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A CLÍNICA PSICODRAMÁTICA DOS SONHOS: UM ESTUDO DE CASO 1
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Listhiane Pereira Ribeiro
Resumo:
Este artigo visa apresentar o método criado por Jacob Levy Moreno de intervenção com os sonhos na clínica
Psicodramática: a Técnica Psicodramática de Representação de Sonhos, mais tarde nomeada como
Onirodrama. Foi realizado o estudo de um caso clínico, a fim de verificar a aplicabilidade do método,
apontado como um acelerador e abreviador do tempo de uma psicoterapia. Espera-se que este artigo
incentive um melhor aproveitamento da riqueza que o material onírico pode propiciar aos tratamentos
psicoterápicos.
Abstract:
This article presents the method created By Jacob Levy Moreno for intervention with dreams in clinical
Psychodramatic: the Psychodramatic`s Technical Representative of Dreams, later named Onirodrama. Was
performed the study of a clinical case in order to verify the applicability of the method, shown as an
accelerator and a shortened duration of psychotherapy. It is hoped that this paper will encourage a better use
of the material wealth that dream can bring for psychotherapeutic treatments.
Palavras-chave: Sonhos; Psicodrama; Matriz de identidade; Onirodrama.
Keywords: Dreams; Psychodrama; matrix of identify ; Onirodrama
“(...) todo terapeuta é um sonhador. Todo cliente é também um sonhador ou um aprendiz
de sonhador. Toda psicoterapia é um sonhar junto, repetindo, é um co-sonhar, acordado.”
Lima (2005: 56)
Introdução
Os sonhos são cercados de inquietações quanto aos seus sentidos e possíveis significados. Podem ser
considerados como conteúdos a serem decifrados, representações de encontros espirituais ou até mesmo
fruto da imaginação do próprio sonhador. Diante de tantas especulações, do suposto (e polêmico) encontro
entre Freud e Moreno, além da necessidade de melhor utilizar o material onírico na clínica; é que a autora se
propôs a pesquisar qual é a proposta de Moreno na abordagem dos sonhos. A seguir, é apresentado o estudo
de um caso clínico, fruto da aplicação da Técnica Psicodramática de Representação de Sonhos, desenvolvida
por Moreno.
Como pai do Psicodrama, Jacob Levy Moreno tem lugar de destaque neste artigo. Depois dele, seguem-se as
contribuições de Zerka Toeman Moreno e José Roberto Wolff. Sabe-se que além deles o psicodramatista
brasileiro Victor Roberto Ciacco da Silva Dias criou novas possibilidades para o uso do material onírico na
clínica. Partindo dos pressupostos da Teoria do Núcleo do Eu de Rojas-Bermudez, Dias desenvolveu a
Análise Psicodramática dos Sonhos. Entretanto, como se trata de outro referencial teórico, não será explicado
aqui, já que extrapola o objetivo deste artigo3.
1
Artigo desenvolvido a partir da Monografia de Pós-graduação Lato Sensu em Psicodrama com ênfase
Psicoterapêutica, intitulada: “Uma leitura Psicodramática dos sonhos” da autora, pelo IMPSI, em Belo Horizonte –
Minas Gerais.
2
Psicóloga pela PUC Minas, Pós-graduada pelo Instituto Mineiro de Psicodrama (IMPSI) em parceria com a
Faculdade Metropolitana.
3
Para os interessados ao assunto, fica a sugestão de livros: DIAS, Victor Roberto Ciacco da Silva. Psicodrama: Teoria
e Prática. 2 ed. São Paulo: Agora, 1987. DIAS, Victor Roberto Ciacco da Silva. Análise Psicodramática: Teoria da
Programação Cenestésica. São Paulo: Agora, 1994. DIAS, Victor Roberto Ciacco da Silva. Sonhos e Psicodrama
Interno na Análise Psicodramática. São Paulo: Agora, 1996. DIAS, Victor Roberto Ciacco da Silva. Sonhos e
símbolos na Análise Psicodramática: Glossário de símbolos. São Paulo: Agora, 2002.
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Desenvolvimento
Artemidoro de Èfeso (adivinho romano) viveu no século II e foi um dos primeiros estudiosos a sistematizar o
trabalho com sonhos. Para Artemidoro, o sonho era uma mensagem que trazia informações úteis e instrutivas
ao sonhador, sendo proveniente de deuses e deveriam ser interpretadas por adivinhos e sensitivos (oráculo).
Cabia ao oráculo decodificar a mensagem divina contida nos sonhos e transformá-la em linguagem acessível
ao sonhador. Era uma interpretação baseada nos valores culturais, na própria vivência do oráculo e na
história de vida do sonhador (DIAS, 2002).
Segundo a mitologia grega, Hypnos era o deus do sono e pai de Morfeus, o deus do sonho. O nome Morfeu
quer dizer "a forma" e representa o dom desse deus: viajar ao redor da Terra para assumir feições humanas e,
dessa maneira, se apresentar aos adormecidos durante os seus sonhos. Segundo o mito, Morfeus usava uma
papoula para acariciar quem dormia, a fim de lhe propiciar sonhos. É a partir dessa alegoria é que
popularmente costuma-se dizer que quem cai nos braços de Morfeu tem um sono tranqüilo e revigorante.
Nesse ponto, há uma convergência entre a mitologia e a atual neurociência, que explica que o sonho só está
presente em um sono profundo, conhecido como estágio REM (Rapid Eyes Moviment), caracterizado pelos
movimentos oculares rápidos. Assim, o sono teria fases, que evoluiriam da mais superficial (estado de
sonolência) ao mais profundo, e capaz de descansar aquele que dorme: o estágio REM.
(DALGALARRONDO, 2000).
No que se refere aos estudos clínicos (científicos) sobre os sonhos, Sigmund Freud (1856-1939) foi um
pioneiro. Para ele os sonhos possuem dois conteúdos, a saber: o conteúdo manifesto, que é tudo o que é
lembrado do sonho; e o conteúdo latente, que é um material oculto ou inconsciente do sonho. A elaboração
onírica realizaria, portanto, o trabalho de transformar os pensamentos latentes em conteúdo manifesto,
impondo-lhes uma distorção que os torna inacessíveis à consciência, que a Psicanálise pretende atingir com a
interpretação. Os sonhos seriam, portanto, um instrumento no tratamento Psicanalítico, e possível gerador de
respostas inconscientes de um sujeito (FREUD, 1988).
Há aqueles que se beneficiem dos sonhos em criações científicas e artísticas. Alguns exemplos disso são:
Dmitri Mendeleev, químico russo, sonhou em 1869 com um diagrama em que todos os elementos químicos
se encaixavam, e foi esse sonho que o ajudou a criar a tabela periódica; Friedrich Kekulé, químico alemão,
em 1865 sonhou com a estrutura hexagonal da molécula de benzeno; Paul MacCartney, músico inglês,
compôs Yesterday após um sonho; Salvador Dali, pintor espanhol, usou seus sonhos como inspiração para
todas as suas obras (ROSSI; TIRABOSCHI, 2009).
As diversas concepções sobre os sonhos, o que é também fruto das diferenças históricas e culturais dos
povos, mostram o quanto os sonhos despertaram (e ainda despertam) o interesse de religiosos, filósofos,
cientistas, leigos. Curiosos de todas as épocas que se aventuram a desbravar este tema que ainda contém
lacunas. O motivo pela qual as pessoas sonham, por exemplo, é uma dúvida que permanece. Mas o que fazer
com o conteúdo onírico, em compensação, é uma escolha que cabe a cada sonhador decidir.
A Teoria da Matriz de Identidade
Moreno (2002) explica que da gestação até o nascimento, mãe e filho compartilham o mesmo locus (ambos
habitam o mesmo corpo) e o bebê se alimenta da placenta (matriz materna). Logo ao nascer, inicia o
desenvolvimento da matriz de identidade daquele bebê. Inicialmente, o corpo e o eu não existem ainda para o
bebê. Não existe o eu nem uma pessoa distinta da criança. Há uma identidade do bebê com a mãe. Nesta
primeira fase, a criança não realiza distinções entre ela e os outros, é como se todos fossem extensão dela
mesma. Em um segundo momento, a criança já concentra sua atenção no outro e estranha ela mesma quando
se observa no espelho. O bebê descobre sua própria imagem, o que inicialmente o assusta e depois propicia o
reconhecimento de si mesmo. Depois, na terceira fase da matriz de identidade, a criança consegue se
distinguir dos outros. Na quarta fase a criança brinca de representar o outro, “como se fosse ele”; finalmente,
na quinta fase, a criança representa o outro e vê a si mesma sendo representada por ele. Somente a partir do
reconhecimento do “outro” é que ela pode tornar-se capaz de ter empatia, ou seja, de se colocar no lugar do
outro.
3
Retomando o primeiro universo vincular da criança, é necessário frisar que:
“Uma das importantes características do primeiro universo é a total amnésia que temos a
respeito dos três primeiros anos de nossa vida (...) Devemos supor que a criança procede
a um aquecimento preparatório dos atos espontâneos, com um tamanho grau de
intensidade que todas as partículas do seu ser participam no processo – que nem o menor
fragmento pode ser desviado para fins de registro. Onde não há registro, não é possível
recordação”. Moreno (1997: 116).
Moreno aponta que quanto maior for a idade da criança, maior será sua capacidade de reter as lembranças do
passado. Mesmo assim, ele cita que existem amnésias intermitentes e retroativas. “O bebê está tão imerso na
ação que não tem recordação do mesmo, após tê-lo consumado. Conforme diminui a fome de atos, aumenta
o alcance mnêmico da criança” (MORENO, 1983). A fome de atos da criança é pouco usada por ela para
recordar, já que o seu ego-auxiliar4 se ocupa dessa tarefa por ela. Se o adulto tem três dimensões temporais: o
passado, o presente e o futuro; isso não é verdadeiro pra criança, que vive em função de sua fome de atos, o
que corresponde à ênfase dada por ela ao momento presente.
Ao contrário de Freud, que supunha que os sonhos já estão presentes no início da vida, Moreno propõe que
os sonhos têm um início, que por sua vez, estariam relacionados com a decrescente intensidade de fome de
atos da criança. Como no primeiro universo a criança vive um universo indiferenciado (primitivo), não
estaria apta a ter sonhos de conteúdo diferenciado, tal como foi observado em sonhos objetivados no palco
psicodramático. Tal constatação fez Moreno crer que os sonhos só seriam possíveis após a entrada da criança
no segundo universo vincular, em que ela já vive, em experiência desperta, uma estrutura semelhante à dos
sonhos, diferenciada. (MORENO, 1997).
É também a partir da entrada da criança no segundo universo que ela consegue distinguir e depois transitar
pelo que é próprio da fantasia (imaginação) e pelo que é da realidade (sociedade). Mas para isso, é necessário
que operem: a espontaneidade, para facilitar a mudança; e a realidade, através dos estímulos externos dados
pelas pessoas, relações, objetos e distâncias no tempo e espaço, que são impostos à criança. Leva-se um
tempo para que a criança se acostume com tantos estímulos. Vale lembrar que antes, no primeiro universo,
ela vivia a experiência de ser um todo indiferenciado com a mãe, “onde todos os processos de aquecimento
preparatório da adoção de papéis estavam centralizados e eram uniformes” Moreno (1997: 124).
Até então, a criança só possuía os papéis psicossomáticos: papel de comedor, urinador, defecador; que dizem
respeito ao que é orgânico. O papel de comedor, por exemplo, deriva de um processo de aquecimento
preparatório que inclui toda a interação necessária entre a mãe (ou cuidador) e o bebê. A seguir, após a
diferenciação de seu universo, a criança já consegue se perceber e desempenhar os papéis sociais: ser filho
(a), ocupar um lugar na família, etc. Finalmente, a criança pode brincar com personagens imaginários no
“como se” de ser papai, mamãe, a princesa da história, um anjo, uma
bruxa, etc.; que são os papéis psicodramáticos.
Ao longo de sua vida, a criança vivencia diversos papéis. E é através do aprendizado que tem com os papéis
que experimenta, imita, inventa, é que ela consegue desenvolver seu “eu”. Todo indivíduo desempenha
múltiplos papéis, por vezes simultâneos, e que podem estar em estágios diferentes de evolução. Uma pessoa
que tem sólido o desempenho de papel de filho, por exemplo, pode ainda não ter sólido o papel profissional.
A Técnica Psicodramática de Representação de Sonhos
A técnica psicodramática de representação de sonhos desenvolvida por Moreno (1974, 1997) consiste na
revivência do sonho na ação dramática. Ao invés de relatar o conteúdo onírico, o sonhador é convidado a
voltar a sonhar. Moreno deixou registrado dois relatos sobre este método: o caso de Robert, apresentado no
livro “Psicodrama” e o de Martin Stone, presente no livro: “Psicoterapia de grupo e Psicodrama”, ambos de
sua autoria. O primeiro é um exemplo breve, enquanto que o segundo é um protocolo, registrado a partir de
4.
Na situação Psicodramática o ego-auxiliar tem duas funções: a de retratar papéis requeridos pelo sujeito e a de guiar o
cliente para suas ansiedades, deficiências e necessidades, com o objetivo de orientá-lo. A função de ego-auxiliar é
baseada na mesma relação que se estabelece entre mãe e filho (MORENO, 1997).
4
um gravador e um assistente observador. Nele, Moreno mostrou que a utilização dos sonhos pode ser um
eficiente instrumento na intervenção junto a esquizofrênicos, sendo inclusive um meio de acelerar e reduzir o
tempo do processo psicoterápico.
Moreno (1974) propõe que no aquecimento5 o protagonista fale sobre a véspera do sonho. A partir daí
Moreno convida a organização do cenário6, ou seja, do quarto (ou local) em que o sonhador dormia. Nesse
momento vários dados são considerados: localização espacial, descrição detalhada do ambiente, a postura
corporal do sonhador (lado e modo como se deita), se usa travesseiro, como se veste, se dorme só ou
acompanhado, em que pensava (ou como estava) quando adormeceu, etc. Depois, o sonhador é convidado a
assumir uma postura confortável e a se concentrar em seu sonho, a ponto de visualizá-lo com clareza e ter
condições de refazê-lo de forma mais precisa possível.
“Por meio da auto-sugestão [o sonhador] tem de atingir um estado quase onírico, uma postura do corpo e um
nível emocional de tal ordem que o ajudem a reproduzir as alucinações do sonho” Moreno (1997: 255). É
importante ressaltar que o diretor em Psicodrama é responsável pelo aquecimento do protagonista, valendose para isso dos recursos que tem: o tom de voz, a oscilação entre o singelo toque e a distância necessária,
alteração de luzes e/ou sons no cenário, uso de egos-auxiliares. As funções do diretor são as de facilitar o
clima protagônico e co-produzir junto com o protagonista, favorecendo para que o grande destaque seja o
protagonista. Para isso, deve estar atento às interações interpessoais (principalmente se estiver dirigindo um
grupo), às manifestações intrapsíquicas (incômodo, desânimo, euforia, etc.), alterações corporais e
principalmente ao aquecimento e à manutenção deste; o que é primordial para que a espontaneidade faça-se
presente.
Um dado relevante é que a representação é contada no presente e não no passado – embora se trate de um
sonho que já ocorreu. Quanto a isso, é condizente com a importância que Moreno dava ao aqui-agora, o que
se faz visível também na abordagem onírica. Além de propor a reatualização do sonho na dramatização, isso
também é um facilitador do aquecimento do protagonista.
Uma hipótese de Moreno é que o ato de dramatizar ativa a memória do sonhador:
“Parece que o processo de aquecimento preparatório do seu papel de sujeito no sonho e a
projeção de seus movimentos no palco podem, às vezes, libertar tensões emocionais que
não são facilmente recordados na repetição narrativa ou na simples associação de
palavras”. Moreno (1997: 255).
Moreno (1997) questiona até que ponto a associação livre7 é um guia para os níveis mais profundos da
psique; já que ela sofre alterações com o contexto e as circunstâncias de quem dela se utiliza. Para Moreno, a
associação livre não é apenas um produto psicodinâmico (interno), sendo mais: um produto interpessoal.
Moreno esclarece ainda que, se usada em contexto dramático, a associação livre vai oscilar principalmente
de acordo com o papel e posição (dramática) desempenhada pelo sonhador, além das outras interferências
ambientais: presença (ou não) de outras pessoas por ocasião da dramatização, etc.
Para Moreno é desnecessário e arriscado a erros interpretar o sonho, tal como sugere a Psicanálise. Para ele,
a revivência do sonho na dramatização é mais útil, já que torna observável e verificável os conteúdos
manifestos e latentes 8, anteriormente preconizados por Freud. Além deles, Moreno (1974: 309) acrescenta o
5
Para a dramatização de cenas e criação de atos espontâneos, é importante “aquecer” o cliente ou grupo, ou seja,
preparar o cliente para que ele esteja em campo relaxado, mais propício à ação.
6
È o espaço em que a cena acontece. Não é o espaço físico, mas o espaço que é representado na dramatização. Pode-se
dizer que desde a formação do cenário a realidade suplementar já começa a aparecer.
7
Método desenvolvido por Freud no qual o cliente deve dizer palavras sem intenção, conforme lhe vêem a mente. O
objetivo deste método é tornar consciente o material psíquico recalcado (inconsciente). O recalque, por sua vez, é um
mecanismo de defesa que propicia que conteúdos sejam esquecidos, a fim de preservar a integridade psíquica do sujeito.
5
“conteúdo existencial, que é a ação psicodramática do sonho in situ”. A compreensão do sonho ocorre,
portanto, durante o ato dramático, ficando visíveis ao protagonista, diretor e demais participantes os
fenômenos que acontecem no psiquismo do sonhador. Não se restringe à fala do cliente, mas vale-se de todos
os recursos que um palco psicodramático pode proporcionar.
Dando continuidade à proposta de Moreno, Zerka sugere o Readestramento do sonho (Retraining of the
Dream). Sua proposta é que o cliente recontinue seu sonho de outra forma, de acordo com sua vontade ou
necessidade. A partir da modificação do sonho original seria possível ajudar o cliente a ter maior poder sobre
o desenvolvimento dos próprios sonhos.
“Essa técnica (...) oferece [ao cliente] a possibilidade de transformar o sonho e orientar de
maneira diferente as seqüências e os padrões de seus sonhos. Esta singular contribuição
do psicodrama permite ir ainda mais longe que o sonho verdadeiro pela representação,
pela expressão, e utilizar as idéias e as reais reações do paciente, bem como o que fica
latente. Mas, por outro lado, essa técnica possibilita readestrar o sonhador em vez de só
interpretar o sonho. A interpretação se acha no próprio sonho. Isso constitui uma
contribuição excepcional do psicodrama para a “terapia dos sonhos”, pois os outros
métodos de terapia dos sonhos se baseiam na análise e na interpretação”. Moreno (1975:
37-38)
Ou seja, o diretor tanto pode propor que o protagonista execute ações que não existiam no sonho original, a
fim de explorar mais profundamente os sentimentos, o contexto e tudo o que a cena, ao ser mais
desenvolvida, pode proporcionar; quanto o diretor pode solicitar que o próprio sonhador crie sobre o roteiro
original do sonho. Cabe à sensibilidade do diretor para observar, a partir de cada indício que o protagonista
oferece, o que ele mais precisa naquele momento.
O Onirodrama
José Roberto Wolff, médico psiquiatra, psicodramatista brasileiro, se valeu muito do método dos sonhos de
Moreno em intervenções com psicóticos. Seguindo o mesmo referencial que Moreno, Wolff trouxe algumas
contribuições. Dentre elas, a primeira a ser destacada é a formulação de um novo nome para o método. Para
ele, “(...) o termo que traduz com mais propriedade a técnica é „onirodrama‟, que, etimologicamente vem do
grego, onde oneiros significa „sonho‟ e drama significa „ação‟”. Wolff (1985: 34). É, portanto, o sonho em
ação.
No trabalho psicoterápico com psicóticos, Wolff (1985) observou que eles tinham grande dificuldade em
tratar seus conteúdos conflitivos, principalmente pelo temor de recaídas de surtos. Foi nesse momento que
ele percebeu que o onirodrama seria viável, já que abordaria os conteúdos inconscientes (que estão fora da
consciência) de forma mais amena, e possivelmente, sem gerar muitas resistências.
Wolff (1985) reforça a idéia de que no onirodrama o tempo é presentificado, já que no próprio conteúdo
onírico o passado, presente e futuro têm toda liberdade para se mesclar e interagir entre si. Cita também que
os sonhos dramatizados são geralmente pesadelos, sonhos repetitivos ou sonhos focais curtos, mas
acompanhados de intensa emoção. Seriam sonhos que despertam fortes sentimentos no sonhador ou que o
fazem demandar esclarecimentos. São sonhos que, ao serem conduzidos em onirodrama, podem trazer ao
indivíduo esclarecimentos ou servir como via de acesso a algum conflito. Nesse caso, o sonho seria utilizado
como elo dramático que conduz a outras cenas necessárias para a identificação da situação conflitiva do
protagonista.
Enquanto em alguns momentos as cenas do sonho serão utilizadas como foco central do onirodrama; em
outros, o sonho será apenas um início para a criação de novas cenas, que podem ser experimentadas e
desenvolvidas evolutivamente, da mais superficial a mais profunda.
8
Para Freud, o conteúdo manifesto são as imagens do sonho, e o conteúdo latente são os desejos ou pensamentos
inconscientes que tentam chegar à consciência através do sonho.
6
Estudo de um caso clínico
A metodologia utilizada nesta pesquisa de campo foi o estudo de um caso clínico, através da aplicação de um
onirodrama. Segue abaixo a descrição e apresentação do caso clínico. Uma observação a ser feita é que todos
os nomes aqui apresentados são pseudônimos, a fim de preservar o sigilo deles.
Adriana tem 40 anos, é assistente social, mas atua como professora particular. È casada há cerca de 3 anos.
Mora com o marido em Belo Horizonte, em uma casa que é conjugada com a casa do pai, que é viúvo há
cerca de 34 anos e mora sozinho. Adriana está a um ano em terapia bipessoal.
Adriana é convidada a contar como foi o dia que antecedeu a seu sonho. Ela diz que foi um dia tranqüilo:
deu aula, orientou alguns pais; ou seja, seguiu sua rotina habitual. Uma diferença é que neste dia ela esperava
que seu marido chegasse de viagem. Foi dormir sozinha e acordou assustada, com ele chamando-a. Voltou a
dormir e depois que acordou novamente, pela manhã, é que se lembrou do sonho.
A seguir, Adriana foi convidada a se posicionar na cama psicodramática (no caso, no tapete do consultório).
Explicou que dormia de baby doll, as luzes do quarto estavam apagadas e que a sua televisão estava ligada,
programada para desligar depois. Se deitou do jeito que é acostumada. A seguir, a diretora pediu que Adriana
fechasse os olhos, sentisse seu corpo relaxado e gradativamente entrasse em contato com o conteúdo do seu
sonho. Que internamente ela observasse o ambiente em que ele se passava, observasse os personagens que
ele continha e as próprias sensações e sentimentos no decorrer do sonho. Depois, que rememorasse o sonho
inteiro, que retornasse aos poucos, até o acordar. Quando ela acordou (abriu os olhos), foi convidada a se
levantar e delimitar um novo espaço no ambiente para descrever e organizar o cenário do sonho.
Aqui é importante frisar que assim como a troca de luzes para sinalizar que o ambiente do sonho é distinto
do ambiente do quarto do sonhador, também um espaço físico ampliado favorece o aquecimento do cliente.
Isso, porque quando o espaço físico do consultório (ou o local aonde acontece o onirodrama) oferece a
possibilidade de montar o ambiente do sonho em local diferenciado daquele aonde foi organizado o quarto
do sonhador; é feita também a distinção entre mundo real e mundo onírico. Ou seja, são detalhes que
facilitam o aquecimento e marcam momentos, pois depois que o onirodrama acabar, o cliente pode ser
convidado pelo terapeuta a se deitar novamente, o que seria um “retornar ao ponto de partida”, tal como em
uma multiplicação dramática- que é a possibilidade de reconstrução de cenas segundo necessidades
particulares -, volta-se à cena originária.
Adriana descreveu que o ambiente não era bem definido, mas lhe parecia uma enfermaria de hospital.
Ela vê seu pai sentado em uma cadeira com o lado esquerdo do corpo paralisado (dos lábios até as pernas).
Existe uma mulher (não identificada) em pé logo atrás dele, com as mãos apoiadas nos ombros dele. Ali
começa um pequeno diálogo, em que Adriana é convidada a inverter papéis e mostrar o sonho.
Adriana: - O que é isso, meu pai? Parece que o senhor está tendo um derrame.
Adriana (Pai): - Não, não é nada.
Adriana: - Mas o senhor está com o lado esquerdo todo paralisado, até a boca!
Adriana (Pai): - Não, é impressão sua. Está tudo bem.
A próxima cena acontece em outro local, e faz-se presente apenas Adriana e o médico do pai.
Adriana: - Então, doutor, o que aconteceu?
Adriana (Médico): - Ele teve um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Não tem o que fazer.
Adriana explica que o sonho terminou assim. A diretora pediu que o sonho fosse dramatizado novamente,
agora sem as explicações dela. E as cenas acontecem, de modo que a diretora assume temporariamente a
função de ego-auxiliar:
Adriana: - O que é isso, meu pai? Parece que o senhor está tendo um derrame.
Ego-auxiliar (Pai): - Não, não é nada.
Adriana: - Mas o senhor está com o lado esquerdo todo paralisado, até a boca!
7
Ego-auxiliar (Pai): - Não, é impressão sua. Está tudo bem.
A próxima cena, com o médico:
Adriana: - Então, doutor, o que aconteceu?
Ego-auxiliar (Médico): - Ele teve um AVC.
Aqui elas fazem uma inversão de papéis:
Ego-auxiliar (Adriana): - E agora, doutor?
Adriana (médico): - Não o tem o que fazer.
Ela vê seu pai sentado em uma cadeira com o lado esquerdo do corpo paralisado (dos lábios até as pernas).
Existe uma mulher (não identificada) em pé logo atrás dele, com as mãos apoiadas nos ombros dele. Ali
começa um pequeno diálogo, em que Adriana é convidada a inverter papéis e mostrar o sonho.
Adriana: - O que é isso, meu pai? Parece que o senhor está tendo um derrame.
Adriana (Pai): - Não, não é nada.
Adriana: - Mas o senhor está com o lado esquerdo todo paralisado, até a boca!
Adriana (Pai): - Não, é impressão sua. Está tudo bem.
A próxima cena acontece em outro local, e faz-se presente apenas Adriana e o médico do pai.
Adriana: - Então, doutor, o que aconteceu?
Adriana (Médico): - Ele teve um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Não tem o que fazer.
Adriana explica que o sonho terminou assim. A diretora pediu que o sonho fosse dramatizado novamente,
agora sem as explicações dela. E as cenas acontecem, de modo que a diretora assume temporariamente a
função de ego-auxiliar:
Adriana: - O que é isso, meu pai? Parece que o senhor está tendo um derrame.
Ego-auxiliar (Pai): - Não, não é nada.
Adriana: - Mas o senhor está com o lado esquerdo todo paralisado, até a boca!
Ego-auxiliar (Pai): - Não, é impressão sua. Está tudo bem.
A próxima cena, com o médico:
Adriana: - Então, doutor, o que aconteceu?
Ego-auxiliar (Médico): - Ele teve um AVC.
Aqui elas fazem uma inversão de papéis:
Ego-auxiliar (Adriana): - E agora, doutor?
Adriana (médico): - Não o tem o que fazer.
Ego-auxiliar (Adriana): - Ai, doutor, não fala assim. Me dá um aperto...
Após este duplo “dentro” da inversão de papéis, Adriana se emociona e chora. Concorda que é essa a
sensação: de aperto. A diretora sai da função de ego-auxiliar e tira ela de cena. As duas conversam
brevemente. Adriana diz que pensou que podia ter feito algo, ter dado um bicarbonato pro pai, e que agora
era tarde. Diz que o pai “veio pesado”, ou seja, sempre foi pesado, de difícil convivência, rígido e teimoso; e
que com um AVC tudo seria mais difícil, já que ela é filha única e que o pai já é idoso, tem 73 anos.
A diretora esclarece que o palco aonde as cenas do sonho aconteceram ficarão em standby (em espera). Um
novo espaço físico é proposto e alguns objetos são colocados: uma almofada preta, uma joaninha de pelúcia
e um coração de pelúcia. A diretora determina que a almofada será o peso de Adriana, a joaninha será a
culpa e o coração será o aperto. Nesse instante, Adriana é convidada a personificar cada sentimento seu, e é
feita uma entrevista no papel (ocasião em que o diretor busca conhecer e investigar o personagem
representado pelo cliente). Mais uma vez a diretora ocupa a função de ego-auxiliar, agora com a diferença de
que utiliza de seu corpo para a função de ego, e usa a sua voz para a função de diretora. Enquanto ego, ela
apóia seu corpo nos ombros de Adriana (que representa seu próprio peso), a fim de intensificá-lo (técnica de
maximização).
Como diretora, dialoga com o Peso:
Diretora: - Então, Peso, desde quando você acompanha a Adriana?
Adriana (Peso): - Desde que ela é pequena.
8
Diretora: - Mas você permanece o mesmo de lá pra cá?
Adriana (Peso): - Não, eu cresci bastante.
Diretora: - Imagino. São muitos pesos que ela carrega: muitos alunos no trabalho; preocupações com o pai,
que não é fácil de conviver; alguns probleminhas com o marido, afinal, convivência é difícil; as
responsabilidades da igreja... A Adriana é forte. Ela dá conta de te carregar, não é?
Adriana (Peso): - É... mas ela não tem dado muito conta mais não. (Pausa) O corpo dela tem sentido. Ela até
aumentou a pressão na quinta feira. Tava 15 por 9.
Diretora: - É, a Adriana não tem mais seus 20 anos. Apesar de não ter “parido”, já tem filhos demais...
(Adriana ri e concorda com a cabeça)
A diretora/ego se despede do Peso e passa a conversar com a Culpa:
Diretora: - Então você é a Culpa da Adriana?
Adriana (Culpa): - Sim, sou eu.
Diretora: - Ela esteve falando de você... Em que momentos você surge na vida dela?
Adriana (Culpa): - Ah, principalmente quando o pai dela fala algumas coisas. Ele sempre põe a culpa das
coisas nela. Recentemente ele falou para as vizinhas (amigas dela) que o ralo do banheiro entupiu e que a
culpa era dela. Até as vizinhas riram.
Diretora: - Imagino que elas tenham percebido que era um exagero dele.
Adriana (Culpa): - É. A Adriana sabe que não deve ter culpa, mas acaba tendo...
Diretora: - Então a Adriana tem discernimento do que é dela e do que não é, mas quando você surge... o que
você faz com ela?
Adriana (Culpa): - Eu faço ela enxergar tudo errado.
Diretora: - Você embaralha a visão dela... Mas Culpa, você faz algum bem à Adriana, ou só faz mal?
Adriana (Culpa): - Eu faço ela pensar, eu faço ela ficar mais centrada...
A diretora se despede da Culpa e passa a conversar com o Aperto:
Diretora: - Me mostre corporalmente o que você faz com a Adriana.
(Adriana cruza os braços apertando-os e abaixa a cabeça).
Adriana (Aperto): - Eu faço ela sentir desespero, angústia, sufocada.
A diretora pede que Adriana saia do papel e veja o personagem de fora (espelho) e pede para que ela diga o
que observa.
Adriana: - Sofrimento.
A diretora pede que ela ocupe o papel novamente. Mais uma vez a diretora assume a função de ego-auxiliar
maximizando a postura de Adriana, e deixa a voz continuando a direção.
Diretora: - Entre em contato com o que está sentindo e diga o que lhe vier.
Adriana (Aperto): - Cansaço, desespero, dor.
(Adriana repete essas palavras continuamente, no mesmo ritmo e depois com mais intensidade, após a
solicitação da diretora). A seguir, acrescenta:
Adriana (Aperto): - Desespero, cansaço, falta de ar.
Adriana chora.
A seguir, a diretora sugere que ela faça o que precisa. As duas iniciam uma luta corporal, pois Adriana tenta
se desprender da ego-auxiliar. Quando consegue, Adriana solta um suspiro profundo.
Diretora: - Qual sua sensação e sentimento nesse momento?
Adriana: - Vitória, conquista, luta.
Diretora: - Qual destas você considera a principal?
Adriana: - A luta. É através dela que eu vou conseguir as outras. Preciso estar mais centrada, administrar eles
(aponta pros objetos que representam o Peso, a Culpa e o Aperto).
Diretora: - Você não pode fingir que eles não existem.
Adriana: - É.
Nesse momento, a diretora aponta uma percepção:
- Tanto o Peso quanto a Culpa parecem elementos que surgem “de fora pra dentro”. Já o Aperto, parece ser
algo que surge “de dentro pra fora”.
Adriana: - Interessante... (observa os objetos e pensa).
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A seguir, a diretora pergunta a Adriana se ela gostaria de retomar seu sonho e continuá-lo de outra forma. A
diretora esclarece que mudar o enredo não é possível (o pai teve AVC), mas a continuidade dele pode
continuar do ponto em que parou. Adriana aceita a proposta, retomando a fala com o médico:
Ego-auxiliar (Médico): - Ele teve um AVC.
Adriana: - É, agora eu vou cuidar dele. Ele é meu pai.
Ego-auxiliar (médico): - Você está preparada pra esse peso? Não vai ser nada fácil. Não posso te fazer
promessas mentirosas.
Adriana: - Eu sei.
Elas invertem os papéis.
Ego-auxiliar (Adriana): - Eu vou cuidar dele. Mas realmente não tem como fazer nada, doutor? Sabe, fiquei
preocupada, pensando se eu não errei. Podia ter dado o bicarbonato pra ele a tempo, ou talvez, podia ter
evitado aborrecimentos...
Adriana (médico, com voz firme): - Você não podia ter feito nada. Aconteceu. Você não precisa ter culpa de
nada.
Ego-auxiliar (Adriana): - Mesmo, doutor?
Adriana (médico): - Sim. Seu pai era uma pessoa saudável.
Elas invertem novamente os papéis.
Ego-auxiliar (médico): - Foi uma fatalidade. Você não precisa ter culpa. O que você pode fazer, já está
fazendo, que é aceitar seu pai como ele vem pra você.
Adriana concorda com a cabeça.
Esta cena é encerrada e Adriana propõe uma nova cena, agora com o pai e a mulher que estava atrás dele, na
primeira cena do sonho, tal como aconteceu:
Adriana: - Eu decidi que vou cuidar do meu pai. Agradeço por você se preocupar com ele.
Ego-auxiliar (mulher): - Mas eu quero cuidar dele.
Adriana: - Não, querida. Eu vou cuidar dele. Sou filha dele, e nesses casos, os laços de sangue falam mais
forte. Você não é nada dele.
Ego-auxiliar (mulher): - Sou alguém que gosta dele.
Adriana: - Nada impede de você visitá-lo e depois, se ele voltar a ficar bom, vocês podem voltar a se
encontrar, talvez namorar. Parece que você representa esse papel na vida dele (interpreta ela).
Ego-auxiliar (mulher): - Ele não está incapaz. Ele pode dizer o que quer.
Adriana: - Ele sabe que agora sou eu quem vai cuidar dele.
Ego-auxiliar (mulher), com a cadeira, que representa o pai de Adriana: - Você está vendo que eu fiz o que
pude. Essa sua filha é que quer isso.
Adriana: - Ele está vendo tudo direitinho.
(Adriana segue em direção a ego e tenta ocupar o lugar dela)
Ego-auxiliar (mulher): - Acho bom você não me dispensar. Você pode precisar de mim.
Adriana: - Te agradeço, querida. Pode ir.
Ego-auxiliar (mulher): - Não sei por que, mas senti ironia no seu “querida”.
Adriana: - É, foi irônico sim. Mas pode deixar comigo. Eu cuido dele.
O onirodrama é encerrado.
Durante o compartilhar Adriana cita que as duas últimas semanas que antecederam seu sonho foram semanas
em que ela acompanhou o pai em consultas médicas, fato que possivelmente influenciou no enredo deste
sonho. Adriana se lembrou também de Verônica, uma senhora que ela não tem muita afinidade e que é a
namorada do pai. Durante a marcação das consultas, Adriana tinha perguntado ao pai qual das duas ele
gostaria de ter a presença. Ele gostaria de que as duas a acompanhassem, mas somente a filha entrasse no
consultório médico. Ela considerou que se fosse assim não teria necessidade da namorada dele ir, e ela
decidiu que levaria ele sozinha. A conversa da última cena do onirodrama e o tom irônico teriam sido,
portanto, pra Verônica. Apesar de não gostar da situação, Adriana percebe que às vezes disputa o pai com a
namorada dele.
No decorrer da cena, Adriana percebeu que teve sua pressão arterial aumentada no dia seguinte ao sonho;
fatos que até então ela não havia associado. Relembrou que por um tempo teve culpa pelo fato do pai não ter
se casado novamente, o que ele justifica que foi para que nenhuma madrasta a maltratasse. Adriana percebe
que não quer mais carregar essa culpa, já que não casar foi uma escolha do pai, independente de seus
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motivos. Observou o quanto seu corpo tem sentido e somatizado os pesos que ela carrega. Um ponto que
Adriana esclareceu é que um dos sintomas da miastenia gravis (doença auto-imune crônica que ela tem e
trata há aproximadamente 10 anos), é a falta de ar; situação que surgiu durante a cena. A gravidade da
doença e o medo da morte são assuntos que posteriormente podem (e devem) ser retomados.
Como na psicoterapia bipessoal não existem egos-auxiliares, o psicodrama interno se mostra como um
instrumento atraente, já que também tem a vantagem de ser menos ameaçador a um cliente tímido e que
teme dramatizações. Ao mesmo, entretanto, ele restringe a observação do terapeuta, que fica à mercê do que
é dito pelo cliente; o que pode comprometer e limitar as intervenções do diretor.
Percebe-se que o onirodrama foi um caminho que conduziu a outras cenas, sendo o sonho depois foi
retomado e continuado. Nada impediria, entretanto, que o mesmo fosse realizado com o psicodrama interno.
Conclusão
O presente artigo tinha o interesse de apresentar a proposta de Moreno de atuação com os sonhos e relatar
um estudo de caso clínico em que foi utilizado o método por ele desenvolvido.
Moreno criou a noção de Matriz de Identidade, que se desenvolve de uma fase total indiferenciada à uma
outra fase, diferenciada. Anterior ao surgimento do “eu” existe um lócus, um status nascendi, uma matriz.
Verifica-se, portanto, que Moreno apresenta uma visão predominantemente interpessoal, que se opõe a visão
intrapsíquica de Freud.
Moreno estimula o cliente a voltar a sonhar no palco psicodramático. Moreno traz o sonhador com a sua
cama e sonho para o aqui-agora e permite que ele concretize suas fantasias, medos, devaneios. Intervém in
loco. Verifica-se que o onirodrama é muito coerente com toda a obra de Moreno, que se baseia na criação
contínua, na vivência de fatos reais ou fantasiados na realidade suplementar; e principalmente, na saúde
psíquica através do treino à espontaneidade.
Os sonhos são um tema simples e ao mesmo tempo complexo. É permeado por significados místicos e
religiosos, sendo pouco popularmente reconhecido pelo que também é: uma produção psíquica. E é neste
ponto que Moreno contribuiu: com o misticismo de sua vida e com as produções de sua obra: teóricas e
práticas, escritas e dramáticas. Embora médico, não era só essa sua identidade profissional. Talvez fosse
mais coerente dizer o inverso: Moreno era um diretor que também era médico. Mais do que dramatizações,
Moreno dirigia vidas em cena. E é este o legado por ele deixado: que os psicodramatistas possam dar vida
aos sonhos de seus clientes, e ajudá-los a refazê-los continuamente, em busca da saúde pela (e através da)
criação transformadora. Isto, sem dúvida, supera interpretações oníricas. Esta também não era a pretensão de
Moreno. Ele queria mais. Queria que todos pudessem brincar de ser Deus.
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a clínica psicodramática dos sonhos: um estudo de caso 1