MINISTÉRIO DA FAZENDA Secretaria de Acompanhamento Econômico Parecer no 06199/2005/DF COGDC/SEAE/MF Em 14 de novembro de 2005. Assunto: Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71. Representante: Verma Engenharia Ltda. Representada: Elevadores Otis Ltda. Conclusão: Sugere arquivamento da Averiguação Preliminar. Versão: Pública Com base na Lei n.º 8.884/94, a Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE envia Parecer à Secretaria de Direito Econômico – SDE, do Ministério da Justiça, referente à Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71. 1. DA DESCRIÇÃO DO CASO 1.1. Da Representação da Verma 1. Em 16 de setembro de 2003, a SDE recebeu representação por parte da Verma Engenharia Ltda. (Verma) em face da empresa Elevadores Otis Ltda. (Otis), alegando suposta prática de diversas condutas anticompetitivas no mercado de prestação de serviços de manutenção de elevadores e escadas rolantes no município de São Luís, estado do Maranhão, do qual a Verma participa. 2. Segundo a representação, a Otis estaria supostamente abordando os clientes da Verma, por meio do oferecimento de propostas mais vantajosas na prestação dos serviços de manutenção, que também abrangeriam outras benesses, tais como gratuidade por tempo prolongado, fornecimento gratuito de peças, quitação de débitos anteriormente contraídos. Em virtude dessas vantagens adicionais, segundo a Verma a Otis estaria cobrando preços abaixo do custo para os serviços de manutenção. Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF 3. Como indícios das práticas anticompetitivas, a Verma apresentou cópias e informações de 07 (sete) contratos referentes à prestação de serviços de manutenção de elevadores e escadas rolantes, nos quais tenta ilustrar as supostas condutas praticadas pela Otis na cidade de São Luís: I) Condomínio Clara Nunes – a Otis prestava o serviço de manutenção, com cobertura de peças a R$ 900,00 (novecentos reais). Em abril de 2003, a Verma firmou contrato com o condomínio ao valor de R$ 700,00 (setecentos reais), o qual foi rescindido em julho de 2003. O condomínio alegou que a Otis cobraria R$ 500,00 (quinhentos reais) pelo mesmo serviço em novo contrato, além de conceder seis meses de gratuidade, o revestimento da cabina do elevador, um subteto e dois relógios, sem qualquer ônus. II) Edifício Atrium Plaza – a Otis prestava o serviço de manutenção por R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais) mensais. Em 23 de junho de 2003, a Representante teria firmado verbalmente um contrato com o condomínio por R$ 780,00 (setecentos e oitenta reais). Segundo a Verma, os serviços foram prestados por apenas um mês, tendo a Otis oferecido contrato em termos semelhantes, com gratuidade de 06 (seis) meses e dois subtetos para cabinas dos elevadores, sem ônus. III) Escolinha Girassol – a Otis prestava o serviço, com cobertura de peças, por R$ 700,00 (setecentos reais) mensais. Em junho de 2003, a Verma firmou contrato com a referida escola por R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais) mensais. Em agosto do mesmo ano, a Verma foi procurada pelo estabelecimento para rescindir o contrato, dado que a Otis havia oferecido a quitação de um débito de R$ 9.000,00 (nove mil reais), caso o colégio firmasse novo contrato com a Representada por um valor aproximado ao pactuado com a Verma. IV) Condomínio Alvorada – havia um contrato de prestação de serviços com a Otis, sem cobertura de peças, de R$ 455,00 (quatrocentos e cinqüenta e cinco reais) mensais. Em novembro de 2002, o condomínio rescindiu o contrato e firmou um novo acordo, desta vez com a Verma, ao valor de R$ 500,00 2 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF (quinhentos reais) mensais com cobertura de peças. No mês de julho de 2003, a Otis ofereceu um contrato sem cobertura de peças ao preço de R$ 355,00 (trezentos e cinqüenta e cinco reais) mensais, mais seis meses de gratuidade. Não obtendo sucesso, a Representada fez nova proposta ao valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) com cobertura de peças e quatro meses de gratuidade, revestimento da cabina em aço inox, instalação de um subteto, espelho e corrimão, sem qualquer ônus. V) Edifício Monumental – havia um contrato com a Otis para manutenção de elevadores e escadas rolantes, com cobertura de peças, ao valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) mensais. Após a rescisão do contrato, a Verma foi contratada por R$ 4.700,00 (quatro mil e setecentos reais) mensais. Em junho de 2003, o edifício recebeu proposta da Otis de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) e gratuidade de seis meses. O contrato não foi firmado e a empresa ofereceu em agosto uma nova avença nas mesmas bases, com gratuidade de nove meses e uma série de peças. Em 29 de agosto de 2003, o contrato entre a Verma e o Edifício Monumental foi rescindido. VI) Edifício Los Angeles – a Otis prestava o serviço de manutenção, com cobertura de peças, por R$ 950,00 (novecentos e cinqüenta reais). Após a rescisão, a Verma foi contratada por R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais) mensais. Em agosto de 2003, o cliente foi abordado pela Representada com um proposta no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com gratuidade de quatro meses, além de dois subtetos novos e pintura de todas as portas dos andares. VII) Hotel Sofitel – a Otis cobrava R$ 1.550,00 (um mil, quinhentos e cinqüenta reais) pelo serviço de manutenção com cobertura de peças. Em julho de 2003, o hotel contratou a Verma por R$ 1.000,00 (um mil reais) pelo mesmo serviço. No próprio mês de julho, a Otis ofereceu ao estabelecimento um contrato no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) e gratuidade por seis meses pelo mesmo serviço. 4. Antes de continuar com a descrição do histórico do caso, é importante ressaltar um detalhe peculiar. A empresa Verma, fundada em novembro de 2002, tem 3 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF como sócio majoritário o Sr. Vipul Verma que, até o ano de 2002, era funcionário da Otis, tendo rescindido seu contrato de trabalho e aberto a própria empresa prestadora de serviços de manutenção de elevadores e escadas rolantes em São Luís. Logo após a rescisão, a empresa teria passado a oferecer preços inferiores aos praticados pela Otis, firmando contratos com empresas que haviam sido clientes da Representada1. 1.2. Da Averiguação na SDE 5. Acolhendo a representação realizada pela Verma, a SDE instaurou Averiguação Preliminar em 15 de dezembro de 2003, com o intuito de apurar supostas condutas anticompetitivas praticadas pela Representada e previstas no artigo 20, incisos I, II e IV c/c artigo 21, incisos IV, V e XVIII da Lei n.º 8.884/94. 6. Em 16 de janeiro de 2004, a SDE enviou notificação à empresa Representada, informando a respeito da instauração da Averiguação Preliminar e solicitando a prestação de esclarecimentos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da juntada aos autos do aviso de recebimento da notificação. 7. Em 20 de fevereiro de 2004, atendendo à notificação realizada pela SDE, a Otis prestou os esclarecimentos solicitados. Em sua defesa, alega que, em menos de duas semanas após o seu desligamento da Representada, o Sr. Vipul Verma constituiu e pôs em operação a empresa Verma Engenharia Ltda. 8. Ainda em sua defesa, a Otis alega que o Sr. Vipul Verma passou a procurar clientes tradicionais da empresa, deixando com eles propostas de prestação de serviços de manutenção e reparo de elevadores, utilizando-se das informações que lhe eram acessíveis, em razão do cargo que ocupava na empresa, para cooptar clientes da Representada. O Sr. Vipul Verma teria elaborado laudos técnicos de vistoria em então clientes da Otis, constatando supostas falhas na manutenção e nas peças dos elevadores, ostentando a sua situação de ex-gerente da Representada. 9. Na tentativa de preservar a sua carteira de clientes, a Otis afirma em sua defesa que teria sido obrigada a renegociar os contratos de prestação de serviços com os clientes que estavam sendo angariados pela Verma, reduzindo os valores contratuais e oferecendo algumas vantagens comerciais. 1 Segundo a Representante, no primeiro semestre de 2003, houve por parte da Otis a tentativa, sem sucesso, de adquirir o acervo da empresa Verma e a readmissão do Sr. Vipul Verma aos quadros da empresa, com salário superior ao que recebia antes do seu desligamento. 4 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública 1.3. COGDC/SEAE/MF Da Investigação na Seae 10. Em 09 de março de 2005, com base na Lei n.º 8.884/94, a SDE expediu ofício à SEAE, informando sobre os fatos investigados na Averiguação Preliminar e solicitando manifestação por parte desta Secretaria. 11. Para instruir o processo, esta Seae enviou ofícios à Representante, à Representada, e também aos concorrentes que atuam no mercado de prestação de serviços de manutenção de elevadores e escadas rolantes no município de São Luís, solicitando informações a respeito das características do mercado em questão, bem como sobre as participações de mercado e possíveis barreiras à entrada. 12. Levando em consideração os indícios descritos acima e os elementos posteriormente fornecidos, esta Secretaria elaborou análise a respeito da denúncia realizada pela empresa Verma, de modo a averiguar a existência das supostas ações anticompetitivas que teriam sido praticadas pela empresa Representada. 2. DA ANÁLISE DA CONDUTA 13.Conforme mencionado anteriormente, as supostas ações anticompetitivas estariam limitando ou impedindo o acesso de novas empresas ao mercado, além de criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente, por meio da prática de preços abaixo dos custos, conforme estabelecido no artigo 21, incisos IV, V e XVIII da Lei n.º 8.884/94. 14. Por essa razão, a análise da suposta conduta será pautada na Portaria n.º 70 desta SEAE, de 12 de dezembro de 2002, a qual representa um guia de análise para a prática de preços predatórios. A investigação é dividida em cinco etapas, a saber: a) Definição de mercado relevante: delimitação do mercado que está sendo afetado pela prática de preços predatórios; b) Avaliação das barreiras à entrada: determinação do grau de dificuldade da entrada no mercado afetado (em outras palavras, se existem condições que permitiriam que as firmas estabelecidas em um determinado mercado relevante pudessem perceber lucros extraordinários sem induzir a entrada de novos concorrentes); se as barreiras à entrada no mercado não forem significativas, a análise não deve prosseguir; 5 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF c) Condições de oferta: analisa-se a oferta da firma que supostamente está praticando preços predatórios (se essa firma não tiver capacidade ociosa para atender a nova demanda que surgirá em decorrência da prática predadora, conclui-se pela impossibilidade da prática); d) Capacidade de financiamento: avalia-se a capacidade de financiamento ou autofinanciamento da firma predadora; o objetivo é verificar se a empresa predadora tem maior capacidade de financiamento ou de auto-financiamento do que as rivais que estariam sendo prejudicadas, podendo, assim, sustentar as perdas incorridas no período predatório; em caso negativo, não se prossegue com a análise; e) Preço e custo: ultrapassadas todas as etapas acima, por fim são verificados preço e custo da empresa predadora (nessa etapa, portanto, são comparados o custo variável médio e o preço cobrado pela empresa – se for verificado que o preço é inferior a tal custo, e atendidas todas as etapas referidas, conclui-se pela prática de preços predatórios, desde que não haja justificativas lícitas para tal – por exemplo, promoções). 2.1. Da Definição do Mercado Relevante 15. Conforme estabelecido pela Portaria n.º 70, a definição do mercado relevante é o primeiro passo a ser dado na análise de preços predatórios. Para dar início a essa tarefa, é importante identificar os possíveis mercados relevantes na hipótese, quais sejam: (i) mercado de produção, fornecimento e manutenção de elevadores e escadas rolantes em conjunto; (ii) mercado de manutenção de elevadores e escadas rolantes; (iii) mercado de manutenção e escadas rolantes da marca Otis. A área geográfica será tratada logo após a definição do mercado na dimensão produto. 2.1.1 Dimensão Produto 16. Há fortes argumentos justificando que o segmento de comercialização de elevadores e escadas rolantes é um mercado autônomo em relação ao que explora a sua manutenção, uma vez que existem, no município de São Luís, estado do Maranhão, players que participam apenas do mercado de manutenção, muito 6 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF embora existam, sim, empresas verticalizadas e que, portanto, atuam nos dois mercados2. 17. Em caso análogo, no PA nº 08012.000172/98-42, o CADE tratou de definição de mercado em situações que envolvem a teoria sistêmica do produto e, em conseqüência, aftermarket, por meio da qual se verifica “se a produção e venda do equipamento está de tal forma associada a prestação dos serviços de manutenção de modo a fazer com que o produto a ser considerado envolva toda a cadeia produtiva relacionada”. E, para tanto, reconheceu alguns critérios para fazer essa análise, in verbis: “Neste aspecto, torna-se importante avaliar os aspectos referentes à demanda nos referidos mercados. Deve-se analisar, conforme bem destaca o parecer de Mário Possas, (i) se os consumidores tratam o bem e o serviço a ser adquirido como produtos distintos ou se analisam os custos dos serviços juntamente com o preço do equipamento ao comprá-lo; (ii) se há o chamado efeito lock in, provocado pelo elevado custo para se trocar o equipamento em razão de um aumento nos preços dos serviços de manutenção; (iii) se as informações necessárias para a compra do equipamento estão disponíveis e fáceis de serem obtidas pelos consumidores, ou veja, avaliar se os custos relacionados à obtenção de tais informações são elevados ou não; (iv) a forma de competição das empresas”. 18. De acordo com as respostas que foram encaminhadas à Seae, em grande parte das vezes a comercialização de elevadores e escadas rolantes se dá de forma independente da prestação dos serviços de manutenção, até mesmo porque os consumidores de elevadores e escadas rolantes são as construtoras, ao passo que os consumidores dos serviços de manutenção são os condomínios. Confira-se: (i) “Não é usual a negociação das duas linhas de negócio simultaneamente, até porque existe um razoável período de tempo entre o fornecimento dos equipamentos e a sua disponibilização para uso, momento em que o cliente, efetivamente, se interessará por informações mais precisas sobre os serviços de assistência técnica”. (Atlas Schindler: resposta ao ofício Seae nº 06783/2005). (ii) “Via de regra, não há assinatura de contrato de manutenção quando da compra de um elevador e/ou escada rolante, somente quando é solicitado pelo cliente. Isso porque, geralmente, os elevadores são adquiridos pelas construtoras, mas quem firma os contratos de manutenção são os condomínios que se formam após a entrega da obra”. (ThyssenKrupp: resposta ao ofício Seae nº 06725/2005). 19. Assim, levando-se em consideração a existência de um mercado de manutenção autônomo e a existência de consumidores diferentes para bens e serviços, uma definição mais estrita, de forma a tornar a análise mais rigorosa, deve partir do 2 De acordo com respostas a ofícios encaminhados pela Seae, o mercado de prestação de serviços de manutenção de elevadores e escadas rolantes na cidade de São Luís é composto por 07 (sete) empresas (Verma Engenharia Ltda., Elevadores Otis Ltda., Elevadores Atlas Schindler S.A., ThyssenKrupp Elevadores, Armour Elevadores, Nordeste Elevadores e Clatel). Das empresas que atuam em manutenção, 03 (três) delas também atuam na produção de elevadores, escadas rolantes e equipamentos, quais sejam, Otis, Elevadores Atlas Schindler e ThyssenKrupp Elevadores. 7 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF princípio de que o mercado relevante na hipótese, na dimensão produto, é o de prestação de serviços de manutenção, modernização, conservação e reparo de elevadores e escadas rolantes (o que comumente se chama genericamente de “mercado de prestação de serviços de manutenção”)3, até mesmo porque os supostos efeitos anticompetitivos da conduta da Otis estariam a incidir nesse mercado em específico, segundo a Representante. 20. Ressalte-se, nesse sentido, que não há motivos para considerar cada um desses serviços - i.e., prestação de serviços de manutenção, modernização, conservação e reparo - um mercado relevante autônomo. Isso porque há substancial flexibilidade de oferta entre os serviços mencionados, sendo certo ainda que os conhecimentos necessários para a sua implementação são similares, o que torna recomendável agrupar todos esses serviços em um mercado relevante só, como já julgou o CADE em caso análogo: “No caso em tela, muito embora não possamos considerar os serviços supra citados como substitutos perfeitos, o que os reuniria em um mesmo mercado, podemos aplicar a segunda parte da definição adotada (Res. 15/98), isto é, considerar o aspecto técnico comum aos serviços, o que também “autoriza” seu agrupamento em um único mercado. A título exemplificativo, veja-se que a um consumidor que pretende o reparo de um elevador não interessa, naquele momento, um serviço de modernização ou conservação (o que comprova a ausência de substituibilidade), mas de certo que a prestação destes é freqüente e o prestador destes serviços provavelmente vai ser o mesmo. Com isso, percebe-se que a análise dos produtos sob um critério estritamente objetivo muitas vezes pode não ser suficiente para uma definição mais criteriosa do mercado, sendo imprescindível que as condições de oferta e procura sejam também consideradas. Sendo assim, considerando que “a flexibilidade de oferta entre eles é plena” e os conhecimentos técnicos necessários à prestação de determinado tipo de serviço são “absolutamente similares aos conhecimentos necessários para as demais categorias” ” (entendimento da SEAE), é não só possível, mas até recomendável que os serviços de modernização, manutenção, conservação e reparo integrem um único mercado relevante (Ato de Concentração n.º 08012.004757/2005-68 – Voto do Conselheiro Ricardo Villas Boas Cueva, de 14 de setembro de 2005). 21. Da mesma forma, não há motivo para restringir o mercado relevante à prestação de serviços de manutenção apenas nos elevadores da marca Otis. Para tanto, seria necessário verificar a presença do efeito lock in4 no consumidor dos 3 Apenas para efeitos didáticos, segue a descrição do que cada serviço inclui conforme Ato de Concentração n.º 08012.004757/2005-68 – Voto do Conselheiro Ricardo Villas Boas Cueva, de 14 de setembro de 2005: (i) Modernização: envolve, por exemplo, a troca de algumas partes e componentes que objetivam tornar o equipamento “mais confortável, luxuoso, rápido ou econômico no consumo de energia”; (ii) Conservação: envolve visitas de manutenção preventiva sem reposição de peças; (iii) Manutenção: reposição de peças; e (iv) Reparo: prestado quando ocorrem avarias no equipamento e engloba a venda de serviços de manutenção corretiva não cobertos pelos contratos de manutenção e/ou conservação. 4 Conforme voto proferido pelo Conselheiro-Relator Celso Fernandes Campilongo no PA nº 08012.000172/9842 (Representante: Power-Tech Teleinformática Ltda.; Representada: Damovo do Brasil Ltda. – Matec): “O efeito lock in se refere ao fato do usuário ao comprar o equipamento ser obrigado a incorrer nos custos de 8 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF serviços de manutenção de elevadores e escadas rolantes, o que, como se verá adiante, não ocorre na hipótese. 22. De acordo com o voto proferido no já mencionado PA nº 08012.000172/98-42, não haveria lock in quando os custos de substituição – que podem decorrer dos mais variados fatores5 - não são significativos. 23. Há fortes indícios de que não há custos de substituição substanciais no mercado de prestação de serviços de manutenção de elevadores e escadas rolantes. Isso porque todas as empresas que atuam nesse mercado, com a exceção da empresa Atlas Schindler (que opta pela prestação de serviços exclusivamente em seus equipamentos), prestam serviços de manutenção em qualquer marca de elevador e/ou escada rolante. Logo, não haveria efeito lock in, uma vez que o consumidor não fica preso à manutenção da firma fabricante de elevadores e/ou escadas rolantes. 24. A prestação dos serviços de manutenção em qualquer marca se dá também em função da inexistência de dificuldades com relação ao acesso às peças de reposição utilizadas, apesar da existência de peças patenteadas. As peças utilizadas podem ser adquiridas diretamente das empresas fabricantes do elevador e/ou escada rolante, bem como de outras empresas que atuam no mercado fabricando exclusivamente essas peças. Segundo as empresas, a substituição de uma peça patenteada por uma similar não prejudica o desempenho do equipamento. Seguem trechos das respostas: (i) “No que refere à obtenção de peças, as mesmas podem ser adquiridas direto dos fabricantes, bem como existem empresas que fabricam peças similares às originais”. (ThyssenKrupp: resposta ao ofício Seae nº 06725/2005). (ii) “Na sua grande maioria as peças utilizadas nos serviços de manutenção e reparo de elevadores, são patenteadas e as empresas detentoras das patentes, negociam facilmente suas peças. As peças originais (patenteadas ou não) utilizadas nos serviços de manutenção e reparo de elevador, possuem peças substitutas de outras marcas”. (Armour Elevadores: resposta ao ofício Seae nº 06750/2005). manutenção do mesmo, qualquer que estes sejam, já que não haverá como substituir o equipamento devido ao seu elevado custo”. Na hipótese em análise, portanto, o efeito lock in, acaso existente, poderia obrigar o consumidor de elevadores Otis a utilizar necessariamente os serviços de manutenção prestados por essa empresa, o que alteraria a definição do mercado relevante. 5 Nos termos do voto: “Ao tratar dos custos de troca de produtos (ii), e que motivaria o efeito lock in, Paul Klemperer (1995) destaca que eles podem decorrer de: (a) incompatibilidade com o equipamento existente; (b) custos de transações para alterar os fornecedores; (c) custos de aprendizagem no uso da nova marca; (d) incertezas quanto a qualidade de uma marca nova, ainda não testada pelo consumidor; (e) descontos em compras futuras do mesmo equipamentos e serviços similares; e (f) custos psicológicos ou razões não econômicas para a lealdade a marca. Em outras palavras, o fato do consumo em si de uma determinada marca trazer utilidade ao consumidor faz com que a troca do produto gere uma redução na utilidade que o consumidor atribui ao produto”. 9 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF (iii) “Em regra as peças podem ser compradas no mercado por qualquer empresa ou mesmo pessoa física”. (Verma: resposta ao ofício Seae nº 06250/2005). 25. Portanto, define-se o mercado relevante de produto como o de prestação de serviços de modernização, manutenção, conservação e reparo de elevadores e escadas rolantes em qualquer marca, uma vez que os players possuem capacidade de atuação em todas as marcas de elevador e escada rolante. 2.1.2 Dimensão Geográfica 26. Com relação ao mercado relevante geográfico, esta SEAE habitualmente6 considera que os consumidores levam em conta a possibilidade de substituir, nas suas aquisições, prestadores de serviços localizados em uma dada região geográfica por outros localizados em outras regiões (em resposta a mudanças relativas nos preços e/ou em outras variáveis competitivas) se o tempo e o custo da substituição for para eles vantajosa e factível. 27. Em virtude dos fatores acima explanados e levando em consideração as peculiaridades do setor (sobretudo, aspectos que envolvem o deslocamento de técnicos da empresa para atendimento ao cliente), em análises similares envolvendo o mercado de prestação de serviços de modernização, manutenção, conservação e reparo de elevadores e escadas rolantes é de 100 km7. 6 A título de exemplo, vide o Parecer COCON/COGPI/SEAE/MF nº 06328/2004/RJ no Ato de Concentração nº 08012.000108/2004-15, em que foram Requerentes Elevadores do Brasil Ltda. e Elevadores Attel Ltda.) 7 Idem, in verbis: “De fato, é difícil a utilização de critérios objetivos para a definição de mercado relevante geográfico no caso de prestação de serviços. Não há, por exemplo, a questão da perecibilidade do produto, como nos casos do cimento e concreto, ou do acesso a fontes de matérias-primas. Assim, incluir outras cidades como parte do mercado relevante geográfico da operação só faria diluir muito as participações das empresas envolvidas, perdendo-se a noção da real importância das mesmas. Por outro lado, seria demasiado custoso para o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência uma investigação sobre quais os raios de possibilidades de os diversos clientes da Attel desviarem suas demandas para serviços oriundos de outras áreas, o que poderia vir a ampliar significativamente o mercado a ser analisado. Como resultado da reunião realizada nesta SEAE em 17/01/02 (em relação aos atos de concentração nºs 08012.007684/01-32 e 08012.007900/01-40, de interesse de Elevadores do Brasil e, respectivamente, Serv-Kin Elevadores Ltda. e Elevadores Iridium Conservação e Reparos Ltda.), os Representantes legais do Grupo Otis apresentaram considerações referentes à definição do mercado relevante geográfico desse tipo de operação levando-se em conta o seguinte critério: a partir da localização da empresa adquirida, delimita-se a área de atuação da mesma (a partir de um raio de distância previamente definido e baseado em aspectos técnicos que envolvam o deslocamento de técnico da empresa para atendimento ao cliente). Nessa área de atuação levanta-se todos os contratos de prestação de serviços existentes e elabora-se uma estrutura com as participações de mercado das requerentes e dos demais concorrentes. Com isso, estar-se-ia buscando a proteção dos consumidores localizados na área de atuação da empresa adquirida, mas também estar-se-ia garantindo que empresas localizadas fora dessa região geográfica também participassem da estrutura de mercado definida desde que atendessem aos consumidores de tal região (contemplando, assim, também, os pressupostos do Teste do Monopolista Hipotético conforme entendimento da SEAE). O raio de atuação definido e que tem sido utilizado por esta SEAE nos atos de concentração envolvendo o mercado de prestação de serviços em elevadores é de 100Km, tendo em vista aspectos que envolvem o deslocamento de técnico da empresa para atendimento ao cliente. Segundo as requerentes, a Attel tem sua sede no município de Santos (SP) e possui centro de atendimentos localizados em Santos, Praia Grande e São Vicente. Assim, estimaram que “o raio de atuação economicamente viável do centro de atendimento de Santos corresponde à região da Baixada Santista, que envolve Santos, São Vicente, Guarujá e Praia Grande, definido e baseado em 10 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF 28. Na presente análise, como a empresa Representante concentra suas atividades na cidade de São Luís, sendo certo ainda que praticamente todos os contratos das empresas concorrentes da Verma são firmados e executados nesse município, o mercado geográfico definido é o de São Luís/MA. 2.2. Da Participação de Mercado 29. Com o objetivo de aprofundar a análise referente ao mercado relevante definido, i.e., o mercado de prestação de serviços de manutenção em elevadores e escadas rolantes no município de São Luís, Estado do Maranhão, segue tabela contendo o faturamento de cada empresa atuante no mercado8, a saber: Tabela 1: Market share com base no faturamento das empresas9 Empresa 2003 % 2004 % Otis xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx Atlas Schindler xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx ThyssenKrupp xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx Verma xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx Armour xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx Total xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx Fonte: Empresas – Compilação da SEAE. 30. Apesar da elevada participação de mercado da empresa Representada, é possível constatar que o faturamento da Otis proveniente da prestação de serviços de modernização, manutenção, conservação e reparo de elevadores e escadas rolantes no ano de 2003 é praticamente idêntico ao faturamento verificado em 2004. Apesar disso, nota-se uma queda acentuada na participação de mercado da empresa, passando de 72,93% em 2003 para 53,77% em 2004. 31. É importante destacar que o número de contratos firmados pela Otis em 2004 também se manteve estável. Segundo a empresa, foram firmados 300 (trezentos) contratos para a prestação de serviços de modernização, manutenção, conservação e reparo de elevadores e escadas rolantes no ano de 2003. No ano de aspectos técnicos que envolvam o deslocamento de técnico da empresa para atendimento ao cliente”. Destarte, o mercado geográfico da operação abrange a área constituída pela região da Baixada Santista - Santos, Guarujá, Praia Grande e São Vicente (SP)”. 8 Destaca-se que as outras duas empresas atuantes no mercado, quais sejam, a Nordeste Elevadores e a Clatel, não tiveram seus respectivos dados incluídos na análise. As duas empresas, assim como a Armour, possuem pequena participação de mercado, sendo que os respectivos faturamentos não influenciariam de forma significativa na participação de mercado das outras empresas. 9 Valores referentes somente à prestação de serviços de modernização, manutenção, conservação e reparo de elevadores e escadas rolantes no município de São Luís/MA. 11 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF 2004, a empresa firmou um número de 313 (trezentos e treze) contratos, provocando um aumento de apenas 4,33% em relação ao ano anterior10. 32. A Representante, mesmo questionando a suposta perda de clientes para a Otis, dobrou o seu faturamento em 2004, em comparação ao obtido no ano de 2003. Além disso, a participação de mercado da empresa também sofreu um ligeiro aumento, passando de 1,85% em 2003 para os atuais 2,76%.. 33. Assim, por meio da Tabela 1 acima, não é possível identificar indícios de que as alterações nas participações de mercado das empresas (principalmente da Representada) decorreram de ações ilícitas, sobretudo levando-se em consideração o aumento na participação de mercado da Representante, o que torna remota a verificação de supostos efeitos de qualquer prática anticoncorrencial que pudesse estar ocorrendo no município de São Luís. 2.3. Da avaliação das barreiras à entrada 34. Definido o mercado relevante, determina a Portaria 70 desta SEAE que, se for constatado que as barreiras à entrada não são suficientemente elevadas para impedir a entrada de novas empresas em um mercado relevante, a análise de preços predatórios não deve prosperar, pois restará comprovada a falta de racionalidade econômica para essa conduta. Isso porque, no momento em que a firma predadora elevar seus preços, após eliminar sua rival, novas empresas serão atraídas a entrar nesse mercado, promovendo uma queda de preços. 35. Na hipótese, as barreiras à entrada não são suficientemente elevadas a ponto de tornar uma conduta de preços predatórios racional. A entrada de novos concorrentes, na hipótese de haver um aumento de preços, é algo esperado, uma vez que: (i) inexistem barreiras legais ou regulatórias; (ii) o investimento inicial é baixo; e (iii) há facilidade de acesso à tecnologia, matéria-prima e mão-de-obra especializada. 36. A ausência de elevadas barreiras à entrada no mercado é reconhecida pelas próprias empresas atuantes no mercado: (i) “Não verificamos barreiras para que uma nova empresa insira-se no mercado. Qualquer pessoa que tenha algum conhecimento sobre elevadores pode abrir a sua própria empresa e realizar serviços de manutenção/conservação de elevadores. Além disso, a regulamentação é falha e incompleta, bem como a fiscalização é ineficiente, o que facilita ainda mais a criação de empresas”. (ThyssenKrupp: resposta ao ofício Seae nº 06725/2005). (ii) “As dificuldades são as mesmas enfrentadas por novas empresas em outros mercados, tais como obtenção de clientes, conquistar a confiança do consumidor, consolidar seu nome no 10 Conforme resposta da Otis ao ofício Seae nº 06789/2005. 12 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF mercado, além das questões burocráticas que envolvem a abertura de empresas. Por outro, a falta, na maioria das cidades, de órgãos específicos que regulamentem e fiscalizem a atividade de prestação de serviços de assistência técnica em equipamentos de transporte vertical, facilita em demasia a entrada de novas empresa”. (Atlas Schindler: resposta ao ofício Seae nº 06783/2005) (iii) “Não vê barreiras à entrada de novas empresas no mercado de prestação de serviços de manutenção de elevadores e de escadas rolantes no estado do Maranhão”. (Otis: resposta ao ofício Seae nº 06339/2005) (iv) “Em tese, nada impede” a entrada de novas empresas no mercado. (Verma: resposta ao ofício Seae nº 06250/2005) (v) “As principais barreiras à entrada de uma nova empresa no mercado de prestação de serviço de manutenção e reparação de elevadores, são, ao nosso ver, o investimento inicial e o grande número de concorrentes no mercado”. (Armour Elevadores: resposta ao ofício Seae nº 06750/2005) 37. Além dos aspectos informados acima, outros fatores já mencionados no decorrer do presente parecer reforçam a idéia de que são pouco significativas as barreiras à entrada no mercado em questão. Dentre esses fatores estão o fácil acesso às peças de reposição, a tecnologia difundida e a possível substituição das peças patenteadas por peças similares, não prejudicando o desempenho do equipamento. 38. As baixas barreiras à entrada fazem com que a prática de preços predatórios não seja racional do ponto de vista econômico. Isso porque, no momento em que a empresa predadora elevar seus preços para recuperar o prejuízo incorrido na suposta prática, outras empresas entrariam no mercado forçando a queda de preços da empresa supostamente predatória. A impossibilidade da recuperação de prejuízos torna-se ainda mais clara pela inexistência do efeito lock in. III. CONCLUSÃO 39. Por todo o exposto nesse articulado, restou evidente que não houve a prática de preços predatórios (prevista no inciso XVIII do artigo 21 da Lei 8.884/94) na hipótese sub-judice, tendo em vista a inexistência de elevadas barreiras à entrada no mercado de prestação de serviços de manutenção de elevadores e escadas rolantes no município de São Luís, estado do Maranhão. 40. No tocante às alegadas práticas de (i) limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado (inciso IV do artigo 21 da Lei 8.884/94) e (ii) criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços (inciso V do artigo 21 da Lei 8.884/94), observa-se que nada nos autos indicaria que essas práticas poderiam configurar-se isoladamente, mas apenas como eventual resultado ou efeito da suposta prática de preço predatório. 13 Averiguação Preliminar n.º 08012.007111/2003-71 – Versão Pública COGDC/SEAE/MF 41. Dessa forma, tendo-se entendido pela inexistência dessa prática, não há de se cogitar tampouco a configuração das condutas referidas nos incisos IV e V do artigo 21 da Lei 8.884/94, até mesmo porque, conforme amplamente demonstrado no item 2.2 acima, não houve grandes alterações no mercado. 42. Em virtude disso, recomenda-se o arquivamento da presente Averiguação Preliminar no tocante às práticas referidas nos incisos IV, V e XVIII do artigo 21 c/c incisos I, II e IV do artigo 20 da Lei 8.884/94 objeto de investigação na presente Averiguação Preliminar. À apreciação superior. FERNANDO BERWERTH PACHIEGA Técnico CARLOS EMMANUEL JOPPERT RAGAZZO Coordenador Geral de Defesa da Concorrência De acordo, MARCELO BARBOSA SAINTIVE Secretário-Adjunto 14