Texto para as questões “1” e “2”: CAPÍTULO XII ENTRADA PARA A ESCOLA É mister agora passar em silêncio sobre alguns anos da vida do nosso memorando para não cansar o leitor repetindo a história de mil travessuras de menino no gênero das que já se conhecem; foram diabruras de todo o tamanho que exasperaram a vizinha, desgostaram a comadre, mas que não alteraram em coisa alguma a amizade do barbeiro pelo afilhado: cada vez esta aumentava, se era possível, tornava-se mais cega. Com ele cresciam as esperanças do belo futuro com que o compadre sonhava para o pequeno, e tanto mais que durante este tempo fizera este alguns progressos: lia soletrado sofrivelmente, e por inaudito triunfo da paciência do compadre aprendera a ajudar missa. A primeira vez que ele conseguiu praticar com decência e exatidão semelhante ato, o padrinho exultou; foi um dia de orgulho e de prazer: era o primeiro passo no caminho para que ele o destinava. - E dizem que não tem jeito para padre, pensou consigo; ora acertei o alvo, deilhe com a balda. Ele nasceu mesmo para aquilo, há de ser um clérigo de truz*. Vou tratar de metê-lo na escola, e depois... toca. *de truz: excelente, magnífico (Memórias de um Sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida) Questão 1 Identifique a relação sintática presente na 3ª oração do 1º período deste fragmento e esclareça qual o procedimento narrativo ali utilizado. Explique ainda em que consiste tal procedimento, que viria a ser utilizado mais comumente no Realismo. Questão 2 Considerando o todo do romance, justifique por que é possível afirmar que há ironia por parte do narrador, no primeiro parágrafo deste fragmento. Identifique as marcas linguísticas que podem sustentar sua justificativa. Texto para as questões “3” e “4”: Além disto recebeu o Leonardo ao mesmo tempo carta de seu pai, na qual o chamava para fazer-lhe a entrega do que lhe deixara seu padrinho, que se achava religiosamente intacto. ............................................................................................................................................. Passado o tempo indispensável do luto, o Leonardo, em uniforme de Sargento de Milícias, recebeu-se na Sé com Luisinha, assistindo à cerimônia a família em peso. Daqui em diante aparece o reverso da medalha. Seguiu-se a morte de D. Maria, a do Leonardo-Pataca, e uma enfiada de acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores, fazendo aqui ponto final. (Memórias de um Sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida) Questão 3 Do ponto de vista das características de um romance romântico “típico”, é possível afirmar que o segundo e o terceiro parágrafos deste fragmento guardam entre si uma relação de “aproximação-afastamento”. Esclareça essa afirmação. Questão 4 No primeiro parágrafo deste fragmento, observa-se uma ambiguidade. Identifique a ocorrência e esclareça por que há duplo sentido na passagem identificada. Texto para as questões “5” e “6”: CAPÍTULO XLVIII CONCLUSÃO FELIZ A comadre passou com a viúva e sua tia quase todo o tempo do nojo(1), e acompanhou-as à missa do sétimo dia. O Leonardo compareceu também nessa ocasião, e levou a família a casa depois de acabado o sacrifício. (...) ............................................................................................................................................. Passado o tempo indispensável do luto, o Leonardo, em uniforme de Sargento de Milícias, recebeu-se na Sé com Luisinha, assistindo à cerimônia a família em peso. Daqui em diante aparece o reverso da medalha. Seguiu-se a morte de D. Maria, a do Leonardo-Pataca, e uma enfiada de acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores, fazendo aqui ponto final. (1) nojo: luto (Memórias de um Sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida) Questão 5 Identifique no primeiro parágrafo deste fragmento um recurso de que o narrador faz uso para apresentar ao leitor uma característica do anti-heroísmo de Leonardo. Esclareça em que consiste tal recurso e justifique sua resposta, apresentando também a passagem onde ocorre tal emprego. Questão 6 O casamento de Leonardo com Luisinha dá ao leitor a sensação de uma conclusão própria dos romances tradicionalmente românticos. No entanto, essa sensação é desfeita no último parágrafo deste fragmento, o final do romance. Esclareça qual a conclusão ‘tradicional” e explique como e por que ela é desfeita. Textos para as questões “7”, “8” e “9”: TEXTO I Mas o realismo de Manuel Antônio de Almeida não se esgota nas linhas meio caricaturais com que define uma variada galeria de tipos populares. O seu valor reside principalmente em ter captado, pelo fluxo narrativo, uma das marcas da vida na pobreza, que é a perpétua sujeição à necessidade, sentida de modo fatalista como o destino de cada um. Esse contínuo esforço de driblar o acaso das condições adversas e a avidez de gozar os intervalos de boa sorte impelem os figurantes das Memórias, e, em primeiro lugar, o anti-herói Leonardo, “filho de uma pisadela e de um beliscão” para a roda viva de pequenos engodos(1) e demandas(2) de emprego, entremeadas com ciganagens e patuscadas(3) que dão motivo ao romancista para fazer entrar em cena tipos e costumes do velho Rio. (1) engodo: isca com que se apanham peixes; ação para seduzir alguém; adulação para seduzir (2) demanda: busca; procura (3) patuscada: ajuntamento festivo de pessoas para comer e beber; farra; pândega (BOSI, Alfredo, 1994. História Concisa da Literatura Brasileira.São Paulo: Editora Cultrix) TEXTO II Às quartas-feiras e em outros dias da semana saía do Bom Jesus e de outras igrejas uma espécie de procissão composta de alguns padres conduzindo cruzes, irmãos de algumas irmandades com lanternas, e povo em grande quantidade; os padres rezavam e o povo acompanhava a reza. Em cada cruz parava o acompanhamento, ajoelhavam-se todos, e oravam durante muito tempo. Este ato, que satisfazia a devoção das carolas(1), dava pasto(2) e ocasião a quanta sorte de zombaria e de imoralidade aos rapazes daquela época, que são os velhos de hoje, e que tanto clamam contra o desrespeito dos moços de agora. Caminhavam eles em charola(3) atrás da procissão, interrompendo a cantoria com ditérios(4) em voz alta, ora simplesmente engraçados, ora pouco decentes; levavam longos fios de barbante, em cuja extremidade iam penduradas umas grossas bolas de cera. Se ia por ali ao seu alcance algum infeliz, a quem os anos tivessem despido a cabeça dos cabelos, colocavam-se em distância conveniente, e escondidos por trás de um ou de outro, arremessavam o projétil que ia bater em cheio sobre a calva do devoto; puxavam rapidamente o barbante, e ninguém podia saber donde tinha partido o golpe. Estas e outras cenas excitavam vozeria e gargalhadas na multidão. (1) carola: pessoa muito assídua à igreja; beata (2) pasto: assunto; tema (3) em charola: em fila, carregando-se uns aos outros (4) ditérios: ditos (Memórias de um Sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida) TEXTO III Vagou depois por muito tempo pela rua, e só se recolheu para casa estando já a noite adiantada. Ao chegar à porta de casa abriu-se o postigo(1) de uma rótula(2) contígua(3), e uma voz de mulher perguntou: - Então vizinho, nada? - Nada, vizinha, respondeu o compadre com voz desanimada. - Ora, quando eu lhe digo que aquela criança tem maus bofes(4)... - Vizinha, isto não são coisas que se digam... (1) postigo: pequena porta (2) rótula: cada um de dois ossos situados adiante da articulação de cada fêmur com a tíbia homolateral; articulação situada entre dois elementos de uma estrutura, e destinada a permitir seus deslocamentos angulares relativos (3) contígua: próxima; ao lado (4) ter maus bofes: ter maus fígados; ser muito genioso; vingativo (Memórias de um Sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida) Questão 7 Em Memórias de um Sargento de Milícias, é comum observarmos descrições muito detalhadas de eventos, como a que se observa no TEXTO II. Considerando as características do romance, esclareça por que tais descrições ocupam muitas vezes um espaço de grande destaque na narrativa, equiparando-se até ao espaço destinado às personagens principais. Questão 8 No TEXTO III, as personagens são referidas não por seus nomes. Considerando as características do romance, esclareça essa opção do narrador. Questão 9 Explique de que forma o comentário do professor Alfredo Bosi (TEXTO I) esclarece as respostas que você apresentou para as questões “7” e “8”. Questão 10 “Como sempre acontece a quem tem muito onde escolher, o pequeno, a quem o padrinho queria fazer clérigo mandando-o a Coimbra, a quem a madrinha queria fazer artista metendo-o na Conceição, a quem D. Maria queria fazer rábula (1) arranjando-o em algum cartório, e a quem enfim cada conhecido ou amigo queria dar um destino que julgava mais conveniente às inclinações que nele descobria, o pequeno, dizemos, tendo tantas coisas boas, escolheu a pior possível: nem foi para Coimbra, nem para a Conceição, nem para cartório algum; não fez nenhuma destas coisas, nem também outra qualquer: constituiu-se um completo vadio, vadio-mestre, vadio-tipo.” (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias) (1) rábula: advogado de cultura limitada; indivíduo que advoga sem possuir diploma 10.a) Qual o efeito obtido com a utilização da anáfora(1) na apresentação das diversas possibilidades de “bom caminho” para o Leonardinho? (1) anáfora: repetição de uma ou mais palavras no começo de dois ou mais versos, orações subordinadas ou sucessivas, para efeitos retóricos ou poéticos 10.b) O que a anáfora utilizada revela do narrador em relação a Leonardinho? Justifique sua resposta. Questão 11 “Nesse tempo as procissões eram multiplicadas, e cada qual buscava ser mais rica e ostentar(1) maior luxo: as da quaresma eram de uma pompa(2) extraordinária, especialmente quando el-rei se dignava acompanhá-las, obrigando toda a corte a fazer outro tanto; a que primava porém entre todas era a chamada procissão dos ourives(3). Ninguém ficava em casa no dia em que ela saía, ou na rua ou nas casas dos conhecidos e amigos que tinham a ventura de morar em lugar por onde ela passasse, achavam todos meio de vê-la. Alguns haviam tão devotos, que não se contentavam vendo-a uma só vez; andavam de casa deste para a casa daquele, desta rua para aquela, até conseguir vê-la desfilar de princípio a fim duas, quatro e seis vezes, sem o que não se davam por satisfeitos.” (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias) (1) ostentar: exibir com ostentação; mostrar-se com vanglória (2) pompa: grande luxo; gala; aparato solene e suntuoso (3) ourives: fabricante ou vendedor de artefatos de ouro 11.a) Esclareça o emprego do pronome demonstrativo “esse” (“Nesse tempo as procissões...”). Explique por que não poderia ser empregado o pronome demonstrativo “este” em lugar de “esse”, considerando as referências temporais sobre as quais se organiza a obra. 11.b) Em Memórias de um Sargento de Milícias, podem-se observar alguns desvios em relação à norma culta da língua. Neste fragmento, há um desvio quanto à flexão verbal. Aponte esse desvio, justifique a indicação e reescreva o trecho efetuando a correção. Texto para as questões “12” e 13”: Mas a basílica não nos interessou, abafada em tapumes e andaimes, toda branca e seca, de pedra muito nova, ainda sem alma. E Jacinto, por um impulso bem jacíntico, caminhou gulosamente para a borda do terraço, a contemplar Paris. Sob o céu cinzento, na planície cinzenta, a cidade jazia, toda cinzenta, como uma vasta e grossa camada de caliça(1) e telha. E, na sua imobilidade e na sua mudez, algum rolo de fumo, mais tênue e ralo que o fumear de um escombro mal apagado, era todo o vestígio da sua vida magnífica. Então chasqueei(2) risonhamente o meu Príncipe. Aí estava pois a cidade, augusta criação da humanidade! Ei-la aí, belo Jacinto! Sobre a crosta cinzenta de terra – uma camada de caliça, apenas mais cinzenta! No entanto, ainda momentos antes a deixáramos prodigiosamente viva, cheia de um povo forte, com todos os seus poderosos órgãos funcionando, abarrotada de riqueza, resplandecente de sapiência, na triunfal plenitude do seu orgulho, como rainha do mundo coroada de graça. (1) caliça: pó ou fragmentos de argamassa que sobram nas construções ou demolições (2) chasqueei: zombei (A Cidade e as Serras, Eça de Queirós) Questão “12” Considerando este fragmento e o conjunto da obra em questão, esclareça o emprego do adjetivo “jacíntico” pelo narrador. Questão “13” No segundo parágrafo deste fragmento, o narrador zomba da personagem Jacinto. De que recurso estilístico o narrador se vale mais notadamente para fazer a sua zombaria? Justifique sua resposta com alguma passagem do fragmento, esclarecendo a passagem escolhida em relação ao recurso apontado. Questão 14 Muitas vezes Jacinto, durante esses anos, falara com prazer num regresso de dois, três meses, ao 202, para mostrar Paris à prima Joaninha. E eu seria o companheiro fiel, para arquivar os espantos da minha serrana ante a cidade! Depois conveio em esperar que o Jacintinho completasse dois anos, para poder jornadear sem desconforto, e apontando já com o seu dedo para as coisas da civilização. Mas quando ele, em outubro, fez esses dois anos desejados, a prima Joaninha sentiu uma preguiça imensa, quase aterrada, do comboio(1), do estridor(2) da cidade, do 202, e dos seus esplendores. “Estamos aqui tão bem! Está um tempo tão lindo!” murmurava, deitando os braços, sempre deslumbrada, ao rijo pescoço do seu Jacinto. Ele desistia logo de Paris, encantado. “Vamos para abril, quando os castanheiros dos Campos Elísios estiverem em flor!” Mas em abril vieram aqueles cansaços que imobilizavam a prima Joaninha no divã, ditosa(3), risonha, com umas pintas na pele, e o roupão mais solto. (1) comboio: os veículos e os arranjos para a viagem (2) estridor: ruído forte (3) ditosa: feliz, venturosa (A Cidade e as Serras, Eça de Queirós) Considerando o contexto da obra, por que não é incoerente Jacinto aceitar passivamente as sucessivas transferências da viagem da família a Paris, cidade que ele tinha como exemplo de prosperidade e grandeza? Questão 15 Tudo resplandecia de asseio e ordem. As portadas das janelas, cerradas, abrigavam do sol que batia naquele lado de Tormes, escaldando(1) os peitoris(2) de pedra. Do soalho, borrifado(3) de água, subia, na suavizada penumbra, uma frescura. Os cravos recendiam(4). Nem dos campos, nem da casa, se elevava um rumor. Tormes dormia no esplendor da manhã santa. E, penetrado por aquela consoladora quietação de convento rural, terminei por me estender numa cadeira de verga(5) junto da mesa, abrir languidamente(6) um tomo(7) de Virgílio(8), e murmurar, apropriando o doce verso que encontrara: Fortunate Jacinthe! Hic, inter ava nota Et fontes sacros, frigus captabis opacum...(9) Li ainda outros versos. (1) escaldando: aquecendo muito (2) peitoris: parapeito, a parte saliente de uma janela (3) borrifado: molhado com pequenas gotas, esborrifado (4) recendiam: exalavam cheiro agradável, tinham cheiro agradável (5) verga: vara flexível (6) languidamente: lentamente, sem energia (7) tomo: parte de uma obra, a critério do autor (8) Virgílio: poeta romano nascido em 15 de outubro do ano 70 a.C. (9) Afortunado Jacinto, na verdade! Agora, entre campos que são teus e águas que te são sagradas, colhes enfim a sombra e a paz! (A Cidade e as Serras, Eça de Queirós) O romance em questão é uma obra que se enquadra no Realismo de Portugal. Considerando as características desse movimento, é possível afirmar que a descrição apresentada neste fragmento é caracteristicamente realista? Justifique sua resposta. Questão 16 “Jacinto sacudiu furiosamente o colarinho: - Mas como posso eu partir para Lisboa, amanhã, com esta camisa de dois dias, que já me faz uma comichão(1) horrenda? E sem um lenço... Nem ao menos uma escova de dentes!” (1) comichão: sensação na pele que obriga a coçar (QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras) Reescreva inteiramente este fragmento, transpondo para a forma de discurso indireto o parágrafo que aparece na forma de discurso direto. Não omitir nenhum elemento presente no trecho original. Questão 17 Concordei que assim era, mas aleguei que a velhice de D. Plácida estava agora ao abrigo da mendicidade: era uma compensação. Se não fossem os meus amores, provavelmente D. Plácida acabaria como tantas outras criaturas humanas; donde se poderia deduzir que o vício é muitas vezes o estrume da virtude. O que não impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã. A consciência concordou, e eu fui abrir a porta a Virgília. (Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis) Neste fragmento, o narrador justifica o fato de haver convencido D. Plácida a cuidar da casa onde ele e Virgília manteriam seus encontros adúlteros, utilizando o argumento segundo o qual ele praticara, dessa forma, uma boa ação, livrando a ex-costureira de um fim de vida ao desamparo. a) Do ponto de vista da ética, como se pode considerar essa argumentação do narrador? b) Explique o sentido da sequência: “...o vício é muitas vezes o estrume da virtude.” Questão 18 No momento em que eu terminava o meu movimento de rotação, concluía Lobo Neves o seu movimento de translação. Morria com o pé na escada ministerial. Correu, ao menos durante algumas semanas, que ele ia ser ministro; e pois que o boato me encheu de muita irritação e inveja, não é possível que a notícia da morte me deixasse alguma tranquilidade, alívio e um ou dois minutos de prazer. Prazer é muito, mas é verdade; juro aos séculos que é a pura verdade. Fui ao enterro. Na sala mortuária achei Virgília, ao pé do féretro, a soluçar. Quando levantou a cabeça, vi que chorava deveras. Ao sair o enterro, abraçou-se ao caixão, aflita; vieram tirá-la e levá-la para dentro. Digo-vos que as lágrimas eram verdadeiras. Eu fui ao cemitério; e, para dizer tudo, não tinha muita vontade de falar; levava uma pedra na garganta ou na consciência. No cemitério, principalmente quando deixei cair a pá de cal sobre o caixão, no fundo da cova, o baque surdo da cal deu-me um estremecimento, passageiro, é certo, mas desagradável; e depois a tarde tinha o peso e a cor do chumbo; o cemitério, as roupas pretas . . . (Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis) Considerando o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas como um todo, qual o verdadeiro motivo que teria levado o narrador a afirmar, referindo-se a Virgília: “Quando levantou a cabeça, vi que chorava deveras (...) Digo-vos que as lágrimas eram verdadeiras”? Texto para as questões “19” e “20”: Capítulo LXXVI O ESTRUME Súbito deu-me a consciência um repelão, acusou-me de ter feito capitular a probidade de D. Plácida, obrigando-a a um papel torpe, depois de uma longa vida de trabalho e privações. Medianeira não era melhor que concubina, e eu tinha-a baixado a esse ofício, à custa de obséquios e dinheiros. Foi o que me disse a consciência; fiquei uns dez minutos sem saber que lhe replicasse. Ela acrescentou que eu me aproveitara da fascinação exercida por Virgília sobre a ex-costureira, da gratidão desta, enfim da necessidade. Notou a resistência de D. Plácida, as lágrimas dos primeiros dias, as caras feias, os silêncios, os olhos baixos, e a minha arte em suportar tudo isto, até vencê-la. E repuxou-me outra vez de um modo irritado e nervoso . Concordei que assim era mas aleguei que a velhice de D. Plácida estava agora ao abrigo da mendicidade(1), era uma compensação. Se não fossem os meus amores, provavelmente D. Plácida acabaria como tantas outras criaturas humanas; donde se poderia deduzir que o vício é muitas vezes o estrume da virtude. O que não impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã. A consciência concordou, e eu fui abrir a porta a Virgília. (1) mendicidade: qualidade ou estado de mendigo. (Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis) Questão 19 No texto, a personagem joga com as palavras “virtude” e “vício”. De que “vício” e de que “virtude” se trata? Questão 20 Que análise permite o fato de a personagem relacionar ambos? Questão 21 Uma semana depois, Lobo Neves foi nomeado presidente da província. Agarreime à esperança de recusa, se o decreto viesse outra vez datado de 13, trouxe, porém, a data de 31, e esta simples transposição de algarismos eliminou deles a substância diabólica. Que profundas que são as molas da vida! (Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis) A frase “Que profundas que são as molas da vida!” pode ser interpretada como irônica no contexto do romance? Por quê? Texto para as questões “21” e “22”: A essa hora, enquanto pelo arvoredo mudo os mais agitados pardais dormiam, e o sol mesmo parecia repousar, imóvel na rutilância(1) da sua luz, Jacinto, com o espírito acordado, - ávido(2) de sempre gozar, agora que reconquistara essa faculdade – tomava com delícia o seu livro. Porque o dono de trinta mil volumes era agora, na sua casa de Tormes, depois de ressuscitado, o homem que só tem um livro. Essa mesma natureza, que o desligara das ligaduras amortalhadoras(3) do tédio, e lhe gritara o seu bela ambula, caminha! – também certamente lhe gritara et lege, e lê. E libertado enfim do invólucro(4) sufocante da sua biblioteca imensa, o meu ditoso amigo compreendia enfim a incomparável delícia de ler um livro. (1) rutilância: brilho intenso; resplandecência; esplendor (2) ávido: desejoso; sedento; ansioso (3) amortalhar: envolver em mortalha (vestidura em que se envolve o cadáver que vai ser sepultado); destruir; aniquilar; matar (4) invólucro: tudo quanto serve para envolver; envoltório (QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras) Questão 21 Considerando o contexto do romance, por que Jacinto passou a ser “o homem que só tem um livro”? Questão 22 Por que a biblioteca de Jacinto era um “invólucro sufocante”? Texto para as questões “23” e “24”: Recolhemos à biblioteca, a tomar o café no conchego(1) e alegria do lume(2). Fora, o vento bramava(3) como num ermo serrano; e as vidraças tremiam, alagadas, sob as bátegas(4) da chuva irada. Que dolorosa noite para os dez mil pobres que em Paris erram(5) sem pão e sem lar! Na minha aldeia, entre cerro(6) e vale, talvez assim rugisse a tormenta. Mas aí cada pobre, sob o abrigo da sua telha-vã(7), com a sua panela atestada de couves, se agacha no seu mantéu(8) ao calor da lareira. E para os que não tenham lenha ou couve, lá está o João das Quintãs, ou a tia Vicência, ou o abade(9), que conhecem todos os pobres pelos seus nomes, e com eles contam, como sendo dos seus, quando o carro vai ao mato e a fornada entra no forno. Ah Portugal pequenino, que ainda és doce aos pequeninos! (1) conchego: comodidade; conforto; amparo (2) lume: fogo; luz; fulgor (3) bramar: soltar bramidos (grito muito forte; clamor; berro) (4) bátega: aguaceiro forte e grosso (5) errar: percorrer sem destino; vagabundear (6) cerro: colina pequena e penhascosa (7) telha-vã: telhado sem forro (8) mantéu: espécie de capa ou manto; também é um tipo de saia usada pelas mulheres do campo (9) abade: superior de ordem religiosa; pároco de certas freguesias (QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras) Questão 23 De acordo com este fragmento, por que é possível afirmar que a pobreza é relativa? Questão 24 Em que medida é possível afirmar que a resposta à questão “23” ratifica “a tese segundo a qual o homem só é verdadeiramente feliz longe da Civilização, do Progresso, da Máquina, isto é, no culto da Natureza e da Simplicidade*”? *MOISÉS, Massaud. 1988. A literatura portuguesa. São Paulo: Editora Cultrix. Texto para as questões “25” e “26”: E eu atirei para um montão de lixo, ao canto do pátio, aquela podridão da ligeira Civilização. E montei. Mas, já ao dobrar para o caminho empinado da serra, ainda me voltei, para gritar adeus ao Pimenta, que eu esquecera. O digno chefe, debruçado sobre o monturo(1) de lixo, apanhava, sacudia, recolhia com amor aquelas belas estampas(2), que chegavam de Paris, contavam as delícias de Paris, derramavam através do mundo a sedução(3) de Paris. Em fila começamos a subir para a serra. A tarde adoçava o seu esplendor de estio(4). Uma aragem trazia, como ofertados, perfumes de flores silvestres. As ramagens moviam, com um aceno(5) de doce acolhimento(6), as suas folhas vivas e reluzentes(7). Toda a passarinhada cantava, num alvoroço de alegria e de louvor. As águas correntes, saltantes(8), luzidias(9), despediam um brilho mais vivo, numa pressa mais animada. Janelas distantes de casas amáveis flamejavam(10) com um fulgor(11) de ouro. A serra toda se ofertava, na sua beleza eterna e verdadeira. (1) monturo: lugar onde se depositam dejeções, lixo ou imundícies; lixeira; monte de lixo (2) estampa: figura impressa ou gravada, geralmente em papel; figura; ilustração; imagem (3) sedução: atração; encanto; fascínio (4) estio: verão (estação do ano) (5) aceno: gesto; sinal; chamamento; apelo (6) acolhimento: ato de acolher; recepção; consideração (7) reluzente: que reluz, que brilha (8) saltante: que salta; em atitude de saltar (9) luzidio: brilhante; nítido (10) flamejar: lançar raios luminosos; lançar chamas; arder (11) fulgor: brilho; clarão; esplendor (QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras) Questão 25 Por que se pode afirmar que há paralelismo neste fragmento? Questão 26 Se fosse omitido o artigo “a” em: “Toda a passarinhada cantava,...”, qual seria a alteração de sentido? Comente também a eventual mudança de classe gramatical das palavras envolvidas, no caso da omissão do artigo. Questão 27 Tens aqui pois o olho primitivo, o da natureza, elevado pela civilização à sua máxima potência de visão. E desde já, pelo lado do olho portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do Universo que ele não suspeita e de que está privado. Aplica esta prova a todos os órgãos e compreenderás o meu princípio. (QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras) A que personagem se referem as formas verbais “tens”, “Aplica” e “compreenderás”? Justifique sua resposta. Questão 28 É impossível descrever o que sentiu o Leonardo quando por entre as cortinas da cadeirinha viu-os passar e subir a escada. Foi uma rápida alternativa de frio e de calor, de tremor e de imobilidade, de medo e de coragem; veio-lhe outra vez à lembrança o pontapé paterno: era o termo constante de comparação para todos os seus sofrimentos. Enquanto o Vidigal e os granadeiros varejavam(1) a casa em que haviam entrado, Leonardo punha-se longe, e em quatro pulos achava-se em casa de Vidinha, que o recebeu com um abraço, exclamando: - Qual! Aí está ele! (Memórias de um Sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida) (1) varejar: açoitar com vara; fustigar; atacar; investir; dar revista a; rebuscar; revistar Identifique, no primeiro parágrafo deste texto, o recurso estilístico utilizado pelo narrador para expressar o que Leonardo sentiu. Justifique sua resposta e indique o substantivo que, de certa forma, “antecipa” o recurso utilizado pelo narrador. Justifique também a escolha do substantivo. Texto para as questões “29” e “30”: Capítulo VI Primeira noite fora de casa O compadre, apenas dera por falta do afilhado, viu-se preso da maior aflição; pôs em alarma toda a vizinhança, procurou, indagou, mas ninguém lhe deu novas nem mandados dele. Lembrou-se então da via-sacra, e imaginou que o pequeno a teria acompanhado; percorreu todas as ruas por onde passara o acompanhamento, perguntado aflito a quantos encontrava pelo tesouro precioso de suas esperanças; chegou sem encontrar vestígio algum até o Bom-Jesus, onde lhe disseram ter visto três meninos que por se portarem endiabradamente na ocasião da entrada da via-sacra o sacristão os correra para fora da igreja. Foi este o único sinal que pôde colher. (Memórias de um Sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida) Questão 29 No primeiro período deste texto, foi empregada uma conjunção que estabelece relação temporal. Indique qual é a conjunção e explique por que seu emprego nesta passagem é mais adequado do que seria o emprego da conjunção “quando”, também temporal. Questão 30 A sequência em que há a informação sobre o comportamento dos três meninos, entre os quais supostamente estava o Leonardinho, contrasta com a sequência em que o narrador faz referência ao pensamento do padrinho a respeito do Leonardinho. 30.a) Transcreva essas duas sequências que estabelecem esse contraste, com cinco palavras cada uma, no máximo. 30.b) Em uma dessas sequências, há ironia. Esclareça essa afirmação. Questão “31”: Era no tempo do rei. Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo - O canto dos meirinhos -; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. (Almeida, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias) Questão 31 No trecho aqui reproduzido, o narrador compara duas épocas diferentes: o seu próprio tempo e o tempo do rei. Esse procedimento é raro ou frequente no livro? Com que objetivo o narrador o adota? Texto para as questões “32” e “33”: “Um dia de procissão foi sempre nesta cidade um dia de grande festa, de lufalufa, de movimento e de agitação; e se ainda é hoje o que os nossos leitores bem sabem, na época em que viveram as personagens desta história a coisa subia de ponto; enchiamse as ruas de povo, especialmente de mulheres de mantilha; armavam-se as casas, penduravam-se às janelas magníficas colchas de seda, de damasco de todas as cores, e armavam-se coretos em quase todos os cantos. E quase tudo o que ainda hoje se pratica, porém em muito maior escala e grandeza, porque era feito por fé, como dizem as velhas desse bom tempo, porém nós diremos, porque era feito por moda: era tanto do tom enfeitar as janelas e portas em dias de procissão, ou concorrer de qualquer outro modo para o brilhantismo das festividades religiosas, como ter um vestido de mangas de presunto, ou trazer à cabeça um formidável trepa-moleque de dois palmos de altura.” (Memórias de um Sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida) Questão 32 Mesmo sem conhecer os significados possíveis das palavras “mantilha” e “trepamoleque”, é possível concluir se tais palavras são apresentadas no texto com valor positivo ou com valor negativo. Indique qual o valor com que figuram no texto e justifique sua resposta. Questão 33 Qual é “esse bom tempo” (“...era feito por fé, como dizem as velhas desse bom tempo, porém nós...”) e por que se empregou nessa passagem o pronome demonstrativo “esse”, em vez do pronome demonstrativo “este”? Texto para as questões “34” e “35”: “Capítulo VIII Ao fim desse inverno escuro e pessimista, uma manhã que eu preguiçava na cama, sentindo através da vidraça cheia de sol ainda pálido um bafo de primavera ainda tímido – Jacinto assomou à porta do meu quarto, revestido de flanelas leves, de uma alvura de açucena. Parou lentamente à beira dos colchões, e, com gravidade, como se anunciasse o seu casamento ou a sua morte, deixou desabar sobre mim esta declaração formidável: - Zé Fernandes, vou partir para Tormes. O pulo com que me sentei abalou o rijo leito de pau-preto do velho “D. Galeão”: - Para Tormes? Oh Jacinto, quem assassinaste?... Deleitado com a minha emoção, o Príncipe da Grã-Ventura tirou da algibeira uma carta, e encetou estas linhas, já decerto relidas, fundamente estudadas: “Il.mo e Ex.mo Sr. – Tenho grande satisfação em comunicar a V. Ex.a que por toda esta semana devem ficar prontas as obras da capela...” - É do Silvério? – exclamei.” (A Cidade e as Serras, Eça de Queirós) Clímax Na linguagem do teatro, o clímax assinala o instante crítico em que a tensão alcança o ápice que prenuncia o desfecho. Pode coincidir também com a reviravolta na sucessão dos episódios. Na literatura, o conceito mais aceito é o que caracteriza o clímax como o instante do romance que encaminha o desfecho. Questão 34 Tomando por base o conceito de clímax mais aceito na literatura, esclareça por que se pode afirmar que este texto contém o clímax do romance A Cidade e as Serras. Questão 35 Considerando o todo do romance A Cidade e as Serras, justifique o espanto do narrador na fala: “- Para Tormes? Oh Jacinto, quem assassinaste?...” Questão 36 Isto tudo vem para dizermos que Maria-Regalada tinha um verdadeiro amor ao major Vidigal; o major pagava-lho na mesma moeda. Ora, D. Maria era uma das camaradas mais do coração de Maria-Regalada. Eis aí porque falando dela D. Maria e a comadre se mostraram tão esperançadas a respeito da sorte do Leonardo. Já naquele tempo (e dizem que é defeito do nosso) o empenho, o compadresco, era uma mola real de todo o movimento social. (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias) Explique com suas palavras o “defeito” a que se refere o narrador. Texto para as questões “37” 3 “38”: Os Cães Mas enfim, que pretendes fazer agora? Perguntou-me Quincas Borba, indo pôr a xícara vazia no parapeito de uma das janelas. - Não sei; vou meter-me na Tijuca; fugir aos homens. Estou envergonhado, aborrecido. Tantos sonhos, meu caro Borba, tantos sonhos, e não sou nada. -Nada! interrompeu-me Quincas Borba com um gesto de indignação. Para distrair-me, convidou-me a sair; saímos para os lados do Engenho Velho. Íamos a pé, filosofando as coisas. Nunca me há de esquecer o benefício desse passeio. A palavra daquele grande homem era o cordial da sabedoria. Disse-me ele que eu não podia fugir ao combate; se me fechavam a tribuna, cumpria-me abrir um jornal. Chegou a usar uma expressão menos elevada, mostrando assim que a língua filosófica podia, uma ou outra vez, retemperar-se no calão do povo. Funda um jornal, disse-me ele, e “ desmancha toda esta igrejinha”. - Magnífica idéia! Vou fundar um jornal, vou escacha(1)-los, vou... -Lutar. Podes escachá-los ou não; o essencial é que lutes. Vida é luta. Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal. Daí a pouco demos com uma briga de cães; fato que aos olhos de um homem vulgar não teria valor. Quincas Borba fez-me parar e observar os cães. Eram dois. Notou que ao pé deles estava um osso, motivo da guerra, e não deixou de chamar a minha atenção para a circunstância de que o osso não tinha carne. Um simples osso nu. Os cães mordiam-se, rosnavam, com o furor nos olhos... Quincas Borba meteu a bengala debaixo do braço, e parecia em êxtase. - Que belo que isto é! dizia ele de quando em quando. (1) escachar: rachar; partir ao meio (ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas) Questão 37 No trecho transcrito de Memórias Póstumas de Brás Cubas, está estampada uma oposição entre o lugar ocupado por Quincas Borba, um filósofo e um “ grande homem”, e as pessoas comuns. Comente dois exemplos extraídos do fragmento, pelos quais fica evidente essa distinção, tanto no plano dos fatos quanto no plano lingüístico. Questão 38 A observação da briga de cães causa uma reflexão filosófica de Quincas Borba. Essa teoria aparece tanto em Memórias Póstumas de Brás Cubas como no romance seguinte, Quincas Borba. Qual o nome da teoria de Quincas Borba? Questão 40 “Com ele cresciam as esperanças do belo futuro com que o compadre sonhava para o pequeno, e tanto mais que durante este tempo fizera este alguns progressos : lia soletrado(1) sofrivelmente(2), e por inaudito(3) triunfo da paciência do compadre aprendera a ajudar missa. A primeira vez que ele conseguiu praticar com decência e exatidão semelhante ato, o padrinho exultou(4); foi um dia de orgulho e de prazer: era o primeiro passo no caminho para que ele o destinava.” soletrar: ler pronunciando separadamente as letras e juntando-as em sílabas sofrível: quase suficiente; moderado; acima de medíocre; razoável; que está entre o bom e o ruim inaudito: fantástico; inacreditável, incrível; que nunca se ouviu dizer; extraordinário exultar: sentir grande júbilo; alegrar-se ou regozijar-se ao extremo (Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias) Qual a função dos dois pontos empregados pelo narrador depois da palavra “prazer”? Qual seria a outra forma possível para expressar a mesma idéia, sem utilizar os dois pontos? Textos para as questões “41”, “42” e “43”, de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida: Texto I Capítulo XLV EMPENHOS O primeiro passo que deu a comadre foi dirigir-se à casa do major a interceder pelo Leonardo; o major porém mostrou-se inflexível: o caso era grave, já não o primeiro; a disciplina não podia ser impunemente ofendida mais de uma vez; o castigo devia ser infalível e grande. A comadre, que fora cheia de boas esperanças, soube pelo major o que ignorava, o que nem mesmo supunha: o Leonardo não só ficaria por mais tempo preso, como teria que ser chibatado... Texto II Os leitores estão já curiosos por saber quem é ela, e têm razão; vamos já satisfazê-los. O major era pecador antigo, e no seu tempo fora daqueles de quem se diz que não deram o seu quinhão(1) ao vigário; restava-lhe ainda hoje alguma coisa que às vezes lhe recordava o passado: essa alguma coisa era a Maria-Regalada que morava na Prainha. (1) quinhão: cota; partilha Texto III - Sabem que mais? atalhou o major; são horas de uma diligência(1) a que não posso faltar... O rapaz está livre de tudo; contanto que, acrescentou dirigindo-se a Maria-Regalada, o dito, dito... - Eu nunca faltei à minha palavra, replicou esta. Retiraram-se as três cheias do maior contentamento, e o major saiu depois também para cumprir a sua promessa. (1) diligência: investigação; busca; providência Questão 41 Considerando o todo da obra, comente a mudança de atitude do major em relação ao Leonardo, conforme se pode observar nestes três fragmentos. Questão 42 Essa mudança pode ser considerada uma crítica. O que é criticado com a apresentação da mudança de atitude por parte do major? Questão 43 Por que é possível afirmar que essa crítica não se aplica somente à época retratada na obra? Textos para as questões “44”, “45” e “46”: TEXTO I E assim encontrávamos sempre a superfina dama prevenida e solitária naquela sala da Rue de Lisbonne, onde Jacinto e eu mal cabíamos, sufocávamos na confusão, entre os cestos de flores, e os ouros rocalhados(1), e os monstros do Japão, e a galante(2) fragilidade dos saxes(3), e as peles de feras estiradas aos pés de sofás adormecedores, e os biombos de Aubusson(4) formando alcovas(5) favoráveis e lânguidas(6)... (1) rocalhar: adornar-se; revestir-se; ornar-se (de contas ou pérolas) (2) galante: elegante; garboso; gracioso, de aparência agradável (3) saxe: instrumento de sopro, com três a cinco pistões; saxtrompa (4) Aubusson: cidade francesa, conhecida por sua tapeçaria (5) alcova: quarto de dormir (6) lânguido: sem forças; abatido; frouxo (QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras) TEXTO II Como sempre acontece a quem tem muito onde escolher, o pequeno, a quem o padrinho queria fazer clérigo(1) mandando-o a Coimbra, a quem a madrinha queria fazer artista metendo-o na Conceição, a quem D. Maria queria fazer rábula(2) arranjando-o em algum cartório, e a quem enfim cada conhecido ou amigo queria dar um destino que julgava mais conveniente às inclinações que nele descobria, o pequeno, dizemos, tendo tantas coisas boas, escolheu a pior possível: nem foi para Coimbra, nem para a Conceição, nem para cartório algum; não fez nenhuma destas coisas, nem também outra qualquer: constituiu-se um completo vadio, vadio-mestre, vadio-tipo. (1) clérigo: padre (2) rábula: aquele que advoga sem ser diplomado; indivíduo que fala muito, sem chegar a conclusão nenhuma (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias) Questão 44 No Texto I, fragmento de A Cidade e as Serras, o narrador José Fernandes descreve o ambiente utilizando-se de marcas que caracterizam esse ambiente como um ambiente de contrastes. Esclareça essa afirmação, utilizando-se de elementos presentes no Texto I. Questão 45 A presença de contrastes, como os referidos na Questão “44”, pode ser observada também em outras situações durante a narrativa, por exemplo, como o contraste observado na vida de Jacinto em Paris, cercado da tecnologia que tanto enaltece. Como é possível relacionar tal contraste à temática do romance, isto é, em que medida a vida de Jacinto em Paris pode sugerir que a sua felicidade, durante o tempo em que vivia em Paris, era apenas uma “felicidade aparente”? Questão 46 Em ambos os textos, o narrador faz uso de recurso estilístico que consiste em enfatizar por repetição. Explique como se dá a ênfase pelo uso de tal recurso em cada um dos textos. Textos para as questões “47” e “48”: TEXTO I Mas o realismo de Manuel Antônio de Almeida não se esgota nas linhas meio caricaturais com que define uma variada galeria de tipos populares. O seu valor reside principalmente em ter captado, pelo fluxo narrativo, uma das marcas da vida na pobreza, que é a perpétua sujeição(1) à necessidade, sentida de modo fatalista como o destino de cada um. Esse contínuo esforço de driblar o acaso das condições adversas e a avidez de gozar os intervalos de boa sorte impelem os figurantes das Memórias, e, em primeiro lugar, o anti-herói Leonardo, “filho de uma pisadela e de um beliscão” para a roda viva de pequenos engodos(2) e demandas(3) de emprego, entremeadas com ciganagens e patuscadas(4) que dão motivo ao romancista para fazer entrar em cena tipos e costumes do velho Rio. (1) sujeição: ato de sujeitar ou sujeitar-se; dependência; submissão (2) engodo: isca com que se apanham peixes; ação para seduzir alguém; adulação para seduzir (3) demanda: busca; procura (4) patuscada: ajuntamento festivo de pessoas para comer e beber; farra; pândega (BOSI, Alfredo, 1994. História Concisa da Literatura Brasileira.São Paulo: Editora Cultrix) TEXTO II - Se eu pudesse encontrar outro marido – disse-me ela -, creia que me teria casado; mas ninguém queria casar comigo. Um dos pretendentes conseguiu fazer-se aceito; não sendo, porém, mais delicado que os outros, Dona Plácida despediu-o do mesmo modo, e, depois de o despedir, chorou muito. Continuou a coser(1) para fora e a escumar(2) os tachos. A mãe tinha a rabugem do temperamento, dos anos e da necessidade; mortificava a filha para que tomasse um dos maridos de empréstimo e de ocasião que lha pediam. E bradava: - Queres ser melhor do que eu? Não sei donde te vêm essas fidúcias(3) de pessoa rica. Minha camarada, a vida não se arranja à toa; não se come vento. Ora essa! Moços tão bons como o Policarpo da venda, coitado... Esperas algum fidalgo, não é? (1) coser: costurar; fazer trabalho de costura (2) escumar: tirar a escuma (espuma) a; deitar ou fazer escuma (3) fidúcia: confiança; segurança (ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas) Questão 47 Que aspecto presente no Texto II pode ser associado ao trecho em negrito do Texto I? Questão 48 Por que o trecho em negrito do Texto I, que remete a uma obra inserida no Romantismo brasileiro, pode ser associado ao Texto II, fragmento de uma obra inserida no Realismo brasileiro? Textos para as questões “49” e “50”: TEXTO I Outrossim, afeiçoei-me à contemplação da injustiça humana, inclinei-me a atenuá-la, a explicá-la, a classificá-la por partes, a entendê-la, não segundo um padrão rígido, mas ao sabor das circunstâncias e lugares. Minha mãe doutrinava-me a seu modo, fazia-me decorar alguns preceitos e orações; mas eu sentia que, mais do que as orações, me governavam os nervos e o sangue, e a boa regra perdia o espírito, que a faz viver, para se tornar uma vã(1) fórmula. De manhã, antes do mingau, e de noite, antes da cama, pedia a Deus que me perdoasse, assim como eu perdoava aos meus devedores; mas entre a manhã e a noite fazia uma grande maldade, e meu pai, passado o alvoroço, deva-me pancadinhas na cara, e exclamava a rir: “Ah! Brejeiro(2)! Ah! Brejeiro!” (1) vão: sem valor; inútil; ineficaz (2) brejeiro: brincalhão; malicioso (ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas) TEXTO II O compadre que no meio de tudo tinha sempre pintado a história do menino com cores muito favoráveis, não cessando de gabar a sua mansidão, boa índole, e dourado(1) sempre as suas diabruras com o título de inocências, ingenuidades ou coisas de criança, começou a dar o cavaco(2) com o desmentido que lhe dava a vizinha, que ao contrário dele pintava tudo com cores negras. A comadre interveio também nessa ocasião, porém conservando uma posição duvidosa: ora era da opinião do compadre, ora da opinião da vizinha. (1) dourar: cobrir; embelezar (2) dar o cavaco: demonstrar enfado ou zanga por ter sido zombado ou ridicularizado (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias) Questão 49 Com relação aos “deslizes” que o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas comete durante a narrativa, “desnudando-se em suas falhas”, o Texto I oferece marcas que confirmam alguns desses “deslizes”. 49.a) Aponte duas dessas marcas e esclareça por que essa escolha comprova a “autotraição” do narrador. 49.b) Ainda quanto a esses “deslizes”, o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas revela-se como alguém que relativiza o cumprimento dos preceitos éticos. Transcreva uma sequência (máximo de dez palavras) que comprove essa relativização. Justifique sua resposta. Questão 50 Embora os fragmentos aqui apresentados, extraídos de romances inseridos em movimentos literários diferentes, o Realismo e o Romantismo, é possível observar uma semelhança quanto à atitude tomada pelo pai do narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas e a atitude tomada pelo “compadre”, no Texto II. Indique qual é essa semelhança e esclareça por que a evidência dessas atitudes configura uma crítica dentro de cada uma das obras. Textos para as questões “51” e “52”: TEXTO I Tão exagerados eram os afagos de José Manoel para com D. Maria, e tanto repartia ele esses afagos com Luisinha, que bem claro se deixou ver que havia neles fim oculto. Afinal o negócio aclarou-se. D. Maria era, como dissemos, rica e velha; não tinha outro herdeiro senão sua sobrinha; se morresse D. Maria, Luisinha ficaria arranjada, e como era muito criança e mostrava ser muito simples, era uma esposa conveniente a qualquer esperto que se achasse, como José Manoel, em disponibilidade; este pois fazia a corte à velha com intenções na sobrinha. Quando Leonardo, esclarecido pela sagacidade(1) de seu padrinho, entrou no conhecimento destas coisas, ficou fora de si, e a ideia mais pacífica que teve foi que podia mui bem, quando fosse visitar D. Maria, munir-se(2) de uma das navalhas mais afiadas de seu padrinho, e na primeira ocasião oportuna fazer de um só golpe em dois o pescoço de José Manoel. Porém teve de aplacar-se(3) e ceder às admoestações(4) do padrinho, que sabia de todos os seus sentimentos, e que os aprovava. (1) sagacidade: finura; perspicácia; sutileza (2) munir-se: armar-se; prover-se do necessário para a defesa ou o combate (3) aplacar-se: acalmar-se; moderar (4) admoestação: advertência; aviso; conselho (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias) TEXTO II Capítulo 28 CONTANTO QUE... - Virgília? interrompi eu. - Sim, senhor; é o nome da noiva. Um anjo, meu pateta, um anjo sem asas. Imagina uma moça assim, desta altura, viva como um azougue(1), e uns olhos... filha do Dutra... - Que Dutra? - O Conselheiro Dutra, não conheces; uma influência política. Vamos lá, aceitas? Não respondi logo; fitei por alguns segundos a ponta do botim(2); declarei depois que estava disposto a examinar as duas coisas, a candidatura e o casamento, contanto que... - Contanto que? - Contanto que não fique obrigado a aceitar as duas; creio que posso ser separadamente homem casado ou homem público... - Todo o homem público deve ser casado, interrompeu sentenciosamente(3) meu pai. Mas seja como queres; estou por tudo; fico certo de que a vista fará fé! Demais a noiva e o parlamento são a mesma coisa... isto é, não... saberás depois.. Vá; aceito a dilação(4), contanto que... - Contanto que?... interrompi eu, imitando-lhe a voz. - Ah! brejeiro! Contanto que não te deixes ficar aí inútil, obscuro, e triste; não gastei dinheiro, cuidados, empenhos, para te não ver brilhar, como deves, e te convém, e a todos nós; é preciso continuar o nosso nome, continuá-lo e ilustrá-lo ainda mais. (1) azougue: pessoa inquieta; pessoa esperta (2) botim: calçado de couro, de cano mais curto que a bota e geralmente com elásticos (3) sentencioso: grave como um juiz; da natureza da sentença (4) dilação: adiamento; prorrogação (ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas) Questão 51 No que diz respeito ao casamento, é possível identificar uma semelhança entre os dois textos. 51.a) Em que consiste essa semelhança? Justifique sua resposta. 51.b) Comente a resposta à Questão “51.a” levando em conta os movimentos literários em que estão inseridos os dois romances. Questão 52 Na fala: “Todo o homem público...”, há o emprego indevido do artigo “o”. Em que consiste essa inadequação? Justifique sua resposta, apresentando a classificação gramatical das palavras envolvidas naquela construção. Texto para as questões “53” e “54”: Capítulo 115 O ALMOÇO Não a vi partir; mas à hora marcada senti alguma coisa que não era dor nem prazer, uma coisa mista, alívio e saudade, tudo misturado, em iguais doses. Não se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei que, para titilar(1)-lhe os nervos da fantasia, devia padecer(2) um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico. A realidade pura é que almocei, como nos demais dias, acudindo ao coração com as lembranças da minha aventura, e ao estômago com os acepipes(3) de M. Prudhon... (1) titilar: estremecer; estimular; fazer cócegas ligeiras (2) padecer: ser atormentado; sofrer dores físicas ou morais (3) acepipe: guloseima; petisco (ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas) Questão 53 Neste fragmento, é possível notar revelações sobre o narrador e seu estilo. Que elementos presentes neste fragmento permitem observações quanto ao fato de o narrador “revelar-se a si mesmo” em seus relatos, fato recorrente ao longo de toda a narrativa? Questão 54 Que passagem deste fragmento permite afirmar que há aí uma crítica ao movimento literário anterior ao Realismo? Justifique sua resposta. Texto para as questões “55”, e “56”: “Quando Jacinto, no seu quarto do 202, com as varandas abertas sobre os lilases(1), me desenrolava estas imagens, todo ele crescia, iluminado. Que criação augusta(2), a da cidade! Só por ela, Zé Fernandes, só por ela, pode o homem soberbamente afirmar a sua alma!... - Ó Jacinto, e a religião? Pois a religião não prova a alma? Ele encolhia os ombros. A religião! A religião é o desenvolvimento suntuoso de um instinto rudimentar, comum a todos os brutos, o terror. Um cão lambendo a mão do dono, de quem lhe vem o osso ou o chicote, já constitui toscamente um devoto, o consciente devoto, prostrado em rezas ante o Deus que distribui o Céu ou o Inferno!... Mas o telefone! O fonógrafo(3)! - Aí tens tu, o fonógrafo, Zé Fernandes, me faz verdadeiramente sentir a minha superioridade de ser pensante e me separa do bicho. Acredita, não há senão a Cidade, Zé Fernandes, não há senão a Cidade!” (1) lilás: arbusto que dá flor arroxeada (2) augusto: digno de respeito; imponente (3) fonógrafo: instrumento que grava e reproduz a voz e outros sons (QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras) Questão 55 Neste fragmento, é apresentada uma “definição” de religião. Que personagem é responsável por essa definição? Justifique sua resposta, esclarecendo o tipo de discurso de que o narrador faz uso para apresentar a referida definição. Questão 56 Levando-se em conta a resposta dada à Questão “55”, o que é possível afirmar quanto à expressão “consciente devoto”, do ponto de vista da estilística? Questão 57 Três dias depois desta festa no 202 recebeu o meu Príncipe inesperadamente, de Portugal, uma nova(1) considerável(2). Sobre a sua Quinta e solar de Tormes, por toda a serra, passara uma tormenta devastadora de vento, corisco(3) e água. Com as grossas chuvas, "ou por outras causas que os peritos dirão" (como exclamava na sua carta angustiada o procurador Silvério), um pedaço de monte, que se avançava em socalco(4) sobre o vale da Carriça, desabara, arrastando a velha igreja, uma igrejinha rústica do século XVI, onde jaziam sepultados os avós de Jacinto desde os tempos de el-rei D. Manuel. Os ossos veneráveis desses Jacintos jaziam(5) agora soterrados sob um montão informe(6) de terra e pedra. O Silvério já começara com os moços da Quinta a desatulhar(7) os "preciosos restos". Mas esperava ansiosamente as ordens de Sua Excelência... (1) nova: novidade; notícia (2) considerável: importante; que deve ser levado em consideração; notável (3) corisco: centelha produzida nas nuvens eletrizadas, sem que se ouçam trovões; faísca elétrica (4) socalco: espécie de degrau, feito em uma encosta para ser agricultada (5) jazer: estar deitado; estar quieto, imóvel; estar sepultado (6) informe: sem forma determinada (7) desatulhar: tirar o entulho; limpar (QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras) 57.a) Por que a “nova considerável” é importante para o desenvolvimento do romance. Justifique sua resposta, levando em conta a constatação pretendida pelo autor quanto à tese sobre a confrontação “campo x cidade”? (5 linhas) 57.b) Depois da expressão “nova considerável”, o narrador optou pela utilização do ponto final. No entanto, seria possível ali a utilização de outro sinal de pontuação. De que sinal de pontuação se trata? Justifique sua resposta. Texto para as questões “58” e “59”: Capítulo 70 – Dona Plácida Voltemos à casinha. Não serias capaz de lá entrar hoje, curioso leitor; envelheceu, apodreceu, e o proprietário deitou-a abaixo para substituí-la por outra, três vezes maior , mas juro-te que muito menor que a primeira. O mundo era estreito para Alexandre(1); um desvão(2) de telhado é o infinito para as andorinhas. Vê agora a neutralidade deste globo, que nos leva, através dos espaços, como uma lancha de náufragos, que vai dar à costa: dorme hoje um casal de virtudes no mesmo espaço de chão que sofreu um casal de pecados. Amanhã pode lá dormir um eclesiástico(3), depois um assassino, depois um ferreiro, depois um poeta, e todos abençoarão esse canto de terra, que lhes deu algumas ilusões. Virgília fez daquilo um brinco; designou as alfaias(4) mais idôneas(5), e dispôlas com a intuição estética(6) da mulher elegante; eu levei para lá alguns livros, e tudo ficou sob a guarda de Dona Plácida, suposta, e, a certos respeitos, verdadeira dona da casa. Alexandre: rei da Macedônia (356 a.C. - 323 a.C.) desvão: espaço entre o telhado e o forro de uma casa eclesiástico: sacerdote; pertencente ou relativo à Igreja alfaia: móvel ou utensílio de uso ou adorno doméstico idôneo: adequado; próprio para alguma coisa estético: harmonioso; belo (ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas) Questão 58 Considerando o todo do romance, esclareça a aparente contradição presente em: “... três vezes maior, mas juro-te que muito menor que a primeira.”. Questão 59 Indique uma passagem do segundo parágrafo deste fragmento que justifique a sua resposta à questão anterior. Justifique a indicação. Texto para as questões “60” e “61”: Capítulo VIII Começou então no 202 o colossal encaixotamento de todos os confortos necessários ao meu Príncipe para um mês de serra áspera – camas de pena, banheiras de níquel, lâmpadas Carcel(1), divãs profundos, cortinas para vedar as gretas(2) rudes, tapetes para amaciar os soalhos broncos(3). Os sótãos, onde se arrecadavam os pesados trastes(4) do avô “Galeão” foram esvaziados – porque o casarão medieval de 1410 comportava os tremós(5) românticos de 1830. De todos os armazéns de Paris chegavam cada manhã fardos, caixas, temorosos embrulhos que os emaladores(6) desfaziam, atulhando(7) os corredores de montes de palha e de papel pardo, onde os nossos passos açodados(8) se enrodilhavam(9). O cozinheiro, esbaforido, organizava a remessa de fornalhas, geleiras, bocais(10) de trufas, latas de conservas, bojudas garrafas de águas minerais. Jacinto, lembrando as trovoadas da serra, comprou um imenso para-raios. Desde o amanhecer, nos pátios, no jardim, se martelava, se pregava, com vasto fragor(11), como na construção de uma cidade. E o desfilar das bagagens, através do portão, lembrava uma página de Heródoto(12) contando a marcha dos persas. Das janelas, Jacinto, com o braço estendido, saboreava aquele atividade e aquela disciplina: - Vê tu, Zé Fernandes, que facilidade! ... Saímos do 202, chegamos à serra, encontramos o 202. Não há senão Paris! Recomeçara a amar a cidade, o meu Príncipe, enquanto preparava o seu êxodo. Depois de ter, toda a manhã, apressado os encaixotadores, descortinado confortos novos para o abandonado solar(13), telefonado gordas listas de encomendas a cada loja de Paris – era com delícia que se vestia, se perfumava, se floria, se enterrava na vitória ou saltava para a almofada do faetone(14), e corria ao Bosque, e saudava a barba talmúdica(15) do Efraim, e os bandós(16) furiosamente negros da Verghane(17), e o psicólogo de fiacre(18), e a condessa de Trèves na sua nova caleche(19) de oito molas fornecida pelas operações conjuntas da Bolsa e da alcova(20). (1) lâmpada Carcel: candeeiro inventado pelo relojoeiro francês Carcel em 1800 (2) greta: rachadura; fenda (3) bronco: áspero; rude (4) traste: móvel caseiro ou utensílio velho de escasso ou nenhum valor (5) tremó: tipo de espelho (6) emalador: funcionário encarregado de arrumar objetos em mala (7) atulhar: abarrotar; entupir (8) açodar: apressar; acelerar (9) enrodilhar: embaraçar (10) bocal: punhado (11) fragor: ruído muito forte; estrondo (12) Heródoto: geógrafo e historiador grego (485 (?) a.C. - 420 a.C.) (13) solar: antiga morada de família; morada de família nobre (14) faetone: pequena carruagem de quatro rodas (15) talmúdico: relativo ao Talmude, doutrina e jurisprudência da lei mosaica (16) bandó: cada parte do cabelo que, em certo penteado feminino, assenta de cada lado da testa (17) Verghane: Madame Verghane (18) fiacre: antigo carro de praça puxado a cavalo (19) caleche: carruagem de quatro rodas e dois assentos (20) alcova: quarto de dormir; dormitório de casal (QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras) Questão 60 Considerando o todo do romance, esclareça a frase “Não há senão Paris!”, proferida por Jacinto. Justifique a sua resposta com marcas presentes neste fragmento. Questão 61 61.a) A respeito da sequência “..., toda a manhã,...”: Qual o sentido dessa sequência? 61.b) Caso o artigo “a” fosse retirado, o sentido seria alterado? Explique. Textos para as questões “62”, “63” e 64”: TEXTO I Capítulo XVII – D. Maria (...) A causa principal de tudo isto era, supomos nós, além talvez de outras, o levar esta procissão uma coisa que não tinha nenhuma das outras: o leitor há de achá-la sem dúvida extravagante e ridícula; outro tanto nos acontece, mas temos obrigação de referi-la. Queremos falar de um grande rancho chamado das – Baianas, - que caminhava adiante da procissão, atraindo mais ou tanto como os santos, os andores(1), os emblemas(2) sagrados, os olhares dos devotos; era formado esse rancho por um grande número de negras vestidas à moda da província da Bahia, donde lhe vinha o nome, e que dançavam nos intervalos dos Deo-gratias(3) uma dança lá a seu capricho. Para falarmos a verdade, a coisa era curiosa: e se não a empregassem como primeira parte de uma procissão religiosa, certamente seria mais desculpável. Todos conhecem o modo por que se vestem as negras da Bahia; é um dos modos de trajar mais bonito que temos visto, não aconselhamos porém que ninguém o adote; um país em que todas as mulheres usassem desse traje, especialmente se fosse desses abençoados em que elas são alvas e formosas, seria uma terra de perdição e de pecados. Procuremos descrevê-lo. (1) andor: padiola sobre a qual se conduzem imagens nas procissões (2) emblema: símbolo; figura simbólica (3) Deo-gratias: Graças a Deus – expressão que muito frequentemente se repete nas orações litúrgicas (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias) TEXTO II Capítulo 12 – Um episódio de 1814 Chegando ao Rio de Janeiro a notícia da primeira queda de Napoleão, houve naturalmente grande abalo em nossa casa, mas nenhum chasco(1) ou remoque(2). Os vencidos, testemunhas do regozijo(3) público, julgaram mais decoroso o silêncio; alguns foram além e bateram palmas. A população, cordialmente alegre, não regateou(4) demonstrações de afeto à real família; houve iluminações, salvas, Te Deum(5), cortejo e aclamações. Figurei nesses dias com um espadim (6) novo, que meu padrinho me dera no dia de Santo Antônio; e, francamente, interessava-me mais o espadim do que a queda de Bonaparte. Nunca me esqueceu esse fenômeno. Nunca mais deixei de pensar comigo que o nosso espadim é sempre maior do que a espada de Napoleão. (1) chasco: zombaria (2) remoque: insinuação indireta e maliciosa (3) regozijo: vivo contentamento; grande satisfação (4) regatear: diminuir; depreciar (5) Te Deum: cântico de ação de graças da Igreja Católica; cerimônia que acompanha essa ação de graças (6) espadim: pequena espada (ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas) TEXTO III Capítulo 76 - O estrume(1) Súbito deu-me a consciência um repelão, acusou-me de ter feito capitular a probidade de dona Plácida, obrigando-a a um papel torpe(2), depois de uma longa vida de trabalho e privações(3). (…) Concordei que assim era, mas aleguei que a velhice de dona Plácida estava agora ao abrigo da mendicidade(4): era uma compensação. Se não fossem os meus amores, provavelmente dona Plácida acabaria como tantas outras criaturas humanas; donde se poderia deduzir que o vício é muitas vezes o estrume da virtude. O que não impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã. A consciência concordou, e eu fui abrir a porta a Virgília. (1) estrume: adubo geralmente consituído de esterco (2) torpe: desonesto; infame (3) privação: ato de deixar de possuir; ato de impedir a posse (4) mendicidade: qualidade de mendigo; ato de mendigar (ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas) Questão 62 Tendo em vista as características das obras de que foram extraídos estes fragmentos, faça um comentário a respeito do detalhamento das descrições presentes nos Textos I e II, comparando-as e justificando as diferenças quanto a esse detalhamento. Questão 63 Considerando as características de Memórias de um Sargento de Milícias, explique o emprego da sequência em destaque no trecho a seguir: “A causa principal de tudo isso era, supomos nós, além talvez de outras, o levar esta procissão uma coisa que não tinha nenhuma das outras: o leitor há de achá-la sem dúvida extravagante e ridícula; outro tanto nos acontece, mas temos obrigação de referi-la.” Questão 64 Explique a utilização da metalinguagem pelos narradores dos Textos I e III, não se esquecendo de considerar as características narrativas das respectivas obras. Texto para as questões “65” e “66”: Ao contrário no campo, entre a inconsciência e a impassibilidade da Natureza, ele tremia com o terror da sua fragilidade e da sua solidão. Estava aí como perdido num mundo que lhe não fosse fraternal; nenhum silvado encolheria os espinhos para que ele passasse; se gemesse com fome nenhuma árvore, por mais carregada, lhe estenderia o seu fruto na ponta compassiva de um ramo. Depois, em meio da Natureza, ele assistia à súbita e humilhante inutilização de todas as suas faculdades superiores. De que servia, entre plantas e bichos – ser um gênio ou um santo? As searas não compreendem as Geórgicas; e fora necessário o socorro ansioso de Deus, e a inversão de todas as leis naturais, e um violento milagre para que o lobo de Agubio não devorasse S. Francisco de Assis, que lhe sorria e lhe estendia os braços e lhe chamava “meu irmão lobo!” Toda a intelectualidade, nos campos, se esteriliza, e só resta a bestialidade. Nesses reinos crassos do Vegetal e do Animal duas únicas funções se mantêm vivas, a nutritiva e a procriadora. Isolada, sem ocupação, entre focinhos e raízes que não cessam de sugar e de pastar, sufocando no cálido bafo da universal fecundação, a sua pobre alma toda se engelhava, se reduzia a uma migalha de alma, uma fagulhazinha espiritual a tremeluzir, como morta, sobre um naco de matéria; e nessa matéria dois instintos surdiam, imperiosos e pungentes, o de devorar e o de gerar. Ao cabo de uma semana rural, de todo o seu ser tão nobremente composto só restava um estômago e por baixo um falo! A alma? Sumida sob a besta. E necessitava correr, reentrar na cidade, mergulhar nas ondas lustrais da Civilização, para largar nelas a crosta vegetativa, e ressurgir reumanizado, de novo espiritual e jacíntico! (QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras) Qeustão 65 Elabore um resumo deste fragmento, no máximo em seis linhas, esclarecendo a argumentação aí utilizada e localizando esta passagem dentro do romance A Cidade e as Serras. Questão 66 Neste fragmento, podem-se observar marcas textuais que remetem a duas escolas literárias. Identifique a escola literária relacionada a cada uma das sequências a seguir e justifique a sua escolha. 66.a) “Ao contrário no campo, entre a inconsciência e a impassibilidade da Natureza, ele tremia com o terror da sua fragilidade e da sua solidão.” 66.b) “Ao cabo de uma semana rural, de todo o seu ser tão nobremente composto só restava um estômago e por baixo um falo!” Texto para as questões “67” e “68”: O velho atirou para ele bruscamente o braço, que saía, cabeludo e quase negro, de uma manga muito curta. - A mão! E quando Jacinto lha deu, depois de arrancar vivamente a luva, João Torrado longamente lha reteve com um sacudir lento e pensativo, murmurando: - Mão real, mão de dar, mão que vem de cima, mão já rara! Depois tomou o copo, que lhe oferecia o Torto, bebeu com imensa lentidão, limpou as barbas, deu um jeito à correia que lhe prendia a caixa de lata, e batendo com a ponta do cajado no chão: - Pois louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, que por aqui me trouxe, que não perdi o meu dia, e vi um homem! Eu então debrucei a face para ele, mais em confidência: - Mas, ó tio João, ouça cá! Sempre é certo você dizer por aí, pelos sítios, que elrei D. Sebastião voltara? (QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras) Questão 67 Explique a forma “lha” (“..., João Torrado longamente lha reteve com um sacudir lento e pensativo,...”): qual a sua classificação gramatical, qual a sua função sintática e a que/a quem se refere? Questão 68 Considerando o todo do romance e o momento em que ocorre esta passagem: 68.a) Explique a referência a D. Sebastião na sequência: “Sempre é certo você dizer por aí, pelos sítios, que el-rei D. Sebastião voltara? 68.b) Por que o narrador empregou a forma verbal “voltara”? Identifique o tempo, o modo e a pessoa e justifique o seu emprego. (5 linhas) Texto para as questões “69” e “70”: Capítulo 58 – Confidência Lobo Neves, a princípio, metia-me grandes sustos. Pura ilusão! Como adorasse a mulher, não se vexava de mo dizer muitas vezes; achava que Virgília era a perfeição mesma, um conjunto de qualidades sólidas e finas, amorável, elegante, austera, um modelo. E a confiança não parava aí. De fresta que era, chegou a porta escancarada. Um dia confessou-me que trazia uma triste carcoma na existência: faltava-lhe a glória pública. Animei-o; disse-lhe muitas coisas bonitas, que ele ouviu com aquela unção religiosa de um desejo que não quer acabar de morrer; então compreendi que a ambição dele andava cansada de bater as asas, sem poder abrir o voo. Dias depois disse-me todos os seus tédios e desfalecimentos, as amarguras engolidas, as raivas sopitadas; contoume que a vida política era um tecido de invejas,despeitos, intrigas, perfídias, interesses, vaidades. Evidentemente havia aí uma crise de melancolia; tratei de combatê-la. (ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas) Questão 69 Baseando-se em elementos presentes neste fragmento, esclareça o sentido da sequência: “De fresta que era, chegou a porta escancarada.” Questão 70 Identifique a metáfora utilizada pelo narrador para explicar a ambição de Lobo Neves e esclareça tal metáfora, levando em conta elementos presentes neste fragmento e considerando o todo do romance. Questão 71 - Já sei com quem me tenho que haver... - Então com quem é?... acudiu João Manoel apressado. - Vá descansado, não se importe com o resto. - Mas, homem, olhe que é preciso muito cuidado; porque, quem quer que é, é fino como os trezentos... - Ora qual... histórias... desses arranjos entendo eu dormindo, e vejo nisso, sendo cego, melhor do que muitos com seus olhos perfeitos. - É uma coisa que me põe à roda o miolo não poder descobrir quem se intromete nos meus negócios... olhe que a tal entrega do furto da moça foi de mestre. - Eu também sou mestre, e veremos quem ensina melhor. Ficaram os dois nisto, e o cego pôs mãos à obra. (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias) Identifique a relação sintática estabelecida na sequência: “..., sendo cego,...” e justifique a identificação.