais, campanhas de
defesa etc.) na incidência relatada de violações dos direitos de crianças e adolescentes
antes, durante e após os grandes eventos esportivos?
Quais os impactos dos grandes eventos esportivos sobre a utilização dos sistemas de
atendimento (apoio, serviços de saúde e jurídico) por crianças e adolescentes locais antes,
durante e após grandes eventos esportivos em sua comunidade?
Quais os riscos e danos colaterais para crianças e adolescentes que decorrem das
diferentes formas de exploração de adultos antes, durante e após grandes eventos
esportivos (por exemplo, deslocamento de moradias, separação de unidades familiares e
interrupção da escola, separação de trabalhadores da construção civil de suas famílias,
recrutamento para trabalho sexual)?
Qual o número de crianças e adolescentes envolvidos em atividades comerciais
relacionadas a grandes eventos esportivos (venda ambulante, trabalho sexual, produção de
equipamentos, construção civil, serviços de hotel e alimentação) e como esses totais
flutuam antes, durante e após tais eventos?
Qual é a forma mais eficaz de parceria para atenuação dos riscos para crianças e
adolescentes associados aos grandes eventos esportivos? Quais órgãos devem ser
envolvidos? Como e quando eles deveriam estabelecer um plano conjunto? Como os dados
sobre suas experiências e exemplos de prática eficaz podem ser coletados ao longo do
tempo? Quais os indicadores de desempenho devem ser adotados para monitorar a
eficácia da atenuação de risco?
Quais as dinâmicas pessoais, sociais, econômicas e outras que afetam os aumentos e as
41
diminuições de riscos para a infância e a adolescência associados a grandes eventos
esportivos?
Como as histórias de vítimas da exploração associada a grandes eventos esportivos podem
trazer informações para futuros planejamentos de atenuação de riscos?
42
Apêndice 1: Glossário de Termos
Abandono: Deliberadamente, ou por falta de cuidados ou negligência, não prover ou não garantir para a
criança os seus direitos à integridade física e ao desenvolvimento. O abandono é por vezes denominado uma
forma “passiva” de abuso, na medida em que se refere à não realização de algum aspecto fundamental do
cuidado e da proteção de crianças, acarretando prejuízo significativo para a saúde ou o desenvolvimento da
criança, inclusive deficiência emocional e social. O abandono inclui o abandono físico em si, a falta de
supervisão adequada e não proteção das crianças contra danos, tanto quanto for possível, a não realização
deliberada de aspectos importantes dos cuidados, acarretando ou com probabilidade de acarretar danos à
criança, o não fornecimento deliberado de cuidados médicos ou a exposição sem cuidado de uma criança a
perigos, por exemplo, podem também significar abandono. (Save the Children, 2010)
Abuso Infantil: Um ato deliberado de maus-tratos que possam prejudicar ou sejam passíveis de causar danos à
segurança da criança, a seu bem-estar, à sua dignidade e a seu desenvolvimento. Abuso inclui todas as formas
de maus-tratos: físico, sexual, psicológico ou emocional. O termo "abuso" é, em alguns contextos, usado para
se referir principalmente a tais atos quando cometidos "no contexto de uma relação de responsabilidade,
confiança ou poder", como por alguém que cuida da criança, incluindo o pai ou a mãe, os representantes legais
ou qualquer outra pessoa que cuide da criança, mesmo que temporariamente, como um professor, um agente
comunitário, uma babá ou governanta, etc. Na maioria dos contextos, porém, "o abuso de crianças" é
entendido como menção a todos os referidos atos de maus-tratos, inclusive quando cometidos por estranho(a).
O abuso de crianças terá sido cometido independentemente de qualquer justificativa ou razão que possa ser
fornecida para os maus-tratos, inclusive castigos disciplinares, sanção legal, necessidade econômica, o próprio
consentimento da criança ou em nome de prática cultural e religiosa.
-
Abuso Físico envolve o uso de força física violenta, de modo a causar sofrimento ou lesão física real ou
potencial (por exemplo, bater, chacoalhar, queimar, mutilação genital feminina, tortura)
Abuso Físico ou Emocional inclui tratamento humilhante e degradante como xingamentos, críticas
constantes, menosprezo, humilhação persistente, confinamento em solitária e isolamento
Abuso sexual inclui todas as formas de violência sexual, incluindo incesto, casamento precoce e forçado,
estupro, envolvimento em pornografia e escravidão sexual. O abuso sexual infantil pode incluir também
toques ou exposição indecente, usar linguagem sexual explícita com a criança ou mostrar material
pornográfico às crianças” (Save the Children, 2010)
O abuso sexual se torna exploração sexual quando outra pessoa se beneficia da atividade sexual envolvendo a
criança, obtendo lucros ou com assédio sexual por chantagem ou posição de poder. Isso pode incluir
prostituição e pornografia infantil. (Subgroup Against the Sexual Exploitation of Children, 2005, 16).
O direito da criança de ser protegida contra abusos e abandono está previsto no Artigo 19 da Convenção da
ONU sobre os Direitos da Criança. Os Estados participantes adotarão todas as medidas apropriadas para
proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, lesão ou abuso, abandono ou
tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a
custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. (OHCHR, 1989)
Artigo 39 (Reabilitação das vítimas infantis): Toda criança vítima de qualquer forma de abandono, exploração
ou abuso deve receber ajuda especial para sua recuperação física e psicológica e para sua reintegração social.
Deve ser conferida uma atenção particular à restauração da saúde, do respeito próprio e da dignidade da
criança. (Convenção da ONU Sobre os Direitos da Criança)
Criança: O Artigo 1º da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança define a criança como “todas as
pessoas com idade inferior a dezoito anos, a não ser quando, por lei do seu país, a maioridade seja
determinada com idade mais baixa”. (Artigo 1º da CDC da ONU, OHCHR, 1989)
Exploração de crianças e adolescentes: refere-se ao uso de crianças e adolescentes para vantagem,
gratificação ou lucro de outra pessoa, resultando frequentemente em tratamento injusto, cruel e danoso da
vítima. Essas atividades são nocivas para a saúde física e mental, a educação, o desenvolvimento moral ou
socioemocional de crianças e adolescentes. Abrange situações de manipulação, uso indevido, abuso,
vitimização, opressão ou maus-tratos.
43
-
Exploração econômica da criança é o uso da criança no trabalho ou em outras atividades para o
benefício de outros. Isso inclui, entre outros e não exclusivamente, o trabalho infantil. Exploração
econômica traz em si a ideia de um certo ganho ou lucro através da produção, da distribuição e do
consumo de bens e serviços. Esse interesse material tem um impacto sobre a economia de uma
determinada unidade, seja ela o Estado, a comunidade ou a família. Por exemplo, trabalho infantil
doméstico, crianças soldados e o recrutamento e envolvimento de crianças em conflitos armados,
escravidão infantil, o uso de crianças para atividades criminais, incluindo a venda e distribuição de
narcóticos, o envolvimento de crianças em qualquer trabalho nocivo ou perigoso.
Exploração sexual é o abuso de uma posição de vulnerabilidade, poder diferenciado ou confiança para
fins sexuais; isso inclui lucro monetário, social ou político com a exploração da outra pessoa, inclusive
gratificação sexual pessoal. Por exemplo, prostituição infantil, tráfico de crianças para abuso e exploração
sexual, turismo sexual infantil e casamentos com crianças.
[O direito da criança à proteção contra todas as formas de exploração sexual, incluindo pornografia
infantil e prostituição infantil, está estipulado no Artigo 34 da Convenção da ONU sobre os Direitos da
Criança]
O direito da criança à proteção contra exploração econômica está estipulado no Artigo 32 da Convenção sobre
os Direitos da Criança. Os Estados Partes devem tomar as medidas apropriadas para a aplicação desse direito
e, em particular, deverão: estabelecer uma idade mínima (ou idades mínimas) para a admissão em emprego;
estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego; e estabelecer sanções
apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo do disposto no Artigo 32. (Save the Children, 2010;
Centro de Pesquisas Innocenti da UNICEF, 2013)
Prostituição Infantil: “O uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou qualquer
outra forma de contraprestação.” (OHCHR, 2002)
Trabalho infantil: O trabalho infantil pode ser dividido em seis categorias: doméstico, não-doméstico, nãomonetário, trabalho forçado, trabalho assalariado e atividade econômica marginal. Isso inclui todo trabalho
realizado por uma criança e que seja prejudicial para sua saúde, sua educação, seu desenvolvimento físico,
mental, espiritual, moral ou social. (Centro de Pesquisas Innocenti da UNICEF, 2013)
Tráfico de Crianças: Recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, por meio
de ameaça ou uso da força ou de outras formas de coação, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou de
posição de vulnerabilidade ou a entrega ou o recebimento de pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa com controle sobre outra, para fins de exploração. A exploração incluirá, no
mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços
forçados, escravidão ou práticas similares à escravidão, servidão ou remoção de órgãos. O recrutamento, o
transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão
considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum desses meios. (UNODC, 2013)
Turismo Sexual Infantil: O turismo sexual infantil é a exploração sexual comercial de crianças por estrangeiros.
Ele normalmente se refere a pessoas que viajam de seu próprio país para outro para realizar atos sexuais com
crianças, ou a estrangeiros que realizam atividades sexuais com crianças enquanto estão no exterior. (ECPAT,
2013 )
Violência: Há uma série de definições de violência utilizadas, dependendo do foco e da abordagem levada em
conta. Por exemplo, se for definida para fins jurídicos, médicos ou sociológicos. A definição de violência do
Estudo da ONU sobre Violência Contra a Criança (2006) está no Artigo 19 da Convenção sobre os Direitos da
Criança: “todas as formas de violência física ou mental, dano e abuso, abandono ou tratamento negligente,
maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual”, bem como a definição usada pela OMS em seu Relatório
Mundial sobre Violência e Saúde (2002): “o uso intencional de força física ou do poder, ameaçado ou real,
contra a criança, por um indivíduo ou grupo, que acarrete ou tenha alta probabilidade de acarretar dano real
ou potencial para a saúde, a sobrevivência, o desenvolvimento ou a dignidade da criança”. A violência pode ser
cometida por indivíduos ou pelo Estado, bem como por grupos e organizações, através de seus membros e de
suas políticas. Isso resulta não somente em medo de lesão ou lesão efetiva, como também em uma
interferência fundamental com a liberdade pessoal.
44
Apêndice 2: Exemplo do roteiro de entrevista
Os entrevistados foram contatados em dois momentos. Primeiro por meio de e-mail ou
telefonema para apresentar o contexto do projeto e os termos e diretrizes éticas da
entrevista. Aqueles que concordavam em participar tinham a opção de fazê-lo por e-mail ou
telefone, em horário conveniente para ambas as partes. As transcrições parciais foram
compiladas e questionadas para verificar sobreposições, contradições e exemplos de estudo
de caso.
1. Favor confirmar seu nome, sua organização e o respectivo objetivo principal
2. Qual é sua função ou seu cargo?
3. Quais riscos específicos de exploração você acredita surgirem para crianças e
adolescentes, antes, durante ou após as Copas do Mundo de futebol ["Copas do
Mundo"]?
4. Como você avalia o risco de exploração sexual de crianças e adolescentes em
comparação com outras formas de exploração?
5. Quais os trabalhos a sua organização já realizou, eventualmente, para prevenir e
atenuar os riscos de exploração de crianças e adolescentes antes, durante e após as
Copas do Mundo?
Qual foi o resultado? Qual foi o impacto?
6. Em que medida você acha que foram capazes de atenuar os riscos de exploração de
crianças e adolescentes associados às Copas do Mundo?
7. Quais têm sido as principais barreiras para promover ações de prevenção de tais
riscos antes, durante e após as Copas do Mundo?
Como vocês superaram essas barreiras?
8. De quais exigências de prevenção da exploração de crianças e adolescentes você
está ciente para as Copas do Mundo?
Quais dados de monitoramento e avaliação estão disponíveis para tais
exigências? Podemos ter acesso a esses dados?
9. Você tem conhecimento de tensões entre os objetivos de desenvolvimento e os
objetivos esportivos de sua organização ou de seu programa?
Em caso afirmativo: descreva-os, por favor.
10. Quais são os principais desafios para defensores que tencionem incluir a prevenção
da exploração sexual no âmbito nas Copas do Mundo?
11. Em quais intervenções específicas sua organização já se envolveu para reduzir a
exploração de crianças e adolescentes – inclusive no contexto de Copas do Mundo?
Você tem dados de monitoramento e de avaliação sobre essas intervenções?
Em caso afirmativo, podemos ter acesso a esses dados?
Podemos analisar a possibilidade de usá-los como estudo de caso em nosso
relatório?
12. Você gostaria de falar mais alguma coisa sobre a eficácia de tais medidas de
prevenção no contexto de grandes eventos esportivos como as Copas do Mundo?
13. Qual passo específico mais útil pode ser tomado para prevenir a exploração de
crianças e adolescentes no contexto das Copas do Mundo?
14. Qual seria a pesquisa mais útil nesse tópico para a sua organização?
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15. Você poderia recomendar algum estudo – pesquisa – material paralelo - ou recursos
ou pessoas-chave com quem possamos aprender mais sobre a prevenção da
exploração de crianças e adolescentes em Copas do Mundo?
16. Você estaria disposto a falar comigo novamente, se necessário?
17. Podemos usar seu nome em nosso relatório ou você prefere manter o anonimato?
Agradecemos sua atenção.
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Exploração de crianças e adolescentes e a Copa