Marcelo Gomes O TRIUNFO DA VIDA Uma Leitura Hermenêutica do Relato da Ressurreição de Lázaro – João 11:1-54 – (Versão para Internet – disponibilizada em www.ipimarilia.com.br/marcelo) Marília 2004 2 Dedicatória À Cristiane, por sua inestimável contribuição no aprofundamento de minhas reflexões. A vida ao seu lado é uma dádiva de Deus. 3 Índice Apresentação Texto Bíblico: Evangelho de João 11:1-54 Introdução Jesus e a Vida: Compreendendo o Evangelho de João Capítulo I O Ser Humano diante da Ameaça e da Morte: Altos e Baixos na Luta pela Vida Capítulo II Jesus diante da Ameaça e da Morte: A Centralidade da Vida nas Realizações de Deus Capítulo III A Ameaça e a Morte no Caminho de Jesus: A Ressurreição como Afirmação da Vida Conclusão A Ressurreição e a Vida: Um Desafio à Fé no Filho de Deus Bibliografia 4 Apresentação Esta reflexão é, primeiramente, fruto de uma pregação. Daquelas que, com certeza, impactam muito mais quem prega do que quem ouve. Há alguns anos, depois de superado o desafio da extensão do texto e da riqueza de detalhes, esbocei como roteiro de mensagem uma estrutura que daria origem ao que hoje é o segundo capítulo do livro: Jesus diante da Ameaça e da Morte... Não me lembro em quantas igrejas preguei o mesmo sermão! Em segundo lugar, esta reflexão também é fruto de um encontro. Meu encontro com o Evangelho de João. Interessante como seus versos mais famosos acabam firmando-se em nossas mentes e corações apenas como ditos e declarações que gostamos de decorar, e que rapidamente perdem importância contextual e histórica no “confronto” com os evangelhos Sinóticos. Como foi bom poder lê-lo outra vez, atentando para suas particularidades e aprendendo com suas principais ênfases e desafios. É um evangelho brilhante. Em terceiro lugar, esta reflexão é fruto de uma paixão. Paixão pela vida em todas as suas formas e manifestações. De repente, compreendi que a vida cristã não é – e nem pode ser – um esperar pela morte, como se somente assim fôssemos herdar todas as promessas que Deus, pela Palavra Eterna, nos outorgou. Descobri que a vida deve ser mais do que normalmente permitimos que ela seja. Em abundância, como neste evangelho podemos encontrar. É bom viver. Em quarto lugar, esta reflexão é fruto de uma experiência. De uma experiência com Deus e com Sua Igreja no ministério pastoral. Conviver com outras pessoas, mas, sobretudo, com pessoas que também crêem e estão à procura desta vida abundante, tem sido absolutamente salutar para o meu crescimento e edificação no conhecimento de Deus e de Sua Palavra. É maravilhoso perceber que o Espírito Santo, doador da vida, continua soprando e agindo como quer e em quem quer, sempre fazendo-nos ouvir a Sua voz. Finalmente, esta reflexão é fruto de um desejo. Desejo de compartilhar com todos que puderem ler essas linhas todas estas descobertas, percepções e experiências extraordinárias que me levaram a escrever. Entendo que, como pregador da Palavra de Deus, tenho o dever e o privilégio de testemunhar sobre tudo o que o Senhor me tem ensinado, para que outros possam também crescer e experimentar realidades mais profundas do relacionamento com Ele. 5 Que Deus mesmo oriente sua leitura e reflexão pessoal, de forma que a experiência da vida e o encontro com o Evangelho ganhem novos contornos e importância em sua fé e caminhada. Que o Espírito da Vida ilumine seu coração e sua mente, para que as novas descobertas resultem ainda em compromisso e testemunho eficaz. Que o próprio Jesus, em Sua graça e amor, caminhe com você em cada pequeno trecho para que, em tudo, Seu nome seja glorificado. Rev. Marcelo Gomes 6 Texto Base: João 11:1-54 1) Estava enfermo Lázaro, de Betânia, da aldeia de Maria e de sua irmã Marta. 2) Esta Maria, cujo irmão Lázaro estava enfermo, era a mesma que ungiu com bálsamo o Senhor e lhe enxugou os pés com os seus cabelos. 3) Mandaram, pois, as irmãs de Lázaro dizer a Jesus: Senhor, está enfermo aquele a quem amas. 4) Ao receber a notícia, disse Jesus: Esta enfermidade não é para morte, e sim para a glória de Deus, a fim de que o Filho de Deus seja por ela glorificado. 5) Ora, amava Jesus a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro. 6) Quando, pois, soube que Lázaro estava doente, ainda se demorou dois dias no lugar onde estava. 7) Depois, disse aos seus discípulos: Vamos outra vez para a Judéia. 8) Disseram-lhe os discípulos: Mestre, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e voltas para lá? 9) Respondeu Jesus: Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; 10) mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz. 11) Isto dizia e depois lhes acrescentou: Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou para despertá-lo. 12) Disseram-lhe, pois, os discípulos: Senhor, se dorme, estará salvo. 13) Jesus, porém, falara com respeito à morte de Lázaro; mas eles supunham que tivesse falado do repouso do sono. 14) Então, Jesus lhes disse claramente: Lázaro morreu; 15) e por vossa causa me alegro de que lá não estivesse, para que possais crer; mas vamos ter com ele. 16) Então, Tomé, chamado Dídimo, disse aos condiscípulos: Vamos também nós para morrermos com ele. 17) Chegando Jesus, encontrou Lázaro já sepultado, havia quatro dias. 18) Ora, Betânia estava cerca de quinze estádios perto de Jerusalém. 19) Muitos dentre os judeus tinham vindo ter com Marta e Maria, para as consolar a respeito de seu irmão. 20) Marta, quando soube que vinha Jesus, saiu ao seu encontro; Maria ficou sentada em casa. 21) Disse, pois, Marta a Jesus: Senhor, se estiveras aqui, não teria morrido meu irmão. 22) Mas também sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá. 23) Declarou-lhe Jesus: Teu irmão há de ressurgir. 24) Eu sei, replicou Marta, que ele há de ressurgir na ressurreição, no último dia. 25) Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; 26) e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente. Crês isto? 27) Sim, Senhor, respondeu ela, eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de Deus que devia vir ao mundo. 28) Tendo dito isto, retirou-se e chamou Maria, sua irmã, e lhe disse em particular: O Mestre chegou e te chama. 29) Ela, ouvindo isto, levantou-se depressa e foi ter com ele, 30) pois Jesus ainda não tinha entrado na aldeia, mas permanecia onde Marta se avistara com ele. 31) Os judeus que estavam com Maria em casa e a consolavam, vendo-a levantar-se depressa e sair, seguiram-na, supondo que ela ia ao túmulo para chorar. 32) Quando Maria chegou ao lugar onde estava Jesus, ao vê-lo, lançou-se-lhe aos pés, dizendo: Senhor, se estiveras aqui, meu irmão não teria morrido. 33) Jesus, vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a acompanhavam, agitou-se no espírito e comoveu-se. 34) E perguntou: Onde o sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem e vê! 35) Jesus chorou. 36) Então, disseram os judeus: Vede quanto o amava. 37) Mas alguns objetaram: Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer que este não morresse? 7 38) Jesus, agitando-se novamente em si mesmo, encaminhou-se para o túmulo; era este uma gruta a cuja entrada tinham posto uma pedra. 39) Então, ordenou Jesus: Tirai a pedra. Disse-lhe Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal, porque já é de quatro dias. 40) Respondeu-lhe Jesus: Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus? 41) Tiraram, então, a pedra. E Jesus, levantando os olhos para o céu, disse: Pai, graças te dou porque me ouviste. 42) Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste. 43) E, tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora! 44) Saiu aquele que estivera morto, tendo os pés e as mãos ligados com ataduras e o rosto envolto num lenço. Ordenou-lhes Jesus: Desatai-o e deixai-o ir. 45) Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que fizera Jesus, creram nele. 46) Outros, porém, foram ter com os fariseus e lhes contaram dos feitos que Jesus realizara. 47) Então, os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio; e disseram: Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? 48) Se o deixarmos assim, todos crerão nele; depois, virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas a própria nação. 49) Caifás, porém, um dentre eles, sumo sacerdote naquele ano, advertiu-os, dizendo: Vós nada sabeis, 50) nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação. 51) Ora, ele não disse isto de si mesmo; mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus estava para morrer pela nação 52) e não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos. 53) Desde aquele dia, resolveram matá-lo. 54) De sorte que Jesus já não andava publicamente entre os judeus, mas retirou-se para uma região vizinha ao deserto, para uma cidade chamada Efraim; e ali permaneceu com os discípulos. 8 Introdução JESUS E A VIDA: Compreendendo o Evangelho de João Deu o vento, levantou-se o pó; parou o vento, caiu. Deu o vento, eis o pó levantado; estes são os vivos. Parou o vento, eis o pó caído; estes são os mortos. Os vivos pó, os mortos pó; os vivos pó levantado; os mortos pó caído; os vivos pó com vento, e por isso vãos; os mortos pó sem vento, e por isso sem vaidade. Esta é a distinção e não há outra.1 Escrever sobre a vida não é tarefa das mais fáceis. Primeiro, porque a vida não se apresenta de uma única maneira. É complexa, dinâmica, multifacetada. Sempre cheia de novos horizontes. Há quem afirme “descobrir” a vida somente depois dos quarenta, cinqüenta, ou mais anos de idade. É como a declaração do pai que, vendo seu filho chegar em casa depois de haver desperdiçado todos os seus recursos leviana e indiscriminadamente, diz ser preciso comemorar, pois o rapaz estava morto e reviveu; estava perdido e foi achado (Lc 15:11-24). Como alguém pode afirmar ter encontrado a vida estando já vivo? Incrível, mas são estes tipos de experiência que apontam para as diversas formas de compreensão a respeito da vida. E, no fundo, é exatamente isso que a vida é: uma experiência da qual todos participamos. Nunca, porém, da mesma forma, em iguais condições ou com as mesmas implicações. A própria vida nos faz diferentes. Por outro lado, qualquer conceito a que possamos chegar sempre estará aquém de uma realidade mais ampla. Podemos nos dedicar a falar da vida física, da vida intelectual ou da vida espiritual, e ainda assim não conseguirmos alcançar a plenitude do significado que ela possui como esta experiência nossa que nos impacta e impulsiona. Além do mais, já descobrimos, pela prática, que a vida não pode ser fragmentada, nem mesmo para que seja estudada. Isto porque não há vida espiritual que não contemple a realidade do corpo e da mente, como também não há vida física que não interfira nas dimensões intelectuais ou espirituais e nem 1 Trecho do sermão do Pe. Vieira, de uma quarta-feira de cinzas de 1672: “Lembra-te, ó homem, que és pó, e que ao pó tornarás”. In: Platão e Fiorin, Lições de Texto - Leitura e Redação, p. 149. 9 mesmo uma vida intelectual que não influencie no relacionamento com o corpo e o espírito. A vida é uma unidade indivisível. Mas entender a vida é preciso. Afinal, é o grande valor que realmente possuímos. Quantas pessoas em situação de quase-morte não abririam mão de qualquer outro bem – material ou o que seja – em troca de sua própria vida ou ainda daqueles a quem se ama? Que pai não disporia todas as suas posses em troca da vida de um filho amado? Que mãe não doaria seus próprios órgãos para salvar uma filha doente? O Rei Davi chorou e jejuou pela vida de seu filho adoecido até que já não havia mais esperanças (2 Sm 12:15-23). Ezequias chorou muitíssimo, conta-nos Isaías, ao receber a notícia de sua morte iminente. Suas lágrimas sensibilizaram o coração de Deus que acrescentou mais quinze anos à sua vida (38:1-5). Conta-se, também, que certa rainha, ao perceber a proximidade de sua morte, ofereceu todas as glórias e riquezas de seu reino em troca de mais alguns dias. É evidente, porém, que, ainda hoje, vidas continuam sendo dizimadas pelo poder da ganância, da violência e da injustiça, como se não passassem de objetos sem valor, trocados por míseras moedas de prata. Contudo, é na luta diária de cada um e de todos contra todas estas ameaças que demonstramos a nossa sede e o nosso desejo de sobrevivência. Ainda que reconheçamos que seres humanos são capazes de tirar a vida de outros seres humanos, não podemos jamais negar o fato de que todos querem viver. Por isso, há que se encarar a vida e respeitá-la. Há que se falar sobre ela e discuti-la. E cabe-nos falar desta vida tão ampla e complexa da única maneira que o podemos fazer: compreendendo-a como dádiva e como desafio, sobretudo diante das exigências, das dificuldades e dos riscos que ela mesma nos oferece. A vida é uma dádiva. Esta é uma afirmação que denota o caráter passivo da experiência da vida. Compreendemos e confessamos que estamos vivos sem que tenhamos participado desta decisão em qualquer uma de suas instâncias. Em outras palavras, nenhum de nós jamais poderá declarar que foi responsável pelo próprio nascimento, ou que tenha feito uma opção pela própria vida antes de sua existência. Estamos vivos! Podemos, se desejarmos, decidir pelo fim de nossa vida humana e terrena, mas nunca, em nenhuma hipótese, pelo seu início. Casais que planejam filhos estão decidindo pelo surgimento de uma vida outra, que não a sua própria. Esta foi decidida sem sua intervenção ou participação. Agostinho de HIPONA exorta: Proclamem todas estas coisas que não se fizeram a si próprias: “Existimos porque fomos criados. Portanto, não existíamos antes de existir, para que 10 nos pudéssemos criar”.2 Quando aceitamos o fato de que a vida é dádiva, percebemos de uma maneira especial e extremamente profunda o quanto somos privilegiados e igualmente especiais. Poderíamos não estar vivos mas estamos, e esta é a grande beleza da existência nossa, do outro e da natureza ao nosso redor. Por isso, a vida como dádiva é um convite à gratidão. Contudo, se quisermos caminhar para além do visível (isto porque cada vez menos nossa sociedade consegue perceber essa verdade), reconheceremos que a vida é uma dádiva de Deus. Sem dúvida, o grande presente com que Deus agraciou sua criação. Segundo a narrativa do livro de Gênesis, no sexto dia de sua atividade criadora Deus declarou: Produza a terra seres vivos...” (1:24). Esta é uma revelação que aponta para a vocação da terra, pois é a vida, da maneira como está colocada na realidade do ser humano e da natureza, que faz desse nosso pequeno planeta um lugar tão extraordinário e surpreendente na imensidão do universo. Aqui Deus decidiu estabelecer a vida! Somas gigantescas de recursos financeiros já foram e vêm sendo investidas para que se descubra vida em outros planetas (empreendimento que até agora não foi capaz de encontrar nada realmente significativo) e a conclusão mais evidente é que a vida só pode ser possível aqui, neste nosso planeta criado por Deus. Mais importante torna-se, então, a vida humana. Afinal, foi para coroar a beleza dessa criação que Deus formou o homem do pó da terra, soprando em suas narinas o fôlego da vida. Tornou-se, então, o homem, um ser vivente (cfe. 2:7). Que outra forma de vida pode ser comparada à vida humana? Que outra criatura pode ser capaz de amar, cuidar, admirar, construir e re-criar tal como o ser humano? Sobre quem mais Deus disse façamo-lo à nossa imagem e conforme a nossa semelhança (cfe. 1:26)? Ao homem e à mulher foi dado este privilégio que, ao mesmo tempo, é responsabilidade. Responsabilidade de gerar a vida e preservá-la (cfe. 2:15); responsabilidade de multiplicá-la e fazê-la dominar (cfe. 1:27) contra o caos, o vazio e a morte. A vida como dádiva de Deus é um desafio ao compromisso com Ele mesmo e com a natureza, em resposta à nossa vocação. Mas a vida é, também, movimento e atividade. Sentimo-nos vivos quando nos movemos e agimos livremente, experimentando, percebendo e interagindo com o mundo à nossa volta. Poucas coisas podem ser mais tristes e dolorosas do que a convivência com alguém que desistiu de viver porque desistiu de lutar, desistiu de agir, desistiu de se relacionar com o mundo à sua volta. A vida não é resignação e, muito menos, passividade. Vida é ação, atitude, movimento, energia e vitalidade. O teólogo suíço Karl BARTH, um dos mais importantes do 2 AGOSTINHO, Confissões. In: Os Pensadores – Santo Agostinho, p. 314. 11 século XX, afirmou que vida significa agir, mesmo que casualmente seja um deixar de agir3. Em outras palavras, a vida é um contínuo chamado à ação mesmo quando não agimos. Esta afirmação denota o caráter ativo da experiência da vida, uma vez que somos convocados a dar uma resposta concreta ao privilégio da vida como dádiva. Conceitos como omissão e indiferença estão posicionados no extremo oposto dos conceitos ligados à vida, principalmente dos conceitos bíblicos. Na teologia do Antigo Testamento, por exemplo, a vida é associada com a luz, a alegria, a plenitude, a ordem e com o estar ativo4. O verbo hebraico traduzido por “viver” pode ser interpretado como “permanecer vivo, sustentar a vida, viver prosperamente ou viver para sempre”. Para o AT, a experiência da vida não pode ser definida através de um princípio abstrato distinto da realidade física e do corpo. Ao contrário, devido à visão integral que possui do ser humano, ressalta que a vida deve ser compreendida como a capacidade de se exercer ao máximo todo o poder vital, com saúde e prosperidade, contra o sofrimento, a doença e a morte5. Como declara o salmista em adoração a Deus: Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria e na tua destra delícias perpetuamente (Sl 16:11). Só pode estar realmente vivo quem desfruta de toda a plenitude da vida. No Novo Testamento, por sua vez, o termo traduzido por “vida” significa também “movimento” e “atividade”, reforçando o entendimento que o conceito possuía na tradição judaica. A palavra é usada para indicar certa qualidade de vida, a vida derivada de Deus, que se torna possessão daqueles que receberam a vida eterna, a salvação em Cristo6. O apóstolo Paulo já havia feito ligação entre estes termos quando afirmou que em Deus vivemos, e nos movemos, e existimos (At 17:28). Viver, para o NT, é um experimentar do mover e do agir de Deus em nossa própria vida através do Espírito, razão pela qual também nos movemos e agimos livremente. Nesta mesma linha de raciocínio descobrimos também que vida é relacionamento, e relacionamento interpessoal. Em outras palavras, nos descobrimos e nos percebemos vivos graças à capacidade de nos relacionar com outras pessoas, as quais também nos descobrem e percebem, ao mesmo tempo em que se descobrem e se percebem no relacionamento conosco. O teólogo alemão Jürgen MOLTMANN afirma que estar vivo significa existir em relacionamento 3 K. BARTH, O Problema da Ética na Atualidade. In: W. ALTMANN, Dádiva e Louvor, p. 87. O Novo Dicionário da Bíblia, p. 1655. 5 Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 454. 6 Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, p. 787. 4 12 com outras pessoas. Viver é o que ele denomina comunicação em comunhão. Falta de relação e isolamento significam morte.7 Ninguém nasce com vocação para a solidão. Pelo contrário! O ser humano é um ser social, que necessita dos outros seres humanos para uma vida comunitária. É triste notar como nossa sociedade caminha a passos largos para o individualismo e o egoísmo. Por esta razão as pessoas estão cada vez mais deprimidas e angustiadas. A vida é relacionamento. É apenas através do relacionamento com a vida – das outras pessoas, da natureza e de Deus – que descobrimos nossa própria vida e o quanto ela pode ser extraordinária. Mas a vida é, ainda, o grande problema da existência humana, sua maior preocupação. É por causa da vida que somos confrontados com a realidade da morte. E temos medo da morte8. Certa vez alguém disse que “para morrer, basta estar vivo”. E isso nos assusta. Quando somos capazes de reconhecer a vida como uma dádiva de Deus que nos desafia à gratidão, ao compromisso e ao relacionamento, sofremos com a ameaça da morte. Talvez não exista nenhum sentimento natural mais intenso e mais forte do que este: o da manutenção da própria vida. Por isso lutamos por ela e sofremos quando ela se esgota. Não aceitamos o fato de não a podermos reter para sempre, ainda que disto saibamos desde o início. É sobre esta dificuldade que o teólogo suíço Emil BRUNNER faz afirmação em sua “Teologia da Crise”: Nós vivemos; certamente, nós vivemos. Somos seres vivos. Temos parte no mundo que a biologia descreve para nós. Possuímos vitalidade [...] Mas observamos que esta vitalidade significa não apenas vida; ela também significa morte. Alguém não tem de ser um sofista ou um cínico para chamar esta vida uma luta desesperada e vã da vontade-para-viver contra um deve-morrer. Vã, eu digo, porque no fim a morte permanece vitoriosa sobre a vida.9 Por mais duras e desanimadoras que possam parecer estas palavras, elas refletem a mais pura realidade. Falar da vida humana é também falar de seu inevitável destino: a morte. Já ouvimos em alguma ocasião que, na vida, é possível ter apenas duas certezas: a primeira, que nascemos; a segunda, que iremos morrer. A luta pela vida diante da morte torna-se, assim, o grande desafio da existência humana. Isto porque a ameaça da morte nos convoca a uma 7 J. MOLTMANN, Deus na Criação – Doutrina Ecológica da Criação, p. 19. De acordo com Gerhard O. FORDE, que afirma que o medo da morte é universal e que nosso projeto de vida é a negação da morte. In: BRAATEN e JENSON, Dogmática Cristã, pp. 466 e 468. 9 E. BRUNNER, Teologia da Crise, pp. 57s 8 13 afirmação da vida, isto é, da nossa, do outro e da natureza. Em outras palavras, lutamos pela vida contra toda a ameaça da morte como seres humanos, pela preservação da espécie e do mundo em que vivemos. Uma vez que não podemos evitar nossa morte como indivíduos, batalhamos pela continuidade da vida como raça. Afirmar a vida é nossa tarefa. Moltmann lembra e adverte que a vida humana – e de certo não apenas a humana – só se torna viva e feliz em sua vitalidade quando experimenta afirmação e quando ela própria se afirma10. O grande desafio com que somos desafiados está em sermos nós, os vivos, chamados à tarefa de lutar pela manutenção da vida e por sua afirmação. Nas palavras do mesmo Moltmann, contra a guerra e contra a pobreza; contra a violência e contra a injustiça11. Trata-se de uma batalha pela recuperação da dignidade do homem e da mulher. Quem ama a vida não pode desejar outra coisa senão que ela continue a existir como vida humana em toda sua dignidade e em toda plenitude. Por estas razões, a vida é um dos grandes “eixos” do Evangelho de João. Não é por acaso que, neste evangelho, o tema “Reino de Deus”, comum nos evangelhos sinóticos, seja substituído pelo tema “Vida”, termo que aparece dezenas de vezes em seus vinte e um capítulos (36 vezes ao todo, sendo que em 17 vezes o termo aparece na expressão “vida eterna”12). Jesus é a vida, e isto faz toda a diferença. Em suas próprias palavras: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim (14:6). No comentário do teólogo alemão Dietrich BONHÖEFFER, a pergunta o que é a vida se converte aqui na resposta sobre quem é a vida13. A vida é uma pessoa determinada e única, fora da qual não pode haver vida nenhuma. Falamos de Jesus! Como a vida, Jesus também se revela uma dádiva de Deus para o ser humano. Em seu discurso, diante dos judeus que o procuravam depois do milagre da multiplicação dos pães, Ele declara: Pois o pão de Deus é aquele que desceu do céu e dá vida ao mundo... Eu sou o pão da vida (6:33 e 35). Esta é uma declaração impressionante. O comentarista F. F. BRUCE lembra-nos que o mesmo Deus que alimentou seu povo com comida material no passado – numa referência a Êxodo 16:11-36 – estava agora oferecendo-lhes pão espiritual, maná celestial, alimento que dá vida. E mais: este é um pão verdadeiro, real, que sustenta a vida interior e permanente das pessoas14. A verdadeira vida que 10 J. MOLTMANN, O Espírito da Vida, pp.10s IDEM, Ibidem, p. 11 12 Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p. 2650. 13 D. BONHOEFFER, Ética, p. 122 14 F. F. BRUCE, João – Introdução e Comentário, p. 138. 11 14 realmente pode alimentar o ser humano faminto e sedento não foi dada por vontade humana mas, antes, pela vontade de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. Da mesma forma, a vitalidade e a energia da vida só podem ser encontradas em Jesus. No prólogo de seu evangelho João afirma: Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens (1:4). A luz tem este poder de brilhar no meio das trevas, de forma que estas não lhe resistem. Onde ela chega, a tudo ilumina, de modo que nada se lhe pode ocultar. A luz convoca à atividade, na medida em que esclarece e evidencia a todas as coisas, principalmente aquelas que necessitam ser transformadas. A vida de Jesus é um convite ao movimento: Meu Pai trabalha até agora e eu trabalho também (5:17). Omissão e indiferença não podem ser encontradas em sua vida ou em seu ministério, mas participação e interesse. O relacionamento interpessoal também é uma das tônicas do ministério de Jesus. Em sua oração – chamada sacerdotal – ele demonstra esta realidade na preocupação com os discípulos: Quando eu estava com eles, guardava-os em teu nome que me deste, e protegi-os, e nenhum deles se perdeu... (17:12). A vontade de Jesus é uma vontade de relacionamento. É assim quando ele pede: Pai, a minha vontade é que onde eu estou estejam comigo os que me deste... (17:24). Interessante notar como Jesus procura a unidade com seus discípulos e entre eles, da mesma maneira como compreende sua unidade com o Pai: a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, sejam eles em nós, para que o mundo creia... (17:21) Enfim, viver, desfrutar, construir relacionamentos e sustentá-los como relacionamentos de vida; transformar e deixar-se transformar; este é o desafio da vida de Jesus e em Jesus. Contra a morte, nossa grande preocupação, Jesus é apresentado como a resposta de Deus que garante a vida, que, por sua vez, é eterna. Em Seu diálogo com Nicodemos Ele declara: Porque Deus tanto amou ao mundo que deu seu único filho, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (3:16). A vida eterna é a vitória final e definitiva da vida sobre a morte, uma vez que esta já não terá mais ocasião contra aquela. A fé em Jesus como o filho único de Deus dado ao mundo por amor é a chave para o acesso a esta vida. E mais: a fé em Jesus é a certeza da experiência da vida eterna na realidade presente, de forma que o que crê não perece. Nas palavras de MOLTMANN, há vida eterna antes da morte! Não a experimentamos segundo a extensão, como um viver sem fim. Experimentamo-la segundo a profundidade15. A vida eterna começa aqui e agora, pelo que hoje já podemos recebêla em nossos corações. 15 J. MOLTMANN, Quem é Jesus Cristo para nós hoje?, p. 136s 15 Por fim, Jesus é também a oportunidade que nos está dada para a afirmação da vida em todas as suas instâncias. Em um dos conflitos com os judeus Jesus garante: ...eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente (10:10b). Interessante lembrar que estas palavras contrastam a postura do bom pastor com a do ladrão, que vem somente para roubar, matar e destruir (10:10a). Com Jesus a vida experimenta a possibilidade de resgatar seu valor e sua dignidade. Com Ele a vida é abundante. Daí podermos dizer que toda iniciativa que retira da vida sua dignidade é uma iniciativa anti-Cristo. Um professor do seminário certa vez escreveu em um de nossos boletins semanais: Deus não somente é o autor da vida, mas também aquele que garante as condições para que a vida possa ocorrer16. Isto encontramos em Jesus. Neste sentido, o relato da ressurreição de Lázaro (11:1-44) é uma contundente afirmação da vida diante da ameaça e da morte. Posicionado estrategicamente como último sinal de Jesus antes de sua morte e ressurreição17, este episódio cumpre magistralmente sua função de antecipar a vitória de Jesus sobre a morte, garantindo assim a certeza da ressurreição de todos os que crêem. E isto é ressurreição: a vitória final e definitiva da vida sobre a morte e todas as suas ameaças. A ressurreição é a iniciativa poderosa de Deus, por meio de Jesus Cristo, no sentido de recuperar a vida em sua plenitude. Na ressurreição dentre os mortos Deus afirma a vida humana, na medida em que não se trata da re-criação da vida ou da criação de uma nova forma de vida. Trata-se, porém, da restauração da vida como vida humana, agora retirada das garras da morte. Com a morte de Lázaro a dor e o sofrimento passam a dominar os corações e as mentes dos que testemunham o desvanecer da vida. Com a ressurreição, no entanto, a vida é devolvida. A alegria e a esperança retornam aos corações dos que choravam. A vida é afirmada. Por esta razão, nosso objetivo será o de interpretar este acontecimento em Betânia para que, ao fim de uma breve mas atenta caminhada, possamos estar em condições de também afirmar nossa própria vida e a dos que estão à nossa volta, contra toda a ameaça e a morte, pela fé no Cristo vivo que concede a vida a todos que nEle confiam. Primeiro, veremos como se dá a reação das personagens envolvidas – Lázaro, suas irmãs e os judeus – diante da ameaça (no caso, a enfermidade) e da morte na luta pela vida. Certamente nos veremos como diante de um espelho! Na seqüência, veremos como Jesus reage 16 17 J. ADRIANO Fº, Em Defesa da Vida e da Sua Dignidade, p. 1. O evangelho de João narra sete milagres realizados por Jesus, aos quais chama de sinais. 16 diante da ameaça e da morte tendo a vida humana como prioridade. Ele é o mesmo ontem, hoje e para sempre (Hb 13:8)! Por fim, veremos como a ameaça e a morte cruzam o caminho de Jesus e como Ele, numa afirmação plena e definitiva da vida, supera a cada uma delas. Na conclusão, um desafio à fé e à vida em Jesus, o Filho de Deus. Que o Espírito de Cristo – Espírito de Vida e de Renovação – fiel conselheiro e ajudador, nos conduza em toda a verdade, a fim de que a vida de Jesus inunde e preencha nossos corações. 17 Capítulo I O Ser Humano Diante da Ameaça e da Morte: “Altos e Baixos” na Luta pela Vida E, ó Deus, que apareceste em chama de fogo na sarça ardente, aparece, eu te peço, no meio das sarças e espinhos de minha cruel enfermidade, de maneira que eu possa ver-te e reconhecer-te como o meu Deus, dirigindo-se a mim, mesmo nestes dias lancinantes e espinhosos. Atende-me, ó Senhor, por amor do teu Filho, que não deixou de ser o Rei dos céus pelo fato de tu permitires que ele sofresse ao ser coroado com os espinhos deste mundo.18 Se concordamos até aqui que a vida é dádiva de Deus a ser afirmada em toda sua dignidade, nada pode ser mais angustiante do que uma vida ameaçada. Primeiro, como já observamos antes, porque vida verdadeira é aquela que experimenta afirmação e conserva a dignidade. A vida ameaçada traz à tona toda a força e o peso da morte, roubando a alegria e promovendo o desespero. É absolutamente trágico aos nossos olhos perceber a existência ameaçada, mesmo a de uma vida que não a nossa própria. É bem verdade que, ultimamente, tenho questionado-me a este respeito. Parece que nestas últimas décadas – não devemos esquecer que o último século foi marcado por duas grandes guerras – o ser humano vem se acostumando à convivência com a morte e com a perda. O mundo ficou mais violento e injusto, e as pessoas mais insensíveis e indiferentes. Não raro somos capazes de acompanhar o drama da fome no mundo sem qualquer comoção, muitas vezes com o prato de comida sobre o colo, aguardando, quem sabe, o início de um programa na televisão. Mas nem tudo está perdido. Com toda a frieza e desprezo presentes no mundo à nossa volta, no final encontro-me otimista. Isto porque, apesar de tudo, o ser humano continua demonstrando que é capaz de superar-se, sobretudo em momentos de crise. É maravilhosamente animador descobrir que nas grandes tragédias milhares e milhares de pessoas unem-se diante de um só objetivo: salvar vidas! E isso independentemente de raça, credo, sexo ou ideologia. Ainda sofremos com o sofrimento das outras pessoas! Ainda sofremos com a destruição da natureza! 18 Oração de um homem às portas da morte, incluída nas “Preces” de John Donne. Cfe. P. YANCEY, Deus sabe que Sofremos, p. 154. 18 Ainda sofremos, mesmo que às vezes não pareça, com o desvanecer da vida e de sua dignidade. A vida ameaçada significa o desvanecer da vida de todos e do planeta. Bom – para todos – é quando podemos experimentar a vida e desfrutá-la em toda sua plenitude. Em segundo lugar, porém, está o fato de não aceitarmos que com a vida conviva também a possibilidade da dor. A verdade é que, embora saibamos de todos os riscos, bem como conheçamos todas as dificuldades que a vida traz consigo, nunca estamos preparados para o enfrentamento das crises que "batem à porta”. Hendrikus BERKHOF, explicando que a dor deveria ser encarada como uma realidade “natural”, afirma que os seres humanos não aceitam a vida como ela é... E mais: Como única criatura que, por princípio, está insatisfeita, o ser humano se rebela contra a realidade existente...19 Parece que faz parte de nossa natureza esta incapacidade de aceitar o sofrimento, ainda que como possibilidade. O problema da aceitação ou negação do sofrimento sempre esteve ligado ao problema do pecado humano. Desde o princípio pecado e sofrimento são apresentados em uma relação de causa e efeito. De acordo com o Gênesis, o pecado do homem e da mulher trouxe à realidade humana e natural a morte, a dor, a fadiga e a maldição (cfe. 3:15-19). Mas – poderíamos perguntar – que tipo de pecado mereceria tamanhas conseqüências? O simples tomar e comer de um fruto “proibido”? Trata-se de muito mais que isso. Como afirma Reinhold NIEBUHR, o pecado é orgulho20. E este foi o pecado tanto do homem como da mulher. A presença da árvore do conhecimento de todas as coisas entre tantas outras árvores no jardim significava não a proibição de um Deus caprichoso contra um homem reprimido, mas a diferença abismal entre a natureza de um Deus infinito e a finitude do ser humano por Ele criado. Esta diferença jamais poderia – como jamais poderá – ser transposta, conquanto tenha sido esta mesma diferença que homem e mulher tentaram transpor. E por orgulho (sereis como Deus). Enfim, é este mesmo orgulho, que no princípio significou o rompimento do relacionamento com Deus e toda a dor que, como conseqüência, tivemos – e ainda temos – de enfrentar, que hoje nos impede de aceitar nosso próprio sofrimento. Resumidamente, o pecado humano é a causa do nosso sofrimento e, ao mesmo tempo, a razão pela qual reagimos tão inadequadamente a ele. Paradoxal? Contraditório? Sim, como também o são a vida e a existência humanas. 19 H. BERKHOF, Deus como Criador e o Mundo como Criação. In: D. K. McKIM (ed.), Grandes Temas da Tradição Reformada, pp. 67s 20 Cfe. citado por P. R. SPONHEIM, O pecado e o mal. In: BRAATEN e JENSON, Dogmática Cristã, volume 1, p. 367 19 Mas – precisamos reconhecer – até nisso nos mostramos diferentes. Nossa incapacidade de aceitação da dor – quer como realidade, quer como possibilidade – nem sempre resulta em reações semelhantes. Explico: ainda que nossa “natureza” humana nos conduza a um comportamento de negação diante da dor, nossa “existência” humana, marcada por esta mesma dor e sofrimento, revela-se capaz de ajustar-se às circunstâncias adversas de forma que as possamos enfrentar. Há, portanto, quem seja surpreendido pela tragédia e reaja com coragem e confiança, como há quem, surpreendido por semelhante tragédia, reaja com desânimo e autocomiseração. Tranqüilidade e desilusão são estados de alma a ser encontrados em situações igualmente dolorosas. Hubert LEPARGNEUR, teólogo e antropólogo, em seu livro sobre as implicações sócio-culturais da enfermidade, afirma que cada um reage à doença conforme seu caráter, o qual é praticamente fixo para cada um.21 Ele aponta oito tipos de reações diferentes frente a doença, todas definidas didaticamente em categorias, embora reconheça que a maioria das pessoas pode misturar os tipos ou permanecer em modelos intermediários. Sua tese, afinal, é que cada indivíduo reage à enfermidade de forma característica, o que pode influir, inclusive, na evolução de seu tratamento. Enfim, queremos demonstrar que nem todos reagem igualmente diante da dor e do sofrimento, conquanto todos tenhamos a mesma dificuldade diante deles: a aceitação da nossa condição. Por outro lado, é inegável que a dor e o sofrimento também ajudam a “moldar” o caráter e a personalidade individuais. Se, depois de nos “debater” e “espernear” (o que não leva a nada), decidimos enfrentar a adversidade com coragem, superamo-la, e, ao final, nos percebemos mais maduros e mais fortes, prontos para novos desafios. Descobrimos, como diz o ditado, que “há males que vêm para o bem”. É sempre uma questão de compreensão da situação: reage-se ao sofrimento de acordo com o entendimento de sua causa ou função. Se cremos, por exemplo, num Deus que ensina e fortalece através da adversidade, a enfrentamos e vencemos. Se, pelo contrário, supomos que a adversidade é sinal da existência de um Deus que não se importa nem se preocupa, nos abatemos e somos vencidos por ela. Por esta razão, o sofrimento é a melhor escola de humildade, contra todo orgulho e soberba característicos de nossa humanidade. O apóstolo Paulo, por exemplo, afirmava que seus sofrimentos cooperavam com seu fortalecimento em todas as circunstâncias (cfe. Fp 4:10-13). O autor do texto aos Hebreus, por 21 O termo “caráter” em LEPARGNEUR deve ser compreendido em sentido psicológico, como um sinônimo de personalidade. Em suas palavras, caráter é um jeito individual, pessoal, de assumir a vida, suas alegrias e seus percalços. H. LEPARGNEUR, O Doente, a Doença e a Morte, p. 60ss. 20 sua vez, afirma que o próprio Jesus aprendeu a obediência por aquilo que ele mesmo sofreu (cfe. 5:8). Já o povo no deserto reagia ao sofrimento com murmurações e revoltas (cfe. Nm 14:1-4). São posturas distintas a partir de distintas compreensões da adversidade. Descobrimos, assim, que a tragédia e a tribulação podem ser absolutamente úteis no crescimento e no amadurecimento daquele que as enfrenta com confiança e submissão a Deus, ao mesmo tempo que podem constituir-se em revolta e rebeldia contra a pessoa de Deus em Sua soberania. Mas estes são casos que podem ser considerados extremos e absolutamente simbólicos de reações opostas ao problema da dor. Posicionada entre eles está, provavelmente, a grande maioria de nós, simples seres humanos, que diante do sofrimento e da tragédia reagimos bem e mal, alternadamente, buscando encontrar ajustamento. Somos “escravos” do momento, demonstrando-nos capazes de variar nosso estado emocional de acordo com o momento em que enfrentamos nossa dor. Ora estamos confiantes, ora desesperados. Tudo isso, às vezes, num só dia. Ou num só instante. Em outras e melhores palavras, a maior parte das pessoas vive a oscilação entre a confiança e o desespero, entre a paz e o medo. E tudo isso em meio à tragédia e à dor que sentimos. Não há nem como propormos aqui uma diferença significativa, ao menos neste aspecto, entre cristãos e não cristãos, como se estes reagissem sempre de forma problemática e aqueles sempre de forma adequada. Em ambos os grupos encontramos quem reaja bem e quem reaja mal; ou ainda: quem reaja bem e mal nas mesmas circunstâncias. Somos como Lázaro e suas irmãs: demonstramos “altos e baixos” na luta pela vida. Por estas razões, o objetivo deste capítulo não será o de definir o sofrimento e suas implicações existenciais mas apontar, mediante um olhar atento para a experiência de Lázaro, quais são os principais resultados que a ameaça e a morte produzem na vida humana, quer sejam positivos, quer negativos. Longe de tentar elaborar um manual ou roteiro de reações adequadas, estas linhas pretendem servir de meio para a reflexão e, se assim Deus nos abençoar, de consolo para os que se encontram em semelhantes situações. Sombras da Morte: O Problema da Enfermidade e outros Sofrimentos Lázaro estava enfermo (v. 1). Sua cidade, Betânia, distava cerca de três quilômetros de Jerusalém e, provavelmente, não possuía grandes recursos no tratamento de certas doenças. É verdade que, segundo o Talmude, havia médicos em cada cidade e em cada povoado nos tempos 21 de Jesus22, mas estes, ainda que presentes, não possuíam todas as condições necessárias para o tratamento de vários tipos de enfermidade. Nos evangelhos de Marcos e de Lucas (5:26 e 8:43, respectivamente), por exemplo, lemos sobre o drama de uma mulher hemorrágica que já havia despendido todos os seus bens com muitos médicos, sem chegar, contudo, à solução de seu problema. Esta constatação nos leva a uma outra ainda mais importante: a enfermidade de Lázaro – principalmente por resultar em sua morte – era grave e demonstrava-se um enorme desafio, tanto para ele mesmo como para suas irmãs e amigos mais próximos. Há, inclusive, quem afirme que Lázaro era leproso, o que explicaria sua morte tão prematura23. Não era, todavia, uma enfermidade qualquer, passageira, como uma gripe ou algo parecido. Era séria, preocupante, provavelmente dolorosa, cheia de implicações que vieram a mobilizar toda a família. Podemos imaginar – pois não encontramos tal informação no relato do evangelista – que Marta e Maria fizeram tudo que estava ao seu alcance no tratamento daquela doença, antes de finalmente mandarem mensageiros chamar por Jesus. Por que podemos imaginar isto? Primeiro, porque é assim que as pessoas agem: antes de reconhecer que precisam de ajuda, esgotam suas forças na tentativa de resolver os problemas que enfrentam. Segundo, porque chamar Jesus não era uma tarefa fácil: saber onde ele estaria, encontrá-lo e trazê-lo para Betânia poderia ser complicado demais em nome de uma enfermidade, ainda que das mais graves. Podemos supor também que “chás” de toda espécie e toda forma de medicação caseira lhe foram oferecidos por suas irmãs e amigos, todos interessados em sua melhora (não é assim que parentes e vizinhos nos tentam ajudar ainda hoje, mesmo com todos os recursos científicos e tecnológicos que a medicina possui?). Foi com o agravamento da situação e diante da ineficácia das alternativas utilizadas que a decisão é tomada: “encontrem Jesus e implorem para que Ele venha o mais rapidamente possível!” A história de Lázaro nos é relevante por duas razões: primeiro, porque se configura numa luta pela vida contra a enfermidade. Explico: de todas as formas de sofrimento, a enfermidade é aquela que mais nos provoca desconfortos. Não gostamos de ficar doentes e sofremos quando alguém que amamos assim fica. O problema da enfermidade, diferentemente das dificuldades financeiras, por exemplo, traz consigo o peso e a ameaça da morte que, com a doença, faz ouvir a sua voz. Citando Ruben ALVES: Pois é isto que faz a doença, mesmo a mais banal (pois nunca se sabe ao certo...): ela nos obriga a pensar sobre a possibilidade de 22 23 Segundo informação de J. JEREMIAS, Jerusalém no Tempo de Jesus, p. 29. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p. 1340 22 morrer24. E isto quando também não significa o fim das possibilidades financeiras ou mesmo a ruptura de alguns relacionamentos interpessoais. A enfermidade é desafiadora porque extrapola nossos limites e possibilidades, principalmente quando são consideradas graves ou de risco. Se alguém vive problemas de relacionamento, por exemplo, o grande limite é, na verdade, a falta de vontade para resolver a dificuldade; o perdão e a demonstração de amor seriam absolutamente suficientes. Se alguém está desempregado, vive a expectativa de conseguir um novo emprego enquanto continua “tocando” sua vida (às vezes chega até mesmo a contar com a ajuda e a solidariedade de parentes e amigos). Mas se alguém enfrenta uma enfermidade mortal, como hoje enfrentamos o câncer, a AIDS, o “mal de Parkinson” e outras doenças sem cura, descobre-se colocado frente-a-frente com a impossibilidade. Não há o que fazer e nem mesmo quem possa fazer alguma coisa. Só um milagre! Ou ainda: só a morte! Em segundo lugar, estar enfermo, no contexto de Lázaro, não significava apenas um desafio de ordem física ou emocional. Significava, também, um desafio de ordem espiritual. Afinal, Lázaro é de um período da história em que estar doente era sinônimo de estar em pecado e, por conseqüência, de ser alvo da cólera e do abandono divinos. Exemplo desta realidade é o relato da cura de um cego de nascença, apresentado pelo mesmo evangelho de João (9:1ss). Na ocasião, motivados pela tradição dos judeus, a qual afirmava que toda enfermidade era castigo de Deus em retribuição ao pecado cometido, os discípulos de Jesus perguntaram-lhe: Quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? (9:2). Jesus respondeu: Nem este, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus (9:3), rejeitando, assim, este falso conceito. De qualquer forma, esta era a “teologia” dominante, pela qual incluía-se ou excluíase da fé e da religião os que, por causa da enfermidade, eram considerados imundos. E é por isso que para Lázaro, mais do que uma dificuldade física ou mesmo emocional, a doença representava um tormento de caráter espiritual e religioso. Era um castigo, uma punição, uma demonstração de ira e brutalidade de um deus sem misericórdia e sem perdão, bem diferente daquele que seu bom amigo Jesus anunciava aos quatro ventos e chamava de “pai”. Bem diferente daquele Deus cujo amor e a compaixão são expressos na verdade proclamada pelos mensageiros das irmãs de Lázaro: Senhor, está enfermo aquele a quem amas (v. 3)! Lázaro é, portanto, um exemplo de vida ameaçada. Sua luta contra a morte é um exemplo de desejo pela vida em sua plenitude, física, moral, emocional e espiritual. A luta de suas irmãs para encontrar solução adequada ao problema – e isso fica demonstrado no esforço 24 R. ALVES, O Retorno Eterno – Crônicas, p. 135. 23 empreendido para encontrar e chamar Jesus – é sinal de solidariedade. Isso nos faz descobrir que o sofrimento humano não resulta apenas de situações onde a vida pessoal e individual está ameaçada, mas de situações onde a vida humana se mostra ameaçada, quer seja a de um irmão, primo, vizinho ou amigo mais chegado. Marta, Maria e os judeus que solidarizaram-se com elas diante da dor que sentiam ensinam-nos hoje uma profunda e importante lição sobre o valor da vida de todas as pessoas. Um grande exemplo é o de Joni Eareckson, uma jovem que perdeu os movimentos de seu corpo depois de um mergulho mal planejado. Ela conta que pediu a morte ao saber que suas lesões eram permanentes e ao ver sua “nova” imagem no espelho. Após alguns anos, porém, Joni tornou-se importante artista, conferencista e escritora, uma mulher verdadeiramente apaixonada pela vida25. Este é o drama da enfermidade. Por ela somos extremamente abalados em nossas emoções que, também por ela, são fortemente desafiadas e modificadas. Diante dela não somos mais os mesmos, pois nela encontramos a “sombra da morte”. É a enfermidade, mais do que qualquer outro sofrimento, que nos evidencia nossa fragilidade e impotência como seres humanos, ao mesmo tempo que provoca em nós uma certa decepção para com Deus. Fragilidade é algo que não gostamos de admitir. Em primeiro lugar porque ser frágil é o mesmo que ser vulnerável, e isso nos agride. A primeira grande dificuldade que enfrentamos na luta contra a enfermidade é a maneira como ela nos mostra vulneráveis. Vulnerabilidade, aqui, deve ser compreendida como a “falência” de todos os nossos meios e mecanismos de defesa. Descobrimo-nos vulneráveis quando nosso “território” é invadido, ou quando nossas “fronteiras” são desrespeitadas. É assim que a enfermidade nos atinge: ela nos invade, penetra em nosso organismo, destrói nossas defesas e abala nossas estruturas. A enfermidade, por mais simples que seja, faz “cair por terra” um dos sentimentos mais próprios do ser humano: o sentimento de inatingibilidade. Mas a fragilidade também nos é “indigesta” porque é a caracterização de nossas fraquezas. E esta é a segunda grande dificuldade que a enfermidade nos oferece: ela nos faz encarar nossas próprias limitações. Gary R. COLLINS afirma ser ela uma expressão de nossas limitações físicas, emocionais e espirituais. Ela é uma indicação viva de que somos seres humanos, habitando um corpo destinado a morrer... A doença inibe as nossas atividades, nos atrasa, torna a vida mais difícil e com freqüência parece não ter significado ou propósito.26 Não 25 Cfe. P. YANCEY, Op. Cit., pp. 132 e 133. A história de Joni Eareckson ela mesma conta em seu livro Joni, publicado pela Editora Vida. 26 G.R.COLLINS, Aconselhamento Cristão, p. 329. 24 gostamos de nos sentir limitados. Muito menos enfraquecidos. E a doença, no fundo, faz isso: abala os alicerces de nosso terrível complexo de superioridade. Por esta razão, com a fragilidade vem também o sentimento de impotência. É difícil perceber que perdemos o controle, ou seja, que não podemos fazer absolutamente nada frente ao problema que enfrentamos. O mesmo Collins defende que uma das categorias de tensão psicológica que os enfermos experimentam é o medo de perder o controle. Para ele, é ameaçador experimentar sequer uma perda temporária de nossa força física, agilidade mental, controle dos intestinos ou bexiga, controle dos membros ou da fala, ou a capacidade de dominar nossas emoções.27 Quando nossos recursos se esgotam e nossas capacidades individuais para nada mais servem, estamos diante da exata noção de impotência. E a enfermidade é dura conosco também nisso: ela faz desmoronar nossa falsa idéia de auto-suficiência. Lázaro, provavelmente, enfrentou todas estas dificuldades, fragilidade e impotência, na luta contra sua doença. Estava nas mãos de Jesus. Mas ainda há um outro sentimento complicado e constrangedor no enfrentamento das adversidades: a decepção. Lázaro estava morto (v. 14). As sombras da morte tornaram-se tão densas que chegaram ao ponto de concretizar-se na realidade daquele corpo enfermo e debilitado. Jesus não apareceu, conquanto tenha recebido a notícia sobre a gravidade do problema (v. 6). Quando ele finalmente chegou, Lázaro já estava morto há quatro dias (v. 17), apesar de ser a distância de viagem de apenas 15 estádios (v. 18), o equivalente a três quilômetros ou, no máximo, duas horas de caminhada. Não foi pequena a decepção das irmãs de Lázaro com Jesus: Senhor, se estivesses aqui meu irmão não teria morrido (vv. 21 e 32) – lamentaram tristemente. Teriam acreditado em vão? Entender o agir de Deus em tempos de sofrimento não é mesmo uma tarefa fácil. C.S. LEWIS, procurando identificar e sintetizar tal dificuldade, elaborou o problema do descontentamento humano da seguinte maneira: Se Deus fosse bom, Ele desejaria fazer suas criaturas perfeitamente felizes, e se Deus fosse todo-poderoso poderia fazer tudo o que quisesse. Mas as criaturas não são felizes. Portanto, falta a Deus bondade, poder, ou ambas as coisas”28. Não compreendemos por que Deus, tendo poder para intervir, permite que a enfermidade e 27 IDEM, Ibidem, p. 332. C.S.LEWIS, O Problema do Sofrimento, p. 19. Nesta obra o autor procura responder a esta problematização redefinindo os conceitos de bondade e onipotência divinas, ao mesmo tempo em que explica as implicações do 28 25 outras formas de sofrimento assolem nossas vidas. E é nossa falta de entendimento que, justamente, desencadeia em nossos próprios corações todo um sentimento de decepção e revolta contra Deus nos momentos de angústia. São as “sombras da morte”, instaladas em nossa difícil e triste realidade humana. Mas, e por isso louvamos a Deus, onde as sombras da morte se alastram os focos de vida também se proliferam, evidenciando nossa sede e nosso desejo de experimentar o poder vivificante do Espírito em nossa natureza “carnal”. É por isso que, mesmo atentando para a momentânea desilusão dos corações de Marta e Maria, também poderemos encontrar sinais de uma expectativa e esperança maravilhosas, a jorrar de seu íntimo e fluir em suas palavras, na certeza de um Jesus que, mesmo diante da morte, tem algo a oferecer. Focos de Vida: Desafios e Possibilidades Lázaro morreu (v. 14). Todas as atenções agora estão voltadas às suas irmãs, Marta e Maria, as quais em tudo lutaram para que a fatalidade não se estabelecesse em sua família como, de fato, se estabeleceu. Estão em foco suas reações, suas emoções, suas incertezas e suas expectativas. Não é - e nunca foi - fácil lidar com a morte de um ente querido, mas naquele contexto e ocasião as coisas eram ainda mais complicadas. Marta e Maria eram mulheres. Lázaro, provavelmente, era o único homem da casa, já que não há registros de outros familiares. Abandonadas em uma sociedade machista, as irmãs enlutadas encontrariam em Jesus a alternativa de vida que não poderiam conquistar. No tempo de Jesus, ser mulher, por si só, já era um desafio. As mulheres não tinham direitos e viviam à sombra dos homens. Eram segregadas nas sinagogas, e os rabinos enquadravam-nas juntamente com escravos e crianças. Alguns ditos contra as mulheres ficaram famosos: “Antes fossem as palavras da Torá queimadas, do que entregues a mulheres”; e “Devese pronunciar três doxologias todos os dias: Louvado seja Deus que não me criou pagão! Louvado seja Deus que não me criou mulher! Louvado seja Deus que não me criou pessoa iliterata!”.29 Estes são apenas alguns exemplos de depreciação e preconceito contra a mulher, os quais estendiam-se ainda aos campos ideológico, moral, jurídico, econômico e social, além – como vimos – do religioso. sofrimento na vida humana. O leitor que se interessa pelo assunto deve consultar esta obra de valor fundamental e perspectiva cristã. 29 Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p. 1337 26 A dependência da mulher em relação ao homem é fator importante desse período. Até aos 12 anos de idade, por exemplo, uma menina estava totalmente sob os cuidados e a autoridade do pai. Este poderia decidir seu casamento ou mesmo vender-lhe como escrava. Com o casamento, porém, a moça passava definitivamente do poder do pai para o poder do marido. E poucas diferenças haviam entre uma esposa e uma concubina; apenas o contrato de casamento, que garantiria à esposa uma indenização em caso de separação ou morte do marido. De qualquer forma, a situação em que se encontrava a mulher diante do marido era situação de serva. Ele tinha direito sobre seu trabalho, seus achados ou ainda de anular-lhe os votos30. Sozinha, todavia, uma mulher não poderia nem pensar em permanecer. Mulheres cujos homens lhes vieram a faltar transformavam-se num símbolo de exclusão e abandono, situações que eram atribuídas, muitas vezes, ao próprio Deus, como se procedentes dEle mesmo. Note-se, por exemplo, o caso da viúva de Naim, cujo filho também falecera ainda jovem, deixando-a desamparada e absolutamente inconsolável (cfe. Lucas 7:11-17). Marta e Maria, sem Lázaro, também estariam sozinhas. Esta Maria, irmã de Marta e Lázaro, segundo o próprio evangelista o declara, é a mesma Maria que ungiu com bálsamo o Senhor Jesus e enxugou-lhe os pés com seus cabelos (v. 2). Os quatro evangelistas narram este episódio (Mt 26:6ss; Mc 14:3ss; Lc 7:37ss e Jo 12:1ss), embora as diferenças presentes em cada relato dificultem uma identificação definitiva das personagens envolvidas. Mateus e Marcos concordam que esta unção foi sobre a cabeça de Jesus, enquanto Lucas e João declaram que foi sobre seus pés. Mateus, Marcos e Lucas informam que o episódio se deu na casa de Simão, enquanto João limita-se a afirmar que foi em lugar onde Lázaro estava presente. Apenas Lucas não identifica a mulher como sendo Maria (a expressão utilizada por ele é “pecadora”), ao mesmo tempo em que identifica Simão como sendo um fariseu e descreve uma parábola contada por Jesus. Há quem suponha que duas – ou mesmo três – unções diferentes foram ministradas, o que não soluciona o problema das repetições (como do nome de Simão) e da declaração de Jesus sobre a importância singular e sem precedentes da atitude da mulher (Mt 26:13)31. Parece mais convincente aceitar que um mesmo e único fato está em jogo, e que as diferenças presentes nos textos devem-se às diferenças de perspectiva e objetivo dos próprios evangelistas (o que pode ser comprovado em outras narrativas dos evangelhos). Assim, 30 31 J. JEREMIAS, Op. Cit., pp. 473ss O Novo Dicionário da Bíblia, p. 1006. 27 concluiremos que esta Maria, irmã de Marta e Lázaro, é aquela “pecadora” que, em casa de Simão, ungiu a Jesus com bálsamo precioso enxugando-lhe os pés com os cabelos. Esta interpretação não seria contraditória em relação a apresentação de uma Maria “piedosa” nos outros textos, já que a atitude de gratidão para com Jesus expressa uma transformação profunda na realidade da mulher que o ungiu. A crítica de Simão no relato de Lucas, neste caso, estaria mais ligada à “fama” conhecida de Maria do que à situação presente em que vivia. De qualquer forma, é evidente que Maria – como todos os outros discípulos – considerava-se profundamente devedora a Jesus por alguma forma de libertação e restauração absolutamente profunda. Uma vez que identificamos esta Maria à “pecadora” do relato de Lucas, podemos compreender que tratava-se de uma prostituta ou algo parecido. Esta conclusão leva a outra igualmente importante: Maria, provavelmente, era uma prostituta resgatada e liberta pelo poder do amor de Jesus, razão pela qual lhe é grata e devota. Todavia, como poderia esperar-se de uma prostituta comum, ainda que resgatada, não tinha marido ou quem “olhasse” por ela, senão sua própria família e, como veremos, Jesus. Era uma mulher, como tantas outras, à margem da sociedade de seu tempo. Marta, por sua vez, irmã de Maria e Lázaro, é aquela que Jesus repreendeu por estar preocupada com muitas coisas, quando só uma era importante (Lc 10:38ss). Sua atitude ansiosa e rancorosa em relação a Maria demonstra sua expectativa de que Maria, como sendo uma pessoa “de casa”, ajudasse nos afazeres. Podemos sugerir, portanto, que ambas moravam juntas, dividindo as responsabilidades de um mesmo lar. E esta é mais uma conclusão que supõe outra: Marta e Maria eram mulheres sozinhas. Em termos práticos, não tinham maridos que lhes garantissem a vida que poderiam desejar. É bem mais fácil compreender, agora, a dor e a decepção que a morte de Lázaro, o irmão homem, lhes causou. Mas, como em toda experiência com Deus, a luz sempre brilha no meio das trevas! Embora a dor e o sofrimento da perda e da morte tenham invadido e inundado os corações daquelas mulheres, focos de vida da parte de Deus não demorariam a aparecer. E o primeiro sinal de esperança veio na forma de uma declaração de Marta: ...também sei que, mesmo agora, tudo quanto pedirdes a Deus ele concederá (v. 22). É verdade, todavia, que esta confissão de fé não pode ser compreendida como uma afirmação da possibilidade da ressurreição, já que quando o próprio Jesus faz menção da ressurreição Marta lhe responde como crendo em sua realização no último dia (vv. 24 e 25); mas, de qualquer forma, é esperança. Alguma coisa ainda pode acontecer! 28 Não é tarefa das mais simples demonstrar esperança em tempos de tragédia. Desespero e desilusão são mais comuns e previsíveis. Contudo, a esperança sempre estará presente, mesmo nos momentos mais traumáticos e incompreensíveis, ainda que como desafio e possibilidade. É na tragédia que somos chamados à esperança. E Paulo define muito bem a esperança quando afirma que esperança que se vê não é esperança, pois, o que alguém vê, como o espera? (Rm 8:24). A vida não parece estar presente onde a morte triunfa e reina, mas está. E no final, a vida sempre triunfa sobre a morte, pelo poder da ressurreição. Não vemos nada disso, mas esperamos. E com fé. Como lembra Moltmann: A esperança é a companheira inseparável da fé... a fé é o fundamento sobre o qual descansa a esperança, e a esperança alimenta e sustenta a fé [...] Viver sem esperança é como não viver mais32. No ministério pastoral lida-se muito com a morte. Não porque as pessoas que freqüentam a igreja estejam mais sujeitas à morte do que as outras (de outra forma acho que poucos entrariam em nossos templos!!!), mas porque os pastores costumam ser chamados a todos os enterros e velórios que acontecem. Mesmo que ele não faça a menor idéia de quem seja o “defunto”! De fato, como afirma o Pregador, melhor é ir à casa onde há luto que à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens, e os vivos que o tomem em consideração (Ec 7:2). É na hora da morte que refletimos sobre a finitude da vida e a fragilidade humana. A verdade é que, em velórios e funerais, prego e ouço mais sobre a esperança e a vida eterna do que, muitas vezes, em nossas igrejas. Parece estranho? Nem tanto! Diante da morte a esperança é o desafio mais importante e a melhor possibilidade que temos diante de nós. E com a esperança vem também a dependência de Deus. Esta dependência mostra-se clara quando Marta, ouvindo a notícia da chegada de Jesus, corre ao seu encontro (v. 20). Não é diferente quando Maria, tendo sido avisada pela própria Marta da chegada de Jesus, também sai ao seu encontro e lança-se aos seus pés (v. 32). As atitudes das irmãs demonstram-nos que, mesmo decepcionadas e sem visualizar o que estava prestes a acontecer, ambas percebiam em Jesus uma alternativa última diante da dor, como uma espécie de refúgio seguro. A esperança no socorro de Jesus e, conseqüentemente, a entrega dependente em suas mãos, ofereceriam às irmãs desamparadas a confiança no amparo que vem de Deus, mesmo numa sociedade hostil e marginalizante como aquela em que viviam. 32 J. MOLTMANN, Teologia da Esperança, p. ( ). 29 Crianças ilustram bem o conceito da dependência que Marta e Maria apresentaram. Assustada ou insegura, a criança apega-se ao pai ainda que este não lhe ofereça condições práticas de socorro. Quantas vezes chamamos pelo pai ou pela mãe diante do medo do médico, da escola ou de qualquer outra novidade desconhecida e assustadora!!! Apenas sua presença já significa muito em termos de segurança e tranqüilidade. E é assim em relação a Deus. Sua presença protetora e fiel em nossas vidas nos traz à mente e ao coração a certeza da segurança que somente nEle podemos encontrar. É por isso que Friedrich SCHLEIERMACHER definiu a fé como um profundo sentimento de absoluta dependência de Deus33. Não existe uma esperança que não resulte em dependência. E o melhor: Deus possui todas as condições para nos socorrer! Mas não existe uma dependência que não leve também à experiência da vida e do milagre de Deus, ou seja, à experiência da alegria. Marta e Maria puderam desfrutar do júbilo e do gozo que o poder da vitória sobre a morte garante a todo o que crê. Pela manifestação da vida de Cristo saiu aquele que estivera morto (v. 44), sendo “devolvido” às suas irmãs. A alegria é o resultado da devolução da vida onde a morte parecia ter a última palavra. E a alegria não está disponível apenas quando há solução do problema apresentado ou o fim de todo o sofrimento. A alegria é possibilidade presente mesmo enquanto dor e tragédia ainda perduram, uma vez que nossa esperança e nossa dependência não são depositadas em vão. Deus é fiel. Ele trouxe Lázaro de volta das garras da morte e às suas irmãs concedeu a alegria da possibilidade da vida em sua plenitude. Enfim, ao olharmos para Marta e Maria diante da situação de perda e morte que enfrentaram, concluímos que em nossas próprias adversidades também poderemos passar por momentos de angústia e desespero, os quais darão lugar ao renovar da esperança, da dependência e da alegria, se tão somente permitirmos que Deus atue em nossos corações pela presença de Seu Espírito. Somos humanos, é verdade, o que significa que muitas lutas em nossa caminhada não serão fáceis. Aflições e dores com certeza surgirão em nossa jornada. Mas a tristeza se transforma em alegria quando a vida de Cristo se manifesta em nossa vida, afastando toda ameaça e morte que insistentemente procuram nos cercar. E é exatamente esta perspectiva que trabalharemos a seguir, quando, atentando para a participação do próprio Jesus nesse episódio todo, compreenderemos algumas verdades e alguns princípios sobre como Ele age em nossas vidas e em relação aos nossos problemas, diante de toda ameaça e morte que nos rodeiam. 33 Cfe. citado por P.R.SPONHEIN, O Conhecimento de Deus. In: BRAATEN e JENSON, Dogmática Cristã, volume 1, p. 218 30 Capítulo II Jesus Diante da Ameaça e da Morte: A Centralidade da Vida nas Realizações de Deus Quão bondoso amigo é Cristo! Revelou-nos seu amor e nos manda que levemos a seus pés a nossa dor. Falta ao coração dorido gozo, paz, consolação? É porque não confiamos tudo a Ele, em oração. Cristo é verdadeiro amigo! Disso prova nos mostrou quando, para ver remido ao culpado, se encarnou. Derramou precioso sangue para as manchas nos lavar! Gozo em vida e no futuro já podemos alcançar.34 Até agora nos detivemos nas experiências de Lázaro e suas irmãs para, de alguma forma, compreender a realidade humana diante da dor e do sofrimento que o peso da morte nos impõe. Mas é hora de avançarmos em nossa caminhada e mudarmos de perspectiva. Quanto ao ser humano, já descobrimos que seus sentimentos, emoções e compreensões da tragédia oscilam de acordo com vários fatores diferentes, os quais lhe encorajam ou desanimam na medida em que reage ou sucumbe por causa da adversidade. Devemos, a partir de agora, desviar nossa atenção do ser humano para Jesus, cujas atitudes e reações frente à morte de Lázaro – e ao sofrimento de Marta e Maria – apontam a maneira como o próprio Deus age em relação às nossas dificuldades e tribulações. Como afirma o significado do próprio nome Lázaro, “Deus Socorreu”35 através da atuação maravilhosa de Jesus de Nazaré, o Cristo vivo da Igreja e da História. Antes, porém, de nos concentrarmos no relato da ressurreição de Lázaro, é preciso compreender algo mais sobre a visão do evangelho de João a respeito de Jesus. Como sabemos, este evangelho foi escrito pelo discípulo que se autodenomina “o discípulo a quem Jesus amava” (21:24), o qual reclinara-se sobre o ombro de Jesus para perguntar quem seria o traidor (13:2325)36. Mas, diferentemente do que comumente imaginamos, o período em que o evangelho foi escrito é bastante posterior àquele em que Jesus realizou sua obra e ministério terrenos. Devemos 34 1ª e 3ª estrofes do hino de R. H. Moreton, Bondoso Amigo. In: Salmos e Hinos, p. 126, hino 140. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p. 1340. 36 Embora haja várias controvérsias sobre a autoria do Quarto Evangelho, nada de importante e significativo foi proposto até agora pela crítica mais recente, razão pela qual não vemos necessidade de questionar a já tradicionalmente aceita “autoria joanina”. 35 31 localizá-lo por volta do ano 100 d.C., e um bom indicativo para isso é a ausência quase que total de referências aos fariseus e escribas como principais opositores de Jesus, função que é ocupada, neste evangelho, pelos genericamente denominados “judeus”. Esta substituição remete-nos ao período em que Jerusalém já havia sido tomada e destruída (70 d.C.), e os judeus espalhados pelo mundo greco-romano da época, onde já não havia relevância para uma diferenciação entre grupos internos do judaísmo. É evidente, contudo, que há outros indicativos para tal proposição, como Günter BORNKAMM afirma em seu comentário: O Quarto Evangelho pode ser datado com um bom grau de segurança. Em 1935 um pequeno fragmento de papiro do primeiro terço do Século II foi descoberto no Alto Egito. Contém alguns versículos de João 18, o que prova que o Quarto Evangelho já era conhecido naquela região por este tempo. Por outro lado, a tradição de Jesus que ele contém está em um grau avançado de desenvolvimento. O mesmo é verdade de sua linguagem, teologia e mundo de pensamento. Tudo isto torna certo que o Quarto Evangelho é mais tardio do que os Sinóticos. Por isso, nós o dataríamos aí pelo ano 100 d.C. Provavelmente foi escrito na Síria ou Ásia Menor, mais ou menos na mesma área que os outros escritos do Novo Testamento, inclusive os Evangelhos sinóticos.37 Qual a importância destes dados? Muita, sob vários aspectos, dentre os quais destacaremos dois. Primeiro, de um ponto de vista dogmático, porque no início do segundo século a igreja iniciante já havia tido a oportunidade de desenvolver vários conceitos e doutrinas a respeito do Jesus histórico, sua importância e sua mensagem no contexto da história e da fé. Novas “coleções” de ditos de Jesus já estavam incorporados à tradição e à fé dos primeiros cristãos. Um exemplo é o resultado da comparação entre o Quarto Evangelho e os Evangelhos chamados “Sinóticos”38: enquanto estes ocupam-se, prioritariamente, da narrativa, aquele traz longos trechos discursivos, “carregados” de teologia e ensino, com vistas à fundamentação da fé das comunidades cristãs. A própria doutrina da divindade de Jesus parece mais clara e sólida nos textos de João. 37 G. BORNKAMM, Bíblia – Novo Testamento: introdução aos seus escritos no quadro da história do cristianismo primitivo, p. 124. 38 De uma mesma “ótica”, ou seja, Mateus, Marcos e Lucas. 32 Em segundo lugar, de um ponto de vista apologético, porque torna-se mais fácil entender a razão de certos enfoques e preocupações proeminentes no evangelho. Sabe-se que uma das grandes correntes difundidas neste período foi o “docetismo”, uma doutrina defendida pelos “gnósticos” (os quais relacionavam a redenção e a salvação do homem ao conhecimento – “gnósis”) que negava a realidade histórica da vida de Jesus, afirmando possuir ele apenas aparência de corpo humano. Para o docetismo apenas pareceu que Jesus sofreu na cruz. João – e toda a tradição denominada “joanina” – opõe-se fortemente a este discurso (o qual se fazia presente, inclusive, nas igrejas e comunidades cristãs), afirmando que a encarnação de Jesus é um dos “pilares” de uma fé autêntica e genuína. Qualquer declaração contrária deve ser identificada ao anticristo (2 Jo 7,8). Divindade e humanidade! Estes são dois temas centrais do prólogo do evangelho de João, isto é, seu primeiro capítulo. Nele João afirma que a palavra se fez carne e habitou entre nós; e vimos sua glória, glória como do unigênito do Pai (1:14). Jesus é o lógos (“palavra”) encarnado, a manifestação concreta, visível e palpável daquela palavra criadora pela qual todo o universo veio a existir. Mais que isso: Jesus é o próprio Deus encarnado, o Criador em forma e semelhança de criatura. Em suas palavras, ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus unigênito, que está junto ao Pai, o tornou conhecido (1:18). Como também podemos notar nas palavras de Jesus a Felipe, Deus mesmo estava presente entre os homens: ...quem me vê, vê o pai (14:9b). Enfim, no princípio era a palavra, e a palavra estava com Deus, e a palavra era Deus (1:1). Esta concepção dogmática da divindade de Jesus, aliada ao esforço apologético de demonstrá-la, contra toda argumentação “gnóstica” do contexto, faz do Evangelho de João uma iniciativa cujo objetivo é apresentar, em cada atitude e ensino de Jesus, a manifestação concreta e evidente do próprio Deus na direção do ser humano. Em melhores palavras, o Evangelho de João quer que vejamos em Jesus de Nazaré a pessoa do próprio Deus Criador, o qual interessa-se por Suas criaturas e visita-as com o desejo de salvá-las. Portanto, devemos entender a reação de Jesus frente a toda ameaça e morte no contexto de Lázaro como a reação de Deus mesmo contra toda ameaça e morte no contexto de cada ser humano. Como ressalta Bruce, conhecer o Filho significa conhecer o Pai; ver o Filho significa ver nele o Deus de outra forma invisível.39 A teologia da encarnação é, sem dúvida, uma das que mais me entusiasmam e impressionam. Lembro-me que, certa vez, ao tentar “evangelizar” um estudante de Biologia, 33 ouvi-o declarar que cria em Deus, mas que não sabia ao certo se no mesmo Deus que a Bíblia apresenta. Minha resposta foi imediata: Creio no Deus da Bíblia porque posso conhecê-lo na pessoa de Jesus, o nazareno. Que Deus existe, poucos o negam; o problema, de fato, está em nossa incapacidade de alcançá-lo e reconhecê-lo como Deus. Explico: Se nós, seres humanos, através de nossas capacidades perceptivas e cognitivas, que são limitadas, pudéssemos entender a Deus e comprovar sua existência, conhecendo ainda Seu caráter e Sua vontade, faríamos desse “Deus” alguém – ou algo – tão pequeno que nem mesmo poderíamos chamá-lo Deus. Por outro lado, se aceitamos nossa incapacidade e impossibilidade, reconhecendo que na pessoa de Jesus o próprio Deus superou todas as barreiras, revelando-se à humanidade da única maneira que esta poderia compreendê-lo, ou seja, em forma e linguagem humanas, chegamos ao conhecimento de um Deus não somente soberano e poderoso – já que a encarnação não invalida estas verdades, só as confirma – mas também amoroso e interessado. Assim compreendo também o Evangelho de João. Nele, o Deus invisível tornou-se visível e absolutamente participativo na vida do ser humano, apresentando-se e solidarizando-se com ele em seus sofrimentos. O objetivo deste capítulo, portanto, é reconhecer e afirmar, mediante observação atenta à participação de Jesus na morte e ressurreição de Lázaro, o interesse, os objetivos e a soberania de Deus em relação à vida humana. Cremos que, apesar da distância temporal, espacial e cultural que nos separam dessa experiência, estamos ligados a ela em nossa comum expectativa de uma intervenção miraculosa e vivificante de Deus em nossas vidas e história, contra toda ameaça e morte que nos cercam e nos assustam. Que, a partir dessas linhas, sejamos fortalecidos em nossa fé no Filho de Deus. E que o nosso amor por Ele seja mais e mais alimentado. A Presença de Jesus: O Interesse de Deus pela Vida Jesus, finalmente, chegou a Betânia (v. 17a). Como já vimos, apesar da pouca distância que deveria atravessar para o encontro com a família de Lázaro, já era o quarto dia após a morte e o sepultamento deste. Lázaro não só havia piorado – e muito – em sua enfermidade, mas também já havia falecido. Quando Jesus recebeu o recado dos mensageiros, Lázaro estava doente (vv. 3 e 4). Quando chegou para vê-lo, já estava enterrado há quatro dias (v. 17b). E o 39 F.F.BRUCE, Op. Cit., p. 257 34 pior – ao menos de uma perspectiva humana: Jesus disse, ao ouvir o anúncio dos mensageiros, que aquela enfermidade não acabaria em morte (v.4). Acabou em morte e mais: Ele nem sequer apareceu. Uma palavra, com certeza, viria à mente de qualquer um de nós naquele momento: desinteresse. Tanto tempo para atender ao chamado de duas irmãs desesperadas e ajudar o amigo doente? Desinteresse total! Imaginemos a situação de Jesus. Lázaro e suas irmãs consideravam-se seus amigos. O recado que enviaram-lhe dizia: está enfermo aquele a quem AMAS (v.3). Mas o mestre e amigo não apareceu. Toda a confiança estava depositada nEle, e Ele nem mesmo apareceu. O fato de ambas as irmãs de Lázaro repetirem a mesma expressão quando do encontro com Jesus, demonstra que esperavam por uma intervenção milagrosa e cura, repetindo aquelas palavras antes e depois da morte do irmão. Mas Jesus nem sequer apareceu. Teria esquecido? Teria compromissos mais importantes? Teria achado desnecessário atender àquele chamado? Qualquer resposta apontaria na mesma direção: Faltou amor em Jesus por Lázaro e suas irmãs. Mas, evidentemente, esta conclusão não é verdadeira. Mesmo que, aparentemente, Jesus não demonstre nenhuma preocupação imediata com a notícia da enfermidade de Lázaro, João faz questão de ressaltar que Ele amava não só a Lázaro, mas também a Marta e a Maria (v. 5). E sabemos que o evangelho foi escrito muito tempo depois do ocorrido, o que indica a intensidade e a continuidade desse amor na perspectiva do próprio evangelista. João, como bom narrador que é, coloca esta expressão logo no início da trama relatada, como que alertando-nos a compreender tudo o que virá pela frente a partir desse pressuposto: Jesus amava Marta, a irmã dela e Lázaro. A força do amor de Jesus é a razão pela qual ele age como, de fato, agiu naquele momento. Por todo o evangelho este amor aparece na base das ações de Jesus. Em suas palavras, ninguém tem maior amor do que este: dar a sua própria vida em benefício de seus amigos (15:13). O sacrifício de Jesus na cruz é a grande demonstração de seu amor pela humanidade, uma vez que Ele entregou-se voluntariamente em seu lugar. Como Ele mesmo nos lembra: por isso o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou... (10:17-18a). O sacrifício de Jesus na cruz é a grande demonstração do amor de Deus por toda a humanidade. Em Jesus, o homem de Nazaré, Deus mesmo entregava-se ao ser humano em amor e graça, como nos ensinou o próprio Senhor: Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito... (3:16) – e não podemos esquecer que para o evangelho de João já está claro que Jesus é Deus encarnado! Não é por acaso que a tradição joanina acabou por difundir a 35 mensagem do amor como essência e natureza de Deus; afinal, Deus é amor... (1 Jo 4:8). John STOTT, um dos mais importantes escritores contemporâneos, afirma sobre o amor de Deus revelado em Cristo: Deus podia, com justiça, ter-nos abandonado ao nosso próprio destino. Ele podia ter-nos deixado sozinhos para colhermos o fruto de nossos erros e perecermos em nossos pecados. É isso o que merecíamos. Mas ele não nos abandonou. Por causa do seu amor por nós, ele veio procurar-nos em Cristo. Ele nos foi ao encalço até mesmo na desolada angústia da cruz, onde levou o nosso pecado, a nossa culpa, o nosso juízo e a nossa morte. É preciso que o coração seja duro e de pedra para não se comover face a um amor como esse. É mais do que amor. Seu nome correto é “graça”, que é o amor aos que não o merecem.40 Esta é a primeira importante realidade implícita na presença de Jesus em Betânia: amor. O interesse de Deus pela vida humana também possui esta mesma base: amor. É porque Deus nos ama profunda e maravilhosamente que também se interessa por nossas vidas e preocupações. Nenhuma atitude ou intervenção divinas, por mais dolorosas ou descabidas que nos pareçam, fogem à regra estabelecida em Seu grande amor para com todos nós. Foi Ele quem nos criou. Seu sopro nos dá vida. Sua bondade garante que o sol nasça sobre nós todos os dias, e que a chuva caia sobre nossa terra sedenta. Enfim, Deus nos ama. Há, certamente, milhões de motivos para que não nos amasse (e não vou listar sequer um porque todos nós os conhecemos muito bem!), mas Ele nos ama. Louvores e adoração, portanto, a Deus por meio de Jesus nosso Senhor. Mas uma segunda e igualmente importante realidade indicada pela presença de Jesus em Betânia é a compaixão. João menciona-a por duas vezes em seu relato, de duas maneiras diferentes. Primeiro, afirmando que Jesus agitou-se no espírito e comoveu-se ao ver Marta e Maria chorando, bem como os judeus que com elas estavam (v. 33). Em seguida, extraordinária e surpreendentemente, João afirma que Jesus chorou (v. 35) ao ver onde Lázaro estava sepultado. É uma das poucas menções ao fato de Jesus ter chorado em todos os evangelhos. Outras duas aparecem no evangelho de Lucas. 40 J.STOTT, A Cruz de Cristo, p. 73. 36 O médico e discípulo cristão menciona, pela primeira vez, que Jesus chorou quando de sua aproximação de Jerusalém: Quando ia chegando, vendo a cidade, chorou...” (19:41). Também foi um choro de compaixão. O comentarista L. L. MORRIS afirma que o termo “chorou” pode ser também traduzido por “pranteou”, uma vez que Jesus irrompeu em prantos lamentando a oportunidade de salvação que Jerusalém desperdiçava41: Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos (19:42). A rebeldia da chamada “cidade santa” sensibilizou o coração do Mestre, que antevia sua terrível destruição: Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te apertarão o cerco; e te arrasarão e aos teus filhos dentro de ti...” (19:43 e 44a). Seu choro demonstrava sua participação no sofrimento daquele povo, que não reconheceu a oportunidade da sua visitação (v. 44b). A segunda menção ao choro de Jesus em Lucas ocorre no relato dos acontecimentos no Getsêmani. É verdade, todavia, que o texto não utiliza o termo “chorou”; mas subentende-o, na medida em que descreve um momento de agonia profunda de Jesus, quando seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra (22:44). Não existe tal agonia sem que as lágrimas rolem dos olhos e desçam por uma face contraída. Jesus chorava, e o fazia intensamente. Seu choro não revelava compaixão mas angústia, receio, desejo de ser poupado: Pai, se queres, passa de mim este cálice (22:42). A paixão, esta sim, aproximava-se. Uma paixão que já se apresentava como resultado de uma enorme e incompreensível compaixão. E sua dor era tão grande que um anjo veio do céu especialmente para conforta-lo (22:43). Trazia consigo a comunicação mais profunda e verdadeira da compaixão do próprio Deus. Compaixão pode ser interpretada como participação no sofrimento de outros. É exatamente isso que João pretendia demonstrar: o sofrimento das irmãs de Lázaro e dos judeus era também o sofrimento de Jesus. Ele não chorou por causa da morte do amigo; afinal, sabia que iria ressuscitá-lo (vv. 11 e 23). Também não chorou por imaginar que, em algumas semanas, seria o próximo a enfrentar o desafio da morte. De outra forma, qual seria a razão da comoção e do agitar-se em espírito ao ver que as pessoas choravam (v. 33)? Parece-me claro, contudo, que Jesus chorou por sentir a dor que os outros sentiam, por ver a tristeza e o desespero que o peso da morte produzia – e ainda produz – nos corações daquelas pessoas a quem Ele tanto amava. Jesus chorou porque se compadeceu. A compaixão é o resultado mais direto do amor de Deus. Porque Ele nos ama também de nós se compadece. A encarnação é prova disso. Diferentemente dos deuses gregos, 41 L.L.MORRIS, Lucas – Introdução e Comentário, p. 263. 37 confinados em seu panteão e alheios aos sofrimentos dos homens – quando não seus causadores diretos, o Deus de Jesus Cristo não se mostra indiferente. Ao encarnar-se, ele decide participar das angústias e das dores humanas ao ponto de enfrentar o mais terrível dos inimigos: a morte. E tudo isso não sem passar pela tortura e pelo escárnio dos homens. E para quê? Para pagar o preço de seu pecado e aliviar seu sofrimento. Em Jesus o próprio Deus levou a nossa dor. Como Karl Barth, referindo-se à compaixão de Jesus, afirma: O sofrimento do povo não só o tocava, mas penetrava seu coração, nele próprio, a ponto de ser então sofrimento todo seu, passando a ser muito mais intensamente sofrimento seu do que do povo: ele até lho tirava e tomava sobre si, sofria em seu lugar. Toda aflição do povo que ainda restasse e ainda pudesse manifestar-se, agora era apenas um eco, a rigor até já superada, supérflua. Jesus a transformara em sua causa própria.42 Amor e compaixão: duas realidades presentes no interesse de Deus pelo ser humano e nas ações de Jesus diante da morte de Lázaro. Seu amor faz com que atente para a nossa dor e ouça-nos quando clamamos por socorro. Sua compaixão faz com que tome nossa dor e socorranos em nossas dificuldades. É por causa do amor e da compaixão que o salmista pode declarar: Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam (23:4). Presença amorosa e compassiva. Interesse pela vida. Assim é Jesus! Assim é o nosso Deus! A Didática de Jesus: Os Objetivos de Deus para a Vida Era já o quarto dia após a morte de Lázaro (v. 17b). Pode parecer insistência, mas este dado é realmente importante para a nossa reflexão. Primeiro, como já argumentamos exaustivamente, por causa das implicações que essa demora – demasiadamente prolongada – foi capaz de acarretar (abordamos o problema da decepção das irmãs de Lázaro bem como o aparente desinteresse da parte de Jesus por seus problemas). Por outro lado, a demora de Jesus em atender o chamado de Marta e Maria aponta para um fator ainda mais significativo: a didática de Jesus, ou seja, a estratégia que ele utilizou para alcançar seus objetivos, todos implícitos na decisão voluntária – pois, ao que tudo indica, 42 K. BARTH, Jesus e o Povo, In: W. ALTMANN, Op. Cit., p. 319. 38 não havia razões circunstanciais que exigissem tal posicionamento – de permanecer onde estava por mais dois dias (v. 6). A eficiência da didática é fator determinante em todo e qualquer processo de ensino. Por esta razão, J. A. COMENIUS, em sua obra Didática Magna, definiu o termo “didática” como a “arte de ensinar”43. Em outras palavras, o sucesso na construção do conhecimento ou do aprendizado em qualquer área da vida e dos relacionamentos humanos dependerá em grande medida da forma e do método pelos quais os conteúdos são apresentados. É assim na educação de um filho, na relação entre professor e aluno, na igreja e, ainda, na própria maneira como Deus trata conosco. A didática facilita o acesso à mensagem que está sendo transmitida. É possível que alguém tenha uma ótima mensagem e ainda assim não seja compreendido, pois não possui uma didática eficiente. A questão didática sempre foi fundamental no ministério de Jesus. Em cada um de seus gestos, palavras ou iniciativas há um objetivo maior, mais profundo, implícito e, ao mesmo tempo, evidente. É assim, por exemplo, quando ele mesmo afirma que sua gratidão face à prontidão do Pai em ouvir sua oração é declarada não por sua própria causa, mas por causa dos que ali estão presentes e o ouvem, para que creiam que o Pai o enviou (vv. 41 e 42). Jesus não transmitiu sua mensagem apenas através de palavras. Ele as ilustrou maravilhosamente em cada milagre, atitude e relacionamento. E no episódio envolvendo a enfermidade e morte de Lázaro, Ele o fez de várias maneiras diferentes, sem que perdesse de vista seus mais importantes objetivos. Deixe-me explicar um pouco mais. Conquanto já saibamos de antemão que Jesus ressuscitaria Lázaro, o modo pelo qual Ele o fez demonstra-nos que outros objetivos além deste estavam em sua mente. Em primeiro lugar, porque Jesus poderia curar Lázaro de qualquer lugar em que estivesse e em qualquer tempo, evitando que este viesse a falecer. Em segundo lugar, porque nem mesmo doente Lázaro ficaria, se Deus em Seu poder decidisse que assim seria. Contudo, uma vez que Deus permite a enfermidade mortal de Lázaro e que Jesus realiza todo o percurso relatado para, enfim, operar sua ressurreição no quarto dia, podemos concluir que algo mais está em jogo. E três objetivos para tudo isso parecem claros, como veremos numa análise mais profunda do texto: glorificar a Deus, alimentar a fé dos discípulos e produzir fé nos descrentes. Que glorificar a Deus é um primeiro objetivo já o percebemos nas próprias palavras de Jesus: Esta enfermidade não é para a morte, e sim para a glória de Deus, a fim de que o filho 39 seja por ela glorificado (v. 4). Sobre isso F. F. Bruce comenta que a glória de Deus seria manifesta na ressurreição de Lázaro, de modo que a doença por um lado resultou em morte temporária, por outro causou mais impressão, trazendo ressurreição e vida44. Se concordarmos, portanto, com a afirmação de J. H. LEITH, de que a glória de Deus e seus propósitos no mundo são mais importantes do que a salvação da alma de alguém45, concluiremos que mais importante do que a cura da enfermidade de Lázaro era a revelação da glória de Deus naquela situação em que o próprio Jesus lhe permitiu chegar: a morte. A glorificação de Deus é tema importante em todo o evangelho de João. O termo “glória” (uma tradução do termo grego doxa) aparece neste evangelho em dezoito ocasiões, sendo reforçado pelo uso do termo “glorificar” (doxazó) que aparece em outras vinte e três46. Seu significado teológico parece apontar em duas direções, as quais se completam mutuamente. Primeiro, a glória de Deus se revela nos resultados da manifestação do Seu poder em cada uma de suas intervenções históricas. É assim no comentário que João faz a respeito do primeiro sinal de Jesus, quando da transformação da água em vinho na festa em Caná da Galiléia (2:11), bem como na própria ressurreição de Lázaro. Por outro lado, a glória de Deus, em última e principal instância, também está ligada à pessoa de Jesus e sua obra na cruz do calvário. É o que afirma o prólogo do evangelho, que reconhece em Jesus a glória do Pai (1:14). Também é assim quando Jesus revela a necessidade de Sua morte, na ocasião em que os gregos pedem para vê-lo (12:20-36). Por fim, é assim quando, na “oração sacerdotal”, Ele consagra-se ao Pai para que a glória deste seja manifesta (17:5). Jesus é a glória de Deus revelada. Concluímos, portanto, que o principal objetivo de Deus para a vida humana é, de fato, Sua própria glória. Foi este o grande objetivo em cada uma de suas intervenções na história – como é o caso na ressurreição de Lázaro – e também na morte e ressurreição de Seu único filho: Jesus. Esta conclusão nos leva a outra igualmente importante: a forma e o modo pelos quais Deus atua em nossas vidas, isto é, Sua estratégia e Sua didática, visam, em grande parte, a manifestação evidente e inegável da Sua própria glória. Este é o objetivo da vida humana, revelado, por exemplo, nas palavras de Paulo aos Efésios, quando afirma que em Jesus fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho de sua vontade, a fim de sermos para o louvor da sua glória (1:11-12). Cada luta e cada adversidade devem ser, então, um meio 43 Cfe. citação em J. P. MARTINS, Didática Geral: Fundamentos, Planejamento, Metodologia, Avaliação, p. 57 F.F.BRUCE, Op. Cit., p. 207 45 J. H. LEITH, A Tradição Reformada, p. 111. 46 Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p. 900. 44 40 pelo qual Deus revele a Si mesmo na realidade concreta de nossa existência humana. E nós, seres humanos, o glorificaremos hoje e sempre. Toda glória ao Senhor! Um segundo objetivo presente na didática de Jesus é Seu desejo de “alimentar” a fé dos discípulos. Também este parece óbvio na afirmação: Lázaro morreu, e por vossa causa me alegro de que lá não estivesse, para que possais crer; mas vamos ter com ele (vv. 14 e 15). É importante salientar que em todo o evangelho de João – não apenas no relato da ressurreição de Lázaro – os sinais e os ensinos de Jesus têm como objetivo a fé dos discípulos. Com a transformação da água em vinho os discípulos crêem (2:11). Com a Sua ressurreição e aparição eles crêem (2:22). A partir dos Seus ensinamentos eles crêem (17:8). E em muitas outras ocasiões se declara que os que estão com Ele crêem (4:41; 7:31; 8:30; 10:42). Mas não é tudo. Ao contrário do que parece, os discípulos sempre apresentam no evangelho de João uma enorme dificuldade para crer (até por isso tantos sinais são necessários). Esta dificuldade apresenta-se já em nosso texto, quando Tomé, chamado Dídimo, diante da revelação da morte de Lázaro (v. 14), sugere aos condiscípulos que todos morrerão também (v. 16). De fato, Tomé figura no quarto evangelho como um autêntico representante da incredulidade de todos os discípulos. Depois da ressurreição de Jesus, por exemplo, Tomé declara que só crerá nesta notícia se puder ver e tocar as marcas da crucificação (20:24-25). É para Tomé que Jesus dirige as palavras: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram! (20:29). E que Tomé não está sozinho em sua dificuldade também podemos notar na reação dos discípulos diante da decisão de Jesus em voltar para a Judéia: Mestre, ainda há pouco os judeus tentaram apedrejar-te e voltas para lá? (v.8). Em outras palavras, voltar à Judéia, na perspectiva dos discípulos, parecia uma enorme “loucura”. Eles procuravam remover de Jesus esta idéia. A resposta de Jesus, porém, é enigmática e aponta para a proximidade daquele momento em que, temporariamente, as trevas tomarão o lugar da luz, e o filho de Deus será entregue pelos pecados de todo o mundo: Não são doze as horas do dia? Quem anda de dia não tropeça, pois vê a luz deste mundo. Quando anda de noite, tropeça, pois nele não há luz. Em relação a estas palavras o comentário de Bruce parece-me importante e esclarecedor: Aqui, as palavras têm um sentido superficial óbvio: as pessoas que andam durante o dia não tropeçam em obstáculos porque a luz do sol lhes mostra onde estão andando; as pessoas que saem à noite estão sujeitas a tropeçar porque não podem ver os obstáculos que talvez haja 41 em seu caminho. Há, porém, um sentido mais profundo, relacionado com a verdadeira luz do mundo e não com a luz deste mundo: não há luz naquele que fecha seus olhos à luz verdadeira. A luz do sol brilha no céu; a luz verdadeira brilha dentro da pessoa... No presente contexto, Jesus precisa andar no caminho da vontade do Pai enquanto está vivo; pode ser a última hora com a luz do dia, mas assim mesmo não há razão para se ficar repousando.47 Na verdade, Jesus sabia que seria absolutamente trágica para os discípulos Sua morte na cruz do calvário. Ele previu a negação de Pedro (18:15ss) e anunciou que todos o abandonariam (16:32). Por estas razões, era preciso que Ele deixasse com os discípulos palavras e ações às quais eles pudessem se apegar na hora da dificuldade. E, realmente, foi assim: depois da ressurreição, muitos lembraram-se do que Ele havia dito e creram nEle (2:22). Novamente percebemos a didática de Jesus: os sinais que Ele realizou e os ensinos que transmitiu sempre levaram em conta a necessidade de fortalecer a fé dos discípulos para que, no momento da crise definitiva, eles não se desviassem completamente. É assim que Ele continua agindo com todos nós. Mas há um terceiro objetivo presente na intenção de Jesus – além, é claro, daquele que consistia propriamente na ressurreição de Lázaro. Jesus desejava produzir fé nos descrentes. E também este objetivo mostra-se evidente quando, no texto, João afirma que muitos dos judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que Jesus fizera, creram nEle (v. 45). Por sinal, isso se repete por todo o evangelho: Estando ele em Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome (2:23); Muitos samaritanos daquela cidade creram nele, em virtude do testemunho da mulher, que anunciara: Ele me disse tudo quanto tenho feito (4:39); Muitos outros creram nele, por causa da sua palavra (4:41); E, contudo, muitos de entre a multidão creram nele e diziam: Quando vier o Cristo, fará, porventura, maiores sinais do que este homem tem feito? (7:31); Ditas estas coisas, muitos creram nele (8:30); E muitos ali creram nele (10:42); Contudo, muitos dentre as próprias autoridades creram nele, mas, por causa dos fariseus, não o confessavam, para não serem expulsos da sinagoga (12:42). 47 F.F.BRUCE, Op. Cit., pp. 208s. 42 A preocupação de Jesus não estava relacionada apenas aos seus discípulos, mas a todas as pessoas. É verdade, porém, que nem todos creram; alguns, pelo contrário, foram contar aos fariseus o que Jesus tinha feito (v. 46). Mas Jesus continua interessado em toda a humanidade. Seu objetivo é gerar fé no coração dos homens e mulheres de todos os tempos. Como Ele mesmo afirmou: Deus amou ao MUNDO de tal maneira que deu Seu filho unigênito, para que todo aquele que nEle CRER não pereça, mas tenha a vida eterna (3:16). Ainda hoje, em cada luta e adversidade que o povo de Deus enfrenta, há um mesmo objetivo no coração de Deus: promover a fé, pelo testemunho vivo de Seu povo, naqueles que ainda não tiveram a oportunidade de crer. A fé é um dos objetivos de Deus para a vida – tanto dos discípulos quanto dos que ainda não aceitaram o desafio do discipulado. O autor da epístola aos Hebreus afirma que sem fé é impossível agradar a Deus, pois é necessário que aqueles que se aproximam de Deus creiam que ele existe e que se torna galardoador daqueles que o buscam (11:6). Em outras palavras, somente a fé permite que alguém possa experimentar a plenitude de vida que emana do relacionamento com Deus. Como afirmou Barth, defendendo que a fé é o meio pelo qual nos tornamos praticantes da palavra, do evangelho e da lei, a fé pode ser isto (isto é, quando cremos) o sentido último da nossa decisão; neste sentido então, tanto faz qual o teor da fé, ela é agradável a Deus, é decisão em favor do mandamento, é cumprir os mandamentos. Pois na fé (isto é, quando cremos) reconhecemos que nossa decisão está colocada na decisão de Deus...48 Da mesma forma que oraram os discípulos de Jesus devemos orar hoje também nós: Senhor, aumenta-nos a fé (cfe. Lc 17:5). O Imperativo de Jesus: A Soberania de Deus sobre a Vida Jesus estava presente e sua demora, ao menos para nós, está justificada. Todavia, a grande expectativa agora é quanto ao que poderia fazer diante da tragédia consumada. Marta e Maria são claras ao afirmar que se o Mestre ali estivesse seu irmão não teria morrido (vv. 21 e 32). Mas Lázaro já estava morto. E há quatro dias! Mais uma vez esta informação ganha força e relevância no contexto de nossa reflexão. 48 K. BARTH, Cumprir os Mandamentos, In: W. ALTMANN, Op. Cit., p. 121. 43 Uma crença corrente entre judeus de um período posterior sustentava que, depois da morte de uma pessoa, a alma do falecido visitava o túmulo durante os três primeiros dias, procurando ocasião para retornar. Após o terceiro dia, porém, ela o deixava definitivamente, tornando a morte irreversível49. O que poderia fazer Jesus diante desta situação? Não é a primeira vez que a impossibilidade “cruza” o caminho de Jesus no evangelho de João. Antes, numa festa de casamento, Ele já havia transformado água em vinho – milagre com o qual deu início ao Seu ministério na Galiléia (2:1-12). Também curara o filho de um oficial do rei, que estava doente em Cafarnaum, apenas com a declaração de Sua palavra (4:4354). Em seguida Ele curou um paralítico que vivia nesta situação há trinta e oito anos, novamente pelo poder de Sua palavra (5:1-9). Mais tarde Ele multiplicou cinco pães e dois peixes, de forma que alimentaram-se quase cinco mil homens (6:1-15), e ainda foi ao encontro de seus discípulos caminhando sobre as águas (6:16-21). Finalmente, Ele realizou a cura de um cego de nascença, antes do desafio decisivo frente à morte de Lázaro (9:1-7). Com estes sinais Jesus demonstrou que nada lhe era impossível. É nisso que Marta e Maria deveriam crer, e é nisso mesmo que João quer que sua comunidade também creia. Em nossas vidas também não são raras as vezes em que nos encontramos frente a frente com a impossibilidade. Há momentos em que as lutas são tão grandes que a vitória sobre elas parece impossível. Mas são nesses momentos mesmo que precisamos crer na possibilidade de Deus. Afinal, quantos exemplos desta verdade já não conhecemos? É sobre a possibilidade de Deus frente a qualquer desafio que a ressurreição de Lázaro trata. Como último sinal antes da paixão, Jesus demonstra definitivamente a soberania de Deus sobre a morte, como já havia demonstrado-a diante de todos os outros desafios. Como Bruce também afirma, a ressurreição de Lázaro é o clímax da série de “sinais” que caracterizam o relato joanino sobre o ministério público de Jesus, servindo de manifestação da glória divina que reside no verbo encarnado50. É a essa glória que denominamos soberania. E duas realidades a respeito desta soberania evidenciam-se nas ações de Jesus: a autoridade de Deus e o Seu grande poder. O termo “autoridade” é uma tradução da palavra grega exousia, que significa basicamente “direito, liberdade de escolha, poder para governar”. É utilizado no evangelho de 49 F.F.BRUCE, Op. Cit., p. 209s. Bruce atribui esta crença a rabinos de um período posterior, mas reconhece ser possível que uma crença como esta esteja implícita na segunda referência aos quatro dias de sepultamento de Lázaro (v. 39). 50 IDEM, Ibidem, p. 215 44 João em sete ocasiões diferentes: em relação aos crentes, os quais receberam exousia (autoridade) para serem feitos filhos de Deus mediante a fé em Jesus (1:12); em relação a Jesus, que recebeu do Pai exousia (autoridade) para julgar (5:27), para dar a sua própria vida e reavêla (10:18), e para conceder a vida eterna (17:2); e em relação a Pilatos, que ameaçando Jesus baseado em sua exousia (autoridade) humana, ouve de Seus lábios que esta lhe foi dada de cima, caso contrário não teria nenhuma (19:10-11). Portanto, toda a autoridade está ligada a Jesus, o Filho de Deus. Em outras palavras: No Evangelho segundo João, a autoridade plenipotenciária se baseia no fato que Ele é o Filho e de que Ele foi enviado (cf. e. g. Jo 17:2); além disto, recebeu a autoridade de Juiz no fim dos tempos (Jo 5:27). Nos escritos de João, porém, como ocorre nos Sinóticos, Jesus procura mais salvar os homens do que julgá-los. Seu poder não é dominação à força, mas, sim, total liberdade para ser um servo para o mundo. Tem exousia para dar a Sua vida, e para retomá-la (Jo 10:18). O sacrifício de Jesus abre o caminho para os crentes até o Pai (Jo 3:16; 14:6). Aqueles que O recebem e crêem no Seu nome recebem exousia para se tornarem filhos de Deus (Jo 1:12). Esta representação da autoridade de Jesus no Quarto Evangelho antecipa a ressurreição.51 Embora o termo “autoridade” não apareça no relato da ressurreição de Lázaro, seu sentido está presente em duas situações extremamente significativas: primeiro, na ordem de Jesus expressa no imperativo “tirai a pedra” (v. 39). Depois, no grito vivificante expresso no imperativo “Lázaro, vem para fora! (v. 43). No primeiro, sua autoridade de “Mestre” está colocada, uma vez que seus discípulos crêem nEle e executam seu mandato. Como Ele mesmo lembra à Marta: Não disse que se creres verás a glória de Deus? Tiraram, então, a pedra. (vv. 40 e 41a). No segundo, sua autoridade de Filho de Deus, Palavra Encarnada, é manifesta pela ressurreição de Lázaro dentre os mortos. Em sua oração Jesus demonstra total confiança no sucesso de Sua missão, quando declara: Pai, graças te dou porque me ouviste; aliás, eu sabia que sempre me ouves... (vv. 41b e 42a). Não havia dúvidas em Seu coração sobre o que aconteceria naquele momento. E como, certa vez, afirmou um famoso televangelista, se Jesus não tivesse chamado pelo nome de Lázaro todos os mortos sairiam de seus túmulos. Parece loucura?! 51 Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p. 1700. 45 Aliado à autoridade de Jesus está Seu poder. E uma vez que a autoridade procede do Pai, não é diferente com o poder. Este termo, “poder”, é uma tradução do termo grego dynamis, que significa, entre outras coisas, “força, energia, capacidade”. Contudo, dynamis não aparece uma única vez no Quarto Evangelho, embora seu sentido esteja presente na realização dos sinais de Jesus no decorrer de Seu ministério. Cada milagre de Jesus é uma manifestação evidente do poder que o Pai exerce através do Filho. Em melhores palavras: No Evangelho segundo João, a palavra dynamis não ocorre, porque aqui, a atividade messiânica de Jesus se baseia no envio do Filho, e na união da vontade do Pai bem como do Filho. O Filho nada pode fazer sem o Pai (5:19, 30, dynatai); Seus milagres são sinais que revelam o poder divino de Jesus (ver 3:2; 9:16; 10:21 – sempre dynatai). Inversamente, a incapacidade dos homens de crerem em Jesus e de entrarem na esfera da realidade se deve ao aprisionamento deles no mundo das trevas (3:3; 8:43; 14:17, ou dynatai). Somente a eleição (6:44) e o novo nascimento (3:5) garantem a sua libertação.52 Na ressurreição de Lázaro o poder de Jesus também se demonstra a partir da resposta positiva ao chamado vivificante. Como afirma o evangelista, saiu aquele que estivera morto, tendo os pés e as mãos ligados pelas ataduras e o rosto envolto num lenço (v.44). O poder de Deus manifestou-se, então, na vida de Lázaro através da palavra e da obra de Jesus, para a glória de Deus e fé dos presentes. A morte já não tem a última palavra. O poder do Filho é superior ao poder da morte. Como o Pai atendeu o clamor do Filho e lhe conferiu autoridade e poder para ressuscitar mortos, está também aberto o caminho para a vitória final sobre a morte, quando o próprio Filho, valendo-se de Sua autoridade para voluntariamente entregar Sua vida, também triunfará pelo poder de Deus e da ressurreição dentre os mortos. O poder e a autoridade de Jesus são, portanto, um desafio de fé e confiança a todos nós que, hoje, enfrentamos a morte e suas ameaças diariamente, na certeza de que Deus também nos dará a vitória e, enfim, o privilégio da ressurreição. 52 Ibidem, p. 1694. 46 Capítulo III Ameaça e Morte no Caminho de Jesus: A Ressurreição como Afirmação da Vida Era, pois, bem razoável que o Verbo assumisse nossa condenação à morte. Sendo superior a todas as coisas, ofereceu seu próprio templo, seu instrumento corporal, e se tornou vida substitutiva de todos nós. Associando-se com a humanidade, cuja realidade tomou sobre si, o incorruptível Filho de Deus nos revestiu com sua incorrupção e nos garantiu a ressurreição. [...] Por esta razão ele nasceu, manifestou-se como homem, morreu e ressuscitou... para que possa convocar os homens dos lugares para onde quer que tenham sido atraídos, revelando-lhes o seu verdadeiro Pai...53 Lázaro vive (v. 44). A ameaça e a morte foram superadas. As sombras da morte deram lugar aos focos de vida que foram surgindo e fortalecendo-se nos corações dos que sofreram a dor da perda e da separação. A ressurreição aconteceu. A glória do Deus eterno foi manifesta e a fé dos discípulos foi alimentada, como também nasceu nos corações dos que não criam. Chegou ao fim a trajetória de uma família em sua luta contra a morte; começa a saga do Filho eterno contra a morte e suas ameaças, numa luta pela vida não mais de uma única pessoa, mas de todas as pessoas, e em todas as gerações. Como profetizou Caifás, sumo sacerdote, convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação (v. 50). No comentário do evangelista, ele não disse isto de si mesmo, mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus estava para morrer pela nação e não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos (vv. 51 e 52). João atribuiu este início de processo que levaria Jesus ao calvário à trama elaborada pelos judeus a partir da ressurreição de Lázaro. Conquanto alguns tenham visto neste último sinal da série joanina de sinais um motivo para crer, outros viram nele uma razão para denunciar Jesus aos fariseus e principais sacerdotes. Nas palavras do próprio evangelista: Muitos, pois, dentre os judeus... creram nele. Outros, porém, foram ter com os fariseus e lhes contaram dos feitos que Jesus realizara. Então, os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio e disseram: Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? (vv. 45-47). 53 Trecho do texto de ATANÁSIO sobre a Expiação (318 d.C.). In: H. BETTENSON, Documentos da Igreja Cristã, pp. 75s. 47 Em suma, a constatação do ocorrido em Betânia deu lugar ao medo, uma vez que Jesus firmava-se cada vez mais como uma liderança religiosa a quem o povo ouvia. E o medo deu lugar ao ódio, motivado pela inveja e pela insegurança características de um regime falido, a ponto de desaparecer. Esta não foi a primeira vez que, no Quarto Evangelho, Jesus se deparou com uma dificuldade em relação aos judeus. Não é por acaso que o evangelho obedece uma estrutura definida a partir dos sinais que Jesus realizou e das controvérsias ou discursos subseqüentes. A primeira controvérsia, por exemplo, surgiu alguns dias depois do primeiro sinal, quando da transformação da água em vinho (2:1-12). Tendo subido a Jerusalém e expulsado do templo os vendedores e comerciantes, Jesus defendeu sua autoridade desafiando os judeus para que destruíssem o santuário, o qual em três dias seria reedificado. Como o próprio evangelista interpreta, Ele falava com respeito ao Seu próprio corpo; mas os judeus já encontraram ali mesmo motivo para reprová-lo (2:13-25). Daí em diante os conflitos apenas intensificaram-se. Depois de haver curado um homem que jazia paralítico por trinta e oito anos, junto ao tanque chamado Betesda (5:1-9), Jesus passou a ser perseguido pelos judeus que o acusavam de fazer estas coisas em dia de sábado, razão pela qual também intentavam matá-lo (5:10-47). Adiante, após seu quarto sinal relatado neste Evangelho, quando da multiplicação dos pães e dos peixes (6:1-15), num duríssimo discurso Jesus afirmou ser o “Pão da Vida que desceu do Céu”. Os judeus passaram, então, a criticá-lo, pois sabiam, segundo argumentavam, ser Ele o filho de José, a quem muitos conheciam (6:35-42). Mais tarde, na festa dos tabernáculos, depois de discursar e ensinar, Jesus escapou de ser preso, pois, como lembra o evangelista, ainda não havia chegado sua hora (7:30). Mas os conflitos ainda não terminariam. Numa de suas mais “acaloradas” controvérsias com os judeus – e um detalhe: que haviam crido nele (8:31), Jesus os acusou de serem filhos do diabo, uma vez que ele é mentiroso e pai da mentira, como também todos os que rejeitam a verdade (8:44). E como os judeus “gabavam-se” em Abraão e acusavam Jesus de endemoninhado (8:33 e 48), em sua defesa fez aquela que seria uma de suas mais contundentes afirmações – e que quase lhe custou, de imediato, a própria vida: antes que Abraão existisse, Eu Sou. Então, pegaram em pedras para atirarem nele... (8:58-59). Por fim, ainda restaria um conflito antes do envolvimento com o problema da morte de Lázaro, o qual foi desencadeado após a cura de um cego de nascença (9:1-7) e culminou com a tentativa de prisão empreendida pelos judeus por ocasião da festa da dedicação, em Jerusalém 48 (10:39). Em meio a toda confusão não faltaram aqueles que pegaram em pedras para apedrejá-lo, por ter afirmado Ele o que para muitos soou como inaceitável: Eu e o Pai somos um (10:30-31). Cada uma destas experiências, apresentadas estrategicamente no relato do evangelista, apontam para o conflito final, irrompido a partir da ressurreição de Lázaro, último sinal de Jesus, e que foi levado às últimas conseqüências até que, finalmente, resultou na crucificação. Assim que o relato da ressurreição de Lázaro nos desafia a três reflexões diferentes do mesmo acontecimento: primeiro, quando atentaremos para o enfrentamento da morte de Lázaro como preparação para a própria morte de Jesus; depois, quando a partir da constatação da crucificação perguntaremos sobre sua necessidade e obrigatoriedade; por fim, quando voltaremos nossos olhos para o último feito, a ressurreição, pré-figurada em Lázaro e realizada definitivamente por Jesus, como num grito de vitória da vida contra a morte e todas as suas ameaças. Preparação: A Morte como Desafio Jesus estava diante do túmulo (v. 38a). Este, conforme informações concedidas pelo próprio evangelista, era uma gruta em cuja entrada tinham posto uma pedra (v. 38b). Bruce comenta que o túmulo era uma pequena caverna na rocha, cuja entrada fora bloqueada com uma pedra que nela se encaixava mais ou menos como uma rolha54. Certa vez ouvi o testemunho de um missionário que, em visita à Jerusalém e arredores, conheceu alguns túmulos antigos. Em seu relato ele conta que um “respiro” era feito na rocha, de forma que o cheiro pudesse sair. Esta seria a razão pela qual Marta disse a Jesus: Senhor, já cheira mal... (v. 39). O mesmo Bruce também lembra que a descrição do túmulo de Lázaro é muito semelhante à do túmulo onde o corpo do próprio Jesus foi colocado mais tarde55. Mas a semelhança não é mero acaso. Como último sinal de Jesus antes de Sua crucificação e ressurreição, o enfrentamento da morte de Lázaro figurou como preparação para aquela morte que o próprio Jesus teria de enfrentar. Estar ali não significava apenas atender o chamado de uma família amada por causa da morte de um ente querido. Estar ali significava, antes de tudo, enfrentar a morte com todo o seu peso e todas as suas ameaças como que numa preparação para um desafio maior, que viria a seguir. Na vitória sobre a morte de Lázaro Jesus 54 F.F.BRUCE, Op. Cit., p. 213 49 também afirmou e confirmou Sua própria vitória sobre a morte, garantindo a certeza de Sua própria ressurreição e evidenciando o poder do Espírito que a tudo vivifica. Contudo, não foi fácil para Ele. Como Philip YANCEY afirma: Naquele exato momento o próprio Jesus pendia entre dois mundos. Diante de uma tumba com cheiro de morte teve um presságio do que estava à sua frente neste mundo amaldiçoado – literalmente amaldiçoado. Que sua própria morte também terminasse em ressurreição não reduzia o medo ou a dor. Ele era humano: tinha de passar pelo gólgota para chegar ao outro lado [...] A ressurreição de um homem, Lázaro, não resolveria o dilema do planeta Terra. Para isso, seria necessária a morte de um homem.56 De fato, além de todas as outras implicações que a morte traz consigo para as vidas daqueles que “ficam”, como a saudade, a dor da perda, a indignação e outras coisas mais, uma de suas mais duras mensagens é a de que um dia todos nós teremos que enfrentá-la. Para Jesus esta mensagem parece não ter sido diferente. É bem verdade, porém, que o Quarto Evangelho não tem interesse nenhum em apresentar um Jesus que tenha medo da morte. Em um de seus relatos, quando do pedido que alguns gregos fizeram a Felipe para poderem ver Jesus, Este mesmo afirmou: Agora está angustiada a minha alma até a morte. E que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito vim para esta hora. Pai glorifica o teu nome (12:27-28a). Por todo o evangelho Ele figura como alguém que, embora angustiado, estava absolutamente consciente e preparado para a morte, sendo capaz de suprimir o medo e confortar o coração dos discípulos. No entanto, gostaria de lembrar daqueles profundos momentos de Jesus no Getsêmani, um jardim próximo ao Monte das Oliveiras, que é mencionado no Evangelho de João apenas como local da prisão de Jesus. Ali, segundo o relato do evangelho de Lucas, Jesus disse aos seus discípulos: Orai para que não entreis em tentação. Ele, por sua vez, se afastou cerca de um tiro de pedra e, de joelhos, orava dizendo: Pai, se queres, afasta de mim este cálice. Contudo, não seja feita a minha vontade mas a tua. Então lhe apareceu um anjo do céu que o confortava. E estando em agonia, orava mais intensamente. E 55 56 IDEM, Ibidem, p.213 P. YANCEY, O Jesus que eu nunca conheci, p. 193 50 aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra (22:40-44). E por que João não teria interesse num momento tão extraordinário e significativo como este. Provavelmente, porque era preciso que os crentes aos quais o evangelho é destinado também tivessem a coragem que Jesus teve nos momentos de angústia e perseguição. Quem sabe, até nos momentos em que a própria vida é ameaçada. Em sua descrição sobre o ocorrido no Getsâmani – chamado apenas jardim – ele conta que Jesus, sabendo de todas as coisas, adiantase a apresentar-se diante dos guardas que o buscam (18:4-8). E mais: diante da reação violenta de Pedro, cortando a orelha de um dos soldados, cujo nome era Malco, Jesus repreende-o e pergunta: não beberei, porventura, o cálice que o Pai me deu? (18:10-11). A comunidade joanina e nós, juntamente com ela, somos desafiados a enfrentar todos os desafios que, porventura, possam surgir com o discipulado e o seguimento de Jesus. “Beber o cálice”; este é o desafio. Enfim, a ressurreição de Lázaro é um dos motivos pelos quais a morte não deve ser temida. O próprio Jesus encontrou nessa experiência razão para confiar naquele para quem ele mesmo afirmou: sempre me ouves (v. 42). Como Lázaro, morto há quatro dias, voltou à vida pelo chamado vivificante de Jesus, também Ele, depois de três dias, seria ressurrecto dentre os mortos pelo chamado vivificante do Espírito Santo. A morte não é mais um desafio insuperável. Ela já não tem a última palavra. Lázaro tipifica aquele cuja ressurreição há de significar a possibilidade da vida para todos os que crêem. Ler e compreender o episódio da ressurreição de Lázaro sob a ótica de uma experiência individual e particularizada, restrita no tempo e com alcances apenas imediatos não é nossa melhor alternativa. Até porque não é todo dia que somos surpreendidos pela notícia absolutamente rara da ressurreição de alguém. E quando a temos, trata-se de um retorno à vida depois de minutos – quando muito horas – de morte constatada (o que não deixa de ser maravilhoso). Mas uma ressurreição posterior a quatro dias de morte, onde o falecido já estivesse enterrado e em estado de decomposição, confesso: nunca ouvi falar! Não em nossos dias! Por esta razão, a morte e ressurreição de Lázaro não apontam para uma experiência que, no máximo, poderá ser reproduzida uma ou outra vez na história da humanidade. Mais que isso! Apontam para aquela experiência não muito tardia, em que o próprio Cristo, morto e ressurrecto, garantiria a ressurreição de todos os seres humanos para aquele dia em que, dos céus, virá para julgar vivos e mortos. Louvado seja Deus!!! 51 Crucificação: A Morte como Exigência Lázaro estava vivo e os fariseus, bem como os principais dos sacerdotes, furiosos (vv. 44; 47-48). Era simplesmente inadmissível, ao menos para eles, que alguém de “fora” do círculo religioso “reconhecidamente legítimo” realizasse sinais e milagres como Jesus realizava. E como já tornara-se um costume neste relacionamento um tanto quanto tumultuado, prontamente lançaram-se a planejar Sua morte. E são as palavras de Caifás, um dentre eles, sumo sacerdote naquele ano, que nos chamam à atenção neste momento de nossa reflexão: convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação (v. 50). De acordo com o evangelista, estas não foram apenas palavras de um homem religioso e indignado, mas uma profecia do sumo sacerdote a respeito da necessidade e importância do que Jesus estava prestes a realizar. É óbvio que na superfície das palavras de Caifás estava o medo de Roma, o grande império que dominava o mundo conhecido da época. Um homem como Jesus, cuja mensagem e cujo carisma “arrebanhavam” multidões, não sem o acompanhamento legitimador e fortalecedor que Seus milagres representavam, poderia causar vários “desastres” na estrutura estabelecida e prejudicar as “boas” relações entre os romanos e os principais dos judeus. De fato, Jesus foi mesmo crucificado como um criminoso político, um subversivo, gente para quem o castigo da cruz estava destinado. Mas João decidiu olhar além do véu e descobrir que em palavras de medo e subserviência, como não se poderia deixar de esperar, fundamentalmente de um homem como Caifás, estavam também contidas palavras proféticas e esclarecedoras sobre a morte vicária de Jesus. É bem verdade, no entanto, que os judeus e suas principais lideranças religiosas tiveram participação determinante em tudo que se seguiu e aconteceu. Por causa da constatação do que Jesus realizava, desde aquele dia decidiram matá-lo (v. 53). Não há inocentes (à exceção de Jesus, é claro) nesta história de dor e sofrimento, em que o filho de Deus assumiu a responsabilidade de pagar o preço dos pecados de todas as pessoas e de todo o mundo. Mataram Jesus. Como afirma John STOTT, explicando a participação do povo judeu e de seus sacerdotes na morte de Jesus, foram eles quem entregaram Jesus a Pilatos para ser julgado, quem o acusaram de reivindicações e ensinos subversivos, e quem atiçaram a multidão levandoa a exigir a crucificação. Portanto, como o próprio Jesus disse a Pilatos: “Quem me entregou a 52 ti, maior pecado tem” (João 19:11)57. E novamente segundo palavras do evangelista: De sorte que Jesus já não andava publicamente entre os judeus, mas retirou-se para uma região vizinha ao deserto, para uma cidade chamada Efraim; e ali permaneceu com os discípulos (11:54). Mas é extraordinário perceber como o próprio Jesus, no contexto do evangelho de João, reconhece que, apesar do ódio e das iniciativas dos judeus e de seus sacerdotes, é absolutamente voluntária Sua auto-entrega em favor da humanidade. Como Ele mesmo afirmou aos seus discípulos ainda antes do episódio em Betânia: Por isso o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou... (10:17-18a). É interessante notar que para João a certeza da autoridade de Jesus sobre Sua própria vida é tão grande que há uma hora certa para que, finalmente, ele seja entregue. Em alguns textos significativos, por exemplo, encontramos expressões tais como não era chegada a sua hora (em 7:30 e 8:20); e é chegada a hora – ou sua hora (em 12:23, 13:1, 16:21, 16:32 e 17:1). Jesus entregou-se voluntariamente. Ele simplesmente decidiu satisfazer em sua própria carne as sentenças que pesavam sobre nós e exigiam nossa morte. Nas palavras de Calvino, é de ver-se como, em todos os aspectos, Se haja Ele posto em nosso lugar para pagar o preço de nossa redenção. A morte nos detinha ajoujados a seu jugo. Cristo Se lhe entregou ao poder em nosso lugar, para que dele nos livrasse.58 Sua morte foi substitutiva e plenamente satisfatória. E Ele não morreu apenas por Sua nação, como sugeriu Caifás em sua declaração. Foi mais que isso: Jesus morreu por todas as pessoas. No comentário de João às palavras do sumo sacerdote, ele morreu para reunir em um só corpo os filhos de Deus que andam dispersos (v. 52). Esta revelação é especialmente importante no Evangelho de João. Já em seu prólogo, por exemplo, o evangelista afirma que “a Palavra” se fez carne e que “a Luz” veio ao mundo (1:1-14). Contudo, antecipando a realidade da rejeição com a qual os judeus o rejeitariam e o entregariam a morte, ele também afirma: ele veio para o que era seu, e os seus não o receberam (1:11). Mas quando tudo poderia parecer perdido e a esperança frustrada, João complementa: Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o direito de serem feitos filhos de Deus, a saber, os que crêem no Seu nome (1:12). É também por esta razão que, em meio ao discurso sobre as diferenças fundamentais entre o pastor das ovelhas e o mercenário, Jesus afirmou: Ainda tenho 57 58 J. STOTT, Op. Cit., p. 45. J. CALVINO, As Institutas, p. 277 53 outras ovelhas não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor (10:16). Não foi diferente na grande oração que o relato joanino fez questão de deixar registrada, aquela que ficou conhecida como sacerdotal. Nela, Jesus intercedeu por seus discípulos, os quais lhe foram dados pelo Pai, para que por Este fossem guardados enquanto estivessem no mundo, de forma que também mantivessem a unidade que o próprio Filho tinha com o Pai (17:9-11). Mas Jesus não parou por aí. Ele pediu mais. Em suas palavras: Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra (17:20). Todos estavam ali, contemplados na oração de Jesus. Todos, pela fé no Filho de Deus, também agora estão convidados a participar deste triunfo conquistado na cruz. Todos, por meio de Jesus, podem receber, gratuitamente, a vida eterna com Deus. E por que Jesus fez tudo o que fez? Por que entregou-se à humilhação e à dor da cruz em nosso lugar? Por que, contra toda rejeição e ódio que experimentou da parte dos judeus e de suas principais lideranças, levou adiante Seu plano de redenção? Apesar de todas as respostas bíblicas e teológicas que poderíamos dar a estas perguntas – e, com certeza, não teríamos nem tempo, ou espaço, ou condições para fazê-lo aqui – nenhuma delas seria tão contundente e abrangente quanto esta: por amor. De novo a experiência de Lázaro figura como referência para a experiência de cada um e de todos no relacionamento com Deus por meio de Jesus: Ele amava a Lázaro e às suas irmãs (v. 5), como nos ama a todos, sem exceção. Como, em Suas palavras, deixou-nos claro neste mesmo evangelho: Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos (15:13). Ressurreição: A Morte Superada pela Vida Jesus quem agora estava morto (19:33). O plano para a morte, desejado desde os primeiros conflitos em Seu ministério, mas desencadeado definitivamente a partir da ressurreição de Lázaro, estava concretizado. Os discípulos – assustados – reagiram das mais diversas formas: fugiram, seguiram-no de longe, negaram-no e, sobretudo, mostraram-se confusos. Ainda não haviam compreendido que era-lhe necessário ressuscitar dentre os mortos (20:9). E por ter sido morto numa sexta-feira, véspera daquele dia que o evangelista denominou grande dia de Sábado (19:31), foi rapidamente retirado da cruz e colocado num túmulo próximo, novo, no qual ninguém havia sido enterrado. José de Arimatéia e Nicodemos encarregaram-se do corpo e dos preparativos (19:38-42). 54 Certamente foi “grande” aquele dia de sábado. Provavelmente confuso e carregado de tristeza. E a impossibilidade de realizar-se qualquer atividade, sem dúvida, intensificou a dor e o sofrimento da separação e da perda. Jesus estava morto. O Messias em quem os discípulos confiaram parecia, então, um sonho bom que dissipou-se ao amanhecer de um dia cinza e tempestuoso. Os flagelos das últimas horas, por sua vez, pareciam um sonho mal, um pesadelo, do qual gostariam de poder acordar. Como não lembrar das palavras dos discípulos que, na manhã do primeiro dia, conforme relato do evangelista Lucas, viajavam a caminho de Emaús? Entristecidos, decepcionados, até mesmo incapazes de reconhecer aquele que caminhava ao seu lado e conversava com eles, resumiram numa frase a frustração de suas dolorosas experiências: nós esperávamos que fosse ele o redentor de Israel, e hoje já é o terceiro dia desde que tudo aconteceu (24:13-21). A decepção dos discípulos não foi muito diferente daquela que havia dominado os corações de Marta e Maria. Como choraram a morte do irmão que, pela demora de Jesus em atender ao chamado de socorro, estava sepultado, certamente também choraram a Sua própria morte. E como naquela ocasião alguns se perguntaram: não poderia ele, que abriu os olhos aos cegos, impedir que este homem viesse a morrer? (v. 37), é provável que nesta tenham perguntado-se: Não poderia Ele evitar que estas coisas ocorressem? Não poderia ser diferente? Mas, graças a Deus, as semelhanças não param por aqui. Da mesma forma como, para Lázaro, a resposta contra a morte veio sob a forma da ressurreição e da vida, com Jesus não foi diferente. No primeiro dia da semana, tendo sido ressuscitado dentre os mortos, Jesus apareceu à Maria Madalena, e aos discípulos, e, finalmente, a Tomé (20:1-29). Todos puderam vê-lo e reconhecê-lo. Tomé pôde ainda tocar em suas feridas para, de fato, comprovar sua identidade e realização. É verdade que também ouviu de Jesus a repreensão amorosa: porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram (20:29). Mas o que importava era que realmente o Mestre estava vivo. As “garras” da morte não O puderam deter. Nas palavras de Calvino: Ele, em ressurgindo, Se alçou como vencedor da morte...59. E, se por um lado, a ressurreição de Lázaro apontou para a certeza da ressurreição do próprio Senhor como vitória da vida sobre a morte, igualmente para nós, hoje, ambas as ressurreições significam a mesma certeza: nossa ressurreição e vitória sobre a morte. É por isso que Moltmann afirma: A ressurreição de Cristo de entre os mortos, enquanto começo da destruição da morte e da manifestação da vida eterna, constitui-se no “fato que transforma 59 IDEM, Ibidem, p. 285. 55 tudo” e em si mesmo, por isso, é a manifestação de Deus60. Na ressurreição a expectativa da transformação de nossa realidade mortal em vida, vida eterna, inunda e domina nossos corações, alimentando e fortalecendo nossa fé. Na ressurreição de Lázaro Jesus não apenas devolveu o irmão amado, mas concedeu, ainda, a esperança e a certeza da possibilidade da vida. Em sua ressurreição, esta esperança e certeza estão estendidas a cada pessoa em todas as gerações. A ressurreição é uma das principais bases do autêntico cristianismo. Como afirmou o apóstolo Paulo, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé (1 Co 15:14). E como bem acrescentou: Mas de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo as primícias dos que dormem (15:20). Da mesma forma que o pecado entrou no mundo, trazendo consigo a morte, Jesus devolveu-nos a vida através de Sua ressurreição. Ele é o primeiro dentre os que morreram. O primeiro a participar dessa esfera de vida onde já não há morte. Como primeiro, abriu o caminho para todos os demais. Nas palavras do próprio Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão (5:25). Por isso concordamos com a declaração de Carl BRAATEN: O cristianismo está baseado no evangelho da ressurreição de Jesus de Nazaré, porque nesse acontecimento Deus vindicou a reivindicação de Jesus de ser o representante primordial de seu reino vindouro. O cristianismo não poderia ter começado se a crucificação tivesse sido o fim absoluto de Jesus. A causa de Jesus teria perecido com ele. Ao ressuscitar Jesus dos mortos, Deus elevou a causa pela qual ele viveu e morreu ao mais alto poder na história da salvação. Ao ratificar a reivindicação de Jesus de ser o mediador autoritativo do reino de Deus, a própria causa do reino ganhou um futuro promissor na história do mundo. A Igreja de Jesus Cristo entrou nesse ponto, como criação do Espírito, para anunciar a irrupção escatológica na forma de vida – nova e isenta de morte – que Jesus herdou por meio da ressurreição.61 É importante, pois, que confessemos a ressurreição de Cristo. Trata-se de um evento, em primeiro lugar, histórico. Aconteceu. Naquele dia, naquela hora, naquele lugar, de forma que aquelas testemunhas (Simão, Maria Madalena, os dois a caminho de Emaús, os Onze – especialmente Tomé, que pôde toca-lo –, as quinhentas pessoas, Tiago e Paulo – como a um nascido fora de tempo) puderam atestar sua veracidade. Não é apenas um símbolo de fé ou um mito religioso. É um fenômeno real, concreto, localizado no tempo e no espaço. Improvável, é 60 MOLTMANN, Op. Cit., p. 73 56 verdade, como todo milagre genuíno. Não pode e jamais poderá ser reproduzido por força ou vontade humanas. Realiza-se pelo poder e pela intervenção poderosa de Deus. Mas trata-se também, a ressurreição de Cristo, de um evento teológico. Suas implicações alcançam, transformam e re-direcionam o passado, o presente e o futuro do povo de Deus, bem como de toda a criação. O passado, porque reinterpreta-o a luz dos novos acontecimentos. Os que morreram antes de Cristo não viram a concretização das promessas, mas saudaram-nas de longe (Hb 11:13). São alcançados e redimidos pelo mesmo poder. Eis o mistério da plenitude dos tempos: não é o ponto-final mas o ponto-alto da história, na direção do qual todos os demais apontam. O presente, porque a morte, enfim, é superada pela vida. A contagem regressiva já foi iniciada. O futuro, porque seus efeitos estender-se-ão até a consumação final. A ressurreição de Cristo traz nova luz para um mundo e para uma história, até então, mergulhados em trevas. E por ser, acima de tudo, evento teológico, a ressurreição é também desafio. Um desafio à Fé (Se...em teu coração creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo – Rm 10:9), à Alegria (...mas outra vez vos verei, e o vosso coração se alegrará; e a vossa alegria ninguém poderá tirar – Jo 16:22), à Esperança (...sabendo que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos ressuscitará com Jesus... – 2 Co 4:14), à Abnegação (Todos estes morreram na fé... confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra – Hb 11:13) e à Coragem de Testemunhar (E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura – Mc 16:15). Todos os que confessam a ressurreição de Cristo devem assumir esses desafios. Sem ressurreição, portanto, não haveria cristianismo. A ressurreição confere à fé cristã a certeza da ressurreição de todos. Mais que isso: a certeza da restauração da própria natureza. Porque Cristo ressuscitou dentre os mortos, a morte já não tem domínio sobre os que crêem e, escatologicamente, perde seu poder de domínio sobre a natureza criada. A criação, hoje sujeita à vaidade, agora aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus, na esperança de que também será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus (Rm 8:20 e 21). Um cristianismo que não evidencie esse elemento de esperança para o mundo e para a natureza não pode ser considerado verdadeiro cristianismo. 61 C. E. BRAATEN, A Pessoa de Jesus Cristo, In: BRAATEN e JENSON, Op. Cit., p. 535. 57 Conclusão A RESSURREIÇÃO E A VIDA Um Desafio à Fé no Filho de Deus ...neste lugar amado, Haverá jamais uma dor que não passe; não, nenhuma; Haverá luz brilhante e nenhuma cegueira; Haverá pouco temor e muita amabilidade; Haverá um pouco de ânsia e suficiente preocupação, Haverá um pouco de trabalho e suficiente mourejo Para trazer de volta o gosto perdido de nosso tumulto humano; Mas não o suficiente para maculá-lo; E tudo quanto desejarmos se mostrará como nós o imaginamos. Pois, embora essa possa ser a proeza mais difícil de todas Que Deus se impôs, que fez esse formoso lugar. Assim Ele fez o Céu; Inclusive o Céu.62 Iniciamos nossa caminhada conceituando a vida e ressaltando sua importância para todos nós que, com ela e por ela, fomos agraciados. A partir da experiência da enfermidade de Lázaro, no entanto, descrevemos as reações e expectativas do ser humano diante da ameaça e da morte, na luta aparentemente interminável pela manutenção da vida. Com a intervenção de Jesus na história de Lázaro e suas irmãs, atentamos para a centralidade da vida nas realizações de Deus, demonstrada na participação de Jesus nesta luta contra a morte e suas ameaças. Finalmente, analisamos através do relato joanino e a partir do episódio em Betânia a maneira pela qual a ameaça e a morte “cruzam” o caminho de Jesus, e como Sua ressurreição dentre os mortos tornou-se o grande grito de triunfo da vida sobre a morte e todas as suas ameaças. É hora de concluirmos nossa jornada. Nada pode ser, então, mais oportuno do que atentarmos para como o evangelista João conclui o seu relato sobre a vida e a obra de Jesus, o Nazareno: Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros sinais miraculosos, que não estão registrados neste livro. Mas 62 Trecho do poema de Ford Madox Ford “para V.H., que pediu um Céu que funcionasse”. F. M. FORD apud. P. R. SPONHEIM, O Pecado e o Mal, In: BRAATEN e JENSON, Op. Cit., p. 454. 58 estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e para que, crendo, tenhais vida em Seu nome (20:30-31). João fornece ao seu evangelho um duplo objetivo. Em primeiro lugar, ele deseja apresentar a Jesus de Nazaré, o filho de José e de Maria, como o Cristo (Messias) da história e o Filho eterno de Deus, em quem todos devem crer. Em segundo lugar, ele deseja levar seus leitores a crer em Jesus não só por ser Ele o Cristo e Messias, mas para que também possam receber a vida que está contida e disponibilizada em Seu nome. Veremos brevemente como, de fato, o Quarto Evangelho alcança estes objetivos. A afirmação de ser Jesus o Cristo e o Filho de Deus tem como prova absoluta de veracidade, ao menos na perspectiva do Evangelho de João, uma vez que nem todos o aceitaram como tal, a descrição dos sinais que Ele realizou. Assim expressou-se Nicodemos, quando de noite procurou Jesus para receber orientação: Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele (3:2). Os sinais são indícios suficientes para a conclusão de filiação divina. Os sinais são fatos contundentes para que se reconheça em Jesus Nazareno o Messias de Deus que havia de vir ao mundo para inaugurar o reino de Deus e o ano da graça do Senhor. E para o evangelista, foi exatamente porque Ele realizou sinais que muitos, vendo-os, creram no Seu nome (2:23). Mas este é apenas o primeiro objetivo do evangelho. Podemos chamá-lo de objetivo imediato. Há um segundo objetivo, o qual poderíamos chamar de objetivo dependente ou conseqüente, que só pode ser atingido uma vez que, ao descobrirem que Jesus é o Cristo e Filho de Deus, seus leitores nEle também creiam: receber a vida em seu nome. Este é o desejo de Jesus. Foi para isso que Ele veio. Em suas próprias palavras: Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância (10:10). E mais: Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus (3:36). Este é o desafio para a comunidade joanina bem como para a igreja de Cristo espalhada sobre a terra. Como exorta Brunner: Ter parte na vida divina de Jesus Cristo pela fé, permanecer no meio da história e estar incluído na salvação eterna através da reconciliação feita naquele que é chamado a Vida e o Caminho para a Vida – isto é ser um cristão: ter a vida eterna63. 63 E. BRUNNER, Op. Cit., p.71 59 Compreendidas estas verdades, podemos, então, retornar ao episódio em Betânia e atentar para seu principal centro de significado, isto é, às palavras de Jesus dirigidas à Marta: Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim nunca morrerá eternamente. Crês tu isto? Estas palavras fazem parte do conjunto de frases e ditos de Jesus marcados com a expressão “Eu Sou”, em número de sete, registrados no Evangelho de João. Os outros são: Eu sou o pão da vida (6:48); Eu sou a luz do mundo (8:12); Eu sou a porta (10:9); Eu sou o Bom Pastor (10:11); Eu sou o caminho, a verdade e a vida (14:6); Eu sou a videira verdadeira (15:1). Além destes há também aqueles em que Jesus diz, simplesmente, “Eu Sou” (ego eimi), fazendose semelhante a Jeová no Antigo Testamento e provocando a fúria dos judeus (8:24, 8:28 e 8:58). Quando Jesus afirmou ser Ele mesmo a ressurreição, não só garantiu a possibilidade da ressurreição a todos quantos identificarem-se com Ele em Seus sofrimentos e crerem em Seu nome, mas também condicionou-a, afirmando que “fora” dEle esta possibilidade revela-se inexistente. Só nEle os que jazem à sombra da morte podem experimentar o renovar da esperança. Só nEle os que perecem sob a opressão podem retirar forças do mais profundo íntimo e bradar num último desabafo de confiança: Em tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23:46). Porque Ele é a ressurreição, quem nEle crê, ainda que morra, viverá. E uma vez que cremos já não tememos mais a morte ou quaisquer de suas ameaças. O descanso eterno está garantido. Sofrimento e dor passarão, porque todas as nossas lágrimas nos serão enxugadas (Ap 21:4). Justiça plena e definitiva será feita. Como declara Moltmann: Ressurreição quer dizer também: Os mortos voltam à vida, os que se foram levantam-se, os anônimos são chamados pelo nome. Isto é a justiça. Os assassinos não triunfarão definitivamente sobre suas vítimas, os algozes serão conduzidos ao tribunal. Também homens que já não crêem em um Deus pessoal têm essa sede de justiça e compreendem que ressurreição significa: será feita justiça aos mortos. Para os cristãos, o Cristo ressuscitado é o guia da ressurreição dos mortos.64 E quando Jesus declarou ser Ele mesmo a vida, não só ofereceu aos seus discípulos e seguidores a oportunidade da vida abundante e verdadeira, como também frustrou toda tentativa autônoma e auto-suficiente de encontrar o ser humano vida em si mesmo ou por seus próprios esforços. Só nEle os que estão entristecidos e amargurados podem encontrar a verdadeira alegria e a gratidão de uma vida com sentido. Só nEle os que sofrem pelo medo da morte e pela 64 J. MOLTMANN, Op. Cit., p. 69 60 ansiedade podem experimentar aquela paz que excede a todo entendimento e que conserva corações e mentes no cuidado do próprio Cristo (cfe. Fp 4:7). Porque Ele é a vida, quem nEle crê nunca morrerá eternamente. E se cremos, já não nos preocupamos com a realidade da morte. Ouvimos sempre e novamente as belas e consoladoras palavras do Senhor: Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida (5:24). Enfim, a experiência de Lázaro, sua morte e ressurreição, bem como a realização do próprio Jesus, e igualmente Sua morte e ressurreição, desejam conduzir-nos à experiência da plenitude de vida e da esperança para a vida eterna. À plenitude de vida porque é do desejo e do agrado de Deus que a desfrutemos em todas as suas dimensões: como dádiva – de Deus, é claro!, como movimento e atividade, como relacionamento interpessoal e com a criação, e como resposta de Deus mesmo contra a morte e todas as suas ameaças. À esperança da vida eterna porque, um dia, como acontece desde os primórdios da história, deixaremos de participar desta vida física e absolutamente humana, para finalmente participarmos da vida sem fim e sem limites da comunhão definitiva com Deus. Como sustenta Bruce: A morte de Lázaro e sua ressurreição subseqüente deve ser um paradigma, um modelo de certeza da vida eterna que todos os crentes em Jesus podem ter... E mais: O chamado que traz Lázaro de volta para a vida é uma alegoria daquele dia quando todos os que estão nos túmulos ouvirão o mesmo chamado vivificante e sairão65. Crês tu isto? 65 F.F.BRUCE, Op. Cit, pp. 211 e 214. 61 BIBLIOGRAFIA AGOSTINHO. Confissões. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo, Editora Abril, 1980. ALTMANN, W. Karl Barth: Dádiva e Louvor – Artigos Selecionados. 2 ed. São Leopoldo, IEPG/Sinodal, 1996. ALVES, R. O Retorno e Terno – Crônicas. 23ª ed. Campinas, Papirus, 1992. BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. 3ª ed. São Paulo, ASTE/Simpósio, 1998. 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