MARCOS BERNAR DES DE MELLO
Professor de Direito Civil e Teoria Geral do Direito (Graduação e Pós-Graduação) do Curso de Direito da Universidade Federal de Alagoas. Professor de
Direito Civil do Curso de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Recife (U.F.Pe). Membro da Academia Alagoana de Letras Jurídicas. Membro dos
Institutos dos Advogados de Alagoas e Brasileiro.
Teoriado
FatoJurídico
3? edição
1988
I editora
I SARAIVA
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
M479t
3.ed.
Mello, Marcos Bernardes de.
Teoria do fato jurídico / Marcos Bernardes de Mello. — 3. ed.
- São Paulo : Saraiva, 1988.
1. Atos jurídicos 2. Fatos jurídicos I. Título.
88-1835
CDU-347.13
índices para catálogo sistemático:
1. Atos jurídicos : Direito civil 347.13
2. Fatos jurídicos : Direito civil 347.13
AGRADECIMENTOS
A meu pai, o Dese mbar gado r e Prof essor José
Xisto Gome s de Mel lo, prof undo conh ecedor do Di rei to, por me hav er fei to ver , na dou tri na de Pon tes
de Miran da, a estru tura funda menta l da Ciênc ia Ju rídic a e, també m, por tudo o que, moral e cient ificame nt e, me do ou en qu an to vi ve u.
A meus mestr es do Curso de Mestr ado, espec ialment e os Prof essores Lour ival Vilanov a, Torq uato
Castr o, José Souto Maior Borge s e Nelso n Salda nha,
pe lo es tí mulo in te le ct ua l qu e me co nc ed er am e o
muit o qu e me en si na ra m.
A Onira, minha esposa,
Ornar, Alana, Hânia, Nirvana, meus filhos,
e Yolanda, minha mãe.
ÍNDICE
I PARTE
CONCEITOSFUNDAMENTAIS
Capitulo I O FENÔMENO
JURÍDICO (uma visão integrada)
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
O homem, a adaptação social e o Direito ....................
Mundo fáctico e mundo jurídico ........................., ......
Logicidade do mundo jurídico.....................................
Direito e realidade.......................................................
As dimensões do fenômeno jurídico............................
Uma visão integrada do fenômeno jurídico...................
Corte epistemológico ...................................................
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29
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34
Capítulo II
NORMA E FATO JURÍDICO
I - A previsão normativa do fato jurídico
1. Norma jurídica e definição do mundo jurídico.............
2. Norma e ordenamento jurídico ...................................
2.1. Normas explícitas.................................................
2.2. Normas implícitas.................................................
II - A estrutura lógica da norma jurídica
1. Expressão essencial da norma jurídica.........................
2. Sancionistas e não-sancionistas....................................
2.1. Norma primária e norma secundária (sancionistas)
2.2. Não-sancionistas ..................................................
3. Análise crítica das doutrinas ........................................
37
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46
5.3. Pré-exclusão de juridicidade ...................................... 87
5.4. Invalidação ................................................................. 88
5.5. Deseficacização ......................................................... 88
Capítulo III OS ELEMENTOS DA
ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA
I - O suporte fáctico
1. Conceito..............................................................................
2. Espécies...............................................................................
3. Significação e importância do conceito .............................
4. Elementos do suporte fáctico .............................................
4.1. Relevância dos fatos ..................................................
4.2. Fatos da natureza e do animal ..................................
4.3. Atos ............................................................................
4.4. Dados psíquicos .........................................................
4.5. Estimações valorativas ..............................................
4.6. Probabilidades ...........................................................
4.7. Fatos do mundo jurídico ............................................
4.8. A causalidade física ...................................................
4.9. O tempo ......................................................................
4.10. Elementos positivos e elementos negativos ................
5. Element os nucleares, completantes e complementares
do suporte fáctico; elementos integrativos ........................
6. Fato (real), suporte fáctico e fato jurídico .......................
II - O preceito
1. Conceito .............................................................................
2. Classificação ......................................................................
III - Determinação do suporte fáctico e do preceito ........................
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Capítulo IV A
FENOMENOLOGIÀ DA JURIDICIZAÇÃO
1. A incidência da norma jurídica -........................................
2. Características da incidência ..............................................
2.1. Incondicionalidade.....................................................
2.2. Inesgotabilidade .........................................................
3. A vigência da norma jurídica .............................................
4. A concreção do suporte fáctico .........................................
4.1. Generalidades ...........................................................
4.2. Fato e realidade .........................................................
4.3. A formação do suporte fáctico .................................
4.3.1. Suficiência do suporte fáctico ........................
4.3.2. Suporte fáctico deficiente ..............................
5. As conseqüências da incidência .........................................
5.1. Juridicização ..............................................................
5.2. Desjuridicização .......................................................
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Capítulo V OS PLANOS
DO MUNDO JURÍDICO
1.
2.
3.
4.
5.
Generalidades .....................................................................
Plano da existência .............................................................
Plano da validade ..............................................................
Plano da eficácia ...............................................................
Observações finais ..............................................................
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II PARTE DO FATO JURÍDICO
AO PLANO DA EXISTÊNCIA
Título I CONCEITO E
CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS
Capítulo VI CONCEITO DE
FATO JURÍDICO
1. A concepção tradicional de fato jurídico ............................ 105
2. A concepção de Pontes de Miranda .................................... 106
Capítulo VII A
CLASSIFICAÇÃO DO FATO JURÍDICO
I - À procura de um critério .......................................................... 111
II - A proposta de Teixeira de Freitas • ............................................ 112
III - O crit ério adotado ................................................................... 114
1. Classificação segundo o elemento cerne do suporte fác
tico....................................................................................... 114
1.1. Conformidade e contrariedade a direito ..................... 115
A - Considerações gerais ........................................... 115
B - Divergências doutrinárias ................................... 116
C - Importância da classificação............................... 119
1.2. Elemento volitivo cerne do suporte fáctico ................ 119
A - Divergências doutrinárias ................................... 121
2. Critérios para catalogar os fatos jurídicos ........................ 121
Título II CONCEITUAÇÃO
SUCINTA DAS ESPÉCIES LÍCITAS
Cap ítulo VII I DO FAT O
JU RÍ DICO ST RICTO SENSU
1. Concei tuação ..................................................................... 131
Cap ítulo IX DO ATOFAT O JUR ÍDI CO
1. Conceitua ção ..................................................................... 137
2. Espécies.............................................................................. 137
3. Diver gências doutrinárias................................................. 141
Título III CONCEITUAÇÃO
SUCINTA DAS ESPÉCIES ILÍCITAS
Cap ítulo X DO ATO
JUR ÍDI CO (LAT O SEN SU)
1. Conceitua ção .....................................................................
2. Análise dos elementos constitutivos ................................
2.1. Exteri ori zaç ão da vontad e.......................................
2.2. Consciência da vontad e ...........................................
2.3. Resultado lícito e possível.........................................
3. As espécies de ato jurídico ..............................................
Ato jurídico stric to sensu e negóc io jurídico ..................
3.2. Vontad e e negóci o jur ídi co ..................................... 171
3.2.1. Vontad e como ele ment o nuclea r de suport e
fáctico ............................................................ 171
3.2.2. Vontade e efeit os jurídico s? ......................... 172
I - A fonte da eficác ia jur ídi ca ................................................... 172
II - Ampl itude e surgime nto da eficác ia ..................................... 174
3.3. Limita ções à vonta de negoc iai ................................. 178
3.4. Negócio jurídico e norma jurídica individua l ......... 182
3.5. Negócio jurídico e efeit os prá ticos .......................... 183
3.6. Concl usão. O conceito de negóc io jurídico ............. 184
4. Diverg ências dou tri nár ias ................................................ 185
4.1. Há nec essid ade da disti nçã o ent re as espécies de
ato jur ídi co? ............................................................. 185
4.2. Insufic iência do conceito clássico de negóci o jur í
dico ........................................................................... 188
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147
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156
Cap ítulo XI DO ATO
JUR ÍDI CO STR ICT O SEN SU
Cap ítulo XII I DO FAT O
ILÍ CITO LAT O SENSU
I - Conceituação ......................................................................... 197
1. Noç ão pre limi nar .............................................................. 197
2. Caracterí sticas da ilicitude .............................................. 198
2.1. Elementos cerne da ilicitude .................................... 198
2.2. Ele ment os comple tantes do cer ne: — a ilicitude in
specie ......................................................................... 201
3. Objeções doutr iná rias à exp ressã o contr ariedade a di
reito ................................................................................... 201
4. Conclusão ......................................................................... 202
1. Conceitua ção...................................................................... 161
2. As várias classes de atos jurídicos stricto sensu ............... 163
Cap ítulo XIV
CLAS SIF ICAÇÃO DOS FAT OS ILÍ CIT OS
Cap ítulo XII DO
NEGÓCIO JU RÍDICO
1. Noção preliminar ...............................................................
2. A concepção clássica de negócio jurídico ........................
3. Exposição crítica do conceito de negóc io jurídico .........
3.1 . Atitude meto dol ógica ...............................................
10
167
167
170
170
I - Atitude meto dol ógica ............................................................. 205
II - Análise sucinta das espécies........................................ , .......... 207
1. Ilícito absoluto e ilícito relativo ....................................... 207
2. Fatos stric to sensu ilícitos ................................................ 208
3. Ato-fato ilícito ................................................................... 209
4. Ato ilícito lato sensu......................................................... 210
11
III - As várias espécies de ato ilícito .............................................
4.1. Ato ilícito stric to sensu (ou absoluto).....................
4.2. Ato ilícito relativo ....................................................
4.3. Ato ilícito caducific ante ...........................................
4.4. Ato ilícito nulificante __ ..■.....................................
214
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216
216
APRESENTAÇÃO
No campo da Teoria Geral do Direito, o fato jurídico constitui,
parece-nos, o tema que encerra maior significação. Explicamos porquê:
a) Primeiramente, (a) se considerarmos que o mundo do direito é
integrado pelas relações jurídicas, direitos, deveres, pretensões, obri
gações, ações, exceções e toda a gama de outras conseqüências jurídi
cas, como os poderes, ônus, atribuições e qualificações que envolvem
o homem em suas relações intersubjetivas, isto é, o homem em con
fronto com outros homens; (b) se considerarmos que as relações jurí
dicas e todas as demais categorias de eficácia jurídica somente podem
existir se uma norma jurídica as atribui a uma certa situação de fato;
(c) teremos de concluir que o mundo jurídico constitui produto do fa
to jurídic o, resultado da conjunção da norma jurídic a com a situa
ção de fato por ela prevista (= fato jurídico), A norma jurídica, na
verdade, tem a função de definir o fato jurídico, atribuindo-lhe as
conseqüências; enquanto esse fato não se materializar no mundo, a
norma não passará de pura hipótese, abstração lógica. O fato social,
por sua vez, serve de suporte, de objeto, à definição do fato jurídico
pela norma, donde se poder dizer que, enquanto não houver norma
que o regule, não se transformará em fato jurídico e não poderá pro
duzir qualquer conseqüência jurídica, permanecendo fato social, ape
nas. De tudo isto resulta evidente que o fato jurídico (= norma + fa
to) representa o elemento fundamental de toda a juridicidade, pois se
constitui na fonte imediata do mundo jurídico, sendo a norma, en
quanto apenas norma, e o fato, enquanto apenas fato, suas fontes mediatas.
b) Depois, porque é um conceito cuja utilidade existe em qual
quer área da Ciência Jurídica. Estamos acostumados, é verdade, a ver
o fato jurídico estudado quase que exclusivamente como tema de Di-
12
13
reito Civil. Praticamente, só livros dedicados a esse ramo do Direito
tratam do assunto. Isto, segundo cremos, tem como origem a circunstância de que aquilo que conhecemos como Teoria Geral do Direito
nasceu impregnado dos conceitos civilísticos, isto como conseqüência
de ter sido elaborado pelos privativistas alemães, especialmente os
Pandectistas, numa época (final do século XVIII e século XIX) em
que conceitos do chamado Direito Público ainda eram incipientes. Esse fato repercutiu na legislação, tendo os Códigos Civis que adotaram,
como no sistema alemão, uma parte geral, passado a nela regular o fato
jurídico. Essa visão, no entanto, parece-nos caolha, se levarmos em
conta, como vimos, que nada acontece no mundo jurídico senão como
produto de um fato jurídico, seja em que ramo da Ciência Jurídica
for. Ontologicamente, o crime é um fato jurídico (Direito Penal), como o são um decreto do Presidente da República que nomeia um funcionário público (Direito Administrativo), o ato de votar numa eleição
(Direito Constitucional), o contratar um empregado (Direito do Trabalho), a venda da mercadoria pelo lojista (Direito Comercial), a formaliza ção de um tratado inter nacio nal (Dire ito Intern acion al
Público), os atos de um processo judicial, cível ou criminal (Direitos
Processuais Civil e Penal), o lançamento de um tributo (Direito Tributário), e assim por diante. Em essência, não há como estabelecer distinção entre eles, porque constituem um gênero.
Metodologicamente, porém, atentando-se para as peculiaridades
exclusivas de cada um, é preciso considerá-los como espécies distintas
que são, dentro do gênero. Um crime é um fato jurídico ilícito, como
o é o ato de causar dano a patrimônio de outrem. Apesar disto, os
pressupostos que tipificam um e outro, como também as suas conseqüências próprias (geralmente, pena privativa da liberdade, para o crime, e obrigação de indenizar, para o ilícito civil), implicam a necessidade de estudá-los particularmente, naquilo em que são específicos.
Essa necessidade, porém, não exclui uma outra, qual seja a de analisálos em comum, naquilo que têm identidade como gênero. Sim, porque
se são iguais em substância, integram, como espécies, um único gênero
e, como gênero, precisam de ser tratados com igualdade. O que não é
possível, cientificamente, é esquecer, ou desconhecer, essa identidade
essencial que existe entre eles: o ser fato jurídico.
c) Finalmente, essa identidade como gênero permite traçar do fato
jurídico um perfil igual para todas as espécies. Acima propusemos um
conceito de fato jurídico (fato a que a norma jurídica atribui,
especificamente, certas conseqüências no relacionamento interhumano). Diz-se, como aforismo fundamental do Direito Penal que
nullu m crime n, nulla poena sine lege, no qual estão enunc iados
os elementos da conceituação de fato jurídico que fizemos. Essa frase
quer dizer, essencialmente: não se pode considerar um determinado
14
fato como crime (= fato jurídico ilícito penal), nem lhe ser imputada
uma pena (= conseqüências jurídicas), sem que uma norma específica
(= lei) o defina como tal com a sanção. Da mesma forma, um outro
fato qualquer somente poderá ser considerado jurídico, seja lícito ou
ilícito, e, assim, produtor de efeitos, sejam direitos, sejam obrigações,
sejam sanções, se houver uma norma que o estabeleça. Por isso, podemos generalizar o aforismo dizendo que nullum factum, nullus effectus sine norma. A diferença entre as duas fórmulas reside, apenas, em
que para o fato jurídico penal (= crime) se exige uma definição em
norma jurídica específica (= lei) — isto em face da gravidade das suas
conseqüências jurídicas que, em geral, atingem a liberdade e até a própria vida das pessoas — enquanto que em relação aos demais fatos jurídicos se admite que resultem da aplicação analógica de outras normas, do costume, de princípios gerais do direito e até da eqüidade, ou
seja, de norma não-específica.
Neste trabalho, fizemos uma tentativa de generalizar os conceitos
fundamentais relativos ao fato jurídico, de modo que se apliquem a
qualquer ramo da Ciência Jurídica. Na parte relativa à classificação,
porém, demos ênfase às espécies tradicionais, sem nos dedicarmos ao
estudo era campos geralmente classificáveis como de Direito Público
(p. ex., os atos processuais, os atos de direito administrativo). Em essência, porém, estes são atos jurídicos lato sensu, com as particularidades de que se revestem em razão do ramo jurídico em que se inserem. Não tivemos, está claro, a pretensão de elaborar uma Teoria Geral do Fato Jurídico, mas sim de desenvolver um estudo sistemático e
generalizante, numa certa medida, do fato jurídico, com especial empenho de tornar didática a sua exposição.
Anteriormente, com o título de Contribuição à Teoria do Fato
Jurídico, fizemos publicar, em duas edições, a tese que defendemos
perante a Comissão Examinadora composta dos eminentes Juristas
Torquato Castro, Lourival Vilanova e Souto Maior Borges, e com que
obtivemos, com o grau summa cum lauda, o título de Mestre na Faculdade de Direito do Recife. Como explicamos na ocasião, por se tratar de uma tese, as questões levantadas e os temas abordados não foram exaustivamente discutidos, precisamente pela necessidade técnica
de reservar os argumentos decisivos para uso na ocasião da defesa.
Apesar disto, o livro teve invulgar aceitação, esgotando-se os seus
5.000 exemplares em pouco tempo. A par disto, recebemos, com satisfação, a crítica bastante favorável de estudiosos do Direito (Geraldo
Ataliba e Artur Lima Gonçalves, in Revista de Direito Tributário,
pág. 399/400), inclusive na Argentina (Héctor Negri, in Jurisprudência de Lomas de Zamora, ed. 20-7-1983) e a sua adoção em várias universidades brasileiras. Depois, farta correspondência de professores,
advogados e estudantes, nos estimulou a rever aquele trabalho, am-
15
pliando-o e dando-lhe maior divulgação. Aceitamos a sugestão e o resultado está neste livro.
Apesar da identidade do tema e da fidelidade à linha científica
que presidiu o primeiro trabalho, o conteúdo desta obra é praticamente
novo, embora em alguns pontos resulte de uma reelaboração do texto
anterior, ampla e aprofundada para esclarecer dúvidas e eliminar
omissões. Neste trabalho, tivemos a preocupação de dar-lhe um caráter didático, sem contudo nos descuidarmos da precisão científica, a
mais rigorosa que pudemos. Com esse sentido, procuramos aclarar o
mais possível as questões, formulando exemplos e nos detendo, muitas vezes, em explicações que, aos iniciados, podem parecer até elementares, mas que se justificam pela necessidade de não deixar o iniciante, o estudante, sem a exata noção do que quisemos dizer. Não é a
simplicidade do exempío ou da linguagem algo que prejudique a cientificidade do conteúdo, coisa que procuramos preservar por todos os
meios.
No desenvolvimento do trabalho nos vimos obrigados a utilizar,
largamente, notas de rodapé, que não se limitaram à indicação bibliográfica, mas serviram, também, para a formulação de exemplos e explicações doutrinárias. Quanto a estas últimas, embora as considerássemos necessárias à compreensão das idéias expostas, concluímos que
a sua inclusão no texto principal, por constituíremdigressões, poderia
prejudicar-lhe a clareza. Por esse motivo algumas das notas são
bastante extensas e tratam, muitas vezes, de questões cientificamente
polêmicas, razão pela qual entendemos necessária a sua colocação
com a finalidade de fundamentar as nossas opiniões expendidas.
Esta, desejamos destacar, não é uma obra acabada. Somente a
circunstância de limitar-se o estudo do fato jurídico ao plano da existência já revela a necessidade de ser continuada. Ademais, a busca por
uma maior precisão científica não nos permite apenas olhar satisfeitos
para o que fizemos. Por isso, queremos colocar-nos à disposição de
quantos nos desejem honrar com suas observações críticas — que serão sempre bem-vindas — das quais procuraremos tirar as lições que
nos permitirão aperfeiçoar sempre mais o nosso trabalho.
Marcos Bernardes de Mello
Av. Sandoval Arroxelas, 510
Ponta Verde — Maceió-AL
CEP 570 00
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I PARTE
ConceitosFundamentais
CapítuloI
O FenômenoJurídico umavisão integrada
1.
O homem , a adap taçã o soci al e o Dire ito
A vida humana em sociedade, a vida do homem diante de
outro homem ou dos homens, em face dos entrechoques de
interesses que, inevitavelmente, ocorrem, precisa de ser ordenada pela comuni dade, a fim de que essa conviv ência seja a
mais harmônica possível. O ser humano, naturalmente inadaptado ao ambiente em que vive, tanto social quanto culturalmente, sente a necessidade de adquirir aptidões para sobreviver dentro da sociedade. Essa aquisição de aptidões traz como
conseqüência a sua adaptação ao meio social, o que se revela
através dos comportamentos que o indivíduo integra em si, ao
longo de sua existência, alguns adquiridos espontaneamente,
instintivamente, outros moldados conscientemente, muitas vezes até contra a sua própria vontad e, pelos ensina mentos que
a comunidade lhe concede ou impõe.
Porque o ambiente social constitui seu habitat mais propício, o homem tende, naturalmente, à vida em sociedade, isto
também como condicionamento decorrente do milenar hábito,
que começa a influir sobre a sua psique desde o momento de
seu nascimento, de viver em comunidade. O ser humano, em
situação normal, nasce no seio da família — o grupo social
básico — e a partir daí tem início a modelagem de suas potencialidades no sentido da convivência social. A ampliação gradativa dos círcul os sociai s em que o homem se vê envolv ido
no desenrolar de sua existência, faz crescer, proporcionalmente,
o grau de influência que a sociedade exerce em sua formação.
À medida que o indivíduo expande a área de seu relacionamento com os outros , partic ipando de grupos maiore s, como
os companheiros de brincadeiras, a escola, as congregações e
comunidades religiosas, os clubes, e. g., aumentam também as
pressões dos condicionant es sociais que procuram conduzir a
sua personalidad e conforme os padrões da sociedade.
21
Os processos de adaptação social ( x ) — como a Religião,
a Moral, a Política, a Educação, a Economia, a Ciência, a Arte,
a Moda, a Etique ta, o Direit o — são os instru mentos de que
se vale a comunidade para agir sobre o homem, instilando em
sua personalidade os valores, as concepções e os sentimentos
que integram e representam a própria cultura daquela sociedade. As experiências vivenciais que o ambiente social lhe proporciona atuam como elementos determinantes de seu comportament o e em razão delas o homem aprende a falar e o que
falar, veste-se e sabe como vestir-se, sabe o que comer e como
comer, enfim aprende a comportar-se diante dos outros homens
e da comunidade que condiciono u as suas aptidões.
Não é possível negar, entretanto, que apesar de sua tendência à sociabilidade, o homem jamais se despe, por completo,
de seus instintos egoístas, motivo pelo qual não se consegue
apagar nem mesmo superar , a sua inclin ação, muito natural,
de fazer preval ecer os seus intere sses quando em confron to
com os seus semelhantes. Além disto, todo o arcabouço social
respaldado no aparato de meios que visam a adaptá-lo, não
consegue suprimir ou reduzir o livre-arbítrio do homem na
escolh a de sua conduta. Parece indisc utível , no entant o, que
se a cada qual fosse permitido conduzir-se socialmente como
bem lhe aprouvesse, deixando-se governar pela sua arrogância
e ambição, tendo como medida de ação o seu poder e a fraqueza do outro, a vida em comunidade seria intolerável e praticamente impossível o avanço para formas superiores de civilização. Não se poderia, ao menos, considerar sociedade humana
um agrupamento dessa ordem. O jugo social representado pela
atuação no sentido da adaptação é aceito como uma imposição
necessária da vida social. Por isso mesmo, traz como resultante inelim inável a possib ilidad e sempre presen te de reação
e rebeldia do homem aos padrões traçados pela sociedade (2 ).
Disto decorre, evidentemente, a imperiosa exigência da comunidade de estabelecer normas de conduta que tenham um caráter obrigatório em decorrência do qual a sua impositividade ao
(1) A expressão "processos de adaptação social" é largamente empregada por
Pontes de Miranda em toda a sua notável obra cientifica. Ver também
Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, 17 e passlm.
(2) Esse lnconíormlsmo do homem à adaptação social é encontrável permanen temente em todo o correr da história e revela, sempre, discordância com
os modelos sociais que lhe sao impostos. Há momentos em que essa dis cordância gera reações que, alcançando níveis paroxismlcos, leva à revolução, com alterações, multas vezes prof undas, nos padrões de conduta
social .
É preciso destacar, porém, que qualquer dessas mudanças jamai s conse gu iu el imin ar ou ne ut ra li za r a ex ig ên ci a de ad ap ta çã o; pe lo co nt rá ri o,
nas épocas de maio r ebulição social sempre recrudesce o despotismo e
exacerba-se a adaptação social. A nova ordem em geral necessita de maio r
fo rça de Imposição para substituir a anterior e instaurar -se.
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homem3 seja incondicional e independente da adesão das pessoas ( ). Essa s regra s cons titu em as norm as jurí dica s que,
no seu conjunto, consubstanciam o direitÕT]
2.
Mund o fáct ico e mund o jurí dico
\Na sua finalidade de ordenar a conduta humana obrigatória, o direito valora os fatos e, através das normas jurídicas,
erige à categoria de fato jurídico aqueles que têm relevância
para o relacionamento inter-humanõT)
Explicamos. A vida é uma sucessão permanente de fatos.
Desde o nascimento até a morte, com todos os atos que integram a vida, desde a estrela cadente que risca o céu ao vai-e-vem
da onda do mar, tudo o que nos cerca, física ou psiquicamente,
são fatos. "O mundo mesmo, em que vemos aconte cerem os
Teoricame nte, têm havido sugestões no sentido de libertar o homem da tirania
social, que seria representada pelo direito, usado como Instrumento de
dominação pelo estado. O regime anárquico, preconizado por Bakunin e
Kropotkln, baseava-ee no pressuposto, Inconciliável com a realidade, de que o
homem é naturalme nte bom e os mal es e distorções nesse estado de bondade
seriam conseqüências da corrupção que as Ins tituições estatais lhe impõem. O
próprio marxismo se funda, em última Instância , na ficç&o de que o
desaparecimento das lutas de classe pelo co muni smo te ri a co mo re su lt an te
to rn ar de sp lc le nd o o di re it o e ta mbém o estado. Atualme nte mes mo, o
Movimento Crlticlsta do Direito, fu nd ad o pe lo Il us tr e ju ri st a fran cê s Mi ch el
Ml al le (I nt ro du çã o Cr it ic a ao Direito), de orientação mar xista, e outros ditos
contradogmá tlcos refl et em es sa te nd ên ci a co nt ra o di re it o po st o pe la so ci ed ad e
e as su as pressões sobre o indivíduo. O movime nto hippie da década de 80 é
exemplo vivo e prático desBe anseio de eliminar o Jugo social. Teoricamente ou na
prática, a verdade nrtórlca, porém, frustra qualquer esperança de que a sociedade
humana possa prescindir dos instrumentos de adaptação social, especialmente o
direito. Em todos os tempos as transformações sociais jamais passaram de
metamorfoses, quer dizer, de mudanças de forma , apenas. Quando alguém, como
os crltldstas, propõe o abandono da dogmática Jurídica, porque escravlzadora do
homem pela classe dominante representada pela burguesia, o que na verdade
está propondo, em última análise, é a substituição dessa dogmá tica por uma
outra que lhe parece mai s Justa. Ellml nar-se o direito da sociedade é Impossível,
como Inviável ter-se um direito n&o dogmá tico, porque, mai s do que os outr os
processos de atuação da sociedade, consubstancia o eleme nto de estabilidade e
de manutençio da própria convi vência social. (3) fOs processos de adaptação
social, exceto o direito, embora se constituam de i , _ normas de natureza
comportamental, nao têm o poder de vincular Incondicionalmente as conduta s,
donde ficarem à mercê da adesão das pes soas. O direito, diferentemente, é
obrigatório e nisto consiste o eleme nto qu e o ca ra ct er iz a e o di st in gu e do s
de mais pr oc es so s de ad ap ta çã o social. Por Isso, por integrar a sua própria
natureza (= substancia), a obrigatoriedade do direito é dado que se põe
apriorlsticamente. As normas Jurídicas de per si retiram a sua obrigatoriedade
dessa obrigatoriedade a prlorl do direito como processo de adaptação social,
embora pr ec is em de at en de r, pa rt ic ul ar ment e, a ce rt os pr es su po st os de va li dade que, desatendldos, as descaracterizam como Jurídicas. Que pres su po st os
sa o es te s, na o há un if or mida de de re sp os ta s. Va ri am as op ini õe s, se gu nd o a
vl nc ul aç &o fi lo só fi ca de ca da um, de sd e aq ue le s, de cunho axloló gic o, que os
vêem refletidos nos valores fundamentais da Juridlcldade, aquelas dogmáticas
que Invocam uma norma rundamen-
23
fatos é a soma de todos os fatos que
ocorreram e o campo em
que os fato s futu ros se vão dar" ( 4 ).
De modo bastante simplificado, mas com completa abrangência, podemo s classi ficar os fatos em: — (a) evento , que
inclui os fatos da natureza e do animal, ou seja, todos aqueles
que independem de conduta para existirem; e — (b) conduta,
que define o ato humano .
É evidente, porém, que nem todos os fatos — mesmo conduta — têm para a vida humana o mesmo valor, a mesma
importância. Há fatos — inclusive puros eventos da natureza
— que possuem para os homens, em suas relações intersubjetivas, significado fundamental, enquanto outros, ou por lhes
fugirem ao contro le, ou por não lhes acarret arem vantage ns,
ou, ainda, por não lhes provocarem o interesse, são tidos como
irrelevantes. Quando, no entanto, o fato interfere, direta ou
indiretamente, no relacionamento inter-humano, afetando, de
algum modo, o equilí brio de posiçã o do homem diante dos
outros homens, a comunidade jurí dica sobre ele edita norma
que passa a regulá -lo, imputa ndo-lhe efeito s que repercu tem
no plano da convivência social. Parece claro, daí, que a norma
jurídica atua sobre os fatos que compõem o mundo, atribuindolhes conseqüências específicas (efeitos jurídicos) em relação
aos homens , os quais consti tuem um plus quanto à natu -
ta l, ab st ra ta ment e po ^t a, po rt an to de cu nh o ló gi co , de qu e de co rr em
todas a', outras, àqueloutras jusnaturalistas que os concebem como uma
decorrência de sua harmo nia com a ordem un iversal, ema nada da natureza e mesmo de Deus, e, finalmente, às sociológi cas que se baseiam na
aceitação das normas pela comunidade.
Ta mbém na o há un if or mida de qu an do se tr at a de sa be r em qu e co n si st e
es sa ob ri ga to ri ed ad e. Pa ra al gu ns , re si de na sa nç ão, na co aç ão externa.
Enquanto as norma s mor ais, religiosas, políticas devem ser seguidas e
observadas espontaneamente, e a coação porventura nelas exis tente tenha
caráter psicológico, interior, as jurídicas são impostas, in clus ive pe lo us o
de coação ex te rna , atr avé s de sa nç ões. As pe na s do fogo do inferno, para
o pecado, ou o sofrimento moral do remorso e da vergonha, não constituem
coação externa ou sanção Imposta pelo grupo so ci al , di re ta ment e, co nt ra o
pe ca do ou o at o imor al , embo ra nã o se ex- v
clua a possibili dade do
repúdio social ostensivo.
v
Para outros, como Pontes de Miranda, cujo pensame nto acompanhamos , a
obrigatoriedade das normas jurídicas se resume à sua incidência que,
tr ans forma nd o o Eeu su po rte fácti co em fato ju rídi co, su bo rdi na às su as
no rmas as co nd ut as re la ci on ad as àq ue le fa to . Se a no rma in ci de , tem de ser
aplicada por quem tenha essa responsabilidade no org anismo social. Se da
aplicação resulta sanção é irrelevante, porque esta é carac te rí st ic a de al gu ns ti po s
de no rmas Ju rí di ca s, na o de to da s. Al iá s as normas jurídicas de maior
significado para a comunidade — como as que de fi ne m e as se gu ra m os di re it os
fu nd amen ta is do ho mem e do ci da dã o, e os direitos da personalidade — não
contêm qualquer sanção especí -fi ca Tl Vi de ad ia nt e ca p. II , II , n. ° 3, cr ít ic a às
co nc ep çõ es sa nc io ni st a -, do iJlrelto. (4) Pontes de Miranda, Tratado de Direito
Privado, I. 3.
24
reza do fato em si. A norm a jurí dica , dest e modo , adje tiva
os fatos do mundo, conferindo-lhes uma característica que os
torna espécie distinta dentre os demais fatos: — o ser fato
jurídico.
A constatação de que há fatos relevantes, a que a norma juríca
imputa efeitos no plano do relacionamento inter-humano e fatos
que, considerados irrelevantes, permanecem sem normatização,
permite distinguir, dentro do universo dos fatos, que é o mundo
em geral — ou mundo fáctico — um conjunto — o mundo
jurídico — formado apenas pelos fatos jurídicos. Se
ponderarmos que os eleitos jurídicos — desde as situações
jurídicas simples, como os estados pessoais, as relações jurídicas de conteúdo o mais complexo, que se desdobram em
múlt iplo s dire itos <> deve res, pret ensõ es <> obri gaçõe s,
ações e exceções são, exclusivamente, imputações feitas pelos
homens a cert os fato s da vida atra vés das norm as jurí dica s,
tere mos de admi tir que a dist inçã o, no mund o, entr e o que é
jurí dico e o que não entra no mundo jurídico, se reveste de
fundamental import ância ao trato cientí fico do direit o. "Por
falta de atenção aos dois mundos muitos erros se cometem e, o
que é mais grave, se priva 5a inteligência humana de entender,
intuir e dominar o direito" ( ).
Na verdade, Somente o fato que esteja regulado pela norma jurí dica pode ser cons ider ado um fato jurí dico , ou seja ,
um fato gerador de direitos , deveres , preten sões, obrigaç ões
ou de qual quer outr o efei to jurí dico , por míni mo que seja .
As meras relações de cortesia, por exemplo, não criam situações jurídicas, como a de A poder exigir que seu vizinho B o
cump rime nte toda manh ã, sob pena de ser cons tran gido a
fazê-lo ou punido por não o fazer. Esse mesmo fato do cumprimento, em outras situações, pode acarretar resultados jurídicos — é o que acontece entre os militares, e. g., em que pode
ser punido o subordinado que não prestar continência ao seu
superi or — porque há uma norma jurídi ca que assim estabelece. As relações de parentesco são outro exemplo. No plano
jurídi co não são todas as relaçõe s de parent esco que impor tam. Dependendo da situação, as normas jurídicas somente consideram para os efeitos de direito os parentes até um determinado grau. O parentesco em grau superior àqueles previstos
pelas normas jurídicas não produz qualquer efeito jurídico.
(5) Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, I, 3/4 .
25
Resul ta evidente, assim, a difer ença subst ancia l que exist e
entre o fáctic o ( 6 ) , enqu anto apen as fáctico, e o jur ídico, por que some nte est e pode ter algu m efeito vinc ulante da cond uta
hu ma na . O mu nd o ju rí di co , es tá cl ar o, se va le do s fa to s da
vida e, mai s qu e is to , é co ns ti tu íd o po r el es pr óp ri os ; re su lt a
da atuação (in cidênci a) da norma jur ídi ca sobr e os fat os, jur idicizan do-os ( 7 ) , e não representa, por isso, uma deco rrência
nat ura l dos fat os. Enq uan to com os dem ais fat os seu agr upa men to em cl as se s te m po r el eme nt o re fe re nc ia l da do qu e lh e
é na tu ra l (a mo rt e é fa to bi ol óg ic o po rq ue se re fe re à vi da ),
os fat os jur ídi cos o são pela vont ade huma na que, atr avés das
no rm as ju rí di ca s, im pu ta ca rá te r ju rí di co ao s si mp le s fa to s
da vida , int egra ntes naturais de outros mund os. O fat o geog rá fic o da avul são, por exemplo , em face da repercussão que pode
te r na or de m do re la ci on ame nt o hu man o, co m a tr an sf er ên ci a
da propri edad e sobr e a porção de ter ra, é tamb ém fat o jurídi co
pe la im pu ta çã o qu e a no rma ju rí di ca lh e fa z.
3.
Logi cida de do mund o jurí dico
O mund o jur ídi co, como se vê, é cri ação huma na e se refer e; apenas, à cond uta do home m em sua int erf erência inter sub je tiv a; não se des env olv e, ass im, no cam po da cau sal idade fís ica, mas sim numa orde m de validade, no plano do
dever-ser". O ser fato jurídico e o produzir efeito jurídico são
si tu aç õe s qu e se pa ss am no mun do de no ss os pe ns amen to s e
não imp õem tra nsf orm açõ es na ord em do ser . A cir cun stâ nci a
de o nas cim ent o com vid a de um ser hum ano ser con sid era do
fato juríd ico ao qual se imputa o efeit o juríd ico de o recém-nasci do ad qu ir ir a pe rs on al id ad e ci vil (= se r pe ss oa pa ra os fi ns
de dire ito , ou sej a, pod er ter dir eit os e obr iga çõe s na ord em
civ il) , não alt era em coi sa alg uma o fat o bio lóg ico do nas ciment o, como tamb ém nada acrescenta ou ret ira ao ser huma no,
do ponto de vista físico. Quando, em decor rênci a da escra vatur a
(fato jurí dico), o escra vo era consi derad o objet o do direi to de
propriedade do senhor (efeito jurídico) e não pessoa, em nada
modifi cava a sua condi ção de ser humano , igual , na ordem da
factic idade, à do senhor. Hoj e a plena capa cidade civ il se adqu i(6) A palavra fá ctico é aqui empregada para designar o nâo -Jurídico; nfto tem o
se nt ido pr ópr io rest rito aos eve nt os da na tu reza, ne m ao de opo si ção
ao de conduta human a (atos).
(7) "O sistema de proposições da ciência jurídica n&o se dirige aos fatos, acres centamo s, sem a mediação das proposições jurídicas que qualificam os
fa to s. Se m as pr op os iç õe s no rmat iv as do Di re it o po si ti vo , ne nh um fa to
do mundo pertence ao universo Jurídico". Lourival Vtlanova, Estruturas
Lóg icas e Sistemas de Direito, pág. 118 .
26
re aos 21 ano s; se ama nhã , por exe mpl o, ess a ida de for red uzida ou au men ta da , ta l mud an ça nã o af et ar á o se r do ho me m;
o ter capac idade ou não para prati car atos da vida jurí dica nâo
mod if ic a o ho mem so b o as pe ct o na tu ra l.
As muda nças que vemos ocor rer no mund o como defluên cia de fatos jurí dicos são, sempre e exclu sivame nte, de cunho
compor tament al, como acont ece quand o o dono de um imóvel
tra nsf ere a sua pos se dir eta a out rem , em vir tud e de um con tra to de loc açã o, pas san do o loc atá rio a exe rci tar sob re ele os
atos compat íveis com a sua situa ção jurí dica. As modif icaçõ es
por que pass am as sit uaçõ es jurídi cas jama is impl icam alt eraçõe s na nat ure za mes ma dos fat os (a ven da, pel o pro pri etá rio ,
da sa fr a do co qu ei ra l, nã o al te ra o ci cl o na tu ra l da fr ut if ic ação), mas , ao con trá rio , as tra nsf orm açõ es hav ida s nas sit ua ções de fato podem deter minar mutaç ões nas situa ções juríd icas
(se o bem móve l é con sum ido pel o fog o, ext ing ue-se o dir eit o
de propri edad e.
Tu do is to , po ré m, so me nt e po de se r co ns id er ad o se os
fat os est ão colocad os no mund o jur ídi co e, para que iss o ocor ra,
é pr ec is o te r em men te qu e o fe nô men o ju rí di co ( 8 ) , em to da
a sua comp lexidade, envo lve dive rsos momen tos, int erdependent es, a saber: — a) a defini ção pela norma jur ídi ca da hipóte se fá ct ic a (def in iç ão no rma ti va hi po té ti ca do fa to ju rí di co );
b) a conc reção dessa hipótese no mund o dos fat os; c) a sua
con seq üen te jurid ici zaç ão por for ça da inc idê nci a da nor ma e
sua entrada como fat o jur ídi co no plano da existê ncia do mund o
do dir eit o; d) a pas sag em dos fat os juríd ico s líc ito s, fun dad os
na von tad e hum ana (at o juríd ico str ict o sen su e neg óci o juríd ico ), pel o pla no da val ida de, ond e se ver ifi car á se são vál idos, nulos ou anul ávei s; e) a cheg ada do fat o jur ídi co ao plano
da eficácia onde nasce m as situa ções jurí dicas , simples ou complexas (re lações jur ídi cas), os dir eit os <> deve res, pretensões
<> ob ri ga çõ es , aç õe s <> si tu aç õe s de ac io na do , ex ce çõ es
<>
situa ções de excep tuado , que const
ituem o conte údo efica cial
específic o de cada fat o jur ídi co ( 9 ) .
A comp reensão do fenômen o jur ídi co, evid entemen te, não
po de pr es ci nd ir do do mí ni o da s re la çõ es qu e ex is te m en tr e
as su as di ve rs as fa se s, po rq ue ca da um a de la s é da do es se n(8) Vide, adiante, a questão das dimensões do fenômen o Jurídico.
(9) É preciso destacar que a questão da Juridicldade, aqui, está sendo tratada
no plano da Teoria Geral do Direito, portanto analisado à luz da dog mática Jurídica, na dimensão normativa.
27
cial e, portanto, pressuposto lógico da outra. Na análise da
juridicidade se constata, com clareza, que, tanto no sentido
ascendente — iniciando-se da juridicização do suporte fáctico;
quando surge o fato jurídico, à terminal eficácia jurídica —
como num sentido descendente — partindo-se da eficácia até
enco ntra r a sua font e, o fato jurí dico — os degra us por que
se tem de passar são sempre os mesmos, irremovíveis e inelimináveis. Há entre eles, evidentemente, uma relação implicacional, motivo pelo qual toda vez que esse relacionamento é
desconsiderado, eliminando-se ou desconhecendo-se algum de
seus estágios, compromete-se a correção no trato dos assuntos
jurídico s e se cria uma visão distor cida da realid ade jurídi ca.
4.
Dir eit o e Rea lid ade
De tudo o que dissemos, é possível pensar-se que o fenômeno jurídico seja alguma coisa abstrata, de pura. lógica, que
não se realiza no plano dos fatos concretos. Isto, no entanto,
não é verdadeiro e explicamos.
A comunidade jurídica quando, tomando os fatos sociais,
sobre eles edita normas jurídicas, o faz com o objetivo de que
a conduta por ela prevista seja adotada pelos seus destinatários, ou seja, por aquelas pessoas a quem a norma se destina.
Na verd ade, a norm a jurí dica enqu anto cons ider ada em si,
como um comando da sociedade, não deixa de ser algo abstrato, mas que se refere a alguma coisa de concreto (os fatos)
que, se ocor rer, deverá prod uzir dete rmin ada cons eqüê ncia
(= efeito jurídico). Quando dizemos que a norma jurídica em
si é algo abstrato estamos mencionando e destacando que a norma jurídica representa uma hipótese em que se prevê a ocorrência possível de fatos aos quais são imputadas conseqüências, donde ser perfeitamente possível que os fatos por ela
previstos jamais se concretizem no mundo, e, em decorrência,
as conseqüências atribuídas não se realizem. Isto, no entanto,
é raro, raríssimo, podemos mesmo dizer. O que de ordinário
acontece, no entanto, é a norma jurídica se realizar no mundo
social, pela concreção do seu suporte fáctico (= ocorrência da
hipótese) e pelo comportamento social de acordo com os seus
ditames (= realização das conseqüências). Quando o devedor
paga a sua dívida no vencimento, está realizando o comportament o pres crit o pela norm a do Códi go Civi l segun do a qual
o devedor deve cumprir â sua obrigação no tempo, lugar e forma convencionados. Se, ao contrário, descumpre a sua obrigação, desatende à norma, mas nem por isso ela deixará de reali28
zar-se. Mesmo contra a vontade do devedor, forçadamente, a
norma poderá ser aplicada pela comunidade por intermédio de
seus órgãos encarregados de cumprir os comandos jurídicos.
Se considerarmos que normas jurídicas regulam a vida do
homem desde a sua concepção, quando ressalvam os direitos
do nascituro, e mesmo antes, quando permitem e protegem a
doação e o legado à prole eventual de pessoas certa (nondum
conc eptu s), até além de sua mort e; se aten tarm os para que
os mais simples atos do dia-a-dia, como tomar um ônibus, entrar e sair livrem ente de casa, planta r uma árvore, consum ir
um cigarro, têm sempre um conteúdo jurídico, chegaremos à
evidência de que muito mais se cumpre do que se descum pre
o direito. Essa realização do direito é, no mais das vezes, inconsci ente, até. Cumpre-se e aplica-se a norma jurídi ca sem
que se tenha a intenç ão, talvez nem a ciênci a, de que se está
a cumpri-la e aplicá-la.
É eviden te que as normas jurídi cas não são feitas para
serem descumpridas. Mas, é claro, também, que sendo uma.
imposição da comunidade ao homem é sempre possível e comum o seu descumprimento. A conduta individual infringente
do direito, no entanto, não retira legitimidade às suas normas,
desde que o grupo social , consid erado no seu todo, as aceite
e as imponha pelos meios e instrumentos que cria para assegurar, inclusive pela força, a sua realização, e atendam, elas,
aos pressu postos gerais de legitimi dade, especi alment e.
A realidade do direito, deste modo, se revela na coincidência do comportamento social com os modelos e padrões traçados pelas normas jurídi cas. Como se vê, as normas do direito (por conseqüência o próprio direito), embora abstratamente formuladas, se tornam realidade no meio social, materializando-se nas condutas por elas prescritas. Pela sua atuação
no ambiente social, adaptando a conduta humana, se diz que o
direito é um fato social.
5.
As dimen sões do fenô meno jurí dico
Como procuramos deixar claro, a norma jurídica constitui
um modelo de conduta estabelecido pela comunidade jurídica,
como resultado da valoração dos fatos da vida, com a finalidade
de obter a adaptação do homem à convivência social harmônica.
Analisando os elementos desse conceito, chegaremos à conclusão de que o fenômeno jurídico, na sua inteireza, se desenvolve
em três dimens ões, a saber:
29
a) di me ns ão po lí ti ca , na qu al a co mun id ad e ju rí di ca va lo ra os fa to s da vi da e, qu an do os co ns id er a re le va nt es pa ra
o relac ioname nto inter-humano , edita norma que passa a regu-lálo em suas cons eqüê ncias no plano jur ídi co. Ness a dime nsão a
co mun id ad e ju rí di ca de ci de so br e a no rma ju rí di ca , qu er
diz er, rev ela a nor ma juríd ica .
Essa a dime nsão axiológica do dir eit o, porque nela atuam,
como element os-guia s, os valo res jur ídi cos. Com efeito , é na
reve laç ão da norma jur ídi ca a ocas ião em que a comu nidade
jur ídi ca, por seus órgã os respons ávei s, est ima a rel evân cia dos
fat os seg und o os val ore s fun dam ent ais da jurid ici dad e, bem
assim daque les outro s que encar nam o própr io espír ito do povo,
sua s tra diç ões , seu s cos tum es, sua con sci ênc ia cív ica : — os
valo res cultur ais da sociedade. Estabel ecida a norma jur ídi ca,
su rge a
b) dime nsão norm ati va. Aqui o direit o passa a ser tra tado,
apenas, em razã o de seus coma ndos , cons ubst anciados nas nor
mas ju rí di ca s, ta is co mo po st as no mun do , de sp re gad as do le
gisl ad or , na su a pu ra ex pr es são no rma ti va. So b es sa pe rs pe c
tiv a, a nor ma juríd ica , atr avé s da inc idê nci a sob re sup ort e fác tic o, atu a ind epe nde nte men te da ade são das pes soa s e se rea li
za no mun do sub ord ina ndo aos seu s dit ame s a con dut a soc ial .
Essa dimens ão tem carát er dogmático. A norma jurí dica é
vist a co mo do gma em su a ab st ra çã o ló gica . A ju ri di ci da de é
tra tad a aqu i com o ord em de val ida de, sem vin cul açã o ime dia ta
e di re ta à su a re al izaç ão no pl an o da s re al id ad es so ci ai s.
So men te imp or ta , as si m, se ex is te uma no rma re gul armente posta e vigent e que, só por isso, é obrigatóri a, inde pe nd en te men te da ci rc un st ân ci a de su a ef et ivaç ão no mei o
soc ial pel a con dut a hum ana , con for me às sua s det erm ina çõe s.
Final mente,
c) a di me ns ão so ci ol óg ic a. "A re gra ju rí di ca so men te se
rea liz a qua ndo , alé m da col ora ção , que res ult a da inc idê nci a,
os fat os lic am efetiva ment e subo rdi nado s a ela" ( 1 0 ) . Na ver
da de , a pe rf ei ta re al izaç ão do di re it o imp li ca a su bo rd in aç ão
do s fa to s da vi da à no rm a ju rí di ca qu e os pr ev iu e re gu lo u.
Desd e quan do essa subo rdinação sej a defeit uosa , por não coin
cidire m a aplicação e a incidência, ter -se-á evid ente impe rfe ição
na or gan izaç ão ju rí di ca da so ci ed ad e, po rq ue es te o el eme nt o
qu e se rv e pa ra me di r o "g ra u de pe rf ei çã o do gr up o so ci al ,
(10) Pon tes de Miranda, Tra tado de Direi to Privado. I, 36.
30
no to ca nt e ao tr aç ame nt o ju rí di co " ( n ) . Se há desc omp as so
en tr e a in ci dê nc ia — qu e se dá no mun do de no ss os pe ns a ment os, portanto, impo ssí vel de ser modi fic ada em sua vera ci da de — e a ap li ca çã o — qu e é at o hu man o ex te ri or izad o, is to
é, vida huma na obj eti vada — demo nstra-se que, ou a realid ade
social é dif erente das normas prescrita s, e então elas não re presentam com fid eli dade os valo res do grup o, ou o apar elhamen to en ca rr ega do de re al izar o Di re it o é in sa ti sf at ór io .
Essa , no entanto, é uma visã o que rel aci ona a norma jur ídica à efetiv a atuação no mund o social , portanto, uma visã o
so ci ol ógi ca do di re it o. Pa ra o no rma ti vismo , o di re it o há qu e
se realiza r obrigat ori amen te pela só vigê ncia das normas jur í dicas. Enqu anto permane ce em vigo r — o que quer dize r; —
enq uan to out ra nor ma juríd ica não a rev oga r — a nor ma jurídic a vin cul a as con dut as e se as pes soa s não se com por tam
se gu nd o os se us co ma nd os ex is te ap en as in fr aç ão , qu e em
na da af et a a no rma ju rí di ca . Há , in cl us ive, qu em su st en te qu e
a no rma ju rí di ca é um de ve r-se r pr ec is ame nt e po rq ue se estim a a pos sib ili dad e de não rea liz ar -se pel a con dut a con trá ria
da s pe ss oa s, se m qu e pe rc a, co m is so , a su a vigên ci a. Es sa
visão, porém, parec e-nos míope e irreal. Escon de -se, no abstr ato
da no rm a, o re al da op os iç ão a e la .
É cla ro que não é a sim ple s inf raç ão ind ivi dua l da nor ma
que a faz em desco mpasso com a reali dade socia l. A reaçã o do
home m à adap tação social que lhe cont rar ia os int eresses e a
disco rdânc ia de alguns revel ada no compor tament o contr ário à
nor ma não co nst itu em sit uaç ões inc omu ns e, por iss o, dev em
ser cons ideradas segu ndo seu exat o sign ifi cado de exer cício do
li vre -ar bí tr io do ho mem na es co lh a de su a co nd ut a. Ma s, se
essa discordânc ia se mani festa pela host ili dade comu nit ári a à
nor ma, ins ist ind o o gru po em se com por tar de mod o dif ere nte
ao est abe lec ido , é evi den te que ess a nor ma não pod e pre val e cer. Embo ra do pont o de vist a do dogma tis mo est eja em vigo r,
de fa to é uma no rma se m vigên ci a.
6.
Uma visã o inte grad a do fenô meno jurí dico
Po r uma qu es tã o de po si ci on ame nt o do ut ri ná ri o (mo ni s ta) , é com um o tra to do fen ôme no juríd ico sob uma det erm inada dime nsão, apenas. Os normati vist as, posi tivi stas e rel ativi sta s, pri ncipalment e, costuma m tra tar do dir eit o, excl usivame nt e, so b o ân gu lo da no rm a ju rí dic a. A pr op os ta de Ha ns
(11) Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, I, 37.
31
Kelsen de escoi mar a Ciênc ia Jurí dica de qualq uer ingerência
axiol ógica e socio lógic a conse guiu, sem sombra de dúvida, uma
mac iça ade são dos juris tas . Ess a pos içã o, no ent ant o, com a
ênfase dada nos últ imos temp os aos problemas fil osóf icos do
dir eit o, especialme nte à problemáti ca ref erente aos fundame n tos da ordem jurí dica, relac ionad a à quest ão dos valor es e do
cons entimen to social , vem sendo revi sta e cri tic ada. Não resta
dú vi da qu e a co nc ep çã o de um Di re it o Pu ro , em qu e ap en as
as no rma s ju rí di ca s po st as pe la au to ri da de co mpe te nt e, se gundo os proce diment os de produ ção de normas jurí dicas , têm
sign ifi cado , ter ia que prosperar notadam ente pelo apoi o que,
mesmo sem inten ção, dá ao poder estat al, pois que just ifica e
fun dam ent a a exi gên cia de sub ord ina ção soc ial ao imp era tiv o
das nor mas . O abu so do pod er do est ado res pal dad o e com
in voc aç1 2ão do pr in cí pi o de qu e to do s sã o ob ri gad os a cu mpr ir
a lei ( ), seja ela qual for, levou a humanidade a situações
extrema ment e dolorosas e calamit osas, como a expe riê ncia na zist a. E foi precis amen te essa amar ga expe riê ncia que est imul ou
a re aç ão da Ci ên ci a ao pu ro no rma ti vismo ( 13 ). A pa rt ir da í
se pas sou a que sti ona r se não há , no dir eit o, alg o mai s pro fun do e arr aig ado ao sen tid o de hom em e civ ili zaç ão do que os
simp les coma ndos do pode r: — os valo res fundame ntais da
jurid ici dad e; tam bém ser ia pos sív el rec onh ece r ao pod er po
lí ti co o ar bí tr io de imp or à co mun id ad e no rma s co m as qu ai s
el a nã o se co nf or ma po r nã o se co ad un ar em ao se u es pí ri to ?
(12) O principio jurídico segundo o qual "ninguém é obrigado a fa zer ou deixar
de fazer algum a coisa se nã o em vi rtu de de lei" foi conc ebi do como
uma ga ra nt ia do sú di to (o in di ví du o) co nt r a o ab so lu tt smo do pr ín ci pe
(o es ta do ), e ne ss a co nd iç ão es ta po st o no ar t. 15 3, § 2. °, da Co ns ti tu ição Federal Brasileira. Na verdade, a submlss&o de todos, até do estado,
à le i te ve o se nt id o de ev it ar qu e o in di ví du o fi ca ss e à merc ê do s hu mor es do governante, conforme acontecia no estado absolutlsta. A defi nição legal do que seja direito de uma comunidade — posltlvlsirib Jurí dico — hoje bastante discutida em seus mér itos e contestada em sua
excelência sob o argumento de que permi te a impo sição abusiva, pelo
es ta do , do di re it o ao s go ve rn ad os , in de pe nd en te ment e e at é co nt ra as
suas conveniências, possibilitando o direito Injusto, tem, na verdade, um
si gni ficado be m ma is pr ofun do e di ferent e. Se , ut ilizand o - se de le, o
estado abusa, isto constitui uma defo rma ção e n&o a fa ce real da ques tã o. O qu e, em es sê nc ia , se pr et en de u co m o po si ti vi smo fo i re ti ra r do
rei o po de r de di zer livr eme nt e o di reito e de su bt rair -se a ele, be m
ass im de fazer certo o di reito . Po si ti va do em lei qu e po de se r conh e ci da de to do s, dá - se maio r es ta bi li da de ao di re it o e pr ot eg e-se o ci dadã o co nt ra a ti ra ni a, ou , pe lo meno s se re du ze m os meio s de ex er cê -la .
A exaoerbaçfto do positivismo Jurídico, no entanto, termi nou por criar
um outro absolutismo, t&o nocivo quanto o r eal que se queria abolir
definitivamente: — o absolutismo legal. E esse absolutismo legal tem
pr opi ciado abu so s po r pa rte do po de r cont ra o ho me m, po rqu e, como
já notara Auguste Comte, "1'absolu dans Ia théorle conduit nécessai re ment a 1' ar bl tr ai re da ns Ia pr at iq ue " (S is tè me de Fo ll tl qu e Po si ti ve ,
IV, 102).
U3) Vide, p. ex., os trabalhos de Radbruch, Eberhard Schmldt e H. Welzel. na
coletânea Derecho Injusto y Derecho Nulo. e a célebre discurso de Radbruch de reintegração na Universidade de Heidelberg, denominado Cinco
Mi nu to s de Fl lo io fi a do Di re it o, pu bl ic ad o co mo ap ên di ce de su a Fi lo sofia do Direito, 2.° vol.
32
Por outro lado, a sociol ogia que vê o Direit o apenas como
fat o soc ial , val e diz er, com o con dut a efe tiv a (qu e se cos tum a
dize r efi caz) da sociedade em rel ação às normas, pretende
desconh ecer uma realid ade — a realid ade normati va — que,
mui tas vez es por cri açã o do esp íri to hum ano , con seg ue ada pta r
o home m a um padr ão de cond uta conc ebido abstra tame nte (14 ).
Do mesmo modo , deforma o fenômen o jur ídi co a perspectiv a que que ira ver nel e, ape nas , a rea liz açã o de val ore s. Os
val ore s são fun dam ent o, mas não con sti tue m só por si o pró pri o dir eit o.
No no ss o en te nd er , a co mpr ee ns ão do fe nô men o ju rí di co
na sua int egr ali dad e não pod e pre sci ndi rda vis ão em con junto
das três dimens ões a que nos refer imos. Os valor es enqua nto
valo res, ist o é, enqu anto não tra duzi dos em norma jur ídi ca não
têm qua lqu er efe ito vin cul ant e da con dut a soc ial . A con dut a
soc ial enq uan to não con sub sta nci ada em uma nor ma, tam bém
não pod e ser con sid era da juríd ica , uma vez que não pro duz irá
o su rgi men to de di re it o <> de ver es , ou se ja , de re la çõ es ju rí dicas . A norma juríd ica, por sua vez, que não revel e os valores
so ci ai s ou co nt ra ri e os val or es fu nd ame nt ai s da ju ri di ci da de
(Paz Soci al, Bem Comum, Jus tiç a, Orde m, Segu rança) ou a
nat ure za das coi sas ou que não obt enh a a ade são da com uni da de , nã o po de rá se r co ns id er ad a ai nd a um a no rm a ju rí di ca
na ver dad eir a ace pçã o do ter mo. Des te mod o, é imp eri oso que
o dir eit o sej a sem pre ana lis ado sob o trí pli ce asp ect o dos va lo re s, da no rm a e do fa to , pa ra qu e as si m se po ss a te r um
direi to que efeti vament e se reali ze no meio socia l porqu e con su bs ta nc ia os se us val or es . Me smo po rq ue nã o se co ns egu e
jamai s um isola mento comple to nessa s atitudes monis tas. Exem plo ilust re dessa imposs ibilidade nos é dado pelo própr io Hans
Kel sen . Ape sar de tod o o seu esf orç o par a pur ifi car o dir eit o,
não cons egui u se furtar ao sociol ogis mo quan do rel acionou a
efi các ia do dir eit o ao efe tiv o com por tam ent o soc ial , em um
mín imo qu e se ja , se gun do os di ta mes da no rma ( 15 ).
(14) Apesar de ponderosas opiniões em contrario, náo é possível negar -ee as normas jurídicas uma função educativa, em decorrência da qual os padrões
de co nd ut a de uma co muni da de po de m muda r. As no rmas pr omoc ionais, como as nomei a Bobbio, têm a missão de criar, pela preml açao,
estímulos a novos comportame ntos. Também através da puniç&o, condutas algumas vezes consideradas comuns sao abandonadas, dando margem a comportame ntos segundo o sentido que a sanção quis obter. Por
Isso,, entendemo s ser necessário levar em consideração o fa to de mudanças comportame ntals como decorrência da atuação das norma s Jurídicas, portanto da adaptação do homem imposto pela comunidade.
(15) Teoria Pura do Direito, I, 20.
33
7. Corte epistemológico
É possível, porém, por uma questão metodológica — não
dout riná ria — trat ar o fenô meno jurí dico some nte sob uma
de suas dime nsõe s, desd e poré m que não se esqu eça de que
o corte epistemológico que tal atitude representa não envolve
uma exclusão dos outros aspectos da juridicidade. Há mesmo
ramos da Ciência que se especializam em cada um deles.
A
Política Jurislativa (comumente chamada Legislativa) (16) tão
abandonada entre nós, é ramo da Ciência Positiva do Direito
dedicado à dimensão política, de revelação das normas jurídicas. A Teoria Geral do Direito e as Ciências Dogmáticas estudam o direito como norma, portanto, cuidam da sua dimensão
normativa, enquanto que a Sociologia Jurídica ou Sociologia
do Direito constitui a parte da Ciência Positiva do Direito —
não da Sociologia Geral como querem alguns — que examina
o direit o na realid ade social de sua realiz ação.
Neste trabalho, nos propomos a estudar o fato jurídico ao
plano da existência, o que constitui objeto específico da Teoria
Geral do Direito. Por esse motivo, devemos desenvolvê-lo na
dimensão normativa. Nesse particular, devemos a Pontes de
Miranda, sem sombra de dúvida, a mais percuciente análise do
direito. E é baseado em suas lições, principalmente, que procuraremos examinar, fase a fase, a fenomenologia da juridicidade.
(16) Preferimo s a expressão Jurislativa por ser mai s abrangente, porque se refere
nâ o so ment e à le i (l eg is + la ti va ), mas ao di re it o so b to da s as su as
ma ni fest ações (q ue n& o se limi ta m à lei em su as vá rias forma s de
expressão: — constituição, lei complementar, lei ordinária, lei orgânica,
decreto-lei, etc), como os costumes.
34
CAPÍTULO II
Norma e Fato Jurídico
I — A pre vis ão nor mat iva do fat o jur ídi co
1.
Norma jurí dica e defi niçã o do mund o jurí dico
Como procuramos deixar claro, o mundo jurídico é formado pelos fatos jurídicos e estes, por sua vez, são o resultado
da incidência da norma jurídica sobre o seu suporte fáctico
quando concretizado no mundo dos fatos. Disto se conclui que
a norma jurídica é quem define o fato jurídico e, por força de
sua incidência, gera o mundo jurídico, possibilitando o nascimento de relações jurídicas com a produção de toda a sua eficácia, consti tuída por direit os <> deveres , preten sões <>
obri gações, ações, exceções e outras categorias eficaciais.
Deste modo, a norma jurídica constitui uma proposição (17)
através da qual se estabelece que, ocorrendo determinado fato
ou conjunto de fatos (= suporte fáctico) a ele devem ser atribuídas certas conseqüências no plano do relacionamento intersubjet ivo (= efeito s jurídi cos). Então, uma propos ição jurí dica, para ser comple ta, há de conter , ao menos: —
a) — a descrição de um suporte fáctico do qual resultará
o fato jurídico;
b) — a prescri ção dos efeito s atribu ídos ao fato jurídi co
respectivo.
Parece mais do que evidente que uma norma jurídica que
apenas descrevesse um suporte fáctico, sem imputar uma conseqüência jurídica ao fato jurídico correspondente, ou que prescrevesse certa eficácia jurídica, sem relacioná-la a um determinado fato jurídico, seria uma proposição sem sentido, do
ponto de vista lógico-jurídico, embora até pudesse ser uma proposição lingüística completa, com sentido.
(17) A questão da estrutura lógica da norma jurídica nao é simples e, por isso,
dela trataremos mais detalhadamente na Seç&o II deste capitulo.
37
2.
Norma e orde namen to jurí dico
2.1 Normas explíci tas
Nos sistemas de direito escrito, as normas jurídicas, em
geral, são expressadas
através de proposições formuladas em
textos sintéticos, (18) ordenados segundo uma metodologia própria com a finalidade de fazer deles um conjunto harmônico e
coerente, em que as diversas normas
que o compõem se integram e se completam entre si ( 19). Por isso, é mesmo comum
haver proposições jurídicas em cuja formulação lingüística não
se enco ntra expr essa a desc riçã o de um supo rte fáct ico ou a
(18) Sob o aspecto da criação de normas jurídicas há dois principais sistemas
conhecidos hoje em dia: os sistema s de direito escrito, também ditos de
direito legislado ou ainda como preferem os Ingleses, sistema de direito
co nt in en ta l (q ue re ve la a op os iç ão ao ca rá te r In su la r de se u di re it o) , e
b) os sistema s de direito consnètndlnário ou náo-escrito. Ao sistema de
direito escrito estão vinculados quase todos os países civilizados, com
exceção dos Estados Unidos da América e da Inglaterra que adotam o
sistema consuetudinário e, com alguma reserva, os países muçulmanos
aue têm um direito basicamente de origem religiosa. Nos sistema s de
direito escrito, as norma s jurídicas, na sua quase-totall-dade, sfio
expressadas sob a fo rma de proposições abstratas que se des tinam, em
geral, a regular situações futuras e consubstanciadas em documentos
escritos, denominados, geralme nte, diploma s legais ou legislativos. A sua
elaboração exige a observância de normas procedimentais es pe cí fi ca s pe la
au to ri da de qu e te nh a a co mpet ên ci a (= at ri bu iç ão de poder) para tanto:
o detentor do Poder Legislativo. De regra, esse poder de legislar (= de
estabelecer norma s Jurídicas) é dividido entre vários órgãos qu e
int egram a est rut ur a est ata l, qu e, em relação a algun s ti pos de
normas, podem agi r Isoladamente e para outros somente em con ju nt o.
Tud o Is to de pe nd e, na tu ralme nt e, de como est á organi zado o po de r
de le gi sl ar em si e qu an to ao se u ex er ci do . (N o Br as il es ta matéria está
regulada na Constituição Federal, arts. 46/58 e art. 81, Inciso III,
basicamente).
Nos sistema s de direito consnètndlnário, diferentemente, as norma s Ju rídicas são elaboradas, de ordinário, pelos órgãos judiciais que, anali sa nd o os co st umes e as tr ad iç õe s do co mpor ta ment o so ci al , as re ve la m
nas decisões de casos concretos. Essas decisões se tornam precedentes Ju di ci ai s qu e, na se gu id a re it er aç ão , pa ss am a co ns ub st an ci ar as no rmas
de direito positivo daquele povo.
£ necessário destacar, porém, que nem os diploma s legislativos do direito
escrito, nem os costumes do direito consuetudinarlo, esgotam as situações
possíveis de serem en contradas nas relações sociais. Por isso, nos siste mas de di re it o es cr it o ad mite -se , na fa lt a de di sp os it iv o le ga l ex pr es so ,
a aplicação do costume, dos princípios gerais do direito, da analogia e,
até, excepcionalme nte, da eqüidade como norma jurídica. Da mesma fo r ma, no s si st emas de di re it o co ns ue tu di ná ri o há no rmas Ju rí di ca s qu e
são expressadas em diplomas legais escritos. Não há. assim, um sistema
puramente escrito ou exclusivame nte consuetudinário. O que os carac teriza e os distingue é a predominância de uma determinada espécie de
expressão das normas jurídicas.
(19) fi precio ressaltar que as normas Jurídicas nem sempre correspondem a um
ce rt o di sp os it iv o le ga l. É po ss ív el , e co mum, vá ri os di sp os it iv os le ga is
se referirem ã me sm a no rma (e x.: os di sp osi ti vo s do C. Ci vi l so br e
proteção possessória), como é possível, embora menos comum, um mes mo d i s p o s i ti vo l e g a l c o n te r ma i s d e u ma n o r ma (e x. : o a r t. 4 . o d o
C. Civil: — uma norma se refere á aquisição da personalidade em de corrência do nascim ento com vida; outra protege os direitos do nascituro. em decorrência da concepção).
38
prescrição correspondente dos efeitos jurídicos. Tais proposições, evidentement e, se examinadas isoladament e aparentam
ser sem sentido lógico-jurídico; na verdade, porém, não n'o são,
se consideradas integradamente dentro do conjunto das normas
jurídicas que constituem o ordenamento jurídico. Essas situações são comumente encontradas quando
se trata de institui ções jurídicas que, por definição, (2 0) se constituem em um
conjunto
de normas que regula determinada relação jurídica
(21). Nessas espécies, por uma questão de técnica redacional,
com objetivo de evitar repetições inúteis (e deselegantes para
a linguagem), as proposições jurídicas são expressadas de modo
que umas pressupõem as outras, o que permite, em decorrência
da ordenaç ão, que aquela s normas cujo suport e fáctico não
esteja expresso no seu texto, sejam relacionadas ao suporte
fáctico de outra norma que lhe corresp onder.
Exemplifiq uemos. O Código Civil (22) dispõe que "salvo
as exceções previstas, de modo expresso, as perdas e danos
devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente
perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar". Esse dispositivo
não menciona, explicitame nte, um suporte fáctico, mas, apenas, define a abrangência da expressão perdas e danos. Não
define em que casos as perdas e danos são devidos. Esta seria
uma norma incompleta se não fosse considerada como complemento do art. 1.056 do Código Civil, que estabelece: "nãc
cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la, pelo modo
e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos."
Há, ainda, normas jurídicas que são formuladas, precisamente, para integrar outras normas jurídicas,
sem determinar
efeitos jurídicos próprios. O Código Civil (23) define: — considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou
propriedade. Essa norma, evidentemente, não imputa de modo
específico efeitos jurídicos a um certo fato, isto é, não atribui
direitos ou deveres a alguém em virtude de um fato, mas, estabe lece ndo quem deve ser cons ider ado poss uido r, para os
fins de direito, constitui norma integrativa de toda a instituição
jurídica da posse. Assim é que, por exemplo, quando o Código
Civil assegura que "o possuidor tem direito a ser mantido na
poss e em caso de turb ação, e rest ituí do no esbu lho" , está na
(20) Vide Fontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, I, 124; Lehmann, Tra tado de Derecno Civil, I. 116.
(21) Exemplos de Instituições jurídicas: — casamento, posse, propriedade, contrato.
(22) Art. 1.059 do Código Civil.
(23) C. Civil, art. 485.
39
ver da de a di sp or qu e to do aq ue le qu e te m de fa to o exercíci o,
pl en o ou nã o, de al gum do s po de re s in er en te s ao domíni o ou
pr op ri ed ad e, "t em di re it o a se r man ti do na po ss e, em caso de
tu rb aç ão , e re st it uí do no de es bu lh o. "
Sem pre que , no sis tem a juríd ico bra sil eir o, mes mo em
situa ções não reguladas pelo Código Civil (salv o, natur alment e,
no rm a es pe ci al ) ho uv er al gu ma no rm a qu e se re fi ra à po ss e
de coisa s, aquel a defin ição há de ser enten dida como integ rante
del a. Do mes mo mod o, o fat o juríd ico da mor te de alg uém
cons tit ui element o dos supo rte s fáctic os das normas do Direit o
das Suces sões; por isso, mesmo quand o não mencio nado expre ssa men te nas nor mas , ele as int egr a ( 2 4 ) .
Parecidas com essas, as normas jur ídi cas remi ssi vas não
in te gra m ou tr as , mas as . fa zem in te gra nt es su as , qu er di zer :
as normas jur ídi cas remi ssi vas apan ham outras normas e as
consi deram parte de seu conte údo. Os arts. 955 e 956 do Código
Civil fazem, no seu texto , expre ssa remis são ao art. 1.058 , també m dó Cód igo Ci vil, do nd e se en te nd er qu e as su as no rma s
(do art . 1.0 58) com põe m o con teú do dos art s. 955 e 956 .
Há, tamb ém, normas jur ídi cas que apenas comp leme ntam
ou tr as , amp li an do ou re st ri ngi nd o os ef ei to s ne la s de fi ni do s,
ou par a mod ifi car , par cia lme nte , a sit uaç ão de fat o pre vis ta.
A int egra ção das normas tem como pressupost o o ordena ment o jur ídi co como um todo, não apen as a sua topologia nos
tex tos leg ais . Ass im, não imp ort a que as nor mas juríd ica s que
se in te gra m es te ja m co lo ca da s em te xt os le gai s di fe re nt es ; o
que impo rta , realmen
te, é que comp onha m um mesmo ordena 25
ment o jur ídi co. ( ) Quan do o Códi go Civi l se ref ere à indeniza ção no caso de homi cídio faz comp onen te seu a norma do
Códi go Pe na l qu e de fi ne es se cr ime .
2.2
No rm as im pl íc it as
Os orden amento s jurí dicos , no entan to, não conse guem ser
plenos, ist o é, atender com suas normas obj eti vamente post as
to da s as si tu aç õe s da vi da so ci al qu e tê m um co nt eú do ju rí (24) Sfio normas jurídicas integrativas, ainda como exemplo, as q ue compõem o
Li vr o II da Pa rt e Ge ra l do Cód igo Civi l, que def inem as vá ri as es péc ies
de coisas (ditas Improp riamente bens).
(25) Embora os sistema s Jurídicos tenham a sua vigên cia restrita a determimdo
te rr it ór io , é po ss ível qu e no rm a de um si st ema Ju rí di co seja ap li ca da em
espa ço te rr it oria l on de vi ge ou tr o si st ema Ju rí di co .
As reg ras dos arts. 8 a 11 do Dec ret o-lei n.° 4.657, de 4/9/42 (Lei de Introdução ao Código Civil), por exemplo, admitem a aplicação no Brasil de
norm as Jurídicas de outros países*
40
dico. Por iss o, quan do se tra ta da int egra ção das normas jur ídi ca s e de su a ex pr es sã o, é ne ce ss ár io te r -se em vi st a qu e há
mais normas vigent es numa comuni dade do que aquel as expli cit ada s nos doc ume nto s leg isl ati vos que com põe m o ord ena mento jurídico. (26 )
Atual mente, por força mesmo da investigaç ão cient ífica
emp reg ada no tra to do dir eit o, a mel hor dou tri na est á de aco r do em afi rma r a imp oss ibi lid ade de que a rea liz açã o do dir eit o
no ambi ente social poss a presci ndir, da revelação de normas
ju rí di ca s qu e pr ee nc ha m os vaz io s de ix ad os pe la le gisl aç ão .
Essa ati vida de reve ladora de normas jur ídi cas com a fin ali dade
de in te gr ar as la cu na s do or de na me nt o ju rí di co nã o é, ne m
pode ser consi derada , em face dos dogmas do posit ivismo , uma
atuaç ão legis lativa. O que ocorr e, na verdade, é que o intér prete
(gera lmente o juiz) na soluç ão dos casos , tomand o como fun dame nto os pri ncípios que nortei am o sis tema jur ídi co, extrai
nor ma que tor na esp ecí f ico aqu ele pri ncí pio . Ass im, não há
cr ia çã o de no rma no va, mas ap en as re vel aç ão de no rma qu e
exi ste de mod o não exp res so, imp líc ito , no sis tem a juríd ico .
Segu ndo nos ref eri mos anteri orme nte, o dir eit o de uma
comunidade deve refletir, sempre, os valores que a inspiram e
orientam. Ness e sentid o, o dado axiológico que existe no direito é deter minant e da orien tação imprimida ao sistema jurí dico,
pri ncipalment e quan to à defini ção dos pri ncípios fundame ntais
de suas insti tuiçõ es. Os micros sistemas ( 27) que integ ram o univer so ju rí di co de ce rt a so ci ed ad e, tê m su a es tr ut ur a co nc eptua l fun dad a em pri ncí pio s ger ais que , de for ma bas tan te ampla , com ext rem a gen era lid ade , fix am a est ima ção (va lor açã o)
da comuni dade sobre os fatos da vida. A legis lação , quand o
re gul ame nt a os fa to s, to rn a es pe cí fi co , em pr ec ei to s, aq ui lo
qu e se en co nt ra ín si to na gen er al id ad e do s pr in cí pi os . Co m
ist o que rem os diz er que há pri ncí pio s que nor tei am e que dão
um senti do ao sistema e as normas são como que uma tradu ção
por men oii zad a des ses pri ncí pio s. Qua ndo , por exe mpl o, o Có(2 6) Es sa pr ob lemá ti ca está li ga da di reta ment e à qu estã o da s la cu na s do di reit o
po si ti vo. Já em 18 88 Eh rlic h, co m o seu so ei ologls mo . ch am ou a at en çã o
pa ra o ía to de qu e a lei nâ o po de ab ra ng er a pl en it ud e do di reit o, po is qu e
este é co ns ti tu íd o co mo um a orde m real da so ci ed ad e repr esen ta da pe la
ma ne ir a co mo os ho mens se co nd uz em, verd ad ei ra ment e, em su a co nv i vência. Deste modo, a lei criada pelo homem como reg ra abstrata, por
ser incapaz de prever todas as hipóteses possíveis de ocorr er no relacio namen to intersubjetivo, deixa situações sem regulamentação, ou as regu la ment a pa rc ia l ou ln sa ti sf at orla ment e. A in su fi ci ên ci a da s no rm as ju rí dicas es cri tas para pro ve r tod as as si tuaçõe s pos sí ve is, tor na In ev itáve l
qu e as pr op os iç ões Ju rí di co -po sl tl va s, as leis , na o de ix em ár ea s em br an co, campos em que a regulamentação seja Incompleta.
(3 7) Em pr egam os a expr es são mt cr os si st ema pa ra de si gn ar as vá ri as ár ea s em qu e
se dividem as normas jurídicas, como Direito Civil, Direito Penal, etc.
41
digo Civil dispõe sobre a indenização dos danos, haja ou não
conduta ilícita de quem os causou, está especificando em regras
o princípio da transubjetividade da responsabilidade civil.
(28 ) Do mesmo modo, quando a Constituição estabelece regras
de convivência e de repartição de competências entre a União,
Estados-membros, Territórios e Municípios, está minudenciando
o princí pio federa tivo que nortei a a organiz ação estata l. (29 )
Dian te dist o, é clar o que o dire ito de uma comu nida de
não se restringe à legislação, ou seja, às normas jurídicas explicitadas em textos legislativos escritos, mas envolve outras30que
existem de modo implícito integrando o sistema jurídico. ( )
No sistema jurídico brasileiro essas normas implícitas são
revelad as a partir da aplica ção analógi ca (an alogia) de normas explícitas, do costume, dos princípios gerais do direito e,
em casos excepcionais , da eqüidade. Dessas, as que se prestam à integração de outras normas do ordenamento são os
princí pios gerais que fundam entam o sistem a jurídi co. Estes,
até quando, muitas vezes, não constando de normas expressas,
devem sempre ser consid erados integra ntes de normas com
eles compatíveis. Assim, por exemplo, o princípio da ilicitude
do enriqu ecimen to sem causa, segundo o qual a ninguém é
dado obter vantagens patrimoniais sem que haja uma causa
jurídica lícita que as justifique, é norma que há de ser considerada integrante de todas as demais normas jurídicas do
sistema nas quais se estime a possibilidade de ocorrer o enriquecimento injustificado. Igualmente, o princípio da boa-fé no
tráf ico jurí dico . Em algun s siste mas jurí
dico s esse prin cípi o
é explicitado como norma jurídica. (31) Em outros, como o
brasileiro, embora não haja norma expressa, a boa-fé constitui
princípio fundamental de todo o direito contratual. Por isso a
boa-fé dos figurantes na formação e na execução do contrato
representa questão limite, motivo pelo qual há de ser atendida
sempre que
haja necessidade de interpretação das relações contratuais. (32)
(28) No Direito Brasileiro a responsabilidade de indenização por dano esta desvin cul ada da cul pa . Há , ass im, resp ons abi lida de civi l pe lo da no qu e se
causa sem ilicitude. Pontes de Miranda denomina esse principio de
transubjetivo, porque (a) nfio se limitando à culpa vai além da subjeti vi da de e (b ) al ca nç an do os ca so s de da no s po r at os -fa to s lí ci to s, nf io
se clnge a pura objetividade. Tratado de Direito Privado, II, 197 e passim.
(29) Dentro dessa ordem de idéias parece claro que a integração do sistema quan do não haja norma especifica para o caso concreto, não pode ser considerada uma atividade legislativa, ou mesmo Jurislativa autônoma, porque a liberdade que lhe é concedida se limita a busca de norma que dê
se nt id o Ju rí di co à co nd ut a de nt ro da an al og ia , do s co st umes ou do s
princípios gerais de direito. A sua função, assim, n&o tem um caráter
au tô no mo e muit o meno s impo sl ti vo do le gi sl ad or (q ue ma nd a at é co ntra os costumes e os princípios e os refo rma ) mas de cientista que pesquisa a matéria social viva — os costumes, os valores comunitários, etc.
— ou no material Jurídico — legislação, jurisprudência, doutrina — par»
extrair deles a norma que melhor possa realizar os valores da sociedade.
(30) No entanto, após a sua especificação pela Jurisprudência ou pela ciência (dou trina), desaparece a sua indeterml nação e, portanto, passa ela a integrar
o próprio sistema jurídico.
Nos sistemas de direito escrito, as normas costumeiras somente são ad missíveis com efeitos vinculativos da conduta, ou seja, com natureza ju rí di ca , se na o há no rmas es cr it as es pe cí fi ca s so br e o fa to , ne m é po ss í vel dar-lhe um sentido jurídico pela aplicação analógica de outras nor ma s ju rídi cas. Di st o resu lta , a no rma ju rídi ca cost um eira já cont em
em si to do s os el emen to s de id en ti fi ca çã o do pr ec ei to . Nã o há ne ce ss i da de de co nf ro nt o co m as de mais no rmas e pr in cí pi os es cr it os do si s tema, precisamente porque elas, as normas costumeiras, só existem como
decorrência da inexistência de norma s escritas.
Nos sistema s de direito consuetudinário, a questão se coloca exatame nte
co mo no s si st emas de di re it o es cr it o. As no rmas ju rí di ca s ne ss es si s temas nfio sao indeterminadas permanentemente. Ao contrário, constituem
documentos jurisprudenciai s e até doutrinários, determinados e escritos;
apenas nfio são documentos legislativos, no sentido de serem ditados pelo
legislador. Integram, no entanto, um sistema e como tal devem ser tratados. A diferença, portanto, entre os dois sistema s parece residir, em
última análise, no grau de especificação das hipóteses de fa tos Jurídicos
e das conseqüências Jurídicas correspond entes, que é mai or no direito
escrito. De resto, deve -se proceder considerando -se a norma em sua condição de parte de um sistema , sujeita, assim, & interação de outras normas e princípios gerais.
I.
42
II — A estr utur a lógi ca da norma jurí dica
Expr essã o esse ncia l da norma jurí dica
A norma jurídica, já dissemos, prevê fatos (suporte fáctico) aos quais imputa certas conseqüências (= eficácia jurídica) com implicações no plano de relacionamento intersubjetívo. A primei ra parte do art. 4? do Código Civil Brasil eiro
("a personalidade civil do homem começa do nascimento com
vida"), por exempl o, consti tui norma jurídi ca que atribu i ao
fato do nascimento com vida de um ser humano o efeito jurídico
de considerar-se pessoa para os fins de direito. Assim, por força
dessa norma jurídica, sempre que nascer um homem com vida
será ele, a part ir daqu ele mome nto, cons ider ado capa z de
ser titular de direitos e obrigações (o que constitui o conteúd o
da pers onal idad e civi l, ou capac idad e jurí dica ).
(31) Código Civil Alemão (BOB), { 157 e Código Civil Italiano, arte. 1.336, 1.337,
1.375, por exemplo.
(32) Essas considerações servem para demonstrar que as normas Jurídicas anali sadas como parte do sistema jamai s podem constituir proposições Jurídi cas incompletas, como pretende LARENZ — Metodolog ia, p. 174 . uma vez
que integrando, remitindo, ampliando, restringindo ou modificando ou tras norma s, terão sempre o sentido jurídico de ordenar a conduta hu mana. For Isso nfio se pode considerar norma jurí dica cada dispositivo
de uma lei — do Código Civil, por exemplo — mas sim o conjunto de
proposições que no seu todo, sistematicamente, constituam uma norma
completa, uma proposição com sentido lóg ico -jurídico. Por isso, podemos
dizer que as norma s Jurídica s não existem sem cone xã o en tr e si , mas se
en ca de ia m de modo a co ns ti tu ir a un id ad e do si s tema jurídico que,
af inal, integrado por norma s e princípios, torna -se pleno e abrange todo
o direito de uma comunidade. Qualquer atitude de analise cientific a do
direito, portanto, tem que dar ênfase devida a essas conexão e harmo nia
internas do sistema , sem mai ores considerações ao exame preocupado
apenas com as regras vistas isoladamente.
43
Do pont o de vist a lógi co - for mal, a norm a jurí dica cons titui uma proposição hipotética que, usando-se a linguagem da
lógica tradicional , pode ser assim expressada: — "se SF então
deve ser P", em que a hipó tese é repr esen
tad a pelo supo rte
fác tic o (SF ) e a tes e pel o pre cei to (P) . ( 33 )
2.
Sanci onisí as e não -sanci onist as ( )
34
O prob lema da estr utur a lógi ca da norm a jurí dica , no
entanto, não é tão simples como pode parecer; as questões que
envolv e, mercê de sua complexidad e, têm provoc ado profu n das divergências doutrinárias. Basicamente, porém, podemos
sint etiz ar essa s dive rgên cias em duas posi ções prin cipa is, a
saber:
2.1 Nor ma pri már ia e nor ma sec und ári a
(sancioni stas)
Usem os um exem plo para melh or escl arec er. 0 art. 1.05 6
do Código Civil dispõe: — "Não cumprindo a obrigação, ou
deix ando de cump ri -la pelo modo e no temp o devi dos, res pond e o deve dor por perd as e dano s."
Ess a norm a deve ser lida como se esti vess e assi m redi gida: — Havendo uma dívida o devedor deve cumprir a sua
obrigação pelo modo e no tempo devidos. Se não cumpri -la,
resp onde por perd as e dano s.
Decompondo a norma segundo os elementos da fórmula,
teremos: —
A) Norma secundária
a) F (s upo rt e fá ctico) = Havendo um a dív ida ;
b) P (precei to) = o deve dor deve cump rir a obri gaçã o
pelo modo e no tempo devido s;
Par a HANS KELS EN, a norm a jurí dica comp leta teri a
uma est rut ura dúp lic e, con sti tuí da por uma nor ma pri már ia
e uma norm a secu ndár ia, e conf igur aria um juíz o hipo téti co
cuja expr essã o em ling uage m lógi co -formal seria: — "se F,
entã o deve ser P (nor ma secu ndár ia), se não — P entã o deve
ser S (nor ma prim ária) . ( 35 )
B) norma primária
Ness a fór mula , as vari ávei s prop osic iona is repr esen tam:
— a) F a situa ção de fa to pr evista (= supor te fá cti co); b) P,
a conduta humana que a norma ordena como devida em
de co rr ên ci a da si tua çã o de fa to F (= pr ec eit o) ; c) não — P
a conduta humana contrária ao preceito P, isto é: o descumprimento da norma (= suporte fáctico); d) S a sanção pelo descum pri men to (= pre cei to) .
Como se vê, na formu lação kelseniana a norma secundá ria
prevê o cumprimento espontâneo da norma, ou seja, a con duta
orde nada no prec eito (P) rela tiva à situ ação do fato (F) é
atendida pela pessoa (o devedor cumpre sua obrigação pelo
modo e no temp o devi dos) , enqu anto que a norm a prim ária
supõe uma condut a contrária à prevista na norma secun dária
(não — P) e a conseqüente aplica ção da sançã o (S) (= o de vedo r desc umpr e a obri gaçã o e deve ser puni do por isso ).
(33) Um exemplo facilitará o entendimento. O Código Civil dispõe:
"Art. 9.° — Aos Tinte e um anos completos acaba a menorida de , ficand o ha bi lita do o ind iví du o pa ra to do s os ato s da
vida civil".
Nesfa norma , temos : — a) como hipótese SF (suporte fá ctico) o fa to de
algué m comp leta r vi nt e e um ano s de Id ade e (b ) como te se P (p receito) a aquisição da mal orldade, ou seja, da habilitação para a prática
de to do s os at os da vi da ci vi l.
(34) Expressão usada por Norberto Bobblo, In Teoria delia Norma Oluridica, pg.
209 e passim.
(35) Teoria General ael Estado, 66. Para expressar a sua concepção da proposição
ju rí di ca , Ke ls en us a a fó rmul a el ip ti ca "s e A en tã o de ve se r B" . (O p.
cit. 62). O emp rego qu e fazemo s de out ras letr as (F e P) pa ra In di car
as variáveis proposicionais nSo tem qualquer Implicação, sendo, portanto, indife rente.
44
c) não — P (desc umpri mento da norma ) — se o devedo r
não cumpre a obrigação pelo modo e no tempo devidos;
d) S (sanç ão) = então deve respo nder por perda s e danos.
Dentro dessa mesma orienta ção, CARLOS COSSIO aceita a
estr utur a dúpl ice da norm a jurí dica , sust enta ndo, poré m, que
não se trat a de um juíz o hipo téti co, mas de um juíz o disj untivo, porque entre a endonorma (que corresponde à norma se cundár ia) e a perino rma (que corre sponde à norma primá ria)
não haveria uma relação de antecedência e conseqüência (que
tipifi ca o juízo hipoté tico: — "dada a hipóte se, então a tese" )
mas uma alte rnat ivid ade cara cter izad a pela conj unçã o OU,
donde expressar-se: "dado F de.ve ser P, ou dado não — P deve
ser S". Louri val Vilano va, no seu excele nte Estru turas Lógica s
e o Sistema de Direito Positivo, pág. 89, demonstra que, rigo rosa ment e, COSS IO não recu sa a estr utur a hipo téti ca kels e 45
níana, pois em sua fórmula "encontra -se a relação antecedente
e conseqüente, característica da conexão hipótese/tese". O próprio Lourival Vilanova considera a norma jurídica uma proposição bimemb re, integra da por uma norma primár ia e uma
norma secundária, embora á esses termos atribua, com maior
propriedade, um sentido inverso àquele empregado por KELSEN; quer dizer: — a norma primária em LOURIVAL VILANOVA — que é a hipótese — corresponde àquela em que se
prevê o cumprimento (espontâneo) da conduta ordenada, enquanto que a norma secundária — que é a tese — corresponde
à sanção pelo descumprimento, ou seja, pela conduta contrária.
2 , 2 Não-sanc ioni stas
A outra posição, defendida por autores como LARENZ.
VON TUHR, PONTES DE MIRANDA, sustenta que a norma
jurídica é uma proposição completa quando contém, simplesmente, a indicação
do suporte fáctico e do preceito a ele correspondente. (36) De acordo com essa concepção, tanto a norma
primária como a norma secundária podem ser, cada qual, uma
proposição completa. A menção a um suporte fáctico e a um
preceit o é bastan te.
Se a norma prevê, ou não, uma sanção para o caso de ser
transgr edida não tem qualqu er import ância. A incomp letude
da norma reside , apenas, na falta de menção ao suport e fáctico ou ao preceit o.
3.
Anál ise crít ica das dout rina s
A diferença entre as duas posições doutrinárias reside,
fundamentalmente, em que:
a) para os kelsenianos, ( 37) a coação, representada pela
sanção, constitui elemento essencial da norma jurídica. As
propos ições jurídi cas que não especi fiquem uma sanção para
o caso de serem infringidas são proposições incompletas, im(36) Para os que aceitam a estrutura dúplíce da no rma jurídica, a indicação do
suporte fáctico e do preceito corresponde, apenas, ao que denomin am
es tr ut ur a in te rn a da no rm a pr im ár ia ou da no rm a se cu nd ár ia . Ve ja -se
sobre esse ponto-de-vista, por exemplo. Natalin o Irti, Introduzione alio
Studio dei Diritto Privato, 45, Lourival Vilanova, Lógica Jurídica, 113.
(37) Embora nos refir amos com destaque aos kelsenianos, essa posição é também
a do s im pe ra ti vi st as (d en tr e os qu ai s al gu ns in cl ue m Ke ls en na su a
últim a fase de vida — Legaz e Laeambra, Filosofia dei Derecho, 387),
os relativ istas, enfim todos aqueles que, denominados sancionistas (Bob bio. Teoria delia Norma Giuridica, passlm), consideram que a sanção é
condição necessária e essencial do Direito.
46
perfeitas ou simplesmente preceitos auxiliares
(leges ímperfect ae). Assi m norm as como a do art. 29 do Códi go Civi l
("todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil),
as outorgativas, integrativas, promocionais, programáticas, por
exemplo, não podem ser consideradas normas jurídicas completas;
b) para os outr os, o que impo rta, na carac teri zaçã o de
uma norma jurídica completa, é, apenas, a descrição de um
suporte fáctico e a prescrição de efeitos jurídicos a ele especificamente imputados, independentemente de serem esses efeitos uma sanção.
Para estes, a conexão hipótese/tese do juízo hipotético que
é a norma jurídi ca, não se estabe lece entre uma norma primária e uma norma secundária, mas, sim, entre um suporte
fáctico e um preceito. A norma jurídica pode ter uma estrutura
dúplice (bimembre), todavia somente quando a sanção for
imanente a ela, por sua natureza (norma penal, por exemplo).
A nosso ver, a proposta kelseniana parece insuficiente para
expli car, em sua plenit ude, o fenôme no jurídi co, porque :
I — ao recusar às normas que não contêm sanção espe
cífi ca o carát er de norm as jurí dica s típi cas, se não chega a
excluir do universo do Direito — porque as considera auxilia
res — normas de altíssima relevância, como é o caso, e. g. , das
normas que define m os direit os fundam entais do homem, ao
menos não lhes reconhece a importância e sua verdadeira posi
ção no plano jurídi co. Não há como negar, parece-nos, que é
muit o mais sign ific ativ a para o Dire ito e para a conv ivên cia
social a norma segundo a qual "todos são iguais perante a lei"
do que aque la outr a que esta bele ce a pena de pris ão para o
ladrão que furta muitas vezes para dar de comer a seus filhos;
II — segundo, porque fazendo da sanção algo essencial
ao Direito, confunde obrigatoriedade das normas jurídicas com
a coação, quando essas não são expres sões sinôni mas. É evi
dente que o Direito não pode deixar de ser obrigatório, mesmo
porque nisto consis te a diferen ça substa ncial que o distin gue
dos demais processos de adaptação social. Mas o ser obriga
tório não significa que seja necessariamente punitivo: obriga
toriedade quer dizer possibilidade de imposição da norma, pela
comunidade jurídica, mais precisamente pela autoridade que
detenha o poder de realiz ar, forçada mente, o Direit o (o juiz,
por exem plo) , no caso de ser tran sgred ida.
Na obrigatoriedade pode haver coação, pena, sanção, sempre, portan to, com caráter de possib ilidad e, nunca porém de
47
ne ce ss id ad e. As no rma s pe na is sã o ne ce ss ar ia men te co at ivas
(= pu ni ti vas ), mas nã o no rma s co mo as qu e co mpõ em os
Livros I e II do Código Civil, e. g. Todas, no entanto, são obrigat ó ri as . Se al gué m co met e ho mic íd io , o ju iz cu mpr e o ar t.
121 do Códi go Pena l puni ndo o inf rat or com reclusão; se, de
outro lado, algu ém que haj a abandon ado um imóvel que lhe
pertencia, resolve reavê -lo, dele expu lsa ndo, à for ça, quem o
es te ja po ss ui nd o co mo se u pr óp ri o, há mai s de vint e an os ,
man sa e pa ci fi ca men te , o ju iz cu mpr e o ar t. 55 0 do Có di go
Civ il ass egu ran do, sim ple sme nte , ao pos sui dor a sua per manênc ia na poss e do bem, reconhe cendo-lhe os direit os deco rren tes da usu cap ião .
Por isso, os signi ficad os deônt icos do dever-ser, seja o de
ob ri ga r, o de pe rm it ir ou o de pr oi bi r, ex pr es sa m» mei os de
que se utiliza a socie dade para alcan çar um fim, a convivência
harmôni ca no meio social , mas não cons tit uem um fim em si
mes mos . (40) De sd e qu an do os mei os sã o er igid os à po si çã o
de ess enc ial ida de, inv ert em-se os ter mos da que stã o e se dis tor ce a rea lid ade cie ntí fic a.
Dess es exemplo s comp arativo s parece result ar evid ente que
as no rma s ju rí di ca s ne m se mpr e ne ce ss it am de sa nç ão e de
co aç ão pa ra re al iz ar -se . Há si tu aç õe s, at é, em qu e o Di re it o
se efetiva premian do, como acon tec e com as normas promo cionais. A obrigat ori eda de das normas jur ídi cas reside, em úl tima anál ise , na sua incidência. Se o fat o previst o pela norma
(suporte fáctic o hipotétic o) acon tece no mund o, a norma jur í di ca in ci de e a pa rt ir da í su bo rd in a a se us pr ec ei to s as co ndut as a ele rel aci ona das . Est a su bor din açã o da con dut a à nor ma ger al tra z, em con seq üên cia , o dev er da com uni dad e jurí dic a de faz er rea liz ar o Dir eit o do mod o o mai
s coi nci den te
pos sív el com as pre scr içõ es de sua s nor mas . ( 38 ) Sem pre que
há incid ência = aplic ação, ocorr e a pleni tude na reali zação do
Direito;
III — e, fin alm ent e, por que neg a uma das fun çõe s típ ica s
das nor mas juríd ica s que é, pre cis ame nte , a do obt er a ada pta çã o so ci al do ho mem , o qu e en vol ve, es se nc ia lme nt e, um
cunh o educ ati vo e promoci onal . As normas jur ídi cas, embo ra
mui to s o ne gue m, mai s do qu e a ob ri ga r, pr oi bi r e pe rm it ir ,
se destin am a alcança r dos home ns, em suas rel açõe s int ersubj eti vas, um determi nado comp ort amen to jul gado conv eniente e ne ce ss ár io à ha rmo ni a so ci al . Es se fi m do Di re it o re vel a
um ce rt o se nt id o ed uc ac io na l de su as no rma s, uma vez qu e
atr avés delas a comu nidade
procura mold ar o comp ort amen to
hum ano a seu s val ore s. (39 )
(38) Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, I, 36.
(39) Nega-se, multo comumente, esse caráteT educacional das normas Jurídicas.
Is to , po ré m, ex pr ime uma vi sã o pu ra ment e do gmát ic a do Di re it o qu e.
por isso mesmo, n&o leva em consideração as conseqüências sócio -pslcológlcas das norma s Jurí dicas. E sob esse ponto de vista n&o se pode
ne ga r qu e as no rmas Ju rí di ca s fa ze m co m qu e o co mpor ta ment o so ci al
se mod if ique, ajustando -se aos seus comandos. É evidente que ocorre,
multas vezes, reação contra o modelo traçado pela norma , pelo que ela
nao conseguirá realizar-se efetivamente. Mas essas hipóteses sáo excep cionais que, por Isso mesmo, não Inva lidam a regra geral.
48
(40) Sobre isto E. Garcia Maynez, Filosofia dei Derecho, p. 29, escreve: — "As
or de ns es ta be le ci da s pe lo ho mem te nd em se mpre a um pr op ós it o. De
acordo com a concepção crista, a da natureza serve, por sua parte, aos
desígniostde Deus.
Os orde na me nt os hu ma no s (ú ni cos a qu e agora de se ja mo s de di car a
nossa análise) assumem, em todo caso, caráter mediai, quer se trate dos
de Ín do le té cni ca , qu er do s de na tu re za no rmat iv a. A pa rt ir de ss e po n to de vista, aparecem como meios ou Instrumentos de realização dos pro pósito? de seu criador. Ordena -se por ordenar, mas para conseguir, através da ordenação, determinados objetivos."
49
Cap ítu lo III
Os Ele ment os da Est rut ura da Nor ma Jur ídi ca
I — O sup ort e fác tic o 1.
Conceito
No estudo da problemática da juridicidade o primeiro elemento essenc ial a consid erar é a previs ão, pela norma jurídica, da hipótese fáctica condicionante da existência do fato
jurídico (suporte fáctico).
Quando aludimos a suporte fáctico estamos fazendo referência a algo (= fato, evento ou condut a) que poderá ocorrer
no mundo e que, por ter sido considerado relevante, tornou-se
objeto da normatividade jurídica. Suporte fáctico, assim, é um
conceito do mundo dos fatos e não do mundo jurídico, porque
somente depois de que se concretizam (= ocorram) no mundo
os seus elem ento s, é que, pela inci dênc ia da norm a, surgi rá
o fato jurídico e, portanto, se poderá falar em conceitos jurídicos.
2.
Espéci es
Por aí se vê, há duas conotações a considerar quando se
fala em suporte fáctico: (41)
(41) Domenico Rubino (La Fattispecle e gll Effetti- Glurldici Prelimi nar!, pág. 3)
se re fe re a tr ês es pé ci es de ía tt ls pe cl e (s up or te fá ct ic o) : — (a ) ab st ra ta
ou legislativa — que corresponde ao que denominamo s hipotético; (b)
concreta, que corresponde à fattispecie abstrata, "ma s pensada no seu
devir histórico" e "distingue-se da fa ttispecie legislativa porque não é
concebida como parte constitutiva da norma ; mas volta a assemel har-se
à fa ttispecie legislativa porque é simplesmente pensada e é, num certo
sentido, uma abstração: nao uma abstração criada pela lei, como a fattis pecie legislativa, mas uma abstração que o intérprete extrai de todas as
possíveis! fattispecies reais; " e (c) fattispecie real, que corresponde àquele
que denominamo s suporte fá ctico concreto, ou seja, "os fa tos da vida
in di vi du ad os no te mpo e no es pa ço ". Es sa pr op os ta de Ru bi no , no qu e
se re fe re & fa tt is pe ci e co nc re ta , se gu nd o su a te rmin ol og ia , pa re ce-no s
se m impo rt ân ci a pr át ic a ou ci en tí fi ca . A ab st ra çã o do in té rp re te nã o
pode ser diferente da abstração do legislador. A diferença entre as duas
reside, apenas, no nível de linguagem, prescritiva na norma e descritiva
da ciência. Se a descrição do suporte fá ctico feita pelo intérprete é dife rente da prescrição da norma , há erro e a formulação é não-verdadeira.
Além disto, as fo rmulações que o intérprete fa ça de suportes fá cticos, a
partir do suporte íáctico previsto na lei, não constituem suportes fá cti cos concretos, mas perma necem abstratos: a concreção exige realidade.
Por isso, preferimos a menção, apenas, às duas espécies, como no texto.
53
a) — uma que de si gna o en unci ad o ló gico da norma em
qu e se re pr es en ta a hi pó te se fá ct ic a co nd ic io na nt e
de sua inc idê nci a;
b) — outr a, que nomei a o pr ó pr io fa to quan do mat er ia liza do no mund o.
a — Ao supor te fácti co, enqua nto consi derad o apena s
com o enu nci ado lóg ico da nor ma juríd ica , se dá
o nome de suporte fáctico hipotético ou abstrato,
uma vez que exist e, soment e, como hipót ese pre vi st a pe la no rm a so br e a qu al , se oc or re r, se
dar á a sua inc idê nci a.
b — Ao sup ort e fác tic o qua ndo já mat eri ali zad o, ist o
é, quand o o fato previ sto como hipót ese se concretiza no mund o fáctic o, deno mina -se supo rte
fáctic o conc ret o.
3.
Sign ific ação e impo rtâ ncia do conc eito
A expressão suporte fáctico — com que PONTES DE MIRANDA traduziu a alemã TATBESTAND — foi utilizada, inici al men te no Di re it o Pe na l, e tr azi da pa ra o Di re it o Pr4ivad
o
por TOHL, segundo o depoimento de CAMMARATA ( 2 ). O
conce ito, confo rme demonst ra PONTES DE MIRANDA no prefác io do seu Tra tad o de Dir eit o Pri vad o, é de apl ica ção uni vers al na Ciên cia Jur ídi ca, não sendo pri vati vo de um determinado ramo do Direi to. Tanto isto é verdade que nos diversos
camp os jur ídicos o vemos empr egad o muit as veze s disfar çado
por outra s denomi naçõe s, como press upost o de incid ência , tipificação legal, tipo legal, hipótese de incidência. No Direito Tri bu tá ri o, emp re ga -se a ex pr es sã o fa to ge ra do r, emb or a co m
muit a impr opriedade, como most ramo s em noss a Cont rib uição
ao Estud o da Incidê ncia da Norma Jurí dica Tributári a, pág. 34,
por que na ver dad e o fat o ger ado r da obr iga ção tri but ári a é o
fat o jur ídi co, por tan to, o sup ort e fác tic o dep ois da inc idê nci a,
já jurid ici zad o, e não o sup ort e fác tic o ape nas . Ent re os aut ores ita lia nos est á dif undi do o uso do ter mo fat tis peci e — proposta por BETTI — e entre os43 autor es de língua espan hola a
expressão supu esto de hecho. ( )
(42) Formalísmo e Sapere Giu rld ico, 256. Também Dom eni co Rubino, La Fat tispecie,
cit., pág. 3. nota 1.
(43) E. Garcia Maynez condena todas as exp ressões emp regadas pela doutrina quan do ne la s se in cl ua al us ão a fa to , ta is co mo su po rt e fá ct ic o, Ta tb esta nd ,
su pues to de hec ho, fa ttisp ec ie, com o arg umen to de que, mu itas ve ze s,
o s u p ort e fá c t i c o d a n orm a j u rí d i c a é p rec i s a m en t e o n ã o s er, o n ã o
ter acontecido, a omissão, o silêncio, donde parecer incoerente a refe-
54
4.
Eleme ntos do supo rte fáct ico
4.1
Rel evâ nci a dos fat os
A no rm a ju ríd ic a re pr es en ta a va lo ra çã o de fa to s fe it a
pe la co mun id ad e ju rí di ca . Re al men te , qu an do o ho mem tr aç a
as regra s jurí dicas de convivência socia l trata os fatos segund o
cri tér ios axi oló gic os, em raz ão dos qua is é med ida a imp or tân cia que pos sue m par a o rel acio nam ent o hum ano . A reg ula çã o do s fa to s, as si m, es tá na co nt in gên ci a da su a mai or ou
meno r afetaç ão pelas necessidades dos home ns. Por iss o é que,
par a ser em eri gid os à cat ego ria de fat o juríd ico , bas ta que os
fat os do mund o — mero s even tos ou cond utas — sej am rel evant es à vida huma na em sua int erf erência int ersubj eti va, indepe nden teme nte de sua natureza. Tan to o simp les even to natur al, com o o fat o do ani mal e a con dut a hum ana pod em ser
supo rte fáctic o de norma jur ídi ca e receber um sentid o jur ídi co.
4 .2
F a t o s d a n a t u r e za e d o a n i ma l
Do fat o da nat ure za ou do ani mal se exi ge que est eja
rel aci ona do a alg uém , ( 44) ou por lhe diz er res pei to, dir eta -
rên cla a um ser (o fato), onde não há qualquer fato prev isto. Propõe
por Is so o emprego da expressã o suporte jurídico (supues to jurídico)
que ev itari a o In con ve nien te da re fe rê ncia ao não-se r com o se r. Es se
ar gu ment o, ap ar en te ment e co eren te e in egav elment e at ra en te , pe ca , n o
en tanto, por confundir com a causalidade natural a causalidade
jurídica — que é imputacional — e também por desconsiderar um dado
fu ndame ntal da juri dicidade: o pla no ló gi co em que se des en vo lv e o
fen ômen o jurídico. A ordem jurídica n6o es tá sujei ta à causalidade
na tu ra l, po rq ue send o um a orde m de va li da de se co ns ti tu i in de pe nd en tem en te das le is fí si cas de causa e ef ei to. Po r iss o, na fo rm ula ção dos
prec ei tos jurídicos os fatos da vida sâo tomados em um cer to sen tido
que pod e não se r, ex atame nte, o da nature za . Ni st o há, ineg ave lm en te,
uma cer ta arb itra ri ed ade con fo rm e den ot am autor es com o Vo n Tu hr,
Pontes de Miranda, La ren z, en tre tantos outros — mas admissível em
face da nec es sidade de aten der aos inter es ses da convivên cia lmm'ni.
É cer to, porém , que a causalidade
natural é indifer en te às imputações
da nor ma jurí dica. Di st o , c e con clu i que o não -acon tec er que ev en tualmen te es tej a prev isto como integ rante do suporte fáctico de uma nor ma ju rí di ca , embo ra no pl an o da na tu reza co nf ig ur e o nã o -ser. no pl an o
Ju rí dico re pre se nta um dado fá ctico cuja ve ri fi cação fa z com pos to o
suporte fáct ico e nascido o fato jurídico corres ponden te. In troducción
ai Estúdio dei Derechò, 170.
(4 4) O nasc ime nto de um fi lh ot e de on ça em ple na se lv a não tem qualq uer con teúdo jurídico, em face da circunstância de que o animal sel vagem , não
pertencendo a alguém, esp ecificamente, não constitui objeto de direi to.
Di fe re ntem en te, se nasc e um fi lh ot e de on ça que per ten ce a um zo ol ógi co , esse na sc im en to te m ca rá te r ju rí di co , po rq ue de ss e fa to bi ológic o
re su lt a uma con se qüên cia jurí dica: — o don o do zo ol óg ico ter á dire ito
de propriedade sobre o filhote.
55
mente ou por lhe atingir a esfera jurídica, ou, ainda, por se
referir a seu modo de atuar. Natural mente, a irrefer ibili dade
aos homens impede que o mero evento seja valorado no sentido de sobre ele editar-se norma jurídica, porque a sua relevância existe, apenas, enquanto instrumento de realização do
direit o, com vistas à adapta ção social . Tudo o que, na natureza, não possa ser atribuído ao homem ou lhe seja inacessível
consti tui objeto , materi alment e imposs ível e, portan to, não
deve entrar nas cogitações do direito.
4.3
Atos
Quan to aos atos huma nos, de regra , inte ress am os que
se exteriorizam. Como as normas jurídicas
os recebem 46— se
45
como atos volitivos,
mesmo
silentes
(
)
Ou
tácitos, ( ) ou
como avolitivos (47) é questão de técnica jurídica, especialmente
de expressão legislativa. O sistema jurídico pode conceber
determinado ato humano como manifestação de vontade intencional e qualificá-lo como ato jurídico (lato sensu), ou considerá-lo avolitivo, em que passa a importar, preponderantemente, o resultado fáctico do48ato, abstraída a vontade que porvent ura exis ta à sua base . ( ) É evid ente que o sent ido que
a norm a jurí dica atri bui ao ato é valo rati vo, o que envo lve
uma certa arbitrariedade em relação à causalidade natural, sem,
contudo, se poder chegar ao extremo de, desatendendo à índole mesma dos fatos, afrontá-la ao ponto de dizer que o ser
não é. Há certos atos, porém, que, independentemente do querer das pessoas, trazem sempre e naturalmente um resultado
físico, muitas vezes irremovível. Na caça, na pesca, a apreensão do animal ou do peixe é dado fáctico que não depende da
vontade. Um louco pode pescar, como uma criança pode apreender um animal. A árvore pode nascer de uma semente que foi
atirada fora como lixo. Nem por isso deixa o louco, a criança
ou o dono do terreno de adquir ir a propri edade (efeit o jurídico) sobre o peixe pescado, o animal caçado ou a árvore nascida. Em todas essas situações, como em tantas outras de que
são exemplos a especificação, a tomada de posse, a invenção
do tesouro, a comistão, há uma conseqüência física indiferente
à circ unst ânci a de que algué m a tenh a quer ido. É evid ente
que tais fatos, em havendo ato humano, à sua origem, podem
ser voli tivo s, mas é pate nte, tamb ém, que a vont ade de pra (45)
(46)
(47)
(48)
56
Revogação do testamento cerrado na hipótese do art. 1749 do Código Civil.
Consumiçfio da coisa ofertada.
Especificação, semeadura.
Ato-íato Jurídico, também denominado ato real.
ticá-los não lhes é essencial à existência. Por essa razão é que
os ordenam entos jurídi cos, geralme nte, tomam tais atos em
sua relação com o resultado fáctico e os tratam como conduta
avolitiva, atendendo mais à própria causalidade física. São os
atos-fatos jurídicos.
4.4
Dado s psíq uico s
Não apen as os atos exte rior es, mas simp les atit udes e
dados anímicos, portanto internos, podem, também, integrar
suporte fáctico. Com efeito, há situações em que a norma jurídica leva em consideração dados íntimos, como o conhecimento
ou não-conhecimento de alguma circunstância, a intenção na
prática de certo ato e até os motivos em praticá-lo. Esses dados, naturalmente, são signiíicativos tão-somente enquanto relacionados a um aconteciment o, um ato exterioriz ado, não em
si ou isolad amente . A interp elação para consti tuir o devedo r
em mora, por exemplo, faz do conhecimento elemento essencial do suport e fáctico da segunda parte do art. 960 do C. C.
Do mesmo modo, o desconhecimento, pelo possuidor, dos vícios
que o impedem de adquirir a coisa (C. C, art. 490), dentre tantas outras situações. Algumas vezes, porém, o desconhecimento
não tem qualquer relevância, como na hipótese dos vícios redibitórios em que o fato de o alienante ignorar a sua existência,
não exclui a sua responsabilidade (C. C, art. 1.102). O dolo —
não o dolo vício da vontad e, mas a intenç ão de certa condut a
— é elemento comum ao suporte fáctico de normas de Direito
Penal, mas encontrável, embora com certa raridade, no Direito
Privado, como acontece no art. 94 do C. C. A intenção negociai
— intenç ão de realiz ar negócio jurídi co — consti tui, como a
consciência de negócio, elemento essencial do núcleo do su
porte fáctico dos negócios jurídicos.
4. 5
Est ima çõe s val ora tiv as
Outras vezes, estimações valorativas ( 49) podem integrar
suporte fáctico. A malícia é conteúdo do art. 120 do C. C, assim
também a idonei dade do tutor (C. C.,art . 410), a neglig ência
e a imprudência (C. C, art. 159), a imoralidade do objeto dos
atos e aqueles atentatórios aos bons costumes (C. C, art. 95)
exemplifica m casos em que a conduta humana recebe uma
avaliação e que a qualificação valorativa a ela atribuída entra
na composição do suporte fáctico.
(49) Larenz — Metodologia de Ia Ciência dei Derecho, pág. 194.
57
4.6 Probabilidades
Não apenas acontecime ntos em conc ret o, mas tamb ém meras proba bilidades podem ser elemen tos de supor te fácti co. Os
lucros cessantes (C. C., art. 1.059), por exemplo, constituem probabi lid ade que a norma jur ídi ca cons idera dado sufici ente à
indenizabi lid ade em deco rrê ncia do ilí cit o. Na ressal va dos direi tos do nas cit uro que faz a seg und a par te do art . 4^ do Código Civil, do mesmo modo, se tem como funda mento a probabil idade de que haja um nasci mento com vida, isto é, a possi bi li da de de o fe to vi r a se r uma pe ss oa .
Ass im, tam bém , qua ndo o Cód igo Civ il, art . 1.7 18, adm ite
a disposi ção tes tame ntária em favo r de prol e eventual de pessoas existe ntes, ou, ainda, quan do o art . 529 outorga ao pro pr ie tá ri o ou in qu il in o de um pr éd io pr et en sã o à se gur an ça
con tra pre juízo eve ntu al, no cas o de dan o imi nen te dec orr ent e
de ob ra s qu e te rc ei ro te nh a o di re it o de ne le re al izar .
4.7
F a t o s d o mu n d o j u r í d i c o
Fat os jur ídi cos e efe ito s jur ídi cos tam bém pod em con stituir elemen tos de supor te fácti co. Autor es como ENNECCERUS-NIPPERDEY (50), VON TUHR (51) e LARENZ (52), menciona m apena s a possi bilidade de que efeit os de fatos jurí dicos
int egre m supo rte fáctico de normas jur ídi cas. Real ment e, as
sit uaçõ es mais comu ment e enco ntr ávei s são as em que efeito s
jurídi cos (re lações jur ídi cas, dir eit os, deve res, etc.) apar ecem
co mo su po rt e fá ct ic o. A mora , po r ex emp lo (q ue é ef ei to do
C. C, art . 955) , é supo rte fác tic o da ressarcibili dade dos dano s
(C. C, art . 1.0 56) . Da mes ma for ma, a per son ali dad e jur ídi ca
da s so ci ed ad es (e fe it o do C. C, ar t. 18 ) é el eme nt o co mpl eta nt e do su po rt e fá ct ic o do s ne góc io s ju rí di co s qu e re al iza.
Tod o ato ilí cit o rel ati vo pressupõe, como supo rte fáctic o, a
exist ência de uma relaç ão juríd ica entre o que descu mpriu as
obrigaç ões que são cont eúdo dela, rel ação, e aque le que sofreu
os dan os do des cum pri men to.
Ma s, ap es ar de se re m mai s fr eq üe nt es es te s ca so s, há
hi pó te se s em qu e sã o os pr óp ri os fa to s ju rí di co s qu e co ns tit uem o sup ort e fác tic o de out ros fat os juríd ico s. O sup ort e
r
áctico dos cont rat os tem como element os dois fat os jur ídi cos
(n egó ci os ju rí di co s un il at er ai s) : a pr op os ta (o fe rt a) e a ac ei(50) Tratado de Derecho Civil, tomo I, vol. 2.°, pág. 5.
(51) Teoria general dei Derecho Civil Alemá n, vol. I, tomo II, pág. 9.
(52) Metodologia de Ia Ciência dei Derecho, 193.
58
taç ão. Pode parecer incoerente essa afi rmat iva quan do cons iderada com aque la outra de que supo rte fáctic o é conc eit o préjur ídi co, do mund o dos fat os, e não do mund o do dir eit o. Como
considerar fáctico o que é jurídico? Esclarecemos. O fato juríd ico
e o efe ito juríd ico est ão no mun do jurídi co, mas nem po r is so
de ix am de in te gra r, co m es sa ca ra ct er ís ti ca de ju rí dico, o
mundo em geral , dito mundo dos fatos . O mundo jurí dico é,
ap en as , pa rt e do mu nd o ge ra l, po rt an to co mp õe o to do . O
fato jurí dico, como os efeit os jurí dicos , quand o entra m na
comp osição de um supo rte fáctic o, são toma dos como fat o jurídico ou como efeito jur ídi co, tal qual são. Não volt am a ser
fáctico desqualif icado de jurídico, mas continuam a ser fáctico
ad je ti va do de ju rí di co . A di st in çã o en tr e mu ndo do s fa to s
(ge ra l) e mun do do di re it o é pu ra men te ló gica , nu nc a fá ct ic a.
O que inter essa, porta nto, como bem demons tram PONTES DE
MIRANDA (53) e ENNECCERUS-NIPPERDEY ( 5 4 ) , é a existênci a
do fa to ju rí di co ou de ef ei to ju rí di co , co mo ta l, po rq ue é es sa
ex is tê nc ia qu e imp or ta à co mpo si çã o do su po rt e fá ct ic o do
out ro fat o juríd ico ; que r diz er: — se a nor ma juríd ica tem
co mo pr es su po st o de su a in ci dê nc ia (= su po rt e fá ct ic o) fa to
já ju ri di ci za do po r ou tr a no rm a ju rí di ca (= fa to ju rí di co ),
som ent e se com por á seu sup ort e fác tic o se aqu ele fat o já exi stir jurid ici zad o. O pre ssu pos to da fil iaç ão leg íti ma (C. C, art .
337) é o fato juríd ico do casamento dos pais. Se, ao invés de
casamen to, houv er entre os pais conc ubinato, não se tem por
legí tima a sua prole. O fat o social de home m e mulh er se unirem e viv ere m junto s é o mes mo no cas ame nto e no con cub inato, mas jur idi came nte a dif erença é insuper ável , porque no
casamen to ao fat o social da união de home m e mulh er adicio nase a juri diciz ação, enqua nto que no concubin ato a união de
home m e mulh er é sem jur idi ciza ção.
Com isto se demons tra que o fato juríd ico quand o previ sto
com o ele
men to de sup ort e fác tic o, nel e ent ra com o fat o jur í dic o, ( 55) e não se dil ui na mas sa dos fat os, par a int egr ar su porte fáctic o.
Tamb ém os fatos ilí citos integra m supo rtes fácticos; não
ap en as os fa to s ju rí di co s lí ci to s. O se r lí ci to ou se r il íc it o é
uma qu al if ic aç ão do di re it o. Nã o há um fa to qu e se ja il íc it o
po r na tu re za, emb or a ha ja fa to s na tu ra is ao s qu ai s é imp utad a a pec ha da ili cit ude (ca so for tui to e for ça mai or, no cas o
do ar t. 95 7 do Có di go Ci vil) .
(53) Tratado de Direito Privado, I, 34.
(54) Tratado de Derecho Civil, tomo I ,vol. 2°, pág. 5.
(55) Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, I, 43.
59
Na mor a, po r ex emp lo , o su po rt e íá ct ic o é o il íc it o re la tiv o do des cum pri men to da obr iga ção no tem po, lug ar ou forma pactuados. Na perda do pátri o pode r (C. C, art . 395, I ) , o
supor te fácti co se const itui do ato ilícito caduc ificante carac te riz ado pel o ato de cas tig ar, o pai , imo der ada men te o fil ho.
4. 8
A ca us al id ad e fí si ca
Emb or a, co mo já re fe ri mos , a el a a no rma ju rí di ca nã o
est eja suj eit a, muit as veze s a caus ali dade fís ica cons tit ui ele ment o de supo rte fáctic o. Na ili cit ude, e. g., o dano há de guar dar uma rel ação de caus ali dade com o ato de algu ém (o agen te
dit o caus ador ), ou rel acionad o a algu ém; quer dize r: — o dano
deve ser deco rrê ncia do ato impu tado. Se algu ém atentou con tr a
a vida de ou tr em, co nt ud o fi ca r pr ova do qu e a mor te da
víti ma não se deu em cons eqüê ncia do ate ntado, mas por uma
ou tr a ca us a, nã o ha ver á cr ime de ho mic íd io (e mbo ra po ss a
have r cri me de outra espécie, como o de les ão corporal) . No
ent ant o, som ent e se a nor ma juríd ica lig a os seu s efe ito s à
ex is tê nc ia da ca us al id ad e fí si ca é qu e es sa ca us al id ad e pa ss a
a se r su po rt e fá ct ic o. Se , ao co nt rá ri o, a no rma ju rí di ca to ma
o even to em si, indepen dent emen te, de qual quer ligaç ão caus ai
fí si ca , nã o há po rq ue co ns id er á-la no pl an o ju rí di co .
4. 9
O t e mp o
O te mpo cr on ol ógi co te m co ns id er áve l imp or tâ nc ia no
mundo do direi to. A duraç ão dos efeit os jurí dicos , a perda e a
aqu isi ção dos dir eit os dep end em, mui tas vez es, de seu tra nscurso.
O te mpo em si nã o po de se r fa to ju rí di co , po rq ue é de
outra dime nsão. Mas o seu tra nscurso int egra com muit a fre qü ên ci a su po rt es fá ct ic os : na us uc ap iã o, na pr es cr iç ão , na
mor a, po r ex emp lo . Ta mbé m as re la çõ es te mpo ra is en tr e os
fat os que com põe m o sup ort e fác tic o, mui tas vez es são ele mentos do própr io supor te fácti co. A conte mporaneida de ou a
suc ess ivi dad e na for maç ão do sup ort e fác tic o, qua ndo pre vis tas exp res sam ent e pel a nor ma, hão de ser con sid era das ele men tos de suf ici ênc ia par a a con fig ura ção do fat o juríd ico
respe ctivo .
4. 10
Os aco nte cim ent os, por ser em fat os pos iti vos , têm exi stê nc ia es pa ci al e te mpo ra l (o fa to ac on te ce em de te rmi na do
lo ca l; a ce rt a ho ra ) ou ap en as te mpo ra l (u ma ce rt a da ta ),
defini da. Diferentement e, os est ados fáctic os (como ser sur-domudo) envolvem situa ções de perman ência , no tempo, resul tante
de acontecime ntos. Do mesmo modo os est ados jurídi cos, co m a
pa rt ic ul ar id ad e de qu e es te s sã o ef ei to s de fa to s ju rí dicos : —
ser incap az é estad o decor rente do fato jurí dico da men ori dad e,
p. ex.
O sup ort e fác tic o, por ém, pod e, mui tas vez es, ser con stit uíd o de ele men tos neg ati vos , com o (a) omi ssõ es, (b) abs tenções, ( c ) o não-acontecer, ( d ) o não ter acontecido, (e ) a
aus ênc ia, ( f ) o sil ênc io, (a) A fal ta de exe rcí cio da pre ten são
em ce rt o te mpo (C . C, ar t. 17 7) , (b ) ab st er - se o ob ri gad o de
uma ce rt a co nd ut a (C . C, ar ts . 88 2/ 88 3) , ( c ) o nã o se re al izar
a cond ição resolutiva ( C . C . , a r t . 119) , ( d ) a inexistência de
op os iç ão à po ss e ad us ucapio nem (C . C, ar t. 55 0) , (e ) a ausê nc ia (C . C v ar t. 17 8, § 4? ), co mo ( f ) a fa lt a de de cl ar aç ão
do dona tár io (C. C, art . 1.16 6), são exem plos de supo rte s fác ti co s qu e pr evê em el eme nt os ne gat ivos em su a co mpo si çã o.
5.
Eleme ntos nucl eares , compl etan tes e
compl ement ares do supo rte fáct ico;
eleme ntos inte grat ivos
Gera lmen te, o supo rte fáctic o é comp lexo, sendo rar as as
esp éci es em que ape nas um fat o o com põe . Nos sup ort es fác ticos comple xos, há sempre um fato que determina a sua con fi gur aç ão fi na l e, no te mpo , fi xa a su a co nc re çã o. Às vez es ,
esse fat o não est á menc ionado expr essamen te, mas, por cons tit uir o dad o fác tic o fun dam ent al do fat o juríd ico , a sua pre sen ça é pre ssu pos ta em tod as as nor mas que int egr am a re spect iva instit uição jur ídi ca. Esse fat o cons tit ui o cerne do supo rt e fá ct ic o, ou se ja , o se u el eme nt o nu cl ea r. ( 56 )
O element o nucl ear do supo rte fáctic o tem sua inf luência
diret amente sobre a exist ência do fato jurí díco, quer dizer , a
El em en to s po si ti vo s e el em en to s ne ga ti vo s
Gera lmen te, os supo rte s fáctic os são cons tit uídos de ele-'
men tos pos iti vos , tai s com o aco nte cim ent os sim ple s, aco nte ci 60
men tos em com ple xo, aco nte cim ent os con tin uad os e est ado s
iác tic os ou juríd ico s.
(5 6) P. ex .: a mo rt e, quanto à su ces sã o; a vi ncula çâo do fa to da nature za ou do
anima l a alg uém , quanto aos íatos Ju rí dicos st ri cto se nsu ; a con tra ri edade a direi to no ilícito civil; consciên cia da vontade, no ato Jurídico;
o dolo ou a culpa no ilícito penal.
61
sua falta não permite que se considerem os fatos concretizados como suporte fáctico suficiente à incidência da norma jurídica. Nos negócios jurídicos, por exemplo, em que a manifestação da vondad e consci ente é o cerne do suport e fáctico , a
sua ausência implica não existir o negócio.
Na configuração do suporte fáctico complexo, especialmente, há que se considerar, além do elemento nuclear, outros
dados que (a) o comple tam ou (b) o comple mentam . Há ainda (c) elementos que integram o negócio, mas no plano da
eficácia, isto é, atuam apenas no sentido de que se produza a
eficácia final do fato jurídico, sem interferir quanto à sua
existência ou validade.
A distinção entre elementos completantes e elementos complementares do núcleo do suporte fáctico tem relevante significado prático, em razão das implicações diferentes que acarretam. Os elementos completantes, porque completam o núcleo
do suporte fáctico, dizem respeito à própria existência do fato
jurídico. Nos casos de negócio jurídico em que haja multiplicidade de vontades a ausência de uma delas determina a sua
inexistência. Diferentemente, os elementos ditos complementares, porque apenas complementam o núcleo, sem o integrarem,
têm suas cons eqüê ncia s quan to à vali dade ou à efic ácia do
fato jurídico, não quanto à sua existência. A falta de capacidade civil, por exemplo, é causa de invalidade do ato jurídico
(lato sensu), mas não atua quanto à sua exist ência.
Em certas situações, há necessidade de atos de terceiros,
em geral da autoridade pública, para que o fato jurídico tenha
eficácia. O registro do contrato de compra-e-venda de bem
imóvel no Direito Brasileiro, e. g., é ato integrativo da sua eficácia, pois que sem ele não se dará a transmissão da propriedade imobiliária. O negócio jurídico da compra-e-venda em si,
pela falta do registro, não sofre quanto à sua existência, validade ou eficácia obrigacional, apenas não produzirá a transmissão da propri edade (eficác ia real).
Os elementos complementare s e os integrativos, via de
regra, consti tuem suport e fáctico de outras normas jurídi cas
que não as referentes ao fato jurídico que complementam ou
integram, mas são sempre pressupostos de sua validade ou
eficácia.
62
6.
Fato (rea l), sup ort e fác tic o e fat o jur ídi co
Apesar de, muitas vezes, os vermos confundidos na doutrina, (57) fato (real), suporte fáctico e fato jurídico são conceitos distintos e inconfundíveis. Senão, vejamos.
Entre o fato (real), ou seja, o fato em si mesmo, e o suporte fáctico há o elemento valorativo que os qualifica diferentemente. Os simples eventos da natureza jamais entram na
compos58ição de suport e fáctico em sua simpli cidade de fato
puro. ( ) Em geral, a norma jurídica toma o fato em um certo
sentido que pode ser, pelo menos e fundamentalmente, a sua
referê ncia utilit ária à vida humana em suas relaçõe s sociai s.
A morte, por exemplo, somente compõe suporte fáctico quando conhecida, porque a sua prova constitui elemento que se
inte gra ao fato real para cons titu í-lo em supo rte fáct ico. Só
a morte conhecida interessa à comunidade, e a juridicidade só
exist e em razão da inters ubjeti vidade . Se alguém desapar ece
de seu domicílio e dele não se tem notícia, é considerado ausente, abrindo -se a sucessão provisória de seus bens, decorrido um certo tempo. Pode ocorrer que, de fato, aquela pessoa
esteja morta. Mas se da morte não se tem conheci mento, ela
é considerada apenas ausente, para os fins de direito — e não
morta —, até que se faça a prova de sua morte ou seja considerada presuntivamente morta. Tudo se passa em sua esfera
jurídica como se viva estivesse. Assim, a morte é fato e a morte conhecida é suporte fáctico. O nascimento que compõe suporte fáctico é o nascimento de alguém com vida, nem que por
um instante. Se há natimorto o nascimento não integra suporte
fáctico, porque o nascer morto não tem significado para as
relações inter-humanas. Um mesmo fato — como o do nascimento de um animal — pode compor suporte fáctico, se esse
animal tem um dono, e não ser suporte fáctico se o animal é
adéspota (= res nullius). Por quê? Pela circunstância de que o
suporte fáctico se constitui do fato real (do nascimento do
animal) + a sua referência ao homem (= pertencente a alguém), pelo menos. (Vide nota 44)
Os puros eventos naturais so interessam ao direito enquanto
possam ser relacionados a alguém. A inviabilidade dessa relação (evento R homem) cria a impossibilidade lógica de se considera r o fato juridi cizáve l (= possív el de tornar-se fato jurí(57) P. ex.: Larenz, Metodologia, 170/1; Von Tuhr, Teoria General dei D. C. Alemán, v. II, t. I. passtTn.
(58) Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, I, 20, Lourlval Vllanova, As
Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo, 46, 118, 154, especialmen te.
63
dico). Assi m, a ref eri bil idade do fat o da natureza ou do animal
ao hom em con sti tui ele men to nuc lea r imp líc ito de tod o fat o
jur ídi co str ict o sen su (vi de, ant es, § 59 e not a 56) . Dis to se
con clu i que sup ort e fác tic o é plu s em rel açã o ao fat o (re al) ,
porque é este qual ifi cado e acrescido das cir cuns tâncias outras
defini das pela norma para comp let á-lo. O fat o int egra o supo rte
fác tic o, por tan to não pod em ser igu ais .
ci os ju rí di co s un il at er ai s qu e se fu nd em pa ra fo rma r o co ntrato. O contr ato, embora compos to de dois negóci os jurí dicos
unilat erais, tem unidade conc eptual, vale dize r, tem de ser
consi derad o como unida de. O supor te fácti co, ao contr ário, manté m a su a es tr ut ura co mp le xa de co nj un to de fa to s, se m qu e
se tenha neces sidad e de consi derá -lo, mesmo conce ptual mente,
como unidade ;
En tr e su po rt e fá ct ic o e fa to ju rí di co , a di st in çã o re su lt a
de qu e:
a) — em ger al , o su port e fác ti co é co ns ti tu íd o por vár io s
fat os e até por sit uaç ões que env olv em omi ssõ es, sil ênc io, não
acont ecime nto (vide , antes ). Desse s fatos , alguns, mas não
to do s, sã o co ns id er ad os re le va nt es e a el es a no rm a ju rí di ca
dá entrada no mund o jur ídico atr avés da incidência. Esse s
fa to s qu e sã o tr an sp or ta do s pa ra o mu nd o ju rí di co po r fo rç a
da in ci dê nc ia , co ns ti tu em o fa to ju rí di co . As si m, ap en as pa rt e
do su po rt e fá ct ic o en tr a no mu nd o ju rí di co e co mp õe o fa to
ju rí di co . A ou tr a pa rt e pe rma ne ce no mun do fá ct ic o; nã o se
tr an sf or ma em fa to ju rí di co . Há si tu aç õe s — es pe ci al men te
qu an do o su po rt e fá ct ic o é si mpl es , co mo no ca so do ar t. 49 ,
pr im ei ra pa rt e, do Có di go Ci vi l — em qu e su po rt e fá ct ic o e
fa to ju rí di co sã o co ex te ns ivos (f at o ju rí di co do na sc ime nt o =
ao fa to do na sc ime nt o) . De re gra , po ré m, nã o há co in ci dê nc ia .
O fa to ju rí di co da us uc ap iã o te m co mo su po rt e fá ct ic o: — (a )
po ss e pr óp ri a; (b ) se m op os iç ão (ma ns a e pa cí fi ca ); ( c ) in in te rr up ta men te , po r vint e an os . A pa rt ir da co nc re çã o do s f at os
pos iti vos — pos se pró pri a dur ant e vin te ano s, ini nte rru pta men te — e da co ns ta ta çã o da in oc or rê nd a (f at o ne gat ivo) de
op os iç ão , te re mos , em virt ud e da in ci dê nc ia do Có di go Ci vil,
o surgimento do fat o jur ídi co da usuc apião, cuj o efeito jur ídi co é
a aqui siç ão da propri edad e imob ili ári a. A poss e próp ria consti tu i o el eme nt o re le van te do su po rt e fá ct ic o qu e se tr an sf or ma no fa to ju rí di co . O tr an sc ur so do te mp o e a au sê nc ia de
op os iç ão ap en as co mpõ em o su po rt e fá ct ic o, mas nã o en tr am
no mun do ju rí dic o, mes mo po rq ue no ca so da au sê nc ia de
op os iç ão se tr at a de um nã o- se r qu e, po rt an to , nã o po de in te gr ar o se r, en qu an to qu e o te mp o é fa to da qu ar ta di me ns ão ;
b) — por out ro asp ect o, o fat o jur ídi co há de ser con siderad o conce ptual mente como
unida de, embora possa ser cons ti tu íd o po r vár io s fa to s. ( 59 ) A of er ta e a ac ei ta çã o sã o ne go -
c) — é pr ec is o co ns id er ar , ai nd a, qu e o su po rt e fá ct ic o
se co nc re ti za, so fr e a in ci dê nc ia da no rma ju rí di ca , da nd o en
se jo ao su rgi men to do fa to ju rí di co , e se ex ti ngu e. Há , po r
ta nt o, uma de te rmi na çã o es pá ci o-te mpo ra l do su po rt e fá ct ic o,
qu e fa z de le , po r is so me sm o, tr an se un te . Di fe re nt em en te , o
fat o juríd ico per man ece no mun do juríd ico , ind epe nde nte men
te da pe rma nên ci a do s el eme nt os de se u su po rt e fá ct ic o. Fo r
mad o o su po rt e fá ct ic o de um co nt ra to , as von ta de s ne goc ia is
mani festadas que o comp useram permane cem viva s, mesmo
qu e aq ue le s qu e as ma ni fe st ar am mo rr am . O co nt ra to ex is te
a de sp ei to de nã o ex is ti re m os se us fi gur an te s. A su ce ss ão à
ca us a de mor te na s ob ri gaç õe s co nt ra tu ai s be m mos tr a qu e o
fa to ju rí di co se ma nt ém vi vo pa ra al ém da mo rt e do su po rt e
fáctico;
(5 9) Po nt es de Mi ra nd a, Trat ad o de Di reit o Pr iv ad o, I, 77 ; En ne cc erus , Trat ad o de
Derecho Civil, v. I, t. 2.°, 6.
64
d) — alé m dis to, o fat o juríd ico sub sis te, tam bém , à pró
pri a lei . Apó s inc idi r sob re o sup ort e fác tic o e pro duz ir o fat o
juríd ico a nor ma juríd ica pod e ser rev oga da, dei xar de exi sti r,
se m qu e ta l ci rc un st ân ci a af et e a ex is tê nc ia do fa to ju rí di co .
O fat o jur ídi co, depo is de cri ado, permane ce no mund o jur ídi co
in de pe nd en te men te de co nt in ua re m a ex is ti r os se us el eme n
to s co ns ti tu ti vos : — no rma e su po rt e fá ct ic o. Co m a pe rd a da
vigên ci a da no rma ju rí di ca o su po rt e fá ct ic o de ix a de se r su
po rt e fá ct ic o, ma s, ne m po r is so , o fa to ju rí di co pe rd e a su a
qual idade. Por esse moti vo é que a modi fic ação da norma sobr e
de te rm in ad o co nt ra to nã o al te ra as su as cl áu su la s pa ct ua da s
de sa co rd o co m as no rma s vigen te s an te s da mod if ic aç ão . O
fa to ju rí di co so men te de ix a de ex is ti r se de sc on st it uí do po r
um no vo fa to ju rí di co . A re so lu çã o, a re sc is ão , e as de ma is
for mas de des con sti tui ção dos fat os juríd ico s são , em si, fat os
jurídicos.
Even tualmen te, a norma jur ídi ca pode descons tit uir fat o
juríd ico . As con qui sta s da hum ani dad e, no ent ant o, cri ara m
limites a essa possibilidade, fazendo inserir em Constitui ções a
imu nid ade do dir eit o adq uir ido , do ato juríd ico per fei to e da
co is a ju lgad a à re tr oe fi cá ci a da s le is .
65
Inc orr em, ass im, em err o aqu ele s que con fun dem , ou tra tam indist int amen te, o fat o, o supo rte fáctic o — que são con ce it os pr é-ju rí di co s do mu nd o do s fa to s — e o fa to ju rí di co
— que já é co nc ei to do mun do do di re it o, port an to , ju rí di co .
Há, deste modo, neces sidad e lógic a de consi derá-los como conceitos distintos que são, sob pena de prejud ica r-se o tra to científ ico do Dir eit o.
II — O pre cei to
1.
Conceito
O pre cei to (ta mbé m den omi nad o dis pos içã o) con sti tui a
parte da norma jur ídi ca em que são prescrito s os efeito s atr ibuído s aos fatos jurí dicos . Repre senta , assim, a dispo sição nor mat iva sob re a efi các ia juríd ica .
Embo ra est eja mos acos tuma dos a rel acionar a efi cácia juríd ica som ent e a dir eit os <> dev ere s, pre ten sõe s <>
obr iga çõe s, ações e exceções, na verd ade toda e qual quer
cons eqüê ncia jurídica que se atr ibua a um fat o cons tit ui efi cácia
jur ídi ca, obj eto, portanto, de um precei to. Assi m, a pena por um
cri me, como a sanç ão pelo ilí cit o civi l ou uma simp les
qual ifi cação pessoal — como ser capaz, ser pessoa — são
espécies de efi cácia ju rídica.
Na def ini ção do fat o juríd ico est ima -se a rel evâ nci a dos .
fat os da vid a e, com bas e nel a, lhe são imp uta das as con se qüênc ias que const ituem a sua eficá cia jurí dica. Porqu e nessa
def ini ção do fat o e de sua efi các ia a com uni dad e atu a seg und o
os valo res que a inspir am em determi nado momen to histór ico,
te m el a um ca rá te r re la ti vo , no te mp o e no es pa ço so ci al , o
que expli ca porqu e um mesmo fato da vida pode ser tratado
di fe re nt eme nt e em gru po s so ci ai s di ver so s e ta mbé m po rq ue ,
no mes mo gru po so ci al , po de var ia r, no te mpo , o tr at ame nt o
que lhe é dad o. A gama de efe ito s imp utá vei s aos fat os jurí dic os é, pra tic ame nte , ili mit ada , por que , sen do imp uta ção , é
criaç ão humana , assim suje ita, apena s, aos modelo s criad os pela
int eli gênc ia, est imul ada e ori entada pela expe riê ncia, com a
fin ali dad e de ate nde r as nec ess ida des da con viv ênc ia soc ial .
Ape sar des sa lib erd ade na pre scr içã o da efi các ia juríd ica ,
a expe riê ncia mile nar da huma nidade cri ou certas categor ias
efica ciais , que poder íamos dizer unive rsais , uma vez que são
encon trada s em todos os sistemas jurí dicos . Direi to, dever, pretensã o, obrigação, ação, exceç ão, sançã o const ituem exempl os
de ss as ca te gor ia s. De sd e a mai s re mot a an ti güi da de at é ho je ,
66
às veze s rot uladas com deno mina ções dif erentes, essas categoria s efi cac iai s est ão sem pre pre sen tes no dir eit o de tod os os
povos. Esse fenôme no de universali dade resul ta, parec e-nos, da
cir cuns tância de ser em comu ns aos home ns, indepen dent emen te
de raça, credo, conv icções políti cas e temp o histór ico, as ca rê ncias deco rrentes das relaçõe s sociais. Variam, é claro, os
conte údos dessa s categorias , sendo mais ou menos inten sos os
pod ere s, os ônu s e as pen ali dad es atr ibu ído s, e mes mo dif e rentes as instit uições em si. As categor ias , no entanto, em sua
essênci a, são cons tantes .
Ist o, po ré m, nã o li mit a, ne m in ib e, a cr ia çã o de ou tr as
espécies de efeito s jur ídi cos. Nada impe de que certo sis tema
juríd ico ins tit ua um tip o de cat ego ria efi cac ial que não exi sta
em qu al qu er ou tr o si st ema , ou de ix e de ad ot ar um qu e se ja
comu m a todos. O essenci al é que tal categor ia sir va e sej a
nec ess ári a aos fin s do dir eit o em cad a com uni dad e. Pod e parec er, ass im, que a lib erd ade na def ini ção da efi các ia juríd ica
seja absoluta, sem limites. O positivis mo, o relativismo e o normat ivi sm o juríd ico s cos tum am ver no pod er da com uni dad e
juríd ica , mai s pro pri ame nte dos órg ãos enc arr ega dos de rev elar o dir eit o, esse caráter absoluto. Lare nz, Pont es de Mir anda ,
Von Tuh r, por exe mpl o, ent re out ros , afi rma m que há, na escolha da eficá cia jurí dica, da parte do legis lador , uma certa
arbit rariedade . Parec e-nos, no entan to, que a liber dade na pres cr iç ão do s ef ei to s ju rí di co s en co nt ra li mit es ir re mov ívei s: —
( a ) nos valo res cul tur ais da comu nid ade que, por sua vez, têm
sua rel ati vida de vinc ulada (b) aos valo res absolutos da jur idicidade, tais como justiça , paz, verdade, ordem, segurança, bem
co mum , e (c ) ta mbé m à na tu re za da s co is as , es pe ci al men te
na qu il o qu e re sp ei ta à di gni da de do se r hu man o.
2.
Classifica ção
Ta l co mo ac on te ce em re la çã o ao su por te fá ct ic o, qu an to
ao pr ec ei to há ta mbé m do is se nt id os a co ns id er ar : —
(a) um ab st ra to (d it o pr ec ei to ab st ra to ) de fi ni do na no r
ma jur ídi ca;
(b) um out ro con cre to (di to pre cei to con cre to) que cor
res pon de à efe tiv açã o do pre cei to abs tra tam ent e pre vis to pel a
norma jur ídi ca.
Ist o sig nif ica que , sem pre que o fat o juríd ico oco rre , os
efeito s a ele atr ibuídos, abstra tame nte, pela norma se deve m
realiza r, conc ret amen te.
67
Exemplifiquemos. O Código Civil prevê que, "aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano."
(a) A obrigação de indenizar por perdas e danos em de
corrênc ia do ato ilícit o, consti tui um precei to abstra tament e
estabelecido pelo art. 159 do Código Civil.
(b) No caso de A, queimando sua roça, provocar incêndio
na propriedade de B, causando-lhe dano, ficará obrigado, concretam ente, a ressarc ir os prejuí zos a que seu ato deu causa.
É perfeitamente possível, no entanto, que o preceito concretizado não se efetive. É o que ocorre quando não ficam vinculadas às conseqüências previstas as pessoas que as deveriam
sofrer; — por exemplo: — não se conseguiu relacionar os fatos
do suport e fáctico a alguém (e .g . não se identi ficou o autor
do homicídio), o devedor é insolvente e não tem, assim, como
pagar a dívida, ou ainda quando há erro na aplicação do preceito (e.g., condenou-se a pessoa errada ou se aplicou preceito
que não era o pert inen te).
O não efet ivar-se (= real izar-se na prát ica) o prece ito
não afeta, em tese, a eficácia da norma jurídica (vide, no cap.
IV sobre incidência e aplicação da norma), apesar de caracterizar desrespeito que, no entanto, não a torna inválida, nem a
faz revogada.
III — Det ermi naç ão do sup ort e fác tic o e do pre cei to
Consoante nos referimos antes, nos sistemas de direito
escrito, em decorrência da multiplicidade das normas jurídicas
que os compõem e da técnica de formulação dos textos normativos em proposições sintéticas e em linguagem elíptica, não é
soment e possív el, como bastan te comum, que: —
(a) o suporte fáctico e o preceito de certa norma não estejam descritos em um mesmo dispositivo legal (e.g., artigo de
lei), mas conste m de dispos itivos distin tos, às vezes de mais
de um dispositivo, que tanto podem integrar uma mesma lei,
como leis diferentes. Os juros de mora, por exemplo, constituem o elemento para a sanção (= eficácia jurídica) pelo descumprimento (= mora) das obrigações em dinheiro; sua regulamentação está estabelecida na Lei de Usura (Decreto n?
22.626, de 7 de abril de 1933), mas o suporte fáctico da mora
está descrito no Código Civil, onde há, também, outras disposições sobre juros;
68
(b) o mesmo fato jurídi co apresen te matize s divers os e,
em razão disto, haja vários dispositivos que, atendendo a situações íácticas particulares, definam condições que alteram a configuração do suporte fáctico correspondente no fato jurídico
fundamental. Por isso, o preceito pode ser expressado em diferentes graus de intensidade, de modo que, consideradas as
circunstâncias previstas em cada suporte fáctico, as conseqüências prescritas no preceito podem ser ampliadas, reduzidas ou
até mesmo suprimidas. Isto em um mesmo diploma legal, ou
não. O ato de matar alguém, por exemplo, em razão das circunstâncias agravantes, atenuantes ou excludentes, pode ser
considerado desde o mais hediondo dos crimes, punível mesmo
com a morte, até uma conduta escusável, mesmo legítima.
É necessário, também, levar em consideração que tanto o
suporte fáctico como o preceito respectivo podem existir difusos dentro do sistema jurídico, não sendo, assim, determinados
especi ficamente. Essa indete rminaç ão permit e ao intérp rete
uma certa liberdade na sua identificação dentro dos princípios
gerai s que nort eiam o sist ema (= inde term inaç ão abso luta )
ou, mais restritamente, optar por uma dentre algumas
soluções
preestabelecidas (= indeterminação relativa). (60) É preciso
destacar, ainda, que, mesmo quando há determinação explícita
do suporte fáctico e do preceito, os princípios gerais e as normas jurídi cas comuns a certas classe s de fatos jurídi cos têm
que ser considerados na configuração do fato jurídico, porque
podem ter influência direta quanto à correção e eficiência na
aplicação do preceito. Situações desse tipo são encontráveis,
principalmente, nas áreas deixadas pelo direito à livre atuação
da vontade individual, ou seja, naquelas espécies em que é reconhecido o poder de auto-regramento da vontade (= autonomia da vontade), como acontece com os negócios jurídicos.
Por isso, é importante notar que, na identificação do fato
jurídico e na aplicação do correspondente preceito, não pode,
nem deve, o intérprete limitar-se a ler e conhecer um certo
dispositiv o legal, apenas, mas precisa de conhecer tudo 61
o que
no sistema se refira ao fato considerado em sua classe. ( )
(60) Héctor Negrl, El Negocio Jurídico, 3 0, Korkounov, Théorie Générale du Droit, 195.
(61) Ensinaram -me, certa feita, como regra elementar para aplicação do direito
que, nes se mi st er , dev e o intér pre te le r tod os os pará gr afo s que por ve n tu ra in te gr em o ar ti go, co mo to do s os ar ti gos rela ti vos à cl as se do s fa to s
em que o fa to con cre to es tá inclu ído, ev itando- se ass im que part icula ri da de s qu e al te ra m o sent id o do pr ec ei to espe cí fi co lh e pa ss em de sa percebidas e o façam errar na solução do caso.
69
Quando se trata de norma jurídica costumeira, seja nos
sistemas de direito escrito ou de direito consuetudinário, a questão se passa como nos casos de indeterminação absoluta. O costume, enquanto não consubstanciado em textos específicos (jurisprudenciais, por exemplo), somente existe como procedimento reiterado e regularmente observado pela comunidade.
Somente após a sua identificação e reconhecimento por quem
tenha o poder de revelar o direit o naquel a comuni dade é que
o costume se torna norma específica e, deste modo, o grau de
sua indeterminação pode variar a ponto de até se tornar inexistente. Quando, e.g ., como acontece em certas comunidades
se tem o costume de não considerar em mora o locatário que
paga o aluguel dentro de certo prazo (cinco dias, por exemplo)
após o vencimento do mês, não se pode dizer que haja uma
norma com indeterminação, absoluta ou relativa, mas sim uma
norma determinada, embora costumeira.
70
CAPÍTULO IV
A Fenomenologia da Juridicização
1.
A inci dênc ia da norma jurí dica
Composto o seu suporte fáctico suficiente, a norma jurídica
incide, decorrendo, daí, a sua juridicização. A incidência é, assim,
o efeito da norma jurídica de transformar em fato jurídico a
parte do seu suporte fáctico que o direito considerou relevante
para ingressar no mundo jurídico. Somente depois de gerado o
fato jurídico, por força da incidência, é que se poderá falar de
situações jurídicas e todas as demais espécies de efeitos jurídicos (eficác ia jurídi ca). É precis o, portan to, consid erar que há
a eficácia da norma jurídica (chamada eficácia legal), de que
resulta o fato jurídico, e a eficácia jurídica, que decorre do fato
jurídico já existente. Não é possível, dessarte, falar de eficácia
jurídica (relação jurídica, direitos, deveres e demais categorias
eficaciais) antes de ocorrida a eficácia legal (incidência). Por
isso, podemos assim expressar o fenômeno da juridicidade :
norma jurídica
= fato jurídico —► eficácia jurídica
suporte fáctico
Resulta, daí, que nem à lei sozinha, nem ao fato sem a
incidência, se pode atribuir qualquer efeito jurídico. O fato,
enquanto apenas fato, e a lei, enquanto não se realizarem seus
pressupostos de incidência (suporte fáctico), 6não
têm qualquer
efeito vinculante relativamente aos homens. ( i a )
(6 1 . a) Be tt i (Teori a Gera l do Negóci o Ju rí di co I, 23 ) so br e o as su nt o te m as se gu intes pala vr as: — "A ss im se es cla re ce, tamb ém , o se ntido da ve lh a
má xi ma ex fa cto ot lt ur ius. Qu er dize r-se com el a que a le i, só por si ,
não dá nunca vida a novas situações jurídicas, se não se verificarem alguns
fa to s po r ela pr evis to s: nã o po rq ue o fa to se tr an sf or me em di reit o, ma s
po rq ue é um a si tu aç ão ju rí di ca pr eexi st en te qv ie se co nv erte , co m o so bre vi r de um dado fa cto, numa si tuação jurí dica nov a ... A nov a si tua ção jurídica es tabel ec ida pel a nor ma não se pro duz en quanto não Ee
veri fi ca r, in te ir am en te , a hi pó te se de fa ct o, a fa tt is pe ci e, qu e é o seu
pressuposto." Vide, adiante, considera ções sobre efi cácia jurídica.
73
2.
Caracte rístic as da incidênci a
2.1
Incondicionalidade
A incidência das normas jurídicas constitui a differentia
specifica que as distingue das demais normas de convivência
social, como as da moral, da etiqueta, da religião e dos outros
processos de adaptação social, exatamente porque as torna obrigatórias, independentemente "da adesão
daqueles a que a incidência da regra possa interessar". (62) Enquanto nos demais
processos de adaptação social a adoção da conduta ditada pela
norma é livre aos seus destinatários, quando se trata de norma
jurídica há obrigatoriedade em acatá-la e não se condiciona à
concordância ou aceitação da comunidade ou do indivíduo. Em
decorrência, ocorridos os fatos que constituem o seu suporte
fáctico, a63 norma jurídica incide, incondicionalmente, infalivelmente, ( ) isto é, independentem ente do querer das pessoas.
A incidência, no entanto, não se nos dá no mundo sensível,
porque suas conseqüências se passam no mundo da psiquê. Podemos, é verdade, ver-lhe os resultados no mundo como quando o
herdeiro toma posse da casa que lhe coube em virtude da
incidência do art. 1.572 do Código Civil, mas não vê-la, tocá-la,
sentir-lhe o odor ou o sabor, ou ouvi-la. Por isso mesmo, por
ser fato do mundo de nossos pensamentos, é que ela ocorre
fatalmente à simples concreção do suporte fáctico. Em razão
disto é que se justifica o princípio da inalegabilidade da ignorantia iuris como excludente da ilicitude; a ninguém é dado
alegar que descumpriu a lei por desconhecê-la, precisamente
porque a incidê ncia não se condic iona à adesão das pessoa s.
O desrespeito à norma pode ocorrer. Isto, porém, não implica ser afastada a incidência, nem afetada a sua incondicionalidade. O cumprimento ou descumprimento da lei é ato de aplicação, de execução, portanto, posterius em relação à incidência
e, naturalmente, dela dependente. É verdade que não coincidem,
sempre, a incidência e a aplicação. Que fossem coincidentes,
seria o ideal da justiça, mas a falibilidade humana faz com que
nem sempre a aplicação da norma jurídica atenda à sua incidência. A inafastabilidade da incidência pela conduta humana contrária — salvo quando permitida — porém, tem como resultado
considerar-se contra legem as atitudes que tornem incoincidentes a aplicação e a incidência, e não inocorrida esta. A natureza
(62) Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1946, I, 27.
(63) Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, I, 16 e passlm.
74
lógica da incidência determina que a sua realização independa
da sua efetiva repercussão no plano da experiência. O não se
efetivarem os efeitos do fato jurídico nascido da incidência é
questã o que se instau ra na dimens ão sociol ógica do direit o
(vid e cap. I, § 5).
A incondicionalidade da incidência existe em todas as normas; em algumas espécies, porém, permite-se à vontade individual o poder afastá-la, dispondo de modo diverso da norma,
sem infringi-la. Há normas jurídicas cuja característica consiste na sua impo siti vida de em rela ção à cond uta e há outr as
que, diferentemente, não obrigam imperativamente, mas são
editadas para suprir lacunas deixadas pela vontade — dispositiva s — ou, quando manife stada, deva o intérp rete entendê-la de certa maneira — interpretativas. Disto se conclui que
há normas cuja incidência é inafastável pela vontade das pessoas, enquanto outras a deixam ao seu arbítrio. Assim, sob o
aspecto da inafastabilidade da incidência pela vontade humana,
ou melhor, da impositividade lógica da norma jurídica, podemos classificá-las em (a ) cogentes e (b) não-cogentes.
(a) As normas cogentes são aquelas que dispõem imperativamente, impondo ou proibindo determinada conduta. Não há,
nessas normas, permissivos à chamada autonomia da vontade,
mas, ao contrário, são autênticos comandos com vistas à adaptação social. A vontade individual não pode ser manifestada em
sentido conflitante com aquele prescrito pela norma, sob pena
de infringi-la, seja direta ou indiretamente (= fraude à lei). Dizia
Paulo: —
"contra legem facit, qui id facit quod lex prohibet, in
fraudem vero, 64qui salvis verbis legis sententiam eius
circumvenit". ( ).
Na verdade, quando há proibição, ou há imposição de certa
conduta, cogentemente, não se admite atuação das pessoas em
contrário à norma, o que implica dizer que fazer o que está
proibido ou furtar-se ao que se impõe constitui infração da
norma jurídica, necessariamente. Não há a possibilidade de se
agir conforme a direito, desatendendo-se à cogência. A conduta
contrária à norma cogente configura em si ato ilícito e acarreta,
por isso, as conseqüências, geralmente punitivas (= sanções),
apropriadas para cada situação (nulidade do ato, pena criminal, e. g. ).
(64) Citado por Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, I, 41.
75
(b) As normas não-cogen tes, difer enteme nte, deixa m à vontade individ ual optar entre aceita r a sua incidência ou adot ar
nor ma de con teú do div ers o, sem que daí res ult e con tra rie dad e
a direito. Nos casos de não-cogência rege o princípio do autoregr amen to da vont ade, em razã o do qual as pessoas têm lib erdad e de esc olh er, den tro de cer tos lim ite s, a con dut a que me lho r sat isf aça as sua s nec ess ida des . Ass im, não con sti tui ilí cit o
o ato que impo rta segu ir regu lame ntação dif erente daqu ela
est abel ecida por norma disposi tiva . ( 65 )
Em face dessa caracterí sti ca, seria poss ível pens ar que as
normas não -coge ntes não são inf rin gíve is pela cond uta cont rá ria e que nisto se dif erenciari am das normas coge ntes. Essa
obse rvaç ão, porém, não é corret a. Tod a norma jur ídi ca, inclu si ve a nã o -co gent e, é viol áve l, de sd e qu an do , co nc re ti zad o o
seu supo rte fáctic o, incidem e a partir daí tor nam -se obrigat órias e de aplic ação compul sória . ( 66) O press upost o da contr a rie dad e a dir eit o não res ide na imp era tiv ida de ou dis pos iti vi dade das normas , mas, sim, no desat endime nto à sua incid ência .
Se mp re qu e a no rm a in ci de e nã o é ap li ca da , ex is te in fr aç ão
e nu nc a fa lh a da in ci dê nc ia . Po r es sa ra zão é qu e se ju st if ic a
a rescindibili dade das deci sões cont ra dir eit o expr esso. A err a da apl ica ção da nor ma não alt era a ver aci dad e da inc idê nci a.
Por iss o, se a aplica ção foi de norma que não incidi u, é nece s sário resta belec er -se a verdade, aplic ando -se a norma realmente
incidente, corrigi ndo -se o err o.
A distin ção ter mina tiva entre cogê ncia e não -cogê ncia reside, portanto, na poss ibi lid ade de afasta r-se, ou não, pela von ta de in di vidu al a in ci dê nc ia da no rma ju rí di ca . A in ci dê nc ia ,
ela própr ia, depen de apena s de que o supor te fácti co da norma
juríd ica se con cre tiz e suf ici ent eme nte , não imp ort and o, ass im,
a natureza da norma jurí dica, nem a sua poste rior aplic ação. ( 67)
(65) A emmciação das espécies de regras Jurídicas envolve muitas outras como,
e. g. , as ou to rgat iv as — qu e at ri bu em po de res a al gu ém — as in te grat iv as
— cjue participam, integra m outras normas, est abelecem definições — as
re mi ss iva s — que re fe re m a ou tra s re gr as para fa zê-la s con teú do se u —
as tra nsm utativa s — es péc ie de inter pre tativa s que or den am se en ten da
de ou tra ma nei ra aquilo que fo i ma nife st ado con tra a re gr a — as re gr as
de inter pret ação — que det er minam como se proced er na inter pret ação
.— isto sem considera r outros critéri os para classificá -las. A enumera ção,
portanto, nâo é exa ustiva, mas apenas exemplificativa.
(66) Se, em certo contrato de compra -e-ven da, as p artes não dispuserem sobre a
evi cção, por exemplo, incide dispositivamente o artigo do Código Civil,
se gu ndo o qual há re sp on sa bili dade do ve nded or pel os ví cios de dire ito,
se o contrário náo se es tipulou, taxativamen te, caso ocorra a hipótes e
da evic ção. Ev id en te ment e, ne ss a si tu aç ão , qu al qu er en te nd im en to qu e
pr et en da ne ga r a resp on sa bi li da de do vend ed or pe la evic çã o será co nt ra
legem, porque, após haver incidido, o art. 1 107 tem que ser aplicado.
(67) Pon tes de Miranda, Tra tado de Direi to Privado, I, 36.
76
2.2 Inesgotabilid ade
A incidência não se esgota por haver ocorrido uma vez. Ao
contr ário, toda vez que o supor te fácti co se compus er, a norma
incidi rá. É poss ível have r, no entanto, norma jurídi ca cuj a efi các ia (in cid ênc ia) se esg ote em uma só inc idê nci a; por exe mplo : aqu ela s que se des tin am a reg ula r cas o iso lad o e úni co.
Embo ra a gene ralidade sej a uma virt ude nas disposi ções nor mat iva s, (68 ) não con sti tui , no ent ant o, ele men to ess enc ial à
sua conf igur ação. É, por iss o, tec nicamen te, admi ssí vel que a
no rm a ju rí di ca so me nt e se re fi ra a um a ún ic a si tu aç ão , de
modo que, ocorr ida aquel a, ela incid e uma só vez. Não haverá,
dessarte, mais poss ibi lid ade de que cont inue a ser efi caz. Está
cl ar o, po ré m, qu e o nã o co nt in ua r a in ci di r de co rr e de nã o
se formar o supor te fácti co e não por esgotar-se a eficá cia (incid ênc ia) enq uan to ain da vig ent e a nor ma, som ent e por já haver incidi do uma vez. A inesgot abilid ade da incidência, deste
mod o, car acter iza tam bém a nor ma juríd ica e sig nif ica que ,
se mpr e qu e o se u su po rt e fá ct ic o se . to rn ar co nc re to e su fi ciente, ela incidi rá.
De tu do o qu e fo i di to se ver if ic a qu e a in ci dê nc ia te m
com o pre ssu pos tos ess enc iai s: (a) a vig ênc ia da nor ma juríd ica ; (b ) a co nc re çã o do su po rt e fá ct ic o su fi ci en te .
3.
A vig ênc ia da nor ma jur ídi ca
A norma jurí dica soment e pode incid ir após estar em vigor.
Não é poss ível pretender -se incidente norma jur ídi ca antes de
vig ent e, mes mo que já exi sta , por que a inc idê nci a é pos te riu s
em rel ação à vigê ncia. Real ment e, é poss ível have r, nos sis te mas de dir eit o escrit o, especialme nte, norma jur ídi ca que tenha
sido editada por quem tenha o pode r de revelar o dir eit o, mas
pa ra en tr ar em vigor em ce rt o di a, mui to de po is de su a pu bl i-
(6 8) É pre ciso con si der ar que a nor ma Ju rí dica, de or dinári o, é fo rm ula da em
cará ter ge nér ico, abst ra to, para aten der , ou pre ve r, si tuaçõe s as ma is ge ra is e as ma is dive rs as. A ge ner ali dade das nor ma s, antes de se r um defe ito, con st itui um ava nço no se ntido da dem oc ra tiza ção da so cied ade,
por que re duz o quantum des pót íco (P on tes de Mira nda) que é mu ito
ac en tu ad o on de nã o ha gene ra li za çã o, on de a no rm a é Indi vi du al ou espe cí fi ca . E nã o so ment e is to , ma s, co mo refere Po nt es de Mi ra nd a, »
"gen eral id ad e ap resent a o va lor de ma io r si mp li ci da de ", em ra zã o da qu al
as fo rm ula çõe s pod em alc ançar um ma ior núme ro de si tuaçõe s e uma
ma io r si metr ia , do nd e a po ss ib il id ad e de tr at am en to is on ôm ic o da s co ndutas, re duzi ndo o vo lu ntari sm o arb itrári o e des pót ico. "A ge ner ali dade
da nor ma con cor re para a igu ald ade huma na, para as em ancipaçõe s e a
difusão do bem" (Sistema de Ciência Pos itiva do Direi to, II, 180).
77
caç ão. Dur ant e o lap so que med iar ent re a pub lic açã o da nor ma juríd ica e o iní cio da sua vig ênc ia, mes mo que se con cre tiz em os fat os pre vis tos em seu sup ort e fác tic o hip oté tic o, ela
não incidirá . ( 69)
Nos sis tema s de dir eit o escrit o, assim, é preciso distin guir
dua s sit uaç ões em que a nor ma juríd ica se pod e enc ont rar : —
( a ) a nor ma exi ste sim ple sme nte e (b) a nor ma exi ste com
vigência.
(a) — A norma jur ídica existe, simp lesment e, quan do, pro
mulgada, é publ ica da. ( 7 0 ) Tra ta-se, aqui da existência fáctica
da no rma , in de pe nd en te men te de qu e po ss a in ci di r e, em co n
se qü ên ci a, se r ap li ca da . Ne ss a si tu aç ão , a no rma ju rí di ca nã o
te m qu al qu er ef ei to vinc ul an te em re la çã o ao s ho men s. En
qu an to ap en as ex is te , a no rma ju rí dic a nã o po de se r ap li ca da ,
porque não incide. A existê ncia é, desse modo , apen as presença
fác tic a no mun do, sem efe ito s. Por iss o é mes mo pos sív el que
um a no rm a de ix e de ex is ti r se m te r si do vi ge nt e, se m qu e
ist o imp liq ue qua lqu er con tra diç ão. Bas ta que tenh a sid o rev o
gad a an te s de en tr ar em vigor , co mo ac on te ce u co m o Códi go
Pena l baixado pelo Dec. -lei 1.00 4/69.
(b) — Di fe re nt eme nt e, a no rma ju rí di ca ex is te co m vi
gên cia , qua ndo tem a pos sib ili dad e de pro duz ir os seu s efe ito s
es pe cí fi co s, or de na nd o a co nd ut a hu man a no se nt id o de se us
comandos.
Carl os Coss io ( 7 1 ) define a vigê ncia como "a existência
como tempor alida de do direi to, própr ia e plena , a saber : — o
prese nte". Na verdade, o conce ito de vigênc ia está ligad o ao de
exi stê nci a de cer to ord ena men to juríd ico , nes te mome nto , no
todo ou parci alment e quant o às suas normas consi derad as isoladamen te. A vigê ncia, portanto, se ref ere: — (a) pri meir o, a
dir eit o posi tivo , não a dir eit o natural e outras formas de ideali da de ju rí di ca ; (b ) seg un do , a di re it o ex is te nt e ho je , nã o a
dir eit o que existi rá aman hã (e. g., Proj eto de Códi go Civi l) ou
que existi u ontem (as Orde nações Filipi nas, p. ex.) ; e ( c ) fina lme nt e, à no rma na pl en it ud e ló gica da su a ex is tê nc ia , ca(69) O Có digo Civil Brasileiro, por exemplo, foi promulgado em 1° de Janeiro de
1916, mas para entrar em vigor em 1.» de Janeiro de 1917. Nesse ínter regno, isto é durante o ano de 191 6. embora tivesse existência válida (no
sentido técnico -Juridico). nSo íoi eficaz, sendo incidentes as normas da
Consolidação das Leis Civis, porque então em vigor.
(70) Sobre promulgação e publicação como elemento da existência e eficácia da
norma jurídica, especialmente da lei, ver o no?so A Lei Complementar sob
a Perspectiva da Validade, pág. 89.
(71) Teoria de La Verdad Jurídica, 183.
78
rac ter iza da, pre cis ame nte , pel o seu pod er de inc idi r sob re os
fat os da vida por ela previst os e, 72atr avés disto, ordenar obrigat or ia men te a co nd ut a hu man a. ( )
O que, dessa rte, disti ngue ( 73) a norma simplesment e existen te da nor ma juríd ica vig ent e é, exa tam ent e, a pos sib ili dad e
de ser efica z, quer dizer , a possi bilidade de incid ir sobre seus
press upost os fác ticos quand o concr etiza dos, subor dinan do-os ao
senti do que lhes impõe. Daí se concl ui que é a eficá cia o que
car act eri za a vig ênc ia, não a efi các ia con sta tad a, mas , ape nas ,
a possi bilidade de eficá cia, quand o materializados os dados do
supor te fáctico . Sim, porqu e se a eficá cia const atada reque r a
conc reção do supo rte fáctic o sufici ente, é plus em rel ação à
vig ênc ia, con sti tui sit uaç ão nov a na exi stê nci a üa nor ma jurí dica, dif erente, portanto, da pura vigê ncia. Mas uma norma que
não possa ser eficaz, isto é, não tenha a possi bilidade de indic ar,
na o te m as co nd iç õe s mí ni ma s de se r co ns id er ad a vi ge nt e.
A lei , por exem plo, que se ref ira a um único caso, cuj a efi cácia
se esg ota à oco rrê nci a do seu sup ort e fác tic o, mes mo que não
sej a exp res sam ent e rev oga da, não pod erá ser con sid era da vigen te. O não pod er inc idi r a exc lui den tre as nor mas vig ent es
do sis tema jur ídi co.
Di an te di st o, é evi de nt e qu e po de ha ver uma no rma ju rí di ca vigen te se m se r ef ic az, de sd e qu e nã o se mat er ia li zem
os seus pressupost os de incidência (= não se conc ret ize o seu
sup ort e fác tic o). Por iss o, há a pos sib ili dad e de uma nor ma
jur ídi ca deixar de ser vige nte sem jama is ter sido efi caz: basta
que seu sup ort e fác tic o não se haj a con cre tiz ado nen hum a vez .
De tu do is to é po ss ível co nc lui r qu e vigên ci a e ef ic ác ia
sã o si tu aç õe s di st in ta s na ex is tê nc ia da no rma ju rí di ca , mas
tão int ima men te cor rel aci ona das que uma pre ssu põe , ess enc ial
e re ci pr oc ame nt e, a ou tr a.
(72) Sobre o assunto, ver o nosso Direito, uma concepçã o de sua validade, 21 e segs.
(73) A doutrina tem proposto as mai s diversas soluções no sentido de estabele cer qual seria aquele plus que se somar ia a existência lactica da norma
Jurídica para caracterizar -lhe a vigência, desde a concepção, extre ma, de
Norberto Bobblo (Teoria delia Norma Giuridíca, 36/37) que reduz a vi gência (que ele denomina validità) a uma questão puramente de fa to, até
a conceituaçao de Kelsen (Teoria Pura de Direito, I, 20) segundo a qual
se deve considerar condição de vigência ser a regra Jurídica atendida pela
comunidade, isto é, ter um mínimo de eficácia, para empregar a sua ter minologia. Nao nos parece, no entanto, que tais soluções sejam plena mente satisfatórias, pois que deixam sem resposta várias questões que no diaa -dia do direito podem ocorrer. Por exemplo — em Bobbio nao se
explica como pode existir uma norma Jurídica sem que esteja em vigor,
co mo ac on te ce u co m o Có di go Pe na l (D ec re to -le i n. ° 1. 00 4/ 69 ) cu ja
revogação fo i decretada antes que entrasse em vigor; em Kelsen, como
encarar o problema da regra reiteradame nte desatendida por todos, até
o Governo, como a Lei de Usura? O que propomo s está explícito no texto .
79
4.
A conc reção do supo rte fáct ico
4.1
Generalidades
Quan do, no mund o, se tornam realid ades os fat os previst os
nos supor tes fácti cos hipot ético s, as normas jurí dicas incid em,
ger and o fat os juríd ico s. A inc idê nci a da nor ma juríd ica exi ge,
no ent ant o, com o pre ssu pos to lóg ico , que tod os os ele men tos
que cons tit uem seu supo rte fáctic o se tenham mate ria liza do,
portanto, conf orme a expr essão de Pont es de Mir anda , ( 74 ) que
o supo rte fáctic o sej a sufici ente.
A pr ob le mát ic a da co nc re çã o do su po rt e fá ct ic o en vol ve
não soment e aspec tos dogmáticos, mas quest ões de ordem filo sófic a — como as das lacun as da lei e seu preen chimen to pelo
int érpret e, as da própri a vali dade do dir eit o obj eti vo result ante
de normas impost as pelo Estad o — e também de natur eza so ciológi ca — como as que dize m respeito à atuali zaçã o das lei s.
No âmbi to de noss o estudo cabe, apenas, o exame de impl icações de caráter simp les ment e dogmá tic o, tai s como nos são
sugeridas pelos conce itos do absol utismo legal que se const itui,
ai nd a, em do gma fu nd ame nt al do no ss o si st ema ju rí di co .
4 . 2 Fa to e re al id ad e
Some nte fat o cuj a ocor rência sej a da ciência de algu ém,
apena s, ou que seja passí vel de prova, pode ser consi derad o
co nc re ti zad o pa ra os fi ns de in ci dê nc ia da s no rma s ju rí di ca s.
É pos sível , dia nte des sa exi gên cia , hav er uma inc omp ati bil idade entre a realid ade e a conc reção do supo rte fáctic o, desde
quand o o fato, mesmo acont ecido , não poder á ser tratado como
int egra nte de supo rte fáctic o conc ret o, por não ser do conh ecim ent o de alg uém. No cas o, por exe mpl o, da mor te de uma
pes soa dur ant e uma caç ada sem que lhe haj am enc ont rad o o
cor po, emb ora mat eri alm ent e oco rri da, não pod e ser con sid era da co mo ba st an te pa ra co mpo r os su po rt es fá ct ic os qu e a
tenham como ele ment o. (75 ) Por iss o é que não se abre a suces(74) Tra tado de Direi to Privado, passim.
(75) Essa afirmativa pode parec er uma contradiçã o em face da infalibilidade (fa ta li da de ) da in ci dê nc ia da no rm a ju rí di ca . É pr ec is o escl ar ec er, po r is so ,
que o dado do con hec ime nto do fa to con st itui el em en to do su por te fá ctico da norma jurídica, donde ser necessário a que est e se concret ize
su fi cien tem en te. A mo rt e — que é o ex em plo que tom amo s — não en tra
no mundo jurídico em sua pura natureza, mas complementada pelo seu
con hec ime nto por alg uém . Vi de, so bre ist o. Po ntes de Mira nda, Tr atado
de Di reit o Pr iv ad o, I, 20 e 26 , Sc hr ei er, Co nc ep to s y Form as Fu nd am enta les, 14 6/ 7, Lou ri va l Vi la no va , Es tr ut ur as Lóg ic as , 46 /7 . Ver, ta mb ém,
antes, Cap. III, I, 84, 2 e 5.
80
são her edi tár ia, nem se ext ing ue a soc ied ade con jugai , ou de
outra espéci e, de que o desapar eci do sej a cons ort e, permane cendo casad a a sua viúva, e. g., enqua nto não provada ou presu mid a, ao men os (C ód igo Ci vil, ar t. 10 ), a su a mor te .
Os sis tema s jur ídi cos, muit as veze s, se sat isf azem, apenas,
com a comuni cação de 76
ciênc ia dos fatos feita por alguém, em
condições específicas; ( ) em outras, somente admitem a demon str açã o obj eti va da mat eri ali zaç ão do fat o. ( 77 ) A que stã o
da pro va do fat o é, por tan to, de fun dam ent al imp ort ânc ia par a
a pro ble mát ica da rea liz açã o do dir eit o, esp eci alm ent e por que
há certas sit uaçõ es — como as que envo lvem ati tudes psicológic as, por exempl o — em que a sua const ataçã o empíri ca é,
pra tic ame nte , imp oss íve l. A seg ura nça juríd ica no trá fic o so cial, no entanto, não pode permiti r que a incert eza quan to à
apur ação dos fat os e a precariedade de sua conf erência com a
verd ade poss am inf lui r na est abilid ade das rel açõe s int er-humana s e ref let ir na jus tiça, que deve ser o valo r maio r na reali zaç ão do di re it o. Po r is so é qu e a té cn ic a ju rí di ca , no se nt id o
de reduzir , ao míni mo poss ível , a incert eza das sit uaçõ es, lança
mão de soluçõe s que nem semp re representam a realid ade fác tic a, inas que sat isf azem a necessi dade de segu rança jur ídi ca.
Através dessa s soluç ões, os sistemas jurí dicos passa m a tratar
determinados fatos corno se atribuindo-lhes um certo sentido —
presu nções — ou tendo-os por havidos — ficçõ es, com o que
facil itam, pelo iniludível e incon tornável das situa ções, a reali zaçã o do dir eit o.
Às fi cç õe s ju rí di ca s se dá se mp re um ca rá te r ab so lu to ,
isto é, não se permit e a prova em contr ário ao seu senti do. ( 78 )
Quan to às presunç ões, no entanto, a técnica jur ídi ca, cons ide ra nd o o gra u de pr ob ab il id ad e de ce rt eza na pr ova da re al i da de , tr at a os fa to s co m mai or — pr es un çõ es in ri s et de iu re
( 7 9 ) — ou meno r — pre sunç ões iuris tantum ( 8 0 ) credibili da de . Pa re ce evi de nt e qu e, emb or a as pr es un çõ es e fi cç õe s
sej am est abe lec ida s com fun dam ent o na exp eri ênci a que apo nta o se nt id o da do co mo o ma is pr ov áv el e ma is pr óx im o da
(70) Código Civil, art. 141, por exemplo.
(77) Nascimento, e. g.
(78) O chamado "princípio da inalega bilidade d a ignorantia iuris'' consubstanciado
no art. 3.° da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro é típica ficção
legal.
(79) Art. 935 do Código Civil, por exemplo. Espécie relevante é a instituição da
coisa julgada material.
1801 E. g., art. 337 combinado com o art. 340 do Código Civil.
81
verdade, não é possí vel a modifi cação da própr ia reali dade . (81)
Po r is so é qu e, na ma io ri a da s ve ze s, ( 8 2) o si st em a ad mi te
a prova da realid ade em cont rár io à presunç ão, que, no entanto,
nã o po de se r el id id a co m mer os in dí ci os , mas se mpr e co m
pr ov a ir re fu tá ve l (t an to qu an to po ss a se r ir re fu tá ve l um a
prova).
Os ato s hum ano s, qua ndo o dir eit o os tom a com o avo lit ivos, some nte são cons iderados em razã o dos seus res ult ados
fáctic os. Na comi stão, a mist ura final é que impo rta , sem se
procurar saber da vont ade em realizá-la, sal vo quan do decorre nt e de at o il íc it o (C ód igo Ci vil, ar t. 61 6) .
Se, no entan to, se trata de ato volit ivo, negoci ai (negócio
ju rí di co ) ou mes mo nã o ne goc ia i (a to ju rí di co st ri ct o se ns u),
é pre cis o que a von tad e ten ha sid o ext eri ori zad a, dec lar ada mente ou apena s manife stada simplesment e, inclu sive de modo
sil ente e até tác ito . Some nte vont ade que se pode , ao meno s,
percebe r como dado da expe riê ncia é bastante à conc reção de
supo rte fáctic o, não a vont ade que permane ce int erna, as int enções não revel adas, a reser va mental . Mesmo quand o a norma
juríd ica faz ele men to de seu sup ort e fác tic o dad os psí qui cos ,
co mo a má-fé , o do lo , o er ro , et c, há ne ce ss id ad e de qu e a
sua exist ência possa ser provada, ou, se permit ido, ao menos
presumi da. É poss ível que a norma jur ídi ca exija que a vont ade
sej a dec lar ada , sem se sat isf aze r com as man ife sta çõe s sim pl es , ap en as , mas es se é pr ob le ma qu e se re ves te de imp or tân cia qua ndo se tra ta da suf ici ênc ia e efi ciê nci a do sup ort e
fáctico.
4.3
A fo rm aç ão do su po rt e fá ct ic o
4.3.1
Su fi ci ên ci a do su po rt e fá ct ic o
O su po rt e fá ct ic o po de se r si mp le s ou co mp le xo , qu er
sej a formado por um fat o apenas ou por mais de um fat o. Na
con cre ção do sup ort e fác tic o sim ple s, não há mai ore s que stõ es
a dis cut ir, nem ind aga çõe s sig nif ica tiv as a res pon der , uma vez
(81) Dai ser irremovível a possibilidade de conflito entre a verdade das situa çõe s e a fi cção ou pre su nção le ga l. Po de oc or re r, é ev iden te, que para
aten der à fi cção ou à pre su nção — em nom e do va lo r se gu ra nça — se
neg ue a re ali dade com el a incom patíve l — com pre juízo do va lo r ma ior
da justiça. Ta is situações criam, naturalmen te, no es pírito dó jurista
cer tas per ple xi dades cuja so lu ção é ex tre ma me nte difí cil de indicar, se
n&o se quife r cair em atitudes cujo gr au de abst ra ção nao per mi te —
como nos fa tos da ficção — avaliação objetiva.
(82) As pr esun ções relati vas — iu ri s ta nt um — sâ o em mu it o ma io r nú mero qu e
as nr esun çõ es ab so lu ta s — iu ri s et de iu re — ou me sm o qu e as fi cç ões.
82
qu e tu do se re su me à ver if ic aç ão da ex is tê nc ia do fa to : ou o
fat o oc or re u — e en tã o o su po rt e fá ct ic o se co nc re ti zo u —
ou nã o oc or re u, do nd e nã o se po de r fa la r em co nc re çã o.
Dif ere nte men te, qua ndo se tra ta de sup ort e fác tic o com plexo surge uma série de impl icações da maio r sign ifi cação.
Primeir o, some nte se pode cons iderar conc ret izad o o supo rte
fáctic o comp lexo quan do todos os fat os previst os na hipótese
leg al est ej am mat eri ali zad os. De reg ra, não é sig nif ica tiv o o
mod o co mo se te nh a da do a oc or rê nc ia do s ac on te ci men to83s,
ist o é, se nasceram de um só jac to, ou com sucessivid ade. í )
Mas, pode suced er que a quest ão da insta ntane idade ( 84) na
mat eri ali zaç ão do sup ort e fác tic o est ej a inc luí da nat ura lme nte
na nor ma juríd ica , ou sej a dec lar ada com o exi gên cia nec ess ária .
Ness as sit uações , a instantaneidade ou a sucessivid ade pas sam a
ser elemen tos do própr io supor te fácti co, donde a obrigato rie dade
de sua veri fic ação, a fim de que se o tenha por conc ret izad o. A
ausênci a de qual quer dos pressupost os impl icará insufi ciência do
supo rte fáctic o e cons eqüe nte impo ssi bili da de
ló gica da
in ci dê nc ia da no rma ju rí di ca re sp ec ti va.
A insufi ciência do supo rte fáctic o impe de o surgimento do
fa to ju rí di co e, po rt an to , qu e se lh e po ss a at ri bu ir qu al qu er
sentid o jur ídi co. Ao cont rár io, se ocor rem mais fat os que os
previst os, a exce ssi vida de na formaçã o do supo rte fáctic o não
excl ui a incidência. O procedi ment o do aplicador, nesse caso,
dev e ser o de ver ifi car se o exc ess o pod e ser des pre zad o sem
que haj a, em deco rrê ncia, inf ração de regr a jur ídi ca. Se, por
exe mpl o, se pre ten da inc ide nte uma cer ta nor ma juríd ica ( a )
qu e te nh a po r su po rt e fá ct ic o ABC , mas os fa to s ver if ic ad os
são ABC DE e exi ste uma out ra reg ra juríd ica ( b ) que ten ha
es se s fa to s (A BCD E) co mo pr es su po st os de in ci dê nc ia , nã o se
pod erá aba ndo nar o exc ess o (DE ) par a apl ica r ( a ) , mas se te rá
de ap li ca r ( b ) , so b pe na de de sa te nd er à in ci dê nc ia .
Além disto, a própri a conf igur ação dos fat os pode pretender obter a incidência da norma num sentid o dif erente daqu ele
em que rea lme nte se deu . É o cas o, por exe mpl o, em que as
pessoas, naturalmen te visa ndo a evit ar à incidência de lei que
vede ou impo nha, coer cit ivamente, uma certa cond uta, empr egam mei os, ger alm ent e ard ilo sos , par a dar apa rên cia de leg iti (83) Na compra-e-venda, e R.
(84) No casamento, por exemplo.
83
mid ad e àq ui lo qu e é il egí ti mo. ( 85 ) Em si tu aç õe s co mo es ta s
o co mpl ex o do s fa to s ap re se nt ad os pr ec is a de se r de sn ud ad o
de tudo aquil o que for ardil , consi deran do-se nele inclu ído tudo
aq ui lo qu e ap ar en te men te nã o oc or re u.
4.3.2
Su po rt e fá ct ic o de fi ci en te
Po de oc or re r qu e o su po rt e fá ct ic o su fi ci en te men te fo rmado sej a defici ente (a) por lhe fal tar algu m element o compl eme nt ar ou (b ) po rq ue al gum de se us el eme nt os nu cl ea re s
sej a impe rfe ito . Enqu anto a sufici ênci a do supo rte fáctic o se
re fl et e ro pl an o da ex is tê nc ia — te nd o-se po r in ex is te nt e, o
fato jurí dico, quand o o supor te fácti co é insuf icien te — a sua
defici ênci a atua no plano da vali dade ou da efi cácia, quer dize r,
o fat o juríd ico exi ste , por ém inv áli do (nu lo ou anu láv el) ou
ineficaz.
A ques tão da efi ciência do supo rte fáctic o tem sua repercussão, apen as, no tra to de fat os jur ídi cos em que a vont ade
rel eva nte é ele men to cer ne do sup ort e fác tic o (at os juríd ico s).
Na val ora ção dos fat os da vid a par a tor ná-los obj eto de
norma jur ídi ca, o Direit o, em rel ação aos simp les even tos da
nat ure za ou dos ani mai s, con sid era ndo -os rel eva nte s, ape nas
lhe s atr ibu i cer tos efe ito s rel ati vame nte aos hom ens sem os
pro ibi r ou imp or, por que ist o lhe esc apa ao con tro le. No en ta nt o, se os fa to s sã o do ho mem (c on du ta ), os si st ema s ju rí di co s co br em "a lgun s co mo ved ad os , ou tro s co mo ved áve is
pe la co nc or dâ nc ia do s in te re ss ad os , e de ix a ou tr os à von ta de
(8 5) Caso si gn ifi cativo é o de fr aude à le i na ve nda de asc en den te a des cen den te, no Direi to Brasileiro. O art. 1.132 do Código Civil proíbe a ven da de
ascendente a descentente, sem o consentimen to dos demais descendentes,
en ten den do a dou tri na e a juri sp ru dên cia que a su a infr ação tem com o
fa nçao a nuli dade do ato, se iido de vi nte anos o pra zo de pre sc ri ção da
ação do descendente prejudicado para obter a decretação da nulidade. Algu ns as ce nd en te s, vi sa nd o bu rlar a lei. ao in vés de vend erem di reta ment e
ao des cen den te, ve ndiam a um ter cei ro o qual, em se gu ida, ef et uava a
ve nda ao des cen den te indicado. Ne ss es caso s a juri sp ru dên cia en ten dia
qu e ha vi a si mu la çã o — po rq ue os at os so ment e ap ar en ta va m tr an sf erir
dire itos — don de se re m apen as anulá ve is, se ndo de quatro anos o pra zo
de presc rição para a ação amüatória (Súmula do STF n.o 152). Davam-se,
ass im, à me sm a con duta, doi s tra tame ntos dist intos , em ra zã o do modo
co mo ela era tr az id a ao co nh ec im en to do ju iz , os qu ai s redu nd av am , ai nd a
em esp antosa incongruência jurídica: para a infração diret a e clara, sem
subterf úgios, da lei a penalidade era superior (nulidade e presc rição de 20
an os ) à in fr aç ão real iz ad a atr av és de ar di s e en ga no sa s at it ud es (a nu la bili dade e pre sc ri ção de 4 anos ), ben ef iciando-se a ili citude pre me ditada
e org anizada. Recentemente (em 1964) ess a ori entação foi modificada (Súmu la STF n ° 49 4) . pa ss an do am ba s as espé ci es a serem tr at ad as ig ual ment e (n ul id ad e e pr escr iç ão de vi nt e an os ), po r forç a de br il ha nt es tr a ba lh os do ut ri ná ri os (P on te s de Mi ra nd a, Trat ad o de Di reit o Pr iv ad o, Ho me ro Pr ates . At os Si mu la dos e At os em Fr aude da le i, den tre ou tro s) e
de advogados.
84
de cad a um" . ( 86 ) Por iss o é que ( a ) nem os fat os juríd ico s
st ri ct o se ns u (e m cu jo su po rt e fá ct ic o nã o há at o hu ma no ),
(b ) ne m os at os -fa to s ju rí di co s (e m qu e a vo nt ad e em pr ati ca r o at o ou nã o ex is te ou é ir re le van te ), (c ) ne m os fa to s
ilícitos em geral , estã o suje itos a inval idade s. Nessa s espéc ies,
apena s o resul tado fácti co é que import a, motivo porqu e cons tit uir ia um con tra -sen so, pel o con fli to com a pró pri a nat ure za
da s co is as e mes mo co m a re al id ad e, pr et en de r-se nu lo ou
an ul áve l um eve nt o oc or ri do no mun do .
Em re la çã o ao s at os ju rí di co s (l at o se ns u), po r en tr ar em
nas áreas de veda ções cri adas pelo Direit o, é que as normas
es ta be le ce m pr es su po st os pa ra qu e po ss am te r vida ef ic ie nt e
no mun do juríd ico . Há pre ssu pos tos de val ida de e há pre ssu po st os de ef icác ia , mas sã o to do s el eme nt os co mpl eme nt ar es
do supo rte íác tic o, de seu núcl eo, ou apen as de ele ment os seus.
Quan to aos element os comp leme ntares do núcl eo do ato
jurí dico, como a 87capac idade civil , a licitude e possi bilidade do
obj eto , a for ma ( ) e a con for maç ão com as nor mas cog ent es. a
sua ausênci a impl ica nulidade ou inefic ácia, como ocor re com a
fa lt a de po de r de di sp os iç ão do ag en te , em , al gu ns ca so s.
Se, por ém, os ele men tos com ple men tar es se ref ere m, não ao
núc leo em si, mas a ele men tos seu s — víc ios da von tad e, e. g.
— a con seq üên cia é a anu lab ili dad e.
A licitude do objeto do negócio jurídico está implícita como
dad o com ple men tar de tod o o ato juríd ico (la to sen su) . Se a
vont ade do agen te capa z se mani fes ta, mas o obj eto de sua
man ife sta ção é ilí cit o, o neg óci o juríd ico exi sti rá, por ém ser á
nulo, porqu e, embora o supor te fácti co se tenha compos to sufi cie ntement e, a comp leme ntação de seu núcl eo não se deu, dond e
a sua def ici ênc ia.
A ilegitimid ade daquele que dispõe (non domino, por exemplo), em certos casos, induz ineficácia do negócio89 jurídico, ( 88)
emb ora em out ras sit uaç ões imp liq ue nul ida de. ( )
A fal ta de recepçã o, pelo destin atário , da oferta , e. g., tem
co rn o re su lt ad o a in ef ic ác ia da man if es ta çã o da von ta de ne la
(86) Pon tes de Miranda, Comen tários à Constituição de 1967, com a Emenda Cons titucional n.o 1/69, I, 33.
(87) A forma, às vezes, é elemento nu clear do su po rt e fá ct ic o, do nd e cons ti tu ir -se
em pressuposto de suficiência, portanto, de existê ncia do fato jurídico,
não somen te de validade. No testamento, por exemplo.
(88) Vend a de be m im óvel.
(89) Tra dição de bem móvel. Pon tes de Miranda, Tra tado de Direi to Privado, III, 12.
85
contid a, porque a recepti vidade consti tui requis ito cuja atuação se dá no plano da eficácia, não da validade ou existência.
Já no negócio jurídi co em que um dos figuran tes tenha
sido coagido a manifestar sua vontade, mesmo que a vontade
exteriorizada seja suficiente a compor o suporte fáctico, a coação
é circunstância que a torna deficiente e, portanto, anulável o
negócio.
Como se vê, a deficiência dos elementos do suporte fáctico não impede a incidência da qual surge o fato jurídico, mas
repercute sobre a sua sorte nos planos da validade e da eficácia.
5.
As cons eqüê ncia s da inci dênc ia
A incidência da norma jurídica, em razão da natureza de
suas disposições, pode ter efeitos diferentes da pura juridicização, quer dizer, a norma jurídica pode incidir para produzir
outras conseqüências que não transformar em fato jurídico a
parte relevante do seu suporte fáctico. Na análise das espécies,
se chega à evidência de que a norma jurídica pode incidir para
(a) juridicizar, (b) desjuridiciz ar, (c) pré-excluir a juridiciza ção, (d) invalidar, (e) deseficacizar.
Examinemos as espécies
5.1
Juri dici zaçã o
Via de regra, da incidência da norma jurídica resulta o
nascimento de um fato jurídico, porque, segundo antes ficou
esclarecido, a incidência produz a juridicização do suporte fáctico, ou de part e dele .
A norma jurídi ca, essa a sua princi pal função, atua no
mundo como elemento formador do jurídico. O mundo jurídico
é conseqüência exclusiva da incidência, porque somente através dela se formam os fatos jurídicos que, por sua vez, exclusivamente também, constituem o mundo do direito. Por isso,
em geral , a norm a jurí dica é conc ebid a como jurí gena, ou
seja, é expressada em termos de tornar jurídicos os fatos por
ela previstos.
Não importa que sejam cogentes, ou não-cogentes, conforme vimos, apenas que sejam concebi das de modo a atribu ir
aos fatos conseqüência no plano do direito.
86
5.2 Desjuridicização
Há normas jurídicas, no entanto, cuja incidência tem a
conseqüência de retirar do mundo jurídico, trazendo-o de volta
ao mundo dos fatos, fato que nele se encontrava (= fato jurídico). Essas normas ao invés de juridicizar, desjuridicizam,
porq ue elim inam a juri dicid ade que outr a norm a já atri buiu
ao fato.
Este é o caso, por exemplo, do art. 1.151 do Código Civil,
segundo o qual o negócio jurídico da doação é revogável se
houve ingrati dão do donatá rio. A revogaç ão retira a vox que
há no suporte fáctico, como elemento essencial do negócio
jurídico e tem o efeito de excluir do mundo jurídico os negócios jurí dico s (= fato jurí dico lato sens u) por ela atin gido s
que lá se encontravam. As normas jurídicas sobre revogação
são todas normas de caráter desjuridicizante, porque a sua
incidência tem por conseqüência, exatamente, o desfazimento
da juridicidade.
O que caracteriza as normas desjuridicizantes é, precisamente, a circunstância de que a sua incidência atinge o fato
jurídico em sua própria existência, e não apenas em sua validade e eficácia. Pela incidência da norma desjuridicizante o fato
que era jurídi co é excluí do do mundo do direit o, retorn ando
ao mundo fáctico , desves tido de toda a sua juridi cidade .
5.3 Pré-exclusão de juridicidade (90 )
Há, ainda, normas jurídicas estruturadas com a finalidade
de evitar que certo fato ou conjunto de fatos venha a se tornar
jurídico.
A essa categoria, que denominamos pré-excludentes de juridicização, pertencem normas como as do art. 160 do Código
Civil, segundo as quais o dano causado a alguém não configura
ilícito, conforme previsto no art. 159 do Código Civil, quando
resultar de ato praticado em legítima defesa, no exercício de
um direit o ou para remove r perigo iminen te.
(9 0) PO NT ES DE MIR AN DA (T ra tado de Di re ito Pr iva do. I, 28 e 75) den om ina
tais normas de pré-juridící zantes, embora empregue as expressões regras pré ex clu den tes (o b. cit. III. 57) e pré-ex clu sâ o de con tra ri ed ade a di rei to
(ob . cit. II. 271) e ALFREDO AUGUSTO BECKE B (Teori a Geral do Di re ito
Tr ibutári o. n.° 83, de não jurl diciza ntes . Pr ef er imo s, en tre tanto, a
exp res são pré-exc ludentes de! juridicização pois que. parec e -nos, diz me
lhor dos ef ei tos de sua inc dên cia. uma vez que a sua principal tunçao
é a de excluir, previamente, a formação de fato Jurídico, de^ fclc.ndo
o se u su por te íáctico.
87
A in ci dê nc ia do ar t. 16 0, I e II, do Có di go Ci vi l se dá ,
não para produzi r um fat o jur ídico, mas para impe dir , previa ment e, a entrada como ilí cit o, no mund o jur ídi co, do ato dano so.
contu do, alcan çá-lo em sua exist ência ou valid ade. As normas
jurí dicas desta espéc ie atuam soment e no plano da eficá cia,
pressupond o, portanto, a existência e a vali dade , ou pelo meno s
a anul abilid ade do ato jur ídi co.
Também são normas jurí dicas pré-exclu dente s aquel as, cogent es, que veda m a entrada no mund o jur ídi co de atos, inclusiv e neg oci ais , que as inf rin jam. Os neg ócio s pro ibi dos , (9 1 )
por exempl o, se prati cados , não entra m no mundo jurí dico, nem
mesmo como negó cios jur ídi cos nulos; simp les ment e não existem como negóci o jurí dico. Pode ser, até, que entre m no mundo
juríd ico com o ato ilí cit o — se, por exe mpl o, ati nge m esí era
jur ídi ca de ter ceiro — mas não entrar ão como negó cio jur ídi co.
A cadu cidade e a prescrição, por exem plo, tip ifi cam casos
de des efi cac iza ção . O fat o juríd ico ati ngi do pel a cad uci dad e
pe rd e os ef ei to s qu e já pr od uzi u; os ef ei to s qu e era m, deix am
de ser . Na pre scr içã o, do mes mo mod o, dif ere nci and o-se ape na s pe la am pl it ud e do se u al ca nc e qu e é be m me no r do qu e
na caduc idade .
Elimina-se, assim, a jur idi cidade do fat o, pré-excl uindo-se
a su a en tr ad a no mu nd o ju rí di co .
No caso de norma pré -excl uden te de jur idi ciza ção, o supo rte fác tic o de det erm ina da nor ma ju ríd ica pas sa a ser con sid erado insufi ciente se ocor rem as cir cuns tâncias nela (norma préexcl uden te de jur idi ciza ção) previst as.
5. 4
In va li da çã o
As normas jur ídi cas coge ntes pode m ter , quan do infringi
das, a conse qüênc ia de torna r não -válid os os atos jurídico s, declara ndo-os nulos ou anulá veis. As primei ras poder íamos deno mi na r no rm as ju rí di ca s nu li fi ca nt es e as ou tr as an ul an te s.
Essas normrs jurí dicas não exclu em, nem ating em, a existênci a do fato jurí dico em si, mas alcan çam a sua valid ade, tor nan do def ici ent e o seu sup ort e fác tic o; que r diz er, o fat o jurídico não tem a sua jur idi cidade pré -excl uída — portanto, entra
92
no mun do ju rí di co — ne m ta mpo uc o é de sj ur id
ic izad o. ( )
93
O ato juríd ico exi ste , por ém, nul o ou anu láv el. ( )
5. 5
De se fi ca ci zaç ão
Fina lmen te, há normas jur ídi cas cuj a incidência desfaz a
efi cácia que o fat o jur ídi co já produzi u no mund o jur ídi co, sem,
(91) Em pr eita da pa ra ma ta r algu ém, e. g.
(92) É bo m pr ecis ar qu e a desJ ur id ic izaç ão do at o nu lo e do at o an ul ável decorre
de su a des con st itulç ao em vi rt ude de se nten ça Ju dicial con st itutiva ne ga tiva ou me sm o por ato ex tra judicial em que os ílg ura ntes re con heç am
o seu de feit o ln va li da nt e.
(93) Vide distinção entre ser e valer adiante, no capitulo referente aos planos
de mu nd o Ju rí di co .
89
CAPÍTULO V
Os Planosdo MundoJurídico
1
Generalidades
É co mu m, nos li vr os de Di re it o, me sm o de au to re s de
maio r expr essão, o empr ego dos vocá bulos existê ncia, vali dade
e eficá cia dos fatos jurí dicos , como se
tives sem a mesma cono taç ão, até mesmo como sinônimos. ( 94)
Na análi se das vicis situd es por que podem passa r os fatos
juríd ico s, no ent ant o, é pos sív el enc ont rar sit uaç ões em que o
ato jur ídi co (negóci o jur ídi co e ato jur ídi co str ict o sensu) ( a )
existe , é váli do e é efi caz (casame nto de home m e mulh er capa zes, sem impedi mentos dirimentes , reali zado peran te autor idade
com pet ent e), (b) exi ste , é vál ido e é ine fic az (te sta men to de
pes soa cap az, fei to com obs erv ânc ia das for mal
ida des leg ais ,
ant es da oco rrê nci a da mor te do tes tad or) , ( 95 ) (c) exi ste , é
invá lid o e é efi caz (casame nto putati vo, negó cio jur ídi co anul ável, antes da decr etação da anul abilid ade) , (d) existe , é invá lid o
e é inefic az (doação fei ta, pessoalmen te, por pessoas absoluta men te in ca pa z), ou , qu an do se tr at a de fa to ju rí di co st ri ct o
se ns u, at o-fa to ju rí di co , ou fa to il íc it o la to se ns u, (e ) ex is te e
é efica z (nasc imento com vida, a pintu ra de um quadr o, o dano
ca us ad o a be m al he io ) ou , ex ce pc io na lme nt e, (f ) ex is te e é
in ef ic az ( 96 ) po rq ue a val id ad e é qu es tã o qu e di z re sp ei to ,
ap en as , ao s at os ju rí di co s lí ci to s.
Nas combin ações que podem ser efetu adas — e as acima
menc ionadas esgo tam as espécies poss ívei s — vari am os dado s
(9 4) Sã o de Ca io Má ri o da Si lva Pereir a (In st it ui çõ es de Di reit o Ci vi l, I, 54 4, no ta
1) as segu in te s pa la vras : — "E mp rega mo s os vocá bu los in efic az e in efic á cia com sen tido gen éri co, res ervando as palavra s utilidade e nulo, anulabilidade e anulável, inexi stência e inexi stente para a designação de tipos
es pec ífi cos de ineí icácia. A nos so ve r, inef icácia é gê ner o, de que sã o
espécies a nulidade, a anulabilidade e a ineficácia",
Í 95 > Qu an do menc io na mo s a in efic ác ia do fa to ju rí di co no s esta mo s referi nd o à
in efic ác ia qu an to ao s seus efei to s pr óp ri os e co mp leto s, po rq ue , segu nd o
nos parec e, não ex iste uma inef icácia total. Vide adiante, no capítulo
XII, a análise da situação jurídica.
(9 6) Ge ra lm en te, a le i não con tém a ef icácia dos fa tos jurí dicos em que a vo n ta de nã o en tr a co mo elemen to releva nt e do - su po rt e fá ct ic o e do s il íc it os .
Na da im pe de , po rém, qu e esta be leça a su a su st aç ão . A in efic ác ia de ss es
fatos Jurídicos, todavia, somen te ocorr e em virtude de exp res sa disposição
legal, portan to, excepcionalmente.
93
rel ati vos à vali dade e à efi cácia, mas o element o existê ncia
perman ece sempre invar iável . De tudo isso se podem tirar duas
conclusõe s: — ( a ) que existência, validade e eficácia são três
sit uaçõ es distin tas por que pode m passar os fat os jur ídi cos e,
por tan to, não é pos sív el tra tá -las com o se fos sem igu ais ; (b)
que o elemen to exist ência é a base de que depen dem os outro s
elementos.
Essa s conc lusões demo nstram a extrema propri edad e e
ut il id ad e da pr op os ta de Po nt es de Mi ra nd a de co ns id er ar -se
o mundo jurí dico dividido em três plano s, o da exist ência , o da
vali dade e o da efi cácia, nos quai s se desenvo lver ia a vida dos
fat os jur ídi cos em todos os seus aspect os e muta ções . Expl icamos,
2.
Pl an o da ex is tê nc ia
Ao sof rer a inc idê nci a de nor ma juríd ica jurid ici zan te, a
parte rel evan te do supo rte fáctic o é tra nspo rta da para o mund o
juríd ico , ing res san do no pla no da exi stê nci a. Nes te pla no, que
é o pla no do ser , ent ram tod os os fat os juríd ico s, líc ito s ou
ilícitos. No plano da exist ência não se cogit a de inval idade ou
efi cácia do fat o jur ídi co, impo rta , apen as, a realid ade da existência . Tu do, aq ui , fi ca ci rc unsc ri to a se sa be r se o su port e
fácti co sufic iente se compôs , dando ensej o à incid ência . Natu ral ment e, se há fal ta, no supo rte fáctic o, de element o nucl ear,
mes mo co mpl eme nt ar do nú cl eo , o fa to nã o te m en tr ad a no
pl an o da ex is tên ci a, do nd e nã o ha ver fa to ju rí di co .
O casamen to realiza do perante quem não tenha autori dade
par a cas ar, um del ega do de pol íci a, por exe mpl o, não con fi gura fat o jur ídi co e, simp lesment e, não existe. Não se há de
discu tir, assim, se é nulo ou inefi caz, nem se preci sa de ser
descons
tit uído jud ici alme nte, como costuma m faze r os fra nce ses ( 97 ) por que a ine xis tên cia é o não -ser que , por tan to, não
pode ser qual ifi cado .
A exi stê nci a do fat o juríd ico con sti tui , poi s, pre mis sa de
que dec orr em tod as as dem ais sit uaçõ es que pod em aco nte cer
no mun do juríd ico .
3.
Pl an o da va li da de
Se o fato jurí dico exist e e é daque les em que a vontade human a co ns ti tu i el eme nt o nu cl ea r do su po rt e fá ct ic o (a to ju rí (97) Vide Mazeaud. Henrl, Léon et Jean. Lecclones de Derecho Civil, l." Parte,
vol. I, pàg. 524.
94
dic o str ict o sen su e neg óci o juríd ico ) há de pas sar pel o pla no
da vali dade , onde o Direit o far á a tri agem entre o que é perfei to
(q ue nã o te m qu al qu er víci o in val id an te ) e o qu e es tá ei vad o
de defeit o inva lid ante.
Inic ial ment e, é precis o destacar o que antes já foi ref eri do
de pa ss ag em — os fa to s ju rí di co s lí ci to s em qu e a vo nt ad e
nã o ap ar ec e co mo da do do su po rt e fá ct ic o (f at os ju rí di co s
str ict o sen su e ato -fat o jurídic o), com o os fat os ilí cit os lat o
se ns u (i nc lu si ve o at o il íc it o) , nã o es tã o su je it os a tr an si ta r
pelo plano da valid ade, uma vez que não podem ser nulos ou
anulá veis. A nulid ade ou a anula bilidade — que são graus da
inval idade — se prend em à defic iênci a de elemen tos comple men tar es do sup ort e fác tic o rel
aci ona dos ao suj eit o, ao obj eto
ou à forma do ato jurí dico. ( 98) A inval idade , no entan to, pres supõ e como essenci al a sufici ênci a do supo rte fáctic o, portanto,
a ex is tê nc ia do fa to ju rí di co .
A falta de capacid ade civil do manife stant e da vontade ne goci ai, por exem plo, tor na defici ente o supo rte fáctic o, caus ando
a inva lid ade do ato jur ídi co. A fal ta de persona lid ade (= capa cidade de dir eit o), dif erentement e, faz insufi ciente o supo rte
fácti co, porqu e somente pode manife star vontade negoci ai quem
tenha capacidade jur ídi ca, ou melh or, sej a pessoa. No caso da
fal ta de persona lid ade a vont ade mani fes tada é nenh uma para
co mpo r su po rt e fá ct ic o ne goc ia i. Se , ao co nt rá ri o, nã o ho uve
a pa rt ic ip aç ão do re pr es en ta nt e do ab so lu ta men te in ca pa z, ou
o as se nt ime nt o ao re la ti vam en te in ca pa z, a su a man if es ta çã o
de von tad e exi ste , ape nas def ici ent eme nte ; o neg óci o juríd ico
é, porém, invá lid o.
Nos fat os jur ídi cos em que a vont ade não é element o do
supo rte fáctic o e nos fat os ilí cit os não há como pretender -se
poss am ser invá lid os. Quan to aos fat os jur ídi cos str ict o sensu,
que res ult am da jurid ici zaç ão de fat os da nat ure za ou do animal, e aos atos-fat os, que são realid ades fís icas deco rre ntes da
ação humana , até involuntár ia, seria ilógi co consi derá -los defi cientes e puni dos com a inva lid ade pelo Direit o. Um nascime n(9 8) Nu nca é dem ais re pet ir que há pre ss upos tos su bjet ivo s e con cer nen tes ao
ob jet o e à fo rm a do ato jurí dico que sa o com ple tantes do su por te fá ctico
e, po r is so mesm o, di zem resp ei to à su fi ci ên ci a do su po rt e fá ct ic o, po r tanto à ex istên cia mes ma do fato jurídico (Ex. per sonalidade, llcitude
do ob je to , a fo rm a no te st am en to ). Da mesm a ma ne ir a há pr es su po st os
subjetivos e concern entes ao objeto e à forma qu e, por serem apenas
com ple me ntare s, atuam quanto à ef iciên cia do su por te fá ctico, re fe ri ndo se, deste modo, apenas à validade ou efi cácia do ato jurídico. (Ex.
In capacidade neg oc iai, fa lt a de le gi tima ção para ali en ar, fo rm a públi ca
nos con tra tos de com pra e ve nda de imó ve is de pre ço su per ior a cer to
valor).
95
to nã o po de se r nu lo , co mo nã o po de se r nu la a se me ad ur a
qu e ger ou a pl an ta çã o. Aqui as re al id ad es fác ti ca s imp ed em
qu e se lh es ne gue val id ad e.
Nos fat os ilí cit os, a nulidade seria cont ra-senso porque
re su lt ar ia be ne fí ci o àq ue le qu e pr at ic ou o il íc it o.
No plano da vali dade é onde têm atuação as normas jur ídicas inva lid antes. A incidência delas se dá, na verd ade, quan do
o supo rte fáctic o ocor re, mas os seus ref lexos, as suas cons eqüê nci as, apa rec em som ent e nes se pla no.
4.
Plan o da efic ácia
O pla no da efi các ia é a par te do mun do juríd ico ond e os
fatos jurídicos produ zem os seus efeit os, crian do as situa ções
jur ídi cas, as rel açõe s jur ídi cas, com todo o seu cont eúdo efi cacial representado pelos dir eit os e deve res, pretensões e obriga çõe s, açõ es e exc eçõ es, ou os ext ing uin do.
O plano da eficá cia, como o da valida de, press upõe a passagem do fato jurídico pelo plano da existência, não, todavia,
essen cialmente, pelo plano da valid ade. Por isso, o que se passa
para que o fat o jur ídi co tenha acesso ao plano da efi cácia pode
ser ass im des cri to:
(a) — qua nto aos fat os juríd ico s str ict o sen su, ato s-fat os
ju rí di co s, e fa to s il íc it os la to se ns u, sa lvo le x sp ec ia li s, ba st a
qu e ex is ta m. Quer is to di zer qu e es sa s es pé ci es de fa to ju rí
di co do pl an o da ex is tê nc ia in gre ss am, di re ta men te , no pl an o
da ef ic áci a e ir ra di am, in st an ta ne ame nt e, a su a ef ic ác ia . Nã o
est ão, nem pode m est ar, suj eit os a ter mos, cond ições, ou quai s
qu er ou tr as de te rmi na çõ es qu e at ue m na su a ef ic ác ia .
(b) — qu an to ao s at os ju rí di co s st ri ct o se ns u e ne góc io s
ju rí di co s há qu e di st in guir tr ês si tu aç õe s: b . a ) os at os ju rí
di co s vál id os tê m en tr ad a ime di at a no pl an o da ef ic ác ia , mes
mo en qu an to pe nd en te s te rmo s ou co nd iç õe s su sp en si vos .
É pr ec is o re ss al va r, po ré m, qu e há hi pó te se s em qu e o
ato jurídico, mesmo válido, é ineficaz, ( b . a . a) A venda de bem
imó vel fei ta por non dom ino não pro duz qua lqu er efe ito qua nto
ao verd adei ro dono ; a fal ta de legi tima ção acarre ta a inefi cá ci a
em re la çã o ao do no (d aí di zer -se re la ti va a in ef ic ác ia ), nã o a
nu li da de do at o ju rí di co . (" ) A qu es tã o, aq ui , di z re s(9 9) A pó s -efic ac iz aç ão pr evis ta pe lo ar t. 62 2 do C. Ci vi l e o de ver de in de ni za r
(i lí ci to rela ti vo) do vend ed or no n do mino ao co mp ra do r evid en ci am tr atar-se de inef icácia e nao de nuli dade. Se o neg óc io tos se nulo nâo ha veria possibilidade de tornar -se perfeito e eficaz posteriormente.
96
peito à defic iênci a do supor te fácti co relat ivamente aos press upost os de efi cácia como é, nesse caso, a fal ta de pode r de dis posi ção, ( b . a . b ) Há sit uações em que o fat o jur íd ico depe nde
da ocor rência de um outro fat o para que irr adie os seus efeito s.
O tes tame nto, por exem plo, depe nde da mort e do tes tador para
qu e pr od uza su a ef ic ác ia . A mor te nã o é el eme nt o do nú cl eo
do sup ort e fác tic o do tes tam ent o, por que ele exi ste com o ne góc io ju rí di co in de pe nd en te men te de la , mas se co ns ti tu i em
da do in te gra ti vo de su a ef ic ác ia . Ne ss as si tu aç õe s o at o ju rí di co ex is te , é vál id o, po ré m, in ef ic az;
( b . b ) — os ato s anul ávei s ent ram, de logo , no pla no da
efi cácia e irr adiam seus eleito s, mas int eri name nte, pois pode rão ser desco nstit uídos caso sobre venha, a decre tação da sua
anul abilid ade. Os efeito s dos atos anul ávei s (int eri míst icos, como os cha ma Pon tes de Mir and a) se pod em tor nar def ini tiv os
pel a san açã o da anu lab ili dad e, inc lus ive pel a pre scr içã o da
pre ten são anu lat óna ;
( b . c ) — os atos nulos , de regra , não produ zem sua plena
efi các ia. Pre cis ame nte por coi nci dir em, qua se sem pre , o nul o e
o inefi caz é que se costu mam confu ndir as duas espéc ies. Acontec e, no entanto, que há casos, embor a pouc os, em que o ato
ju rí di co nu lo pr od uz ef ei to s ju rí di co s (o ca sa men to pu ta ti vo,
por exem plo), dond e a nece ssi dade de se distin guir o nulo do
ineficaz.
É neces sário salie ntar, diant e disto , que as quest ões de nulid ade e efi các ia dos fat os jurí dic os não pod em ser res olv ida s
pel a apl ica ção de cri tér ios apr ior íst ico s, por que , na ver dad e,
tudo depen de do traça mento jurí dico estab eleci do pelo sistema.
En qu an to , po r ex emp lo , o Di re it o fr an cê s ad ot ou co mo ca us a
de an ul ab il id ad e a le sã o en or me, o Di re i to Pá tr io nã o o fe z.
O im pe di me nt o de o as ce nd en te ve nd er ao de sc en de nt e se m
o conse ntimento dos demais desce ndent es é causa de nulid ade,
apenas, no Direit o Bras ile iro . Dess art e, parece ser impr escindível que diant e de probl emas de valid ade e eficá cia se tenha m
pre sen tes os pri ncí pio s que nor tea ram o sis tem a juríd ico a que
se ref erem para que as soluçõe s sej am alc ança das com a maio r
dos e de coe rên cia e ver aci dad e pos sív eis .
Mu it as vez es , no en ta nt o, po de oc or re r qu e o at o ju rí di co
é nul o sem efi cácia , ou ape nas ine fic az {st ric to sen su) , mas
apes ar disto sej am irr adiados efeito s, não os própri os do ato
jurí dico, porém outro s, em virtu de de dado inval idant e ou ine fi ca ci zan te . É o ca so , po r ex emp lo , de al gué m qu e ef et ua a
ven da de um mes mo imó vel du as vez es a pe ss oa s di fe re nt es .
97
Um do s co nt ra to s nã o po de rá te r a su a ef ic ác ia pr óp ri a de
per mit ir a tra nsc riç ão da pro pri eda de, tod avi a ao com pra dor
lesad o caber á o direi to à inden izaçã o. A const ataçã o de espéc ies
ta is te m in du zido a co nc lu sõ es qu e af ir mam nã o ha ver at o
jurí dico total mente inefi caz; o ato jurí dico não produ ziria seus
efeit os espec íficos, própr ios, entre tanto , irradiari a outro s, indi re ta men te . Ta is af ir mat ivas , no en ta nt o, le vam , mui ta s vez es ,
à sé ri a co nf us ão re la ti va me nt e à fo nt e da ef ic ác ia ju rí di ca .
O dever de indenizar, como referido no exemplo, não é eficácia
pró pri a do con tra to de com pra -e-ven da, mas sim do ato ilí cit o
de ven der o que já ven dera a out rem . Ess e ato ilí cit o, ent re tanto, existe em razã o da sit uaçã o jur ídi ca nascida da com pra-evend a, dond e ser ele rel ati vo, e não absoluto. O cont rat o nã o
pr od uzi rá su a ef ic ác ia pr óp ri a e pl en a, mas en tr ar á no pla no
da efi cácia para produzi r sua efi cácia míni ma: — a situação
jur ídi ca básica. Acre scente -se a tudo ist o a poss ibi lid ade de
conver são do negóci o jurí dico, com a qual se obtém a efi cac iza ção ple na do neg óci o juríd ico nul o ou anu láv el.
5.
assim ambigüidades e equívocos. O que não é possível, absolutam ent e, é inc lui r-se no âmb ito 100
da ine fic áci a ou da inv ali dad e
os chamados atos inexistentes, ( ) porque constitui uma contra diç ão fal ar-se de ato (po rta nto , de dad o da rea lid ade emp íric a) ine xis ten te (qu e sig nif ica não -ser ). Tam bém não tem razão quem rel aciona a nulidade e a inefic ácia à inexistênci a, fa zen do af ir mat ivas co mo as de qu
e o at o nu lo e o at o in ef ic az
são juridicamente inexiste ntes, (101 ) ou dizendo que atos inexis ten tes , nul
os e anu láv eis são cat ego ria s de ine fic áci a do ato
102
jurídico. ( )
Ser, vale r e ser efi caz são sit uações distin tas , com con seqüê ncias espec íficas e incon fundí veis cada uma, e assim preci sa m de se r tr at ad as .
Observ ações finai s
Tud o iss o pod emo s res umi r ass im:
a) — no pl an o da ex is tê nc ia en tr am to dos os fa to s ju rí dicos, líc ito s ou ilí cit os, váli dos, anul ávei s ou nulos
(o ato jurí dico lato sensu nulo ou anula vel é, exist e,
apen as defeit uosa ment e) e inefic azes ;
b) — pelo pl an o da val id ad e so men te tê m pa ss age m os
atos jur ídi cos str ict o sensu e os negó cios jur ídi cos,
por serem os único s suje itos à aprec iação da valid ade;
c) — no plano da eficá cia são admiti dos e podem produ zir
efeito s todos os fat os jur ídi cos lat o sensu, inclusive
os anulá veis e os ilícitos; os nulos , quand o a lei,
exp res sam ent e, lhe s atr ibu i alg um efe ito .
Como se vê, o tra tame nto indist int o dessas sit uaçõ es so ment e pode cond uzir a equí voco s. É evid ente que se pode fal ar
de uma in ef ic ác ia em sen ti do amp lo , qu e ab ra nj a to da s as
sit uaçõ es em que o fat o jur ídi co não produza efeito , inclusive
duran te a pendê ncia de condi ções e termos suspe nsivos. Nesse
senti do estar iam compre endid as a nulid ade (salv o quand o a lei
atr ibui algu m efeito ao ato jur ídi co) e a inefic ácia em sentid o
est rit o. Mas , aqu i, a boa ciê nci a imp õe a nec ess ida de de se
pr ec is ar o se nt id o em qu e o te rmo é emp re gad o, evi ta nd o-se
98
(100) Como o faz Mazeaud (op. e loc. cits., pág. 518) quando diz "La nulldad
es un a sa nc lón qu e al ca nç a a un ac to no co nf orme co n los requ is it os de
validez (de forma o de fundo) impuestos por Ia regia de derecho. El
acto. com o con tra ri o a Ia le y. se con si der a en ton ces que no ha ten ld o
jamás ex istên cia, y Ia s partes son res tablec idas, en toda Ia med ida de
Io possíble, en ei est ado anterior a ess e acto."
(101) Como afirma, também, Jefferson Daibert, Introdução ao Direito Civil 376
citand o R. Limongi França.
(102) Como o faz Vandick Londres da Nóbrega , Compêndio de Dreito Civil, I, 407.
99
II PARTE
DoFato Jurídicoao Plano
daExistência
TITULO I
Conceitoe Classificação
dos Fatos Jurídicos
CapítuloIV
Conceitode Fato Jurídico
1.
A conc epçã o trad icio nal de falo jurí dico
O Direito Romano não conheceu, em plano doutrinário, a
teoria do fato jurídico. Aliás, nem de fato jurídico, especificamente, cuidaram os jurisconsul tos romanos, por isso que não
há uma expressão latina própria para mencionar a espécie. Em
seu pluralismo empírico, os romanos usavam expressões diversas, como actus, actum, causa, gestum, negotium, factu, entre outras com sentido mais específico, como contractum, pactum, stipulatio, para se referirem às circunstâncias que iníluíam
nas situações jurídicas.
Parece ter sido Savigny quem primeiro empregou a expressão fato jurídico (juristische Tatsache), definindo-o:
"Chamo fatos jurídicos os acontecimentos
em virtude dos quais as103relações de direito
nascem e terminam". ( )
A definição de Savigny, naturalmente, sofreu a crítica da
doutrina pela razão de se haver limitado a referir o nascimento
e a extinção das relações jurídicas, sem mencionar as transformações por que elas passam e outros efeitos que se verificam, também , em virtud e dos fatos jurídi cos.
Muitas outras definições têm sido propostas no sentido de
corrigir as palavras de Savigny, na sua grande maioria, principalmente entre os juristas de língua latina, adotando esse critério de mencionar a eficácia que pode decorrer do fato jurídico.
Assim, apenas como exemplo, a de Santoro Passarelli: (104)
"São fatos jurídicos os que produzem um evento
jurídico que pode consistir, em particular, na constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, ou, também, na substituiçã o duma relação nova
a uma relação preexistente, e, ainda, na qualificação
duma pess oa, duma cois a ou de um fato ."
'103) Sistema dei Derecho Romano Actual. II, 142.
(104) Teoria Geral do Direi to Civil, 79.
105
Es sa s de fi ni çõ es , co mo se vê, re ss al ta m a fu nç ão qu e o
fat o jur ídi co tem no mund o do dir eit o, qual sej a a de produzi r
efeito s jur ídi cos, por iss o que as pode ría mos deno mina r definições funcionai s. Mas, conforme tivemos ocasião de aludir e
demons trar, a eficá cia jurí dica não é elemen to essen cial do fato
jur ídi co, tanto assim que há fat os jur ídi cos que existe m, vali dament e, e deixa m de exist ir sem haver produ zido seus efeit os
juríd ico s esp ecí fic os, com o aco nte ce com o tes tam ent o rev ogado pelo própr io testa dor, e. g. É verdade indis cutív el que a
fi na li da de pr ec íp ua do fa to ju rí di co re si de na pr od uç ão de
efeito s jur ídi cos, porque seria até sem sentid o, mesmo iló gico ,
que se imaginassem fat os jur ídi cos sem qual quer uti lid ade para
a rea lid ade da vid a hum ana no pla no de sua s rel açõ es int er pes soa is e que con sti tuí sse m mer as ent ida des for mai s, pur amen te abs tra tas .
Ma s, a co ns ta ta çã o de ss a ver da de nã o po de el imi na r a
ou tr a de qu e há fa to qu e, emb or a co nc eb id o pa ra ger ar ef ei tos jur ídi cos, em certas cir cuns tâncias pode m não gerá -los, sem
que se descaracteri zem, todavia .
A lógi ca tra dicional, suge re que uma defini ção deve cont er
a indicação do genu s prox imum e da dif ferentia specij ica, em
razã o do que aqui lo que se define se tor na espécie individ ualiza da e distin ta das dema is. Espe cialmen te na menç ão à dif jc rentia specij ica é que se precis a ter o cuidado de indicar elementos que seja m defin itivo s, própr ios e indis pen sávei s de sua
es tr ut ur a, e nã o co nt in ge nt es . Um a at it ud e ci en tí fi ca há qu e
se fi xa r na re fe rê nc ia a da do s qu e sã o es se nc ia is e qu e po r
si só bastem à caracteri zaçã o do defini to. Ora, se quisermos
pre cis ar a diff ere nti a spe cij ica do fat o jurí dic o alu din do também a element o essenci al, não o pode remo s faze r, parece evi dent e, atr avés da efi cácia jur ídi ca, por duas razõ es sign ifi cativas: — a) a efi cácia não lhe é essenci al e b) sendo a efi cácia
re su lt ad o do fa to ju rí di co , nã o é co nve ni en te de fi ni r a ca us a
pela conse qüênc ia, porqu e quand o tiver mos de defin ir a conseqüê ncia teremos de nos repor tar à causa e, assim, estar á estabelecido um ciclo vici oso.
2.
Aut ore s mai s mod ern os, com tra bal hos rea liz ado s, já vi gente o BGB, troux eram contr ibuiç ões
relev antes ao aperf eiçoa ment o do conc eit o de fat o jur ídi co. ( 106)
Deve -se, porém, a Pont es de Miranda , a melh or conc eitua ção do fato jurí dico, porqu e, anali sando os seus elemen tos es tru tur ais essenci ais , lix ou-lhe o cont orno de modo precis o e
defin itivo . Essas suas palavras resume m muito bem o seu pen sam ent o: —
"J á vimos qu e o fa t o ju rí di co é o qu e fi ca do
supo rte fáctic o sufici ente, quan do a regr a jur ídi ca incide e porqu e incid e. Tal preci são é indis pensá vel ao
conc eit o de fat o jur ídi co. Vimo s, tamb ém, que no supor te fác tic o se con tém , por vez es, fat o juríd ico , ou
ain da se con têm fat os juríd ico s. Fat o jur ídi co é, poi s,
o fa to ou co mpl ex o de fa to s so br e o qu al in ci di u a
reg ra juríd ica ; por tan to, o fat o de que dim ana , ago ra,
ou mais tarde , talve z condi ciona lmente , ou talve z não
di man e, ef ic ác ia ju rí di ca . Nã o imp or ta se é si ngu la r,
ou comple
xo, desde que, conce ptual mente, tenha unidade." (107)
A Con cep ção de Pon tes de Mir and a
A doutr ina germânica, elabo rada inici alment e pelos Pandec tis tas , ide nti fic ou os ele men tos ess enc iai s da est rut ura do
fat o jur ídi co, sem cont udo se despregar, int eir amen te, da menção aos efeitos jurídic os, quando procuraram defini -los. A con ceituação de Windscheid representa muit o bem essa ori entação.
106
"Um dire ito nas ce, se ext ing ue e se mod ifi ca —
ist o sign ifi ca: se conc ret iza aque le fat o cuj o ordena men to juríd ico con ect a o ser , não ser , o ser div ers amente do direi to. Desse fato se diz que gera, supri me,
mo di fi ca o di re it o; o qu e ve rd ad ei ra me nt e op er a é
a pr onúnci
a do or denamen to ju rí di co li gad a a es se
fato". (105)
(105) Diritto delle Pandette, I, 253. Veja-se também Dernburg. Pandette I 1»
230.
' '
(106) Podemos citar, entre tantos outros, já referidos no texto, von Tuhr Oertmann, Lehmann. Enneccerus, Kipp. Wolff, Thon, nas obras que estão
registradas na bib liografia.
(107) Tratado de Direito Privado I 77
107
CAPÍTULO VII
A Classificaçãodo Fato Jurídico
I — À pr oc ur a de um cr i t ér i o
A do ut ri na te m pr oc ur ad o el ab or ar uma ta xi on omi a do s
fa to s ju rí di co s us an do cr it ér io s os mai s di ver so s.
(a) Class ificação segun do os efeit os
Muitos distin guem as vári as espécies de fat o jur ídi co tomand o por fundame nto os efeito s que pode m produzi r. De acordo com essa ori entação, cons iderando que os íat os jur ídi cos
const ituem, modifi cam ou extin guem relaç ões jurí dicas , os fatos
são classi fic ados em cons tit uti vos, modi fic ati vos ou extint ivos .
(b) Class ificação segun do a natur eza dos fatos
Outr os, diferentement e, procuram estabelecer a classi fic ação menc ionando dado s fáctic os enco ntr ávei s na sua conf igu raç ã o. Ass im, por exe mpl o, Orl and o Gom es que ens ina :
"os fat os jur ídi cos agru pam -se em duas gran des categor ias :
a) aco nte cim ent os nat ura is
b) ações humana s.
No primei ro grupo compre endem -se: —a) aco nte cim ent os nat ura is ord iná rio s
b) acon tecimen tos naturais extraordinários
No seg und o gru po enq uad ram -se: —
a) açõ es hum ana s de efe ito s juríd ico s vol unt ári os
jur ídi cos lat o sensu;
b) açõe s huma
nas de efeitos jur ídicos invo luntários
108
ilícitos." ( )
atos
atos
(108) Int rod ução ao Direi to Civil, 226/7. Ê preciso destacar que o próprio Orl ando
Gomes ad ot a a cl as si fi ca çã o do s fa to s ju rí di co s segu nd o a do ut ri na ger mânica cm sua obra Transformações Gerais do Direito das Obrigações.
111
( c ) Crí tic a a ess es cri tér ios
Tais critérios são, porém, passí veis de críticas que demonstr am a su a in co ns is tê nc ia ci en tí fi ca . Se nã o vej amo s.
(a) A te nt at iva de cl as si fi ca r os fa to s ju rí di co s se gun do
os se us ef ei to s en fr en ta ob st ác ul os in co nt es tá vei s, qu an do se
co ns ta ta qu e: — a. a) é ci en ti fi ca men te co nd en áve l a id en ti fi
ca çã o do se r pe la s su as co ns eq üê nc ia s, po is qu e es ta s lh e sã o
po st er io re s e de pe nd en te s; a. b) a gam a de ef ei to s ju rí di co s
id en tif ic áve is pe la do ut ri na nã o se li mit a ao s qu e co ns ti tu em,
modi fic am ou extingu em as rel açõe s jur ídi cas, mas inclui outras
esp éci es que não se enq uad ram naq uel as. Tor na-se, ass im, evi
den te que par a se con seg uir ela bor ar uma cla ssi fic açã o exa us
tiv a dos fat os juríd ico s com fun dam ent o em sua efi các ia, ser ia
ne ce ss ár ia uma ca ta lo gaç ão be m mai s vas ta a fi m de at en de r
a to do s aq ue le s ca so s qu e os ju ri st as so em is ol ar no mu nd o
ju rí di co ; a . c ) há si tu aç õe s em qu e o fa to ju rí di co nã o pr od uz
se us ef ei to s, co mo há si tu aç õe s em qu e o fa to ju rí di co pr od uz
mai s de um efe ito , dif ere nte s, o que , nat ura lme nte , dif icu lta ria
a su a in cl us ão em um a da s cl as se s.
Pa re ce in di sc ut ível , po r is so , qu e es se cr it ér io nã o te m
cu nh o ci en tí íi co , pa re ce nd o mai s ob ra de al qu imi st a, mot ivo
pel o qua l se vê, hoj e, pou co seg uid o.
(b) A classi fic ação propost a pela indicação de element os
fá ct ic os en co nt rá vei s em su a co nf igur aç ão ta mbé m pe ca po r
imp re ci sã o e po r se mos tr ar in su fi ci en te pa ra ab ra nge r to da s
as espéci es poss íveis . No exemplo que demo s aci ma, não for am
cons iderados os fat os jur ídi cos que são cons tit uídos por "aç ões
hu man as de ef ei to s in vol un tá ri os " qu e, de mod o al gum , sã o
ilí cit as. A especific ação, e. g., não é ilí cit a, mas result a de ação
hum ana cuj os efe itos juríd ico s são inv olu ntá rio s. A rea liz açã o
de uma ob ra de ar te , ta mbé m. Al ém di st o, as es pé ci es il íc it as
que não dec orr em de açõ es hum ana s, mas res ult am de aco nte
cim ent os nat ura is cuj a efi các ia é o dev er de ind eni zar (av ulsã o, po r ex emp lo ) nã o tê m co mo se r ca ta lo gad as aq ui .
II — A pro pos ta de Tei xei ra de Frei tas
Uma no tá vel te nt at iva de si st ema ti zar uma cl as si fi ca çã o
dos fat os jur ídi cos foi desenvo lvid a por Tei xeira de Freita s no
seu Esbo ço de Códi go Civi l (Tí tul o I da Secç ão III do Livr o
Pr ime ir o, Pa rt e Ge ra l, es pe ci al men te ar ts . 43 1 a 44 4) . Co nforme essa classi fic ação, o fat o em gera l (= fat o jur ídi co lat o
se ns u) co mpr ee nd e: fa to s ex te ri or es (= fa to ju rí di co st ri ct o
se ns u) e fa to s hu mano s (a to s) . Os fa to s hu man os sã o in vo lu n112
tários ou voluntários (= ato jur ídi co lat o sensu). Os fat os humano s involuntários são nece ssários (— atos pratic ados sem
lib erdade, que corres pond em às caus as de excl udên cia de ili citu de : — le gíti ma de fe sa , es ta do de ne ce ss id ad e, po r ex emp lo ,
ou for tui tos (cu jo con cei to — "aç ões ou omi ssõ es inv olu ntá rias" — se aprox ima ao de ato-fato juríd ico). Os fatos humano s
volun tário s ( = atos jurí dicos lato sensu ) são atos lícitos ou atos
ilícitos. Os atos lícitos se dividem em simpl esmen te lícitos (quan do
não ten do por fim ime dia to a aqu isi ção , mod ifi caç ão ou
extin ção de direi tos, soment e produ zem os efeit os que forem
expr essamen te atr ibuídos pela lei (concei to assemel hado ao de
ato jurí dico stricto sensu ) e atos jurí dicos (= negóci o jurí dico) .
Pa re ce evi de nt e, de uma an ál is e da pr op os ta de Te ix ei ra de
Fr ei ta s, te r el e co ns egu id o el ab or ar uma ta xi on omi a be m mais
exaus tiva dos fatos jurí dicos do que aquel a adota da pela dou tri na
até ent ão con hec ida , pon do-se, ass im, mui to à fre nte da
li te ra tu ra ju rí di ca de su a épo ca . Al ém di st o, a pr ec is ão de sua
classi fic ação exce de bastante, não some nte aque las de sua époc a,
como mesmo o esforço da dout rin a germânica inspir ada nos
notávei s tra balhos de Manigk, que lhe são post eri ores (o
pri meir o dos livr os impo rta ntes desse jurist a — Das Awen dungs gebi et der Vors chrift en über Rech tsgeschafte — foi publ ica do em 19 01 , em Br es la u, en qu an to o Es bo ço é de 18 60 ) .
A ní ti da di st in çã o en tr e o at o ju rí di co em ger al (d en omi na do
fato humano volunt ário) e o ato-fato jurí dico (ato humano involun tário fortu ito) é bem exempl o dessa maior preci são. Nem
Manigk, nem a doutr ina germânica que o seguiu, nem os doutri nado res ita lia nos, faze m, ainda, hoj e, essa distin ção, pois tra tam como ato jur ídi co o ato-fat o que não tem a mesma natureza.
A classi fic ação result ante da Ciên cia Jur ídi ca alemã some nte
obteve precis ão indisc utí vel com a reelaboração leva da a efeito
por Pon tes de Mir and a, out ro ext rao rdi nár io cie nti sta juríd ico .
Da propo sta de Teixeira de Freit as podemo s disco rdar da
ter min olo gia , que nos par ece men os ade qua da e exp res siv a que
a usu al hoj e em dia , por inf luê nci a dos ale mãe s. Ess e def eit o,
no en ta nt o, nã o pô de se r co rr igid o pe la di sc us sã o e pe la cr ític a, em virt ude do ostracismo a que sua obra foi rel egad a no
Br as il co mo de co rr ên ci a do ab an do no de se u Pr oj et o do Có digo Civi l (mod est amen te deno mina do Esbo ço). ( 109) Não fora
(1 09) Di ze mo s no Bra si l por que a su a infl uên cia na li ter atura jurí dica do Con tinen te Su l Am er icano é not áve l, es pec ialm en te na Ar ge ntina. Nã o há
ob ra de pe so na li te ra tu ra ju rí di ca ci vi llst ic a Argent in a qu e nã o se fu ndamen te nas lições de Te ixei ra de Fr ei tas — a que chamam Fr ei tas,
a p en a s — e c u j o E s b oç o d e C ód i go C i vi l s ervi u d e i m p ort a n t e fon t e
do Código Civil da Rep ública Ar gen tina, seg undo o projet o de autoria
de Vélez Sársfield. Hoje no Brasil a obra de Te ixeira de Fr eitas está
sendo posta no seu devido lugar, felizmente.
113
III — O cri téri o adot ado
conseguido isolar as várias espécies classificáveis, a doutrina
germâni ca não alcanço u uma precis ão satisf atória , do ponto
de vista científico, na categorização dos fatos jurídicos em geral. (»»)
Deve-se, na verdade, mais uma vez a PONTES DE MIRANDA, "após acurado estudo dos fatos jurídicos, a partir da revisão dos processos lógicos e metodológicos empregados para
classificar os fatos jurídicos", a precisão classificatória, segundo
a rigorosa aplicação do critério de individuá-los pela menção
aos dados nuclea res (cerne) de seu suport e fáctico . A partir
dessa orientação metodológica, podemos identificar como elementos nucleares (cerne) diferenciais: — (a) a conformidade
ou não conformidade do fato jurídico com o direito, (b) a presença, ou não, de ato humano volitivo no suporte fáctico hipotético.
1.
1; 1
a mediocridade reinante a seu redor, a obra extraordinária de
Teixeira de Freitas teria tido campo fértil para desenvolver -se
e, vingado o seu projeto, este País se poderia orgulhar de ter
tido um Código Civil, não somente original, mas muito à frente
das demais legislações do mundo. Mais que isto, teria sido oferecida à Ciência Jurídica da época uma obra de inestimável
valor científico, porque apesar de se tratar de um trabalho
legislativo, seu conteúdo consubstancia os conceitos da mais
profunda ciência. Sobre isto, vejam -se Pontes de Miranda,
Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro, o nosso Roteiro
para uma História do Direito Civil Brasileiro; a fase pré-codificada e Silvio Meira, Teixeira de Freitas, o jurisconsulto do
Império.
Classi ficaçã o segund o o element o cerne do
suport e fáctic o
Uma classificação deve, como uma definição, individuar
as espécies considerando dados essenciais que lhes são próprios e exclusivos, portanto, que as caracterizam e as distingam
das demais. Por isso, elementos acidentais ou comuns a mais
de uma espécie não podeln servir de base a uma taxionomia.
Quando se trata de fatos jurídicos, a sua substância reside nos
dados essenciais que integram o seu suporte fáctico, tal como
descritos nas normas jurídicas. Os suportes fácticos são compostos por vários elemen tos, dentre os quais um consti tui o
cerne do própri o fato jurídi co, portan to o elemen to nuclea r
que o define e caracteriza como espécie.
Levada pela constatação dessa realidade, a doutrina germânica do começo deste século, inspirada especialmente nos
estudos de MANIGK, BIERMANN, KIPP, ELTZBACHER, VON
TUHR, KLEIN, desenvolveu a análise mais profunda do problema da classificação dos fatos jurídicos, minudenciando as
categorias possíveis e identificando-as mediante
a indicação de
caracte rístic as essenc iais de cada uma (110 ). Apesar de haver
(110) Até ent&o, como acontece ainda hoje com os doutrlnadore s franceses, os
fatos Jurídicos (lato sensu) eram classific ados em fatos Jurídicos e atos
Ju rí di co s, uma di vi sã o qu e te m su as or ig en s no sé cu lo XVI, qu an do
começ ou a ser usada a expressão ato Jurídico, desconhecida até aquela
época. Os romanos, cujos ensinamentos Jurídicos sempre dominaram o
pe ns amen to oc id en ta l, nã o co nh ec er am, co mo Jà no s re fe ri mos, uma
teoria do fa to Juridico. Nas fo ntes romanas encontramos várias expres sões que correspondem à idéia de fa to Jurídico, tais co mo causa, nego tl um , gest um . Ne nh um a, po rém, qu e se ass eme lhe a fato Jur ídi co ou
ato Jurídico.
114
Conf ormi dade e cont rari edad e a dire ito A
— Con sid era çõe s ger ais
A observação dos fatos da vida, sob o prisma da juridicidade , revel a que:
a) — há fatos que se concret izam, exatam ente, em con
form idad e com as pres criç ões jurí dica s e se cons titu em, por
esse motivo , na própri a realiz ação afirmat iva da ordem jurí
dica; são os fatos conforme a direito, ditos, também, lícitos;
b) — há outros, no entanto, cuja concreção representa
violaç ão das normas jurídi cas e implic a, assim, a negação do
direito; 112
são os fatos contrários a direito, geralmente chamados
ilícitos.( )
(111) Ainda hoje os autores germânicos classificam o ato -fato Jurídico — a que
denominam Realakt (ato real) ou Tathandlung (ato material) . — dentre
os atos Jurídicos. Essa atitude nos parece defeituosa, pelas razões que
aduzimos quando estudamos o ato-fato Jurídico.
(112) Essa terminologia e classificação foi proposta, primeiramente, por Eltzba ch er (H an dl un gs fa hi gkei t, I, 78 ), re fe ri nd o-se , po ré m, a at os co nf or me
a di re it o ou co nt rá ri os a di re it o. En nec ce ru s a el a se op ôs , so b a al e ga çã o de qu e ná o ha ve ri a "u ma só di sp os iç ão qu e po ss a ap li ca r -Be a
to do s os at os co nf or me a di re it o (T ra ta do de De re ch o Ci vi l, I, 2. °, 8/ 9) .
O ar gu ment o é fa ls o, po rq ue ao s at os co nf or me a di re it o, po r se re m
lícitos, se aplicam todas as regras relativas à llcitude. portanto, o grosso
das norma s Jurídicas. É necessário considerar que se dá grande impor tância & illcitude exatame nte por se tratar de situação teratolõgica. que,
po r Is so mesmo, é ex ce pc io na l em fa ce da no rmal id ade da vi da so ci al .
Ma is se cu mpre do qu e se de sc umpr e o di re it o, Já ob se rv ar a Eu ge n
Eh rl ic h. Po r is so , o di re it o se de st in a ao s fa to s lí ci to s; cu id a do s il íc i tos pela necessidade de reprimi -los e corrigir os seus efeitos nocivos,
somente.
115
Examinada a natureza desses fatos e fixados os seus pressupostos de existência, chega-se à conclusão de que entre eles
há carac terí stic as: —
a) — comuns, que os identifica genericamente como fatos
jurídicos, tais como: —
a.a) — os fato s cont rári os a dire ito, como os conf orme
a direito, constituem suporte fáctico de normas jurídicas. Por
isso, à sua concreção no mundo recebem a incidência dessas
normas e pas sam então a integra r o mundo jurídi co;
a.b) — ambos os fatos têm conseqüências específicas sobre as relaçõe s jurídi cas, tanto para criar, como para extin gui-las ou modificá-las.
b) — e particular, típica e ineliminável, que integra, com
essencialidade, o cerne do próprio fato jurídico e os diferencia,
defini tivame nte, entre si: — a confor midade ou não confor
midade com o direito.
B — Div erg ênc ias dou tri nár ias
Que há fatos contrários a direito, geralmente denominados
ilícitos, nenhum autor nega. (113) Discute-se, no entanto, doutrinar iament e, se os fatos ilícit os seriam fatos jurídi cos.
(113) Empregamos preferencialmente, as expressões fa tos contrários a direito e
fa tos conforme a direito, porque têm uma abrangência semântica mai or
qu e as pa la vr as Il íc it o e li ci to e, as si m, po de m ex pr es sa r, co m in te ir ez a
e sem ambigüidades, as realidades que nomei am. (Vi de nota anterior.)
Co mo se de ve te r no ta do , a referênc ia qu e fazemo s é a fato cont rário
a direito, portanto, n&o soment e o ato, como costuma a grande mai oria
do s au to re s. E o fa ze mos po rq ue é ln du bi tá ve l qu e a co nt ra rl ed ad e a
direito n&o resulta, apenas, de ato ilícito, mas também de simples fa tos
da natureza ou do anima l que, ligados a alguém, atingem a esfera Jurí dica de outrem, causando-lhe prejuízo. Caso fortuito ou de força maior,
qu an do al gu ém re sp on de pe lo s pr ej uí zo s ca us ad os , é fa to co nt rá ri o a
di re it o e ge ra a ob ri ga çã o de in de ni za r (C . Ci vi l, 95 71 . A
responsabilidade que dele decorre é lmputaç&o que os ordenament os
Ju rí di co s cr ia m, co nc eb en do um ne xo en tr e o ho mem e o fa to (= co n cepção transubjetiva da responsabilidade civil), às vezes, até, indepen de nt emen te de cu lp a, ou ou tr o co nt eú do ps ic ol óg ic o qu al qu er , da qu el e
a qu em é lmpu tá ve l. Es sa re sp on sa bi li da de po de te r fu nd amen to na
lllcltude (se há contrariedade a direito) ou em conseqüência de ato-fato,
se nao há contrarledade a direito. O cerne da Ulcitude consiste, preci samente, em ser o fa to — evento ou conduta — contrário a direito, no
se nt ido de qu e ne ga os va lores e os fins de orde m Jur ídi ca, vi oland o
as su as no rma s e pr inc ípi os. Ne m a cul pa na pr áti ca do ato , ne m o
dever de indenizar os danos constituem eleme ntos essenciais á caracte rização do ilícito . Po rta nt o, po de ha ve r de ve r de ind eni zar se m qu e
ha ja Ilí ci to , co mo po de ha ve r il íc it o se m de ve r de in de ni za r. Ta mbém
na o se ex ig e, co mo co nd iç ão es se nc ia l, qu e ha ja cu lp a pa ra qu e se
caracterize o Ilícito.
A co nt ra rl ed ad e a di re it o é co nd iç ão ob je ti va qu e se co nf ig ur a po r te r
sido violada a ordem Jurídica. Se a ordem Jurídica admite o fato como
legitimo, n&o há ilícito quando esse fa to ocorre e causa dano a terceiro,
porque aí n&o existe contrariedade a direito. Por isso o ato em legítima
de fesa ou em est ado de ne cess ida de Jama is é ilícito , me sm o qu and o
obriga a indenizar. A matéria será mel hor exami nada quando analisar mos as di ve rs as es pé ci es de fa to s co nt rá ri os a di re it o e at os -fa to s Ju rídicos.
116
Os doutrinadores que negam se possa considerar jurídico
o fato ilícito, geralmente sustentam a sua opinião em dois
argumentos principais, a saber:
a) — configuraria uma contradição incontornável consi
derar-se jurídico aquilo que, por sua natureza, é contra o jurí
dico (= contra o direit o);
b) — se a função do fato jurídico, mais especificamen te
do ato jurídi co, consis te em criar direit os ou obrigaç ões para
a pes soa que o pra tic ou, segu ndo a sua von tad e, e se o ato
ilícito cria obrigação, e somente obrigação, para o responsável,
indepe ndente mente de sua vontad e e até contra ela, esse fato
não poderia ser considerado jurídico.
Essas objeçõ es, no entant o, não nos parecem consis tentes, se as analis armos em face dos critér ios cientí ficos que
vimos desenvolvendo, até agora, no trato dos fenômenos jurídicos. Senão vejamos.
a) — O argumento de que seria uma contradição ter-se
por jurídi co um fato ilícit o, parte de uma atitud e falsa, qual
seja a de confundir jurídico com licitude.
Parece-nos já haver deixado claramente estabelecido que
jurídico tem um sentido que abrange tudo aquilo, e somente
aqui lo que, por forç a da inci dênc ia da norm a jurí dica , entr a
no mund o jurí dico . Para ser jurí dico é preci so que o fato
esteja previsto como suporte fáctico de uma norma jurídica
juridicizan te e receba a sua incidência. (Ver, antes, cap. sobre
a fenomenologia da juridicização).
Ora, a ilicitude (= contrariedade a direito) constitui, exatamente, elemento nuclear do suporte fáctico de uma série de
atos e fatos que estão regulados (previstos) por normas jurídicas, como são exemplos os artigos do Código Civil sobre o
ato ilícito e as normas penais em geral. Além destas, específicas, há a norma geral, implíc ita, segundo a qual consti tui
ilícito todo ato jurídico praticado em infração de norma jurídica cogente . Dessas consid erações parece result ar eviden te
que, do ponto de vista do direito, não existe diferença ontológica entre o lícito e o ilícito, uma vez que ambos são jurídicos porque, e somente porque, recebem a incidência juridicizant e de uma norm a jurí dica . A dife rença que exis te entr e
eles é, em essência, axiológica, nunca ontológica. E tanto é
verdade ira essa observ ação que um fato que hoje seja consi117
derado (= valorado) ilícito pode, amanhã, por modificação
da
norma jurídi ca, passar a ser consid erado lícito . (m )
É preci so, aind a, ter em ment e que os fato s, mesm o os
que não sejam repudiados socialmente como prejudiciais, mas,
ao contrá rio, sejam tidos como import antes, e, assim, revistam as caracte rístic as da liceid ade, não serão jurídi cos em
virtude disso. Se não houver uma norma jurídica que os juridicize, permanecerão ajurídicos, embora possamos dizer que
são lícito s. Não há fato por nature za jurídi co, mas, soment e,
por imputação das normas jurídicas.
b) — Segundo procuramos demonstrar (vide adiante considerações sobre eficácia jurídica), somente fatos jurídicos produzem eficácia jurídica, isto é, somente fatos jurídicos criam,
modificam ou extinguem relações jurídicas, cujo conteúdo é
compos to de direit os <> deveres , preten sões <> obrigaç ões,
ações <> situações de acionado, exceções <> situações de
except uado. Não há, no mundo jurídi co, efeito jurídi co, do
mais amplo e irrest rito direit o à mais simple s situação jurí dica, que não decorra , exclus ivamen te, de um fato jurídi co.
Considerando essa afirmativa, cuja consistência científica
é irrecusável, torna-se evidente que a opinião de que o fato
contrário a direito não seria jurídico porque não criaria direitos para quem o praticou, mas apenas lhe imporia obrigações,
é absolutament e desprovida de valor e veracidade. No campo
do dire ito priv ado, o fato cont rári o a dire ito (com o o fato
lícito) tem o efeito de gerar uma relação jurídica entre aqueles
a quem seja imputável (= responsável) e aquele que soire as
suas conseqüências. Se A, dirigindo com imprudência seu automóvel, atropela B, estabelece -se entre eles uma relação jurídica, cujo conteú do básico consis te no direit o de B (sujei to
ativo da relação jurídica) à reparação do dano sofrido, ao qual
corresponde o dever de A (sujeito passivo da relação jurídica)
de repará-lo. A relação jurídica que se cria entre o autor e a
vítima tem a mesma configuração de uma relação jurídica que
decorra de um fato jurídi co lícit o. A diferen ça entre elas reside, exclusivamente, na sua origem. De resto, não há distinções, exceto, naturalmente , quanto ao conteúdo de cada uma.
Sob esse aspecto, o fato contrário a direito é tão jurígeno
quan to o fato jurí dico líci to porq ue, se não cria um dire ito
(114) Exem plo muito atual é o do aborto. At é rec en tem en te er a consider ado
cri me em tod os os paíse s do Oc iden te, hoj e, com eç a a se r con si der ado
um ato lícito em muitos deles.
118
para quem o pratica, o faz nascer para quem sofre as conseqüências.
O sentido restritivo que se dá ao adjetivo jurígeno,
(115 ) de fato que apen as gera dire itos e obri gaçõe s para o
agente segundo a sua vontad e manife stada, não tem fundamento na realidade jurídica: — jurígeno não é somente o que
cria direitos e obrigações queridos, mas o que cria direitos e
obrigações conforme imputação do ordenamento jurídico, sejam ou não queridos. Basta lembrar que mesmo dos atos jurídicos lícitos, na sua mais lídima expressão voluntarista, o negócio jurídico, nascem muitos direitos e muitas obrigações que
não têm fundamento no querer das pessoas, mas nas imperiosas
disposições normativas. Não vemos, portanto, como aceitar a
objeção.
C — Imp ort ânc ia da cla ssi fic a ção
A melhor doutrina sempre destacou a importância fundamental de distinguir os fatos jurídicos lato sensu em conformes
a direit o e contrá rios a direit o, como meio de abrange r todas
as categorias de fatos jurídicos. A opinião de Von Tuhr é bastante expressiva, embora se refira restritivamente aos atos jurídicos: —
"para obter uma visão de conjunto de todos os atos
jurídicos do direito privado, pode-se agrupá-los sob
diversos pontos de vista. Julgo que a divisão fundamental é116
aquela que distingue entre atos lícitos e atos
ilícitos." ( )
Por todas essas razões, uma classificação dos fatos jurídicos lato sensu que pretenda atender aos rigores da ciência,
não pode deixar de ter no elemento conformidade ou não-conformidade com o direito a base para a primeira e grande divisão. De acordo com esse critério os fatos jurídicos lato sensu
são (a) conf orme s a dire ito e (b) cont rári os a dire ito.
1.2
Ele men to vol iti vo cer ne do sup ort e fác tic o.
Dentro dessas categor ias (confo rme a direit o e contrá rio
a direito), a classificação das espécies tem em mira um dado
que as distin gue, defini tivame nte: — a presen ça, ou não, de
ato humano volitivo à base do suporte fáctico.
(1 15) A ex pre ss So ju rígeno íol pro pos ta por Pi card (L e Dr ot t Pu r. 164) para
a d j et i va r os í a t os p rod u t ores d e d i rei t o. C on d en a va ele a exp res s ã o
fa it ju ri di qu e e su geri a qu o foss e su bs ti tu íd a po r fa ít ji ir íg én e. Algu ns
autores , no en tanto, dão à ex pres são juríiíen o o sen tido res tritivo d e
fato que produz drei to ou obrigações sec undo a vontade das pes soas.
(C ai o Ma ri o da Si lva Pereir a, Inst it ui çõ es de Di reit o Ci vi l. I, 56 0, po r
exemplo).
(118) Teoria General dei Derecho Civil Alemán. II. 1°. 118.
119
Consoante vimos anteriormente, tanto os simples eventos
da natureza e dos animais, como os atos humanos, podem
constituir elemento de suporte fáctico de norma jurídica. Parece evidente que a presença de um ato humano como componente cerne de suporte fáctico estabelece uma diferença substancial entre os fatos jurídicos. Analisando o mundo do direito,
sob esse aspecto, constatamos que há fatos jurídicos cujos suportes fáctico s são integra dos: —
a) — por simp les fato s da natu reza ou do anim al, que
prescindem, portanto, para existir, de ato humano. São os fatos
jurídicos stricto sensu, lícitos e ilícitos.
b) — outros , diferen tement e, têm à sua base, como ele
mento essenc ial (cerne) , um ato humano . Dentre estes,
b. a) — há alguns em que, embora o ato humano lhe seja
essencial à existência, o direito considera irrelevante a circunstância de ter, ou não, havido vontade em praticá-lo, dando mais
realce ao resultado fáctico que decorre do ato do que a ele
próprio: são os atos-fatos jurídicos, lícitos e ilícitos,.
b.b) — em outr os, poré m, a vont ade em prat icar o ato
não soment e é releva nte, como consti tui o própri o cerne do
fato jurídico. São os atos jurídicos lato sensu, que se subdividem em atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos e atos
ilícitos.
Considerando os critérios acima expostos, podemos sintetizar a classi ficação dos fatos jurídi cos, no quadro a seguir:
—
a) conforme
a direito
(lícitos)
a) fa to jurí dico
stricto sensu
b) ato-fato
jurídico
c) ato jurí dico
lato sensu
Fato Jurídico
lato sensu
b) contrário a
direito
(ilícitos)
a) fato ilícito
stricto sensu
b) ato-fato
ilícito
c) ato ilícito (H7)
—
a) ato jurídico
b)
stricto sensu
negócio
jurídico
a) absoluto
b)
c)
d)
relativo
nulificante
caducificante
(117) O emprego do adjetivo Uicito para qualif icar os fatos contrários a direito
Justifica-se em razã o da usualidade do termo. Apesar das restrições semânticas que ele envolve, conforme mostramos na nota 113 é comum
e ge ra l o se u us o na li te ra tu ra Ju rí di ca .
120
A — Div erg ênc ias dou tri nár ias
A doutrina não tem atitudes uniformes em relação à classificação que adotamos, como expressada no quadro acima. As
principais divergências se desenvolvem em torno das questões
a segui r suma riad as: —
a) haveria fato jurídico stricto sensu, ou somente atos ju
rídicos?
b) há cabimento para a distinção entre várias espécies de
ato jurídi co, ou seria um concei to unitár io?
c) é admissível tratar distintamen te, fora da categoria ato
jurídico lato sensu, o ato-fato jurídico?
d) além do ato jurí dico stri cto sens u e do negóc io jurí
dico, não haveria uma nova espécie resultante da mas
sificação das relações sociais?
Por uma atitude metodológica, analisaremos essas questões após a conceituação de cada uma das espécies, pois consideramos que, para se ter a exata compreensão dos problemas
e a possibilidade de julgamento da validade dos argumentos
invocados, é essencial o conhecimento e domínio dos conceitos.
2.
Crit ério s para cata loga r os fato s jurí dico s
Antes de procedermos à conceituação de cada espécie de
fato jurídico, é necessário que estabeleçamos alguns critérios
sobre como se deve proceder para catalogá-los dentro das diversas classes.
Consoante procuramos deixar bem claro, a classificação
dos fatos jurídicos, sintetizada no quadro que elaboramos, se
baseia no elemento cerne do suporte fáctico, considerado este
em sua forma abstratamente definida na norma jurídica; quer
dizer, o fato jurídico deve ser classificado segundo o seu suporte fáctico hipotético e não de acordo com a configuração
tomada pelos fatos em sua concreção. Essa regra tem uma
conseqüência de grande importância para o trato científico do
problema, uma vez que, observada, evita dúvidas e variações
quanto à natureza dos fatos jurídicos e a correta aplicação do
direito.
Antes já dissemos que o fato jurídico se caracteriza pelo
seu suport e fáctico , não import a: — a) o nome que lhe seja
dado pelos interessados, nem — b) a configuração que se pretenda dar aos fatos concret izados .
121
a) Nomen iuris e suporte fáctico
Assi m, se duas pess oas, por exem plo, cele bram entr e si
um cont rato para a expl oraç ão agrí cola de um imóv el, pelo
prazo de 10 anos, assegurado ao dono receber anualmente 10%
da prod uçã o obti da no imóv el, e dão a esse cont rato o nome
de comodato, na verdade, apesar da denominação dada, estão
fazen do um contrato de parce ria, nunca de comodato, porque
este é sempre gratuito e a participaçã o na produção constitui
elem ento típi co da parc eria ; vale dize r: — o supo rte fáct ico
que se conc reti zou foi o da parc eria , tal como desc rito nas
normas jurídicas respectiva s.
b) Con fig ura ção e con cre ção do sup ort e fác tic o
Do mesmo modo, se os fatos se apresentam em configura ção difer ente daquel a prevista pela norma , é neces sário , quan do possível, expurgar dela, configuração, os elementos excessi vos, para considerar o suporte fáctico concretizado tal como
previsto na norma jurídi ca (supo rte fácti co hipoté tico). A mor te, por exemp lo, é um fato natural e com essa configuraç ão
constitui suporte fáctico de normas do Código Civil sobre as
pesso as e sobre suces sões, principalmente. Por isso, class ifi case como fato jurídico stricto sensu. Se alguém morre por
homicídio, ou por suicídio, a mo rte em si não perde o seu cará ter de lato jurídico stricto sensu e não passa a ser classifica da
como ato ilícito (homicídio) ou ato-fato (suicídio) . O elemento
ato humano, porventura existente, deve ser considerado exces sivo e desprezado para esse fim, p orque não integra, nem como
dado complement ar ou integr ativo, o supor te fácti co das nor mas jurí dica s do Códi go Civi l. Dife rent emen te, para o crim e
de homicídio doloso, o elemento cerne é constituído pelo ato
humano intencional de matar alguém. A morte é s imples dado
fáct ico inte gran te do supo rte fáct ico da norm a pena l res pec tiva . Assi m a mort e por homi cídi o é (a) fato jurí dico stri cto
sensu, no campo do Direito Civil, e (b) elemento objetivo de
supor te118fácti co do crime de homicídio, no campo do Direito
Penal. ( )
Tais situaç ões resul tam da circu nstânc ia de que o mesmo
fato da vida pode ser integr ante de supor te fácti co de vária s
norm as jurí dica s. E, como cada norm a jurí dica pode gera r um
(118) Note-se que o crime de homicídio constitui eleme nto objetivo do suporte
fáctico do art. 1.537 do Código Civil.
122
fato jurídico específico , o mesmo fato pode integrar suportes
fáct icos de vári os fato s jurí dico s, tend o em cada um funç ões
e cara cter ísti cas próp rias e dist inta s.
Com os atos-fatos também podem ocorrer situações seme lhantes. Se determinad a categoria é ato -fato, porque a norma
jurídica específica considera irrelevant e a vontade na concre tizaçã o do supor te fácti co, a circu nstânc ia de ter alguém pra tica do o ato decl aran do que o fazi a como ato de vont ade não
o trans forma em ato jurídi co stric to sensu ou em negóci o ju rídico.
Ocor re, tamb ém, muit as veze s, que dete rminada espé cie
de fato jurí dico pode , even tual ment e, nece ssit ar, para real i zarse, da prática de um outro fato jurídi co, de natureza dife rent e.
Tais situ açõe s pode m dar ao inté rpr ete uma visã o di versa da
realidade jurídica, levando-o, pelas aparências, a clas sificar,
erradamente, o fato jurídico específico. Exemplo típico dessa
situaç ão é o fato jurídi co do adimplemen to das obriga ções,
impropriamente
denominado, no direito brasileiro, de pagamen to.
(119)
É extre mamen te controvertida na doutri na a questã o da
natureza jurídica do adimplemen to das dívidas. "Do adimple mento foi dito pela doutrina tudo aquilo que era possível dizer:
— que é um neg óci o bil ate ral , e por tan to, um con tra to; que
é um negó cio unil ater al; que é um mer o fato jurí dico que
deter mina a extinç ão de obriga ção pela obtenç ão do objeti vo;
que é um ato não negociai, provavelme nte considerado volun tár io e con sci ent e e, fin alm ent e tam bém , rec ent eme nte , um
ato não volu ntár io" ( 12 0 ) ou aind a ato devi do (att o dovu to)
por algu ns auto res .
Segundo nos parece, essas dúvidas resultam de atitudes
doutriná rias, pouco científicas , que, na análise do fato jurídico,
dão ênfase a circunstâncias que não lhe são essenciais, mas
simp lesm ente even tuai s, tais como : —
a) — no adi mpl eme nto hav eri a o ani mus sol ven di que ,
por consti tuir eleme nto intenc ional, lhe daria c aráte r negoci ai
ou, ao meno s, de ato jurí dico stri cto sens u;
(119) A impr opriedade do term o resi de no fato de se hav erem alin had o com o títu lo
de pagamento todas as forma s de adimp lem ento das ob rig ações. Melhor
seria qu e se tiv esse empregado a expressão próp ria , "d o adimp lem ento
das obrigações", refe rind o-se a pagamento só nos casos específ icos, de
pagamento propriamente dito, ou seja, de adimplemento em dinheiro.
(120) Mixabelli, L'Atto non Negoziale nel Diritto Privato Italia no, 240.
123
b) — haveria casos em que o adimplemento se realizaria
através de negócio juridico, unilateral ou bilateral, como na subrogação e na dação em pagamento, por exemplo.
Quan to a não ser o anim us solv endi elem ento esse ncia l
do suporte fáctico do adimplemento , comprovam os exemplos
a segui r: —
a) — nas obrigaç ões de não -fazer (= negativ as) a omis
são do devedo r consti tui o adimpl emento da obrigaç ão,. Não
há necessidade de que a abstenção do devedor seja consciente
ou inte ncio nal para que se cons ider e cump rida a obri gação .
Pode ocorrer, até, que o devedor nem sabia que se deve abster;
basta apenas que se abstenha, mesmo inadvertidam ente ou até
cont ra a sua vont ade;
b) — as obrigaç ões de fazer podem ser adimpl idas por
incapaz es, sem que nisto haja qualqu er invali dade. O pintor
que, cont rata do para pint ar um afres co, enlo uque ce dura nte
a execução da obra, mas a conclui, adimpliu a obrigação;
c) — aquele que, tendo mandado pagar ao credor A a im
portân cia que lhe era devida , mas o seu mensage iro, por en
gano, pagou ao cred or B, de quem , tamb ém, era deve dor, o
paga men to é per fei to e não se pod erá ale gar err o ou paga
mento indevido, nem pedir restituição.
Por aí se vê que o animus solvendi pode não existir e nem
por isso deixa de haver adimplemento, com liberação do devedor e satisfação do credor. Não sendo essencial, torna-se despicienda e mesmo supérflua a discussão sobre a natureza e o
conteúdo do animus solvendi.
Quando, em certos casos, como na dação em pagamento,
há necessidade de prática de negócio jurídico visando ao adimplemento, esse negócio não constitui o adimplemento em si,
mas, apenas, instrumento dele, portanto, circunstância que o
não integra , mas soment e a ele subjaz . E ainda, é claro que
não se trata de elemen to essenc ial ao adimpl emento , donde
não poder ser considerado como dado bastante à sua configuração e classificação.
Se para o adimplemento não se exige vontade consciente e
intencional, mas se é exigível o ato, positivo ou negativo, de
cumprimento da obrigação, do qual resulta a situação fáctica
típica do adimpl emento , parece eviden te que estamo s diante
de um ato-fato jurídic o, e não de outra espéci e qualqu er.
124
Quanto ao problema da configuração dos fatos concretizados para conformá-los aos suportes fácticos hipotéticos, é necessário que se tenha em mente que tal procedimento somente
é admissível quando não há outro suporte fáctico que preveja
aquela configuração, nem importe violação de norma jurídica.
Essa questã o já foi versad a,9 com mreferên cia a situaç ões de
fra ude à lei ant es na not a n 85. ( )
c) Função e classificação
Vários fatos jurídicos que têm a mesma função jurídica,
podem ter classificações diferentes; quer dizer: — a função
jurídica do fato não é elemento bastante para a sua classifi cação. Situação típica é a da derrelicção (= abandono). Quando se trata de derrelicção de bem imóvel, o Código Civil ( 122)
não exige que haja declaração da intenção de abandonar. Basta
o ato de abandonar, com o efetivo abandono, o que a faz classificável como ato-fato jurídico.
Na derrelicção de bem móvel, ao
contrário, o Código Civil (123 ) exige a intenção de renúncia,
que a caracte riza como negócio jurídi co.
d) Elemen to estran ho ao suport e fáctic o
Além disto, há necessidade, para fim de classificação, de
considerar o fato jurídico com referência ao sistema jurídico
resp ecti vo, porq ue o trat amen to dado aos fato s nem semp re
é o mesmo. Assim, um fato jurídico que no sistema jurídico
brasileiro seja concebido como ato-fato, em outro sistema pode
ser estruturado como negócio jurídico, ou ato jurídico stricto
sensu. A ocupação, por exemplo, no direito brasileiro, constitui
ato-fato
jurídico, mercê da circunstância de que o Código Civil
(124 ) tem como suport e fáctico da aquisi ção da propri edade do
bem móvel o assenhorear-se, simplesmente, alguém de coisa
abandonada. Ao ato de assenhorear-se, não se agrega qualquer
elemen to voliti vo, intenc ional. Se há intenç ão e declara ção
dela, é supérflua, desprezável, por excessiva. No direito alemão,
diferen tement e, porque o § 958 do Código Civil (BGB) se
referiu a alguém tomar posse da coisa adéspota como proprietário, tem-se a ocupação como negócio jurídico, embora haja
(121) Ê preciso, no entanto, destacar a possibilidade, de conversão do negocio
Jurídico nulo ou anulàvel em outro negócio Jurídico que, com os mesmos elementos fácticos. seja Tálldo.
(122) Art. 589. III.
(123) Art. 592, parágrafo único.
(124) Art. 592.
125
divergências doutrinárias, pois o animics domini caracterizaria
a intenção negociai. Assim, é importante salientar não ser possível, ao intérprete, acrescentar ou excluir elementos ao suporte
fáctico, para configurar o fato jurídico, sob pena de errar (125).
TÍTULO II
ConceituaçãoSucinta
das EspéciesLícitas
CapítuloVII
Do Fato Jurídico
StrictoSensu
(125) O hábito de estudar os problemas específicos do direito brasileiro com ba?e
exclusiva na doutrina estrangeira, sem uma análise de suas peculiarida de s, te m co nd uz id o a eq uí vo co s ba st an te pr ej ud ic ia is . Há ne ce ss id ad e,
é ve rda de , de se bu sc ar na ciênc ia ma is ava nç ada e ma is cons olida da
os seus ensinamentos, estejam eles onde estiverem. Não, porém, para
apl icá -los irrest rita me nt e, ma s pa ra, aju st and o -os aos no ss os pa dr ões
e à no ss a realida de , obt er de les fun da me nt os pa ra o de se nv olvi me nt o
de no ss a pr óp ri a ci ên ci a. Or la nd o Go mes (D ir ei to s Re ai s, 17 2 ), po r
ex empl o, fa z in cl ui r en tr e os re qu is it os da oc up aç ão a in te nç ão de se
tornar proprietário da coisa apreendida. Esse eleme nto intencional não
Ín te gr a, no di re it o br as il ei ro , o su po rt e fá ct ic o da oc up aç ão , si m, no
direito alemão. For isso, a criança que apreende a boneca que foi abando na da no li xe ir o ad qu ir e- lh e a pr op ri ed ad e. Do mesmo modo o lo uc o
que encontra e se assenhoreia de objeto abandonado. Se houvesse, como
re qu is it o, a ne ce ss id ad e do an imus do mini , co mo da do vo li ti vo in te n cional, tais situações não poderiam existir.
Outro exemp lo: — M. I. Carvalho de Mendonça ensinava que
"a compensação, exceto a conve ncional, não extingue o direito ipso jure,
po is "p ar a is so é se mpre es se nc ia l uma aç ão em Ju íz o. Ei s ai o po nt o
extremo em que é fo rçoso ceder à doutrina alemã " (Do utrina e Prática
da s Ob rigações, I, 629). Ess a exi gênc ia, no ent ant o, nã o é ne m nu nc a
fo i a do di re it o br as il ei ro . A co mpen sa çã o po de se r ex er ci da , se ja le ga l
ou fa cu lt at iv a, po r qu al qu er meio , in cl us iv e aç ão ju dic ia l. A ex ig ên ci a
a que aludia o ilustre jurista era, e é, estranha ao nosso sistema Jurídico.
126
1. Conceituação
Todo fato jurídico em que, na composição do seu suporte
fáctico, entram apenas fatos da natureza, independentes de ato
humano como dado essencial, denomina-se fato jurídico stricto
sensu. O nascimento, a morte, o implemento de idade, a confusão, a produção de frutos, a aluvião, a avulsão, são exemplos
de fatos jurídicos stricto sensu.
Pode acontecer que o fato, algumas vezes, esteja ligado a
um ato humano, como na concepção que dá origem ao nascimento. Outras vezes, até, o fato pode resultar de ato humano,
como na morte por assassínio, ou suicídio, ou como na confusão, quando é feita pelo homem. Isto, entretanto, não muda a
figura do fato jurídico, uma vez que o critério de classificação
se baseia na essencialidade do ato humano para a composição
do suporte fáctico suficiente, sem excluir, evidentemente, a sua
eventual presença. Nesses casos, o suporte fáctico concreto é
de ser considerado na sua configuração prevista na lei, abandonando-se o elemento
ato humano, por excessivo, conforme
esclarecemos no n9 2 do capítulo anterior.
Há autores ( 126) que entendem não ser possível atribuir-se
sentido jurídico a simples fatos da natureza, pelo argumento,
aparent emente ponder ável, de que o caráter compor tament al
do direito limitaria esse sentido à conduta humana, portanto,
aos atos, apenas. Não haveria, assim, fatos jurídicos stricto
sensu, mas somente atos jurídicos. Sendo o direito, por definição, regra de conduta humana, não caberia em seu âmbito a
regulaçãom de fatos naturais. É verdade, consoante demonstrou
KANT ( ), que o ser (Sein) é irredutível ao dever-ser (Sollen),
(126) Por exemplo Luigl Ferrajoli. Teoria Aasiomatlzzata dei Dirltto, especialmente
pãgs. 75 e segs.
(127) Kant, Crítica da Razão Pura, Dialética, cap. II, secçâo 9», § 3.°. O texto
transcrito é o que consta do Dicionário de Filosofia de Nicola Abbag-ns.no.
verbete Dever -ser. Nas traduções portuguesas correntes no Brasil, somente a de
V. Rohden e U. B. Moosburger, publicada pela Abril Cultural, na a série Os
Pensadores, ba$eada em edição que contém o tex to integ ra l da 2 edi ção
oriRi na l da Cr íti ca, de 1787, repr odu z a paire aqui transcrita, embora
com linguagem diferente, às págs. 277/278.
131
porque "o dever-ser exprime uma espécie de necessidade e uma
relação com princípios que não se verificam, absolutamente, na
natureza. Nesta, o intelecto pode conhecer só o que é, foi ou
será. É imposs ível que alguma coisa deva ser de outro modo
do que foi de fato nas suas relações temporais: o dever-ser,
quando se vê no curso da natureza, não tem o mínimo significado". Na realidade, os fatos são indiferentes às regras ditadas pelos homens. Não deixará o sol de nascer ou de se pôr
na hora certa porque se tenha criado regra que o proíba de
nascer ou de se pôr. LEIBNIZ já observara, ao enunciar seu
princípio da continuidade, "que a natureza não dá saltos e que
nela tudo está em relação". Por isso, o ciclo da natureza, a
causalidade natural, é indisciplinável pelo homem. Os fatos não
se moldam de acordo com a vontade humana. Diante disto, poderia parecer significativa a negação da existência de fatos jurídicos stricto sensu. Ocorre, porém, que as normas jurídicas
não se dirigem aos eventos da natureza ou do animal para conformá-los; apenas os toma tal qual acontecem ou, quando isto
é impossível, dentro de um certo sentido, como nas presunções
e ficções, e lhes atribuem certas conseqüências — que não são
as suas próprias, naturais — de cunho estritamente comportamental, em relação àqueles homens que sejam por eles afetados ou estejam a eles ligados de alguma forma. A interferência
do fato na esfera jurídica de alguém, ampliando-a ou reduzindoa, constitui o dado suficiente para que o direito passe a regê-lo
no plano do comportamento humano.
Quando um rio muda seu curso, abandonando seu álveo
para ocupar outro, pode beneficiar os donos dos terrenos ribeirinhos, que adquirem a área que constituía o seu álveo, e prejudica r os propri etário s das terras por onde passou a correr,
que perdem a área ocupada pelo novo curso. A mudança de
curso do rio, evento natural, pode afetar direitos de propriedade, gerando-os ou retirando-os, donde ser possível a ocorrência de conflitos entre os proprietários, como, por exemplo, pretender o proprietário dos terrenos invadidos indenizações por
parte dos proprietários
dos terrenos acrescidos. Por essa razão,
a norma jurídi ca (128 ) que regula o abando no do álveo pelo
rio, não o proíbe, não o determina, nem estabelece regras de
como se deve processar, apenas prescreve como se devem comportar as pessoa s afetada s por ele.
Do mesmo modo na avulsão, na aluvião, no nascimento,
na morte, no implem ento de idade e em outros fatos natura is
que, de alguma maneira, interferem em interesses dos homens,
podendo provocar conflitos. Por isso e porque o Direito existe
para possibilitar uma convivência social harmônica, esses fatos
não podem ficar sem regulação, fora do mundo jurídico, e são
chamados fatos jurídicos stricto sensu.
Capítulo IX
Do Ato-Fato Jurídico
(128) Código Civil art. 544
132
133
1.
Conceituação
Há outra s espéc ies em que o fato para exist ir neces sita,
essenci alme nte, de um ato huma no, mas a norma jur ídi ca abs trai desse ato qualq uer elemen to volit ivo como relev ante. O ato
hum ano é da sub stâ nci a do fat o juríd ico , mas não imp ort a par a
a no rma se ho uv e ou nã o vo nt ad e em pr at ic á-lo . Re ss al ta -se ,
na ver dad e, a con seq üên cia do ato, ou sej a, o fat o res ult ant e,
sem se dar maior signi ficân cia à vontade em prati cá-lo. A essa
espéc ie PONTES DE MIRANDA dá o nome de ato-fato jurí dico.
2.
Espécies
No conc eit o de ato -fat o jur ídi co estão incluí dos: I) os atos
rea is; II) os cas os de ind eni zab ili dad e sem cul pa; III) os cas os
de ca du ci da de se m cu lp a.
2.1 ) — Os ato s rea is (Re ala kte n), tam bém den omi nad os
at os mat er ia is (T at ha nd lu nge n) , co ns is te m em at os hu man os
de qu e re su lt am ci rc un st ân ci as fá ct ic as , ger al men te ir re mov ívei s. Em to da s es sa s ex pr es sõ es , de sd e aq ue la s cu nh ad as pe la
do ut ri na al em ã à cr ia da po r Po nt es de Mi ra nd a, se dá re le vo
à par tic ula rid ade de que é o fat o res ult ant e que imp ort a par a a
conf igur ação do fat o jur ídi co, não o ato huma no como element o
vol iti vo. Na esp eci fic açã o, por exe mpl o, int ere ssa o res ult ado
que se obt eve , ind ife ren tem ent e de ter hav ido , ou não , von tad e
em ob tê-lo . O lo uc o qu e pi nt a um qu ad ro , ad qu ir e a su a pr o
pr ie da de e nã o imp or ta ao men os se el e sa bi a, ou nã o, o qu e
est ava rea liz ando. A cri anç a que des cob re o tes our o ent err ado
no fun do do qui nta l, adq uir e-lhe a pro pri eda de, ind epe nde nte
ment e de ter quer ido ou não descobr i-lo. Ness as espéci es, como
na oc up aç ão , na pr od uç ão de ob ra ar tí st ic a, li te rá ri a e ci en tí
fi ca , na ca ça , na pe sca , na in ve nç ão , nã o se te m em co nt a a
von ta de em pr at ic ar o at o, mas , si mpl es men te , se to ma o re
sul tad o, que é dad o fác tic o com lug ar no mun do; por iss o mes
mo, nã o po de se r igno ra do so b pe na de , em se ne gan do a re a
lid ade emp íri ca, con tra ria r-se a própr ia nat ure za das coi sas .
2. 2) — Os casos de indenizabi lid ade sem culpa são aque
las sit uações em que, de um ato huma no não cont rário a direit o
(= líc ito ), dec orr e pre juízo a ter cei ro, com dev er de ind eni zar .
137
Geralmente, são indenizáveis os danos decorrentes de atos
ilícitos, portanto de atos contrários a direito. Ocorre, porém,
que, no sistema jurídico brasileiro, há casos em que o ato praticado no exercício regular de um direito, ou em estado de
necessidade, quando causa dano a patrimônio de terceiro, gera
o dever de indeni zar, indepe ndente mente de culpa; exempl o:
a hipótese do art. 160, II, combinado com o art. 1.519 do Código Civil. Nesses atos não há contrariedade a direito, nem,
conseqüentemente, ilicitude — que está pré-excluída pelo art.
160, primeira parte, do Código Civil — mas há o dever de indenizar, fundamentado no critério de que os danos são indenizáveis, simplesmente pela circunstância de serem danos imputáveis a129alguém, independentemente de decorrerem de atos
ilícitos. ( ) Embora não contrário a direito, o ato é considerado, numa visão mais rente à realidade, em seus efeitos
fácticos, representados pelos danos causados à esfera jurídica
alheia. Na relação "ato, fato-danoso" prevalece o elemento fáctico, com abstração de qualquer conteúdo volitivo que, porventura, haja determinado o ato. Nessa espécie, o suporte fáctico
suficiente é composto, apenas, por dois elementos: — ato não
contrário a direito + dano a patrimônio alheio (= fato-danoso).
A vontad e na práti ca do ato é absolu tament e irrele vante para
a incidência da norma jurídica e, portanto, para a constituição
do fato jurídico. Por isso, configura ato-fato jurídico o fato
produz ido pelo homem (= ato), ou a ele imputá vel, de que
decorra dever de indeni zar os prejuí zos result antes, quando
não há contra riedad e a direit o.
Entram nessa categoria, por exemplo, quando causadores
de danos indenizávei s, — os atos:
a) de desforço pessoal imediato para manutenção ou rein
tegração de posse, praticados dentro dos limites indispensáveis
à defesa possessória, se lhes sobrevem sentença desfavorável;
b) de indústria perigosa, desde que regularmente permi
tida , incl uída s as estr adas de ferro , nest e caso , se os dano s
forem causados a terceiros que não sejam passageiros ou reme
tent es de carga ;
c) de caça e pesca permit idos.
(1 29 ) Co st uma-se , em ge ra l, re la ci on ar o de ve r de in de ni za r co m a pr at ic a de
ato ilícito. Essa relação não é necessária, no entanto. Ha casos de atoe
Ilícitos em que n&o existe o dever de indenizar, como nos ilícitos eadu ciflcant es — cuj o efeito é a pe rda de um di reito pe lo pr ati cant e do
at o, e. g. ,C .C . ar t. 39 5 — e nu li íi ca nt es — qu e tê m o ef ei to de in va li da ção de ato Jur ídi co lato se ns n. Al ém di st o há inú me ras hi pó te se s em
que há dever de indenizar sem que haja Ilícito, como se indica no texto.
138
Essa espéci e de ato-fato jurídi co se asseme lha bastan te
aos ilíc itos . A dist inçã o resi de, preci same nte, em sere m ou
não considerados conformes a direito pelo ordenamento jurídico. Se a atividade é permitida pelas normas jurídicas, o dano
eventual que ela causar não caracteriza ilicitude, embora obrigue a inde niza r (vid e nota n^ 113, acim a). A ilic itud e tem
como cerne a circun stânci a de ser contrá ria a direit o. Se o
fato, evento ou conduta, é conforme a direito, porque admitido
regular mente pelo ordenam ento, não pode ser consid erado
ilícito.
Nos exemplos que formulamos acima esse ponto da conformidade ou não-conformidade com o direito fica bem ressaltado:
a) no desforço pessoal imediato, que é procedimento admi
tido pelo Código Civil (130 ), portanto, legítimo, se o defensor
da posse excede os limites indispensáve is à manutenção ou
reintegração (parágrafo único do art. 502), o ato passará a ser
ilícito, porque se tornou contrário a direito. O ato-fato (lícito)
soment e exist e enquan to o desfor ço pessoa l imedia to estive r
dentro dos131limites legalmente permitidos (= conformidade a
direito); ( )
b) na indúst ria perigos a, não haverá ilicit ude se e en
quanto se mant iver dent ro dos limi tes da perm issã o e com
patibilidade com o ordenamento jurídico. Se uma indústria quí
mica mantém, dentro dos padrões de segurança admitidos como
corretos, uma lagoa na qual recolhe dejetos nocivos, e, por
conseqüência de uma hecatombe, um terremoto, por exemplo
(= cas o for tui to e de for ça mai or) , ess es dej eto s vaz am e
causam danos, a indúst ria respon derá por eles, não por haver
ilícit o, mas pelo ato-fato relacio nado ao risco ineren te à pró
pria atividade. Quem instala indústria perigosa assume os ris
cos pelos danos que, por qualquer causa, vier a provocar. Por
essa razã o, hão se pode cons ider ar deco rrent e de fato ilíc ito
o dano a terc eiro resu ltan te de ativ idad e das estr adas de
ferro , porq ue cons titu em um caso de indú stri a perm itid a. Se
uma fagulha lançada, ao acaso, pela locomotiva, movida a car
vão, prov oca um incê ndio em lavo ura à marge m da estr ada,
planta da dentro dos padrões de seguran ça estabe lecido s pela
lei, a responsabili dade de indenizar, da estrada de ferro, existe
como eficáci a de ato-fato (licit o), confor me dispõe o art. 26
(130) Art. 502.
(131) Em ambos os casos pode haver dever de indenizar, embora no ato -fato esse
dever náo decorra de Ilicitude.
139
do Decreto-lei n? 2.681, de 07/12/1912, não de responsabilidade
por fato ilícito. (Se, diferentement e, o dano causado pela estrada de ferro é a passageiro ou a remetente de
carga, trata-se
de ilícito, em face do que dispõem os arts. l9 e 17 do citado
Dacreto-lei n^ 2.681, de 07/12/1912, que se referem, explicitamente, a se considerarem esses danos como resultantes de
culpa, mesmo presumida, o que caracteriza a ilicitude);
c) na caça e pesca, quando permit idas, se há dano causado em decorrência normal delas, a reparabilidad e não resulta de ilicitude. Esta existe se aquelas atividades não são permiti das (= são proi bida s) ou quan do o dano resu lta de atos
que não sejam o de caçar, ou de pescar, regularmente (por
exemplo: — há ilicitude se o caçador põe fogo ao mato para
que o animal saia da toca e provoc a um incênd io, ou se o
pesc ador usa bomb a para mata r peix e e a expl osão dani fica
o meca nism o de abri r as comp orta s do açud e).
Convém ressaltar, mais uma vez, que a distinção entre a
licitude e a ilicitude. nessas espécies em que há responsabilidade civil sem culpa, resulta de ser, a atividade de que decorrem, conforme a direito (= reconhecida como legítima pelo
ordenamento jurídico) ou contrária a direito (= proibida pelo
ordenamento jurídico).
2. 3) — Os casos de caducidade sem culpa são aquelas
situações que têm por efeito a extinção de um determinado
direito e, conseqüentemente, da pretensão, da ação e da exceção, independentem ente de verificação de culpa do seu titular.
A caducidade (m) constitui conseqüência (eficácia): —
(1 32 ) A ca du ci da de , ta mb ém de no mi na da de ca dê nc ia , as semelh a -se à pr escr iç ão ,
uma ve z que os se us su por tes íácticos
sã o Id ên ticos : — In ação do titu la r do dire ito dura nte um cer to la p r o de tem po. Di fe re m, no en tanto,
quanto aos ee us ef ei tos : — a) na caducidade, o ef ei to ex tintivo é so bre
o direi to subjet ivo, res ultando, daí. a ex tinção, também , de pret en são,
de ação e de ex ceç ão que de le dec orram; b) a pres crição atinge, somen te, a pret en são e a ação, per manec en do In cólume o direi to subje tivo . De ss a dife re nça re su lt am duas con se qüên cias prá ticas de re le vâ n cia: — a) a pre sc ri ção, nâo
atingi ndo o dire ito, ma s so me nte a su a
exi gibilidade (= ■: pretensão 1 ) e impositividade (= ação), não ext ingue a
pos si bili dade de cump ri me nto lí cito da ob ri ga ção: — aquel e que paga
dívida pres crita, paga bem , ou mel hor, nâo faz pagamen to indev ido e,
por iss o, não pod e ped ir re st ituição (Ó .C. art . 970); a ca ducidade exti ng ue o di reit o e. po rt an to , as ob ri ga çõ es co rr espe ct ua s; as si m o seu
cump ri me nto é indev ido, dando en se jo à re pet ição; b) o pra zo da pre s crição pode ser inter rompido, simples men te, sem que prec ise o titular
do di reit o exercê -lo em su a pl en it ud e de nt ro do pr az o pr escr ic io na l.
In ter rompido, o prazo começ a a correr novamen te: na caducidade, o
di reit o te m qu e ser exerci do de nt ro do la ps o de te mp o, nã o ca be nd o
interrompê -lo para que se renove.
A caducidade, além disto, pode *t>esultar de penalidade por ilicitude,
como no exemplo dado no texto, e a prescriç&o nunca.
140
a) — de atos ilícitos, sempre culposos, como acontece
com o pai que castiga imoderadamente o filho e, por isso, perde
o pátrio poder sobre ele (C. Civil , art. 359, I ) ; ou
b) — mais comumente, de inação do titular do direito
durant e um certo tempo, indepe ndente mente de haver ou não
culp a de sua part e (don de não have r ilic itud e).
Essas hipóteses em que a caducidade se dá independentemente de ato culposo, e, portanto, não constitui eficácia de
ato ilícit o, configu ram atos -fatos jurídi cos, uma vez que não
se leva em consideração qualquer elemento volitivo como determinante da omissão (= inação) de que resultam. O suporte
fáctico do fato jurídico que tem por efeito a caducidade sem
culpa é constituído, geralmente, por dois elementos: transcurso
de um dete rmin ado laps o de temp o ( = fato ) + inaç ão do
tit ula r do dir eit o (= ato ). Se hou ve ou não von tad e qua nto
à omissão, é dado absolutament e irrelevante; importa, apenas,
o transcurso do tempo sem ação do titular do direito, o que
caracteriza, precisamente, o ato-fato.
São exemplos de caducidade sem culpa, portanto, de atos-fatos jurídicos dessa espécie:
— a caducidade das ações redi133
bitória e quantis minoris
(
),
das ações de anulação de casamento, dentre outras. (134)
3. Divergências doutrinárias
3.1 — Sobre o tratamento do ato-fato jurídico, especialmente as espécies denominadas atos reais ou atos materiais,
como classe distinta dos atos jurídicos, não há concordância
entre os doutrinadore s.
a) — A doutri na frances a soment e distin gue duas espé cies de fatos jurídicos: os faits juridiques e os actes juridiques.
Na primeira categoria, incluem os fatos jurídicos stricto sensu,
os atos-fatos jurídicos e os ilícitos de todas as espécies, ou seja,
todos os fatos jurídicos cujos efeitos não decorram de um ato
de vontade. Acte juridique, por sua vez, é considerado, 135
exclusivamente, aquele cujos efeitos jurídicos são volitivos. ( )
(133) Art. 178. §§ 3.0 e 4.o.
(134) O Código Civil tratou indistintamente as espécies de caducidade e de
pr escr iç ão , no ar t. 17 8. A bo a do ut ri na , po rém, as di st in gu e ni mi am en te .
(135) Citamos, somente como exemplo, autores bem modernos como Weil, Dioit
Civil, Introduction Générale. pág. 211 e segs., e Starck, Droit Civil,
Introduction, pág. 150 e segs.
141
Há, portanto, entre os franceses um tratamento indistinto
do ato-fato jurídico, não somente em relação ao ato jurídico,
mas tamb ém ao fato jurí dico stri cto sens u e aos ilíc itos .
3.2 — Na Alemanha, a doutrina inspirada, principalmen
te, nos estudos de Manigk, (136 ) trata o ato-fato jurídico —
denominado Realakt (ato real) ou Tathandlung 137
(ato material),
como uma espécie de ato jurídico. Enneccerus, ( ) por exem
plo, que ente nde exist irem três grupo s de atos jurí dico s, a
saber: — declara ções de vontad e, atos de direit o, atos con
trários a direito, classifica o ato real (Realakt) entre os chama
dos atos de direito (Rechtshandlungen).
"fato, homem"), com que se elide o último termo da primeira
relaç ão e o primei ro da segund a, pondo -se entre parên teses o quid
psíquico, o ato, fat o (in depe nden te da vont ade) do homem, entra
no mundo jurí dico como ato-fato" . (139)
Capítulo X
Do Ato Jurídico (lato sensu)
3.3 — Na Itália, a doutrina, com raras exceções, prati
cament e adotou a linha de pensam ento dos autore
s alemães ,
incluindo os atos-fatos entre os atos jurídicos. (138 )
3.4 — Entr e nós, os auto res que, à exce ção de Pont es
de Miranda, versaram mais dedicadamente o assunto, Orlando
Gomes (Transformaçõe s Gerais do Direito das Obrigações, 76
e segs.) e Vicente Ráo (Ato Jurídico, 22), reproduzem a orien
tação germânica, em linhas gerais, enquanto que João Baptista
Villela em trabalho, parece, ainda inédito, denominado
Do Fato
ao Negóci o: Em busca da precis ão concei tuai, n9 4, adota a
opiniã o de R. de Ruggier o, para quem, concord ando com os
franceses, "as ações humanas que não dependem de uma von
tade, inclue m-se nos fatos natura is".
3.5 — Pontes de Miranda justifica, com absoluta proprie
dade e de modo irrefutável, porque não se devem classificar os
atos -fato s entr e os atos jurí dico s, com essa lapi dar liçã o: —
"ato humano é fato produzido pelo homem; às vezes, não sem
pre, pela vontad e do homem. Se o direit o entend e que é rele
van te ess a rel ação ent re o fat o, a von tad e e o hom em, que
em verd ade é dupl a (fat o, vont ade -home m), o ato huma no é
ato jurídico, lícito ou ilícito, e não ato-fato, nem fato jurídico
strict o sensu. Se, mais rente ao determ inismo da nature za, o
ato é recebido pelo direito como fato do homem (relação
(136) Awendungsgebeit der Vorschriíten uber Rechtsgeschafte. 1901. Wlllenserkla ru ng un d Willen sg esch af te , 19 07 , e o ar ti go Re ch te wlss en sc ha ít , ap ud
Ennecceru s, Tra tado de Der echo Civil, 1. 2.°, 9.
(137) Obr. e tomo cits. 11/14,
(138) MirabelU, L'Atto non Negoziale nel Diritto Privato Italiano, 10 e segs. Res sa lt e-se a op in iã o de Sa nt i Ro ma no (C orso de Di ri tt o Ammi ni st ra ti vo. 22 8
e se gs ., Ced am, Pa dua, 1937, e Fr agm en tos de Um Di ccion ári o Ju rí dico,
23 e se gs .), dive rg en te da maior ia, se gu ndo a qual as açõe s jurí dicas
ma ter iais (t ra dução li ter al de Ta thandlu nge n) com o os nom ei a, nao devem ser incluídas entre os atos jurídicos, mas tratadas separadamente.
142
(139) Tratado de Direito Privado, n, 372/3.
143
1.
Conc eit uaçã o
Denomina-se ato jurídico ( 140 ) o fato jurídico cujo suporte
fácti co tenha como cerne uma exter ioriz ação consc iente de vontade, dirig ida a obter um resul tado juri dicame nte prote gido ou
não-proibido e possível.
A par tir des se con cei to, tem os que con sti tue m ele men tos
( 141) essenci ais à caracteri zaçã o do ato jur ídi co:
I. um ato hum ano vol iti vo, ist o é, uma con dut a que re
pre sen te uma ext eri ori zaç ão de von tad e, med ian te sim ple s ma
nifes tação ou decla ração , confo rme a espéc ie, que const itua
uma cond uta jur idi came nte rel evan te e, por iss o, previst a como
su po rt e fá ct ic o de no rma ju rí di ca ;
II. que haj a con sci ênc ia des sa ext eri ori zaç ão de von tad e,
qu er di ze r, qu e a pe ss oa qu e ma ni fe st a ou de cl ar a a vo nt ad e
o faç a com o int uit o de rea liz ar aqu ela con dut a jur idi cam ent e
relevante;
III. que ess e ato se dir ija à obt enç ão de um res ult ado
protegido ou, pelo menos, não-proibido (= permitido) pelo
Direito e possível.
Emb ora par eça não hav er gra nde s div erg ênc ias dou tri nári as em re la çã o a es se co nc ei to em su a ge ne ra li da de , nã o
ex is te un an imi da de qu an do se tr at a de co nc ei tu ar os se us
ele men tos con sti tut ivo s. Por ess a raz ão pro cur are mos est abe le ce r as pr ec is õe s co nc ep tu ai s qu e ju lgamo s ne ce ss ár ia s.
2.
An ál is e do s el em en to s co ns ti tu ti vo s
2 .1
Ex te ri or iz aç ão da vo nt ad e
Do pon to de vis ta do dir eit o, som ent e von tad e que se
ex te ri or iza é co ns id er ad a su fi ci en te pa ra co mpo r su po rt e fá c(1 40) No tex to, o em pre go da ex pre ss ão ato jurí dico ter á o se ntido de ato jurí dico la to se nsu . Se mp re que nos quise rm os re fe ri r a ato jurí dico st ri cto
sensu o faremos usando literalmente toda a expressão.
( 1 4 1 ) O us o da pa la vr a elem en to , no te xt o, te m o se u si gn if ic ad o pr óp ri o, co mu m,
de "t ud o o qu e en tr a na co mp os iç ão de al gu ma co is a" , e nã o no sent id o
res trito usado na linguagem Jurídica quando *e ref ere a elementos ditos
essenciais, naturais e acidentais dos negóciog Jurídicos.
147
tico de ato jurídico. A necessidade de que o elemento volitivo
da conduta seja conhecido das pessoas constitui imperativo de
ordem práti ca, vivenc ial, que o direit o incorp ora. A vontad e
que permanece interna, como acontece com a reserva mental,
não
serv e à comp osiç ão de supo rte fáct ico do ato jurí dico ,
(142) pois que de difícil, senão impossível apuração.
Tudo o que acontece no mundo, ou seja, todos os fatos,
dentre os quais se incluem os atos, se apresentam revestindo,
sempre, uma certa forma, qualquer que seja. A simples circunstância de se tornar realidade concreta no mundo importa,
necessariamente, ter uma forma. A vontade, também, ao exteriorizar-se toma forma, consubstanciando-se em simples manifestações — quando se revelam através de mero comportamento das pessoas, embora concluente, — ou em declarações, 143
que
se constituem em manifestações qualificadas de vontade ( ).
A distinção entre declaração e manifestação de vontade reside,
assim, no modo como a vontad e é exteri orizad a Se alguém
lança ao lixo um par de sapatos, manifesta a sua vontade de
abando ná-lo (= derreli cção); se, diferen tement e, diz às pes soas da casa que vai lançar os sapatos ao lixo, declarou a sua
vontad e144de derreli nqüir (abando nar), não soment e a manifestou. ( )
Disto resulta evidente que declaração e manifestação são
modos (= formas) de exterioriza ção de vontade e por isso
constituem elementos completantes do suporte fáctico dos atos
jurídi cos. Embora não sejam o própri o núcleo , são dados que
o completam, donde a sua presença constituir elemento essencial à concreção do suporte fáctico suficiente à incidência da
norma jurídica, portanto, à própria existência do ato jurídico.
Daí decorre que, se a norma jurídica exige como elemento do
suporte fáctico de certo ato jurídico que a vontade seja exteriorizada mediante declaração, a exteriorização por outra forma
não bastará a que se possa considerá-lo existente; quer dizer: —
a falta da declaração onde ela é exigida acarreta a inexistência
do ato jurídico, não somente a sua nulidade ou ineficácia.
Exemplifica ndo: para os testamentos, as normas do Código
(142) Há situações, como no dolo, na ignorância, no erro, que dados volltlvoa
internos constituem elementos de suporte fáctico de norma jurídica.
(143) Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, I, 80 e segs.
(144) A doutrina costuma considerar a declaração e a manifestação da vontade
co mo ba se pa ra a di st in çã o en tr e o ne gó ci o Ju rí di co e o at o Ju rí di co
strlcto sensu. Assim, havendo declarações de vontade haveria negócio
Jurídico, enquanto que as manifestações de vontade caracterizariam os
at os Ju rí di co s st rl ct o se ns u. Ta is af ir mati va s, no en ta nt o, na o sa o de
to do co rr et as . A re al id ad e Ju rí di ca most ra qu e há ne gó ci os Ju rí di co s
que se constituem mediante simples man if estações de vontade, e que há
atos Jurídicos strlcto sensu que exigem declaração
148
Civil estabelecem formas especiais segundo as quais as pessoas
podem declarar as suas disposições sobre a destinação post
mortem de seu patrimônio. Se alguém faz declarações dessa
espé cie util izan do outr as form as que não as prev ista s na lei
(e. g., através de gravações em video-tape, ou escrevendo uma
cart a a um amig o) essa s decl araçõ es não são cons ider adas
como testamento, isto porque faltou elemento completante do
suport e fáctico e, assim, não se pode tê-lo por concret izado.
Do mesmo modo, se o credor escreve carta particular ao devedor com a finalidade de constituí-lo em mora, em espécie para
qual a lei exija a interpelação judicial, a carta não constitui
manifestação de vontade bastante para a configuração do ato
jurídico stricto sensu da interpelação. A declaração de última
vontade feita em video-tape ou em carta a amigo, e a carta
particular ao devedor não podem ser consideradas um testamento e uma interpelação nulos, mas, sim, inexistentes (em
sentid o estrit o) como negócio jurídi co (testa mento) ou ato
jurídico stricto sensu (interpelação ).
Ao contrário, se a norma jurídica prevê em seu suporte
fáct ico uma simp les mani fest ação de vont ade e o figur ante
do ato jurídico a exteri oriza através de declara ção, esta, por
ser uma manifestação qualificada, deve ser considerada
suficiente à composição do respectivo suporte fáctico. (145)
2 .2
Cons ciên cia da vont ade
Quando se trata de exteri orizaç ão de vontad e relevan te
para o dire ito, é neces sári o cons ider ar: —
(a) a vontade em si mesma, ou seja, o conteúdo da von
tade decl arada ou mani fest ada e
(b) A vont ade de decl arar ou mani fest ar.
(1 45 ) £ ne ce ss ár io na o co nf un di r a de cl ar aç ão e a mani fe st aç ão de vo nt ad e em
si com a forma de qu e se de ve m reve st ir em algun s caso s. Às ve zes,
embora somente em casos especiais, como no testame nto, a norma Jurí dica faz da forma elemento integrante da própria declaração. Em outros,
mais co muns , a fo rma da de cl ar aç ã o ou da mani fe st aç ão co ns ti tu em
simples compleme ntos; por isso não as completam, apenas as comple mentam. Nos contratos relativos à transmissão de bens imóveis de valor
superior a certa importância, por exemplo, o Código Civil estabelece que
as declarações de vontade sejam f eitas em instrume nto público. Se
ao invés de vender o imó vel por escritura pública alguém o vende por
documento particular, o contrato de compr -a e venda é nulo e nfto ine xistente; por se tratar de eleme nto compleme ntar e n&o completant e, a
su a falta ind uz nu lida de . nu nc a In exi st ênc ia. Vi de . ant es no cap. m.
n.° 5. a distinção entre eleme ntos nucleares, completantes, compleme n tares e integrativos do suporte fáctico.
149
Com efeito, para compor suporte fáctico suficiente de ato
jurídi co a vontad e há de ser consci ente, em virtud e do que
aquele que a declara ou manifesta deve saber que a está declarando ou manifestando com o sentido próprio. Por essa razão
é que um indivíduo que, comparecendo a um leilão, em localidade cujos usos desconhece, exprime, involuntariamente, gesto
que significa lance (p. ex.: acena com a cabeça para cumprimentar uma pessoa conhecida que identificou na platéia), não
está, efetivamente, comprando. A inexistência da vontade negociai, na sua manife stação , leva à inexi stênci a do ato.
O quotidiano da vida demonstra que situações desse tipo
são comuns, particularmente quando se trata de manifestações
de vontade. Algumas vezes uma certa conduta que aparenta determinado sentido para as pessoas que dela tomam conhecimento, na verdade tem um significado real completamente
diferente. Muitas vezes, aquilo que se exterioriza e se torna
conhecido das pessoas nem sempre coincide com o que realmente acontece no espírito daquele que está a realizar a conduta. Uma pessoa que, por estar desmaiada, permanece imóvel
em momento de deliberação cujo voto contrário deva ser expressado levantando o braço, não pode ter a sua imobilidade
considerada como voto favorável, em razão de sua inconsciência.
A consciência da vontade exige, também, o conhecimento
das circunstância s que envolvem a manifestação ou declaração. O vizinho que assume por sua conta a administração de
uma fazenda, cujo administrado r tenha falecido, constitui-se
em gestor de negócio e seus atos, sob pena de responsabilidade,
precisam da aprovação do dono. Essa aprovação pode ser tácita,
ou seja mediante manifestação do dono da qual se possa concluir a sua aceitação. Se, sem saber que o administrador falecera, o dono recebe e consome produtos tirados da fazenda que
o gesto r (= o vizi nho) lhe haja envi ado, sem comu nica r-lhe
o fato da gestão, essa manifestação de vontade, representada
pelo recebimento e consumição dos produtos, sem protesto, não
pode ser considerada como aprovação da gestão de negócio. O
desconhecimento das circunstâncias conduz à inconsciência da
vontade.
A questão da inconsciência (148) não se confunde com o
problema do erro na manifestação de vontade. A inconsciência
(146) As divergências entre a vontade psicológi ca e a vontade exterlorizada s&o
«sempre possíveis de ocorrer. E parece claro que nao se pode, simplesmente, estabelecer, aprioristlcamente. o que deve prevalecer: se a vontade ou se a sua declaração. Sobre esse problema as duas principais
150
implica inexistência da vontade, enquanto que no erro há vontade, porém, defeituosa. Por isso, no caso de inconsciência da
vontade não há negócio jurídico ou ato jurídico stricto sensu;
havend o erro, existe o ato jurídi co (negóci o ou ato jurídi co
stricto sensu), mas anulável (= passível de anulação) como
decorrência do defeito na formação da vontade. A inconsciência constitui elemento que importa insuficiência do suporte fáctico; o erro tem sua conseqüência quanto à eficiência dos elementos do suporte fáctico (vide diferenciação, antes, no cap.
IV).
A exigência da consciência da vontade não significa que o
figurante (= aquele que exterioriza a vontade) precise manifestá-la com a ciência e a intenção de que está praticando um
ato jurídico. Se existe a intenção e a ciência, melhor. Na verdade, quando alguém toma um ônibus, não está pensando em
fazer um contra to de transp orte, nem quando vai ao cinema
tem o intuito de realizar um contrato de exibição. Mas, quando
se toma um ônibus ou se vai ao cinema, quer-se aquilo que se
manifesta, com o intuito prático de ser transportado ou de assistir a um filme. Se essa manifestação Constitui suporte fáctico1
de uma norma jurídica, a sua incidência, por ser incondiciona ,
cria o ato jurídico correspondente, independentemente da apuração da circunstância de se ter querido praticar um ato jurídico. A consciência deve ser da manifestação em si, não do
específico conteúdo jurídico dessa manifestação, ou das conseqüências jurídicas da conduta.
2 . 3 Res ult ado líc ito e pos sív el
Finalmente, tem-se como terceiro elemento essencial à configuração do ato jurídico que ele se dirija à obtenção de um
resultado protegido ou, pelo menos, não-proibido pelo direito e
também possível, vale dizer: — é necessário que o ato jurídico
tenha um objeto e que esse seja lícito e possív el.
Todo ato jurídico, como instrumento de realização do direito, tem uma atribu ição especí fica, de cunho prátic o que a
correntes doutrinárias que procuram explicar o negócio jurídico (espe ci al ment e) , na o tê m po si çõ es un if or mes: a) pa ra a te or ia da vo nt ad e
(t eoria su bj eti va ), na conf igur ação do ne gócio Jur ídi co o qu e imp orta
é a vontade em si. portanto o conteúdo da vontade, aquilo qne psico logicamente se quis; b) os seguidores da teoria da declaração (teoria
objetiva) entendem, diferenteme nte, que a prevalência deve ser da von tade tal qual exteriorizada, sem levar -se em conta a vontade real. Essas
duas concepções, por serem extremadas, nao conseguem explicar satis fato riame nt e qu est ões qu e a realida de do di reito su gere, como se rá
melhor apreciado mais adiante.
151
ordem jurídica encampa e protege. Visa-se, na compra e venda,
à promessa de transmissão do bem; na locação de coisas, à cessão de uso; no casamento, à constituição da família legítima,
com todas as suas implicações físicas, econômicas e morais; na
emissão de cheque, a uma ordem de pagamento ao banco depositário, 147
por exemplo. Essa atribuição constitui o objeto do ato
jurídico ( ), e se caracteriza pela eficácia que as normas jurídicas lhe imputam.
(14T) É necessário estabelecer -se a distinção entre as diversas expressões em que
se fa z referencia a objeto no trato do direito. Fala -se, por exemplo, em
objeto de direito, objeto da relação Jurídica, objeto da prestação, objeto
do ato Jurídico, objeto do Direito (Ciência do Direito). Cada uma dessas
expressões tem um sentido próprio, embora sejam algumas vezes confundidas pela doutrina menos rigorosa. Sucintamente, procuraremos conceituá-las.
I) Objeto de direito. As normas Jurídicas se dirigem aos homens, regu lando-lhes os Interesses, em relaçã o aos bens da Tida que ela procura
distribuir. Todo bem da vida que possa constituir eleme nto de suporte
fa ctlco de norma Jurídica, portanto que esteja regulado por uma norma
jurídica, de algum modo. para atribui-lo a alguém, é objeto de direito.
Esse conceito dado In abstracto torna -se concreto no sentido de esfera
Jurídica, ou seja, quando define o conjunto de objetos de direito rela
cionados a alguém. Assim, constituem objeto de direito e, portanto,
Integram a esfera Jurídica das pessoas: — (a) as coisas, representadas
pe lo s be ns mate ri ai s (e x. : be ns móve is e imóv ei s) ; (b ) os be ns lmat e rials que consistem na chamada propriedad e Intelectual, artística, lite
rária, industrial e comercial (ex.: direitos do autor de obra literária,
nome comer cial, direito de Invenção); (c) créditos, no sentido de direi
tos economi camente mensuráveis (ex.: direito à remuneração pelo tra
balho prestado, direito ao uso do bem dado em comodato, direito a
receber a quantia dada em empréstimo, direito da vítima & Indenização
por ato ilícito); (d) interesses juridicamente protegidos sem valor eco
nômic o, pelo menos Imediato (ex.: direito á rida, à liberdade, ao nome
à honra, à saúde). Os objetos referidos nos itens a), b) e c) constituem
o que se pode chamar, de patrimônio, porque tem sentido econômico,
que, com a adlç&o dos objetos mencionados no Item d), compõem a
esfera Jurídica das pessoas.
II) Objeto da relação jurídica. O objeto de direito que constitui ma
téria de relação jurídica, isto é, sobre o qual recaem os direitos que
formam o conteúdo de relação jurídica, denomina-se objeto da relaçã o
jurídica. Na relação Jurídica real de propriedade, os seus direitos re
caem sobre a coisa que é o sen objeto. Na relação Jurídica pessoal, o
objeto é a promessa de ato humano (ex.: no mútuo, a promessa de
pagar no dia aprazado), não o ato humano em si, porque este o é.
III) Objeto da prestação, o objeto da prestação se constitui sempre em
um ato humano (ação ou omi ssão! ) devido em decorrência de uma rela
ção Jurídica: o fa zer e o não fa zer (há quem pretenda Incluir o dar,
como o Código Civil, mas a rigor o dar é, apenas, uma maneira de fazer).
Na relação jurídica de propriedade, as pessoas cumorem a1 sua obriga ção
abstendo-se de violar os direitos do proprietário (nao fazer ). Na relação
Jurídica de mútuo o devedor cumpre a sua obrigação pagando a dívida
(fazer).
IV) Objeto do ato Jurídico consiste na atribuição que a ele as norma s
Jurídicas imputam, ou seja. a criação de uma relação Jurídica que, de
algum modo, altera o conteúdo da esfera jurídica dos figurantes. Sem
pre que se pratica um ato Jurídico criam-se direitos e obrigações os
quais, evidentemente, constituem modificação naquilo que Íntegra a es
fera Jurídica dos interessados. Como se vê, o conceito de objeto de
direito é fundamental e dele decorrem todos os outros. Forque para
ser objeto de ato Jurld'co, de prestaçã o ou de relação Jurídica é necessá
ri o qu e se ja , an te s, ob je to de di re it o.
V) Fi na lme nt e, obj eto do Di reito - é a ma té ria de qu e cui da a Ci ênc ia
do Direito: — são' as norma s Jurídicas, no nosso entender. Essa questão
é extremamente discutida, pois que envolve aspectos relativos à própria
natureza do Direito, portanto de cunho filosófico, variando as opiniões
segundo a convi cção doutrinária de cada um.
152
Parece bastante evidente que não se pode considerar ato
jurídico aquele ato do qual não decorra, ou ao menos possa decorrer, uma atribuição jurídica caracterizada pela possibilidade
de modificação no conteúdo da esfera jurídica dos figurantes do
ato jurídico; quer dizer: — o ato jurídico deve visar a uma
alteração na situação jurídica dos interessados, por força dos
efeitos que produz. 0 ato jurídico, no entanto, não é necessariamente eficaz, mas há de ter, ao menos, a possibilid ade de
sê-lo. O ato jurídico, enquanto dependente de condição suspensiva, não será eficaz e não produzirá a atribuição jurídica específica; se a condição jamais se concretizar, os seus efeitos
próp rios e fina is (= sua atri buiç ão jurí dica ) tamb ém jama is
se realizarão. Entretanto, bastará a possibilidade de que alcance
a sua eficácia jurídica própria para caracterizá -lo. Se, porém,
não há essa possib ilidad e, o ato jurídi co não exist e como tal:
(148).
O sentido de objeto como atribuição específica se confunde
com o de fim
do ato jurídico, não, porém, com o de causa ou
de motivo (149), porque, em relação a esses, é bem mais abrangente. 0 negócio jurídico abstrato, não-causal, embora a causa
seja irrelevante, tem atribuição jurídica própria. A emissão de
uma nota promissória ao portador e sem vinculação a determi(14S) É possível em alguns casos, especialmente nos negócios Jurídicos bilaterais,
o ato Jurídico ter sua eficácia final condicionada a condições e termo s.
Não são admissíveis, porém, que sejam estipuladas condições que privem
o ne gócio ju rí di co de to do s os se us efeito s (C ódi go Ci vi l, art. 115).
Essa disposição proibitiva reflete a necessidade de o ato jurídico ter,
sempre, um fim, uma atribuição, um objeto, que nao teria se permi tidas
as condições com aquela amplitude.
(149) Embora doutrinariamente seja corrente encontrarem -se confundidas, expressõ es co mo ca us a, moti vo , fi m, do ne gó ci o Ju rí di co , re pr es en ta m co n ce it os di st in to s. Se ab st ra ir mos da do ut ri na su bj et iv is ta da ca us a —
grande responsável pela extrema confusão que grassa nessa matéria —
podemos conceituar aquelas espécies, a saber: —
a) causa: — atribuição jurídica do negócio, relacionada ao fim prático
que se obtém como decorrência dele. Nesse sentido, há (a) causa solvendi, quando o negócio tem como resultado o adünpleme nto de obri
gações; (b) causa credendi, dita também constltuendi, quando do negócio
resulta a constituição de um crédito, em contrapartida da criação de
uma obrigação e (c) causa donandi que "supõe que nem se crie crédito
a favor de alguém, nem se solva dívida. Só um dá, sem outra causa
que a de inserir bem da vida no patrimônio de outrem. A causa, em
última análise, constitui a função do negócio jurídico;
b) motivo: — razão intencional determinante do negócio. O motivo pelo
qual se realiza o negócio é Irrelevante, salvo quando declarado no próprio
negócio como determi nante dele ou como condição. (O Código Civil vi
gente (de 191 6) confundiu motivo determinante com causa, no art. 90.
No art. 140 do Projeto de Código Civil da Comissão Miguel Beale, corri
giu-se a terminolog ia);
o) fim é aquilo que de positivo ou negativo ocorre na esfera Jurídica do
fi gu ra nt e do at o ju rídi co . Co nf un de -se , po rt an to , co m ob je to do at o
jurídico, tendo o mesmo sentido de atribuição jurídica, ou seja, de eficá ci a Ju rí di ca do at o. O fi m ex is te em to do o at o ju rí di co , se ja ca us ai
ou abstrato, motivado ( — com motivo determinante declarado) ou lmotlva do . (V id e so br e o as su nt o Po nt es de Mi ra nd a, Tr at ad o de Di re it o
Pr iv ad o, m. es pe ci al ment e os $5 26 2 e se gs .) .
153
na do fi m (= mot ivo de te rmi na nt e) é ne gó ci o ju rí di co ab st ra to, sem cau sa, mas tem por atr ibu içã o juríd ica pró pri a uma
pr ome ss a de pa gam en to a se r fe it o a qu em a ap re se nt ar qu an do do venc imen to.
Com relaç ão ao objeto do ato jurí dico, há três aspec tos princi pa is a co ns id er ar : — I) a su a ex is tê nc ia , II) a su a li ci tu de
e III) poss ibilidade.
I) A falta de obj eto faz nenh um o ato jur ídi co, como vimos.
Na sit uação de ato jur ídi co inexistente, por fal ta de obj eto se
in cl ue m: —
a) o at o nã o-sé ri o, fe it o por br in ca de ir a, o at o di dá ti co e
o ato apa ren te , por exe mpl o. O pro fes sor de Dir eit o Com erc ial
qu e pr ee nc he e as si na , co mo emi te nt e, uma no ta pr omi ss ór ia
em sa la de au la pa ra en si na r a se us al un os co mo fa zê - lo , na
prá tic a, não rea liz a o neg óci o juríd ico uni lat era l de emi ssã o de
tít ulo camb iário . Do mesmo modo é inexistente o ato pratic ado
co m si mul aç ão ab so lu ta , qu an do in oc en te , po rq ue o at o si mu
la do é, ap en as , ap ar en te , po rt an to men ti ro so . Se a si mul aç ão
ab so lu ta pr ej ud ic a al gué m,15 ou in fr in ge a le i (é no ce nt e) en tã o
se con sid era com o ilí ci to ( °).
Nessa s situa ções, embora formal mente se tenha um ato ju rí di co , a fa lt a de ob je to o fa z in ex is te nt e co mo ta l.
b) o ato cuj o obj eto sej a gnos eológic a ou logi came nte im
po ss ível . "O qu e nã o po de se r co nh ec id o nã o po de se r ob je to
de ne gó ci o ju rí di co ou de at o ju rí di co st ri ct o se ns u, em ta is
circu nstân cias de imposs ibilidade . A imposs ibilidade lógic a dá-se
qua ndo há inv enc íve l con tra diç ão, e o neg óci o juríd ico ou ato
jur ídi co str ict o sensu existe , caindo a parte cont raditó ria , como
se nã o es ti ve ss e es cr it a; ou nã o ex is te o ne gó ci o ju rí di co se
a cont radiçã o inve ncível o apan ha todo" ( 151).
c) o ato que ten ha por obj eto alg o que não est ej a inc luí do
en tr e aq ue le s be ns da vi da qu e po de m co ns ti tu ir ob je to de
di re it o (p . ex .: a at mos fe ra , o so l, a es tr el a Ve ga, "o po de r
legis lativo").
(1 50) O ato si mu lado é, em ess ênc ia, um ato qu e apa rent a aqu ilo qu e na o é.
Por isso, quando a simulação é absoluta. Isto é. diz respeito ao próprio
conteúdo do ato, e essa simulação não prejudica a terceiros, nem cons ti tu i in fr aç ão da le i, o at o é co ns id er ad o in ex is te nt e pa ra o di re it o Se ,
no entanto, causa prejuízo a alguém, terceiro, ou infringe disposição de
lei. a si mu lação é no cent e e, como ta l, caus a de anu labi llda de do ato
que te considera Jurídico (Ilícito).
(191) Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, IV. 162.
154
II) Quanto à ilicitude e à imposs ibilidade do objeto só
ex ce pc io na lme nt e ac ar re ta m a in ex is tê nc ia do at o ju ri di co ;
tr aze m co mo co ns eq üê nc ia , no mai s da s vez es , a su a in val idade . A ili cit ude e a impo ssi bil idade do obj eto, quan do não
imp lic am ine xis tên cia des fig ura m o ato juríd ico , tor nan do-o
ilícito.
A dou tri na cos tum a con sid era r o ato nul o com o ( a ) ato
jurí dico lícito nulo ou entã o (b) inexi stent e. No nosso enten der o
ato juríd ico nulo é, em senti do estri to, um ato
ilícito, como
deco rrência do efeito nulifi cant e do ilí cit o ( 152). Parece-nos
mui to evi de nt e qu e, se o at o ju rí di co é pr oi bi do pe lo di re it o,
sej a a pro ibi ção qua nto à pes soa que o pra tic a, sej a em rel açã o
ao modo como se realiza , sej a em razã o de sua fin ali dade (conce it o es te em qu e se in cl ue m a il ic it ud e, e a imp os si bi li da de
do obj eto , bem ass im as pro ibi çõe s de res ult ado ), con sti tui -se
um co nt ra -se ns o af ir mar -se qu e se tr at a de um at o ju rí di co
líc ito , mes mo que dit o nul o.
A solução das ques tões result antes da ili cit ude e da impossi bilidade do objeto depen de da orien tação de cada sistema
jurí dico. Os romano s conce biam o nulo como inexi stent e ( 153).
Hoje , co m pl en a ra zão ló gica , os si st ema s ju rí di co s co ns id eram o nulo exist ente, porém, com defei to. De lege feren da, no
ent ant o, nad a imp ede que a lic itu de e a pos sib ili dad e do obj eto
se ja m co ns id er ad os el eme nt os de su fi ci ên ci a do su po rt e
fác tic o, por tan to de exi stê nci a do ato juríd ico , ou, dif ere nte men te , se re m ti da s co mo ca us a de ef ic iê nc ia , e de st e mod o
como cond içã o de vali dade .
Em re la çã o à imp os si bi li da de , é pr ec is o di zer qu e há d«
se r or igin ár ia (d eve ex is ti r no mom en to em qu e se re al iza o
at o ju rí di co ) e de ve re f er ir -se ao ob je to do at o ju rí di co em
si, e não ao obj eto da pre sta ção . A imp oss ibi lid ade sup erv eni en te nã o al te ra a na tu re za do at o ju rí di co , po rt an to nã o o
to rn a in ex is te nt e, ne m o fa z nu lo : o at o ju rí di co re so lve -se ,
com ou sem ressa rcimento de prej uízo, confo rme haja ou não
respo nsabi lidad e pela imposs ibilitaçã o. Quant o à imposs ibilidade
(152) Vide, adiante, sobre o efeito nullfU-ante do Ilícito.
(153) O formalismo do Direito Romano levava n considerar -se o nulo como ine
xi st ent e. Nt illus qu er me sm o di zer ne nh um , coisa ne nh um a. Ir ritu s é
qu e de si gna o exi st ent e pa ss íve l de nu lída de e te m ma is o se nt ido de
In út il , co mo se co nc lu i da s li çõ es de Ga íu s, In st it ut as , C. n, es pe ci al mente §§ 146/148.
Essa orientação romana transposta nos dins de hoje è responsável ptl<
atitude de alguns doutriiiadores que insistem em ter o nulo como inexistente e Ineficaz. Se o ato Jurídico nulo pode produzir efeitos JuridiCOE, como Ja vimos, não é possível tê -lo por inexistente.
155
do objeto da prest ação, seja origi nária ou super veniente, jamai s
atua em relaç ão ao ato jurí dico em si, mas envolverá, sempre ,
res olu ção , com res sarci men to de pre juízo s, con for me as mes mas re gra s re la ti vas à re sp on sa bi li da de ci vil.
3.
As esp éci es de ato jur ídi co
At o ju rí di co st ri ct o se ns u e ne gó ci o ju rí di co
O dir eit o, ao reg ula r os ato s hum ano s que têm na von tad e
o se u el eme nt o nu cl ea r, qu an do os nã o ved a ou os de cl ar a
ved áve is pe la at ua çã o da s pr óp ri as pe ss oa s, pe rmi te-os , mas
a) ou os rec ebe em um cer to sen tid o, por tan to sem esc o
lha de cat ego ria juríd ica , e com efe ito s pre est abe lec ido s e ina l
te rá ve is pe la vo nt ad e do s in te re ss ad os , ou
b) diferentement e, outorga liberdade às pessoas para, den
tro de cer tos lim ite s, aut o-reg rar os seu s int ere sse s, per mit ind o
a es co lh a de ca te gor ia s ju rí di ca s, de ac or do co m as su as co n
ven iê nc ia s, e po ss ib il it an do a es tr ut ur aç ão do co nt eú do ef ic acia l das rel açõ es juríd ica s dec orr ent es.
Na es pé ci e ( a ) — de no min ad a at o ju rí di co st ri ct o se ns u
ou ato não -neg oci al — a von tad e man ife sta da pel as pes soa s
apen as se limi ta à função de comp or o supo rte fáctic o de certa
categor ia jur ídi ca, sendo que o fat o jur ídi co daí result ante tem
efeito s previamente est abel ecidos pelas normas jur ídi cas res pec tiv as, raz ão pel a qua l são inv ari áve is e ine xcl uív eis pel o
quere r dos inter essad os, donde dizer -se que são efeit os neces sá ri os , ou ex le ge .
Na esp éci e (b) — den omi nad a neg óci o jur ídi co ou ato
ne go ci ai — o di re it o nã o re ce be a von ta de man if es ta da so men te com o ele men to nuc lea r do sup ort e fác tic o da cat ego ria
que for escolhida pelas pessoas, mas lhe reconhe ce, dent ro de
ce rt os pa râ met ro s, o po de r de re gul ar a amp li tu de , o su rgi men to, a per man ênc ia e a int ens ida de dos efe ito s que con sti tu am o co nt eú do ef ic ac ia l da s re la çõ es ju rí di ca s qu e na sc em
do ato juríd ico . Por iss o se diz , emb ora inc orr eta men te, que
nessas espéci es os efeito s são quer idos, ou ex voluntate (154 ).
(154 ) As expressões efeit os ex leg e e ez vo luntate sâo incorre tas e imp róprias ,
se as examinarmos com rig or cie ntifi co. No estudo da eficá cia juríd ica
uma das conclusões fundamentais a que se chega é a de que efeito Jurídico constitui atri buição que as normas jurí dicas fazem a fato s da vida.
sejam eventos, sejam atos (conduta). Deste modo. todo o efeito Jurídico
resulta de imp utação (= atr ibuição) da lei aos fatos. Es sa decorrê ncia
nfio se po de dizer, no entan to, qu e seja direta da lei , po rque precisa ,
para produzir-se, de que o fato a que ela é atribuída se realize. Ora.
156
Em am ba s as si tu aç õe s te mo s: —
a) com o car act erí sti ca com um, a cir cun stâ nci a de que um
at o co ns ci en te de von ta de di ri gido a ob te r um re su lt ad o ju ri
dic ame nte reg ula do, con sti tui ele men to nuc lea r do sup ort e fác
ti co e, po rt an to , à su a man if es ta çã o in ci di rá a no rma ju rí di ca
co rr es po nd en te , fa zen do su rgi r o at o ju rí di co es pe cí fi co ; e
b) com o tra ço dif ere nci al, a par tic ula rid ade de que no ato
ju rí di co st ri ct o se ns u (e sp éc ie a) o po de r de es co lh a da ca te
gori a jur ídi ca é pratic amen te inexistente, enqu anto que, no
negó cio jur ídi co (espéci e b ) , esse pode r existe semp re embo ra
com amp lit ude que var ia con for me os seu s tip os.
Há autores que nega m procedê ncia à distin ção entre ato
jurí dico stricto sensu , e negóci o jurí dico, como são exempl os,
Andre oli (Cont ribut o alla Teoria dell'Adempi mento, 55/57 ), na
Itália, e José Paulo Cavalcanti
(Contrato Consigo Mesmo e Re9
pr es en ta çã o, no ta n 2, in Di re it o Ci vi l, Es cr it os Di ve rs os ),
no Brasi l. Uma aprec iação dos argumentos ofere cidos por esses
opo sit ore s da dis tin ção ser á fei ta apó s o est udo do neg óci o
jur ídico, em face da necessidade de que conh eçamos o seu con cei to par a fun dam ent ar as nos sas obj eçõ es ( 155 ).
quando se emprega a express ão efic ácia ex lege 6e quer realçar que ela
decorre da lei e qu ando se diz qu e a eflcá tra é ex vo luntate se prete nd e
da r a Idéia de qu e a vo ntad e seria a fonte ge rado ra do efeit o Juríd ico .
Ass im, no entan to, nao é.
Pa rti nd o da afirm açfio irr efutável de qu e a eficá cia Juríd ica é prod uto
do fato Juríd ico , po rta nto da incid ência da no rma Juríd ica sobre o seu
suporte fáctico , pa rece fácil de concluir que as express ões efeitos ex lege
e ex voluntate são impróprias porque: —
a) a prim eira (ex lege) exclui o fato jurí dico, vendo apenas a lei;
b) a segunda (ex voluntate) exclui a lei, vendo apenas o fato. Quando
a vontade (= elemento determinante da conduta, do ato) pode deter
minar o surgimento de efeitos jurídicos, isto terá sido conseqüência de
haver uma norma Jurídica que impute (= atribui) àquela vontade
(ma is propria mente ao ato que dela resu lta) aquele efeito.
Po r iss o, para mencionar aqueles efeit os qu e sào inafastâv eis pela vo ntad e e qu e se reali zam pela sim ples forma ção do fato juríd ico , como
acontece nos atos Jurídicos stricto sensu, preferimos a expressão efeitos
necessá rio s. Quanto aos efeit os qu e po dem ser ob jet o de escolha pela
von tade (= pod er de auto-regrame nto da von tade) nao há porque qxia lificá-los. Por essa razão não vemos a necessidade de encontrar um subs titu tivo para corrigi r a exp ress ão ex voluntate.
(155) Deve -se à doutrin a alemã (jusnaturalista ) do final do Século XVIII o haver
detecta do as dife renças entre as espécie s de ato Jurídic o. Até então, a
do utrin a apenas se referia un ita ria mente ao ato jur ídico . Na França, a
do utrin a tra ta, ain da ho je. indisti ntamente o ato Juríd ico stri cto sensu e o
negócio jurí dico, sob a denomin ação genéric a de acte jurid ique. Não há,
ao meno s, no vo cabu lár io Juríd ico fra ncês uma ex pressão própria ,
específica, para desi gnar c negócio jurídico. Sempre que autores se referem
a essa espécie empregam a locução acte Juridique, simplesmente, que
conceituam como, atos queridos pelos interessados que tê m em vi st a a
pr od uç ão de ef ei to s ju rí di co s, no ta da me nt e pa ra cr ia r ou tra ns mitir
um direito ou fazer nascer urna ob rig ação. Vid e no ta n.° 135 . Por aí se
vê que o con ceit o de acte juri dique inclui indisti ntamente todos os atos
jurí dicos líci tos (corres pon de, portanto, aos negócios jurí dicos
e
atos
jurídicos stricto sensu) .
157
CAPÍTULO XI
Do Ato JurídicoStricto Sensu
O Co de de Na po león, aind a ho je vi gent e, na o se refere, ao me no s, e
acte jurldlque e não contém uma parte que discipline os fa tos jurídicos
em geral. Ess a té cni ca de ha ve r um a pa rte geral no s códi gos resu lto u
da experiência alemã refletida no BGB (Bürgerllches Gesetzbuch). O Có digo Civil Francês apenas dispõe sobre o contrato, o quase-contrato, o
de li to e o qu as e-de ll to , co mo fo nt es de ob ri ga çõ es (a rt . 1. 10 1 e se gs .)
usando termi nologia oriunda do Direito Romano, hoje superada. O
Código de Napole&o e a doutrina nele inspirada, mercê do expressivo
do míni o qu e du ra nt e ta nt o te mpo te ve a cu lt ur a fr an c es a so br e a cu l tura dos povos, exerceram fo rte in fluência em quase todas as codifica ções elaboradas no final do Século XIX e Inicio deste século. Por Isso,
po uc as sa o as le gi sl aç õe s qu e, co mo a al emã, empr eg am a ex pr es sã o
ne gó ci o ju rí di co e mesmo es sa s ba st an te re ce nt es , co mo a Po rt ug ue sa
atual. Geralme nte, os Códigos se referem a ato Jurídico, ou apenas a
contrato, Inclusive quando, como o nosso Código Civil, seguindo o sis tema do B.G.B., adotaram uma parte geral. Em decorrência dessa orientação, dos legisladores e como conseqüência do positivismo Jurídico, que
fa z da lei o próprio direito — exacerbado pelas concepções da Escola
Francesa de Exegese, -— que limita a expressão doutrinária à explicitaçao
do s te xt os legais, — pr ati came nt e, até a se gun da me ta de de st e sé cul o,
a lo cu çã o "n eg óc io Ju rí di co " nã o fo i mult o empr eg ad a fo ra da li te ra tura jurídica germ&nica, mesmo na Itália, onde o conceito teve grande
aceitação, como observa Hector Negrt (El Negócio Jurídico, nota 24, pág.
23). At ualme nte, porém, a expressiva mai oria da doutrina jurídica ocide nt al — co m ex ce çã o ai nd a do s fr an ce se s — pa ss ou a ut il iz ar la rg a ment e a ex pr es sã o, to rn an do -se , mesmo, o ne gó ci o ju rí di co um do s te mas mais di sc ut id os e es tu da do s da te or ia Ju rí di ca ; co ns tr ui u -se , at e,
uma Teoria Geral do Negócio Jurídico. O Projeto de Código Civil elabo rado pela Comissão Miguel Beale consagra a distinção.
158
(1 56 ) A de no mina çã o at o Ju rí di co st ri ct o se ns u pa re ce -no s a mais ex pr es si va e
por Isso a adotamos. Outras expressões, no entanto, sao propostas pela
do ut ri na , ta is co mo: — at os nâ o ne go ci ai s e at os se melh an te s ao s ne gócios.
1.
Conceituação
Quando alguém estabelece sua residência co
nitivo, manifesta uma vontade que constitui a pa
suporte fáctico de um fato jurídico (= constitui
cílio) , cujo efeito jurídi co é consid erar-se aquel
da pessoa (Código Civil, art. 31). Não há, na c
domicí lio, necessida de de que a pessoa declar e
de constituí-lo (embora o possa fazer, Código
parágrafo único), nem se exige, ao menos, que o
constituir (pode nem saber, de fato, que o está
como, por outro lado, não lhe é permitido determ
trário (dizendo, por exemplo, que, embora seja
residência definitiva, não será o seu domicílio),
buir outro caráter ou. efeito que não seja o previ
jurídica. Há, nessa situação, uma manifestação
estabelecimento de residência com ânimo defini
mada ao fato conc reto da fixa ção da resi dênc
um ato jurídico cuja eficácia, predeterminada pe
za necessariamente, sem que a vontade da pesso
ficá-la, para ampliá-la, restringi-la ou evitá-la.
Do mesmo modo, é o que ocorre no recon
filiação (paternidade
ou maternidade) ilegítima,
quitação (157 ), na interpelação para constituir
mora, na escolha das prestações alternativas, na
interrupção da prescrição e em todas espécies de
em que a vont ade é mani fest ada, apen as, par
creto o suport e fáctico respect ivo. Não há, no e
de escolha de categoria jurídica nem, conseqüent
de estruturar o conteúdo da relação jurídica qu
eficácia atribuída, inalteravelmente, pela lei ao
correspondente.
(157) Na classificação de certos fa tos Jurídicos grassa, na dou
são. Nessa situação se encontram
o perdão, a quitação
das obrigações (pagamento1), por exemplo.
No rec onh eci men to da fil iaç ão ile gít ima , o pai , ou a mãe ,
fa z, so men te , ex te ri or izaç ão de co nh ec ime nt o de fa to (= de cl ar a qu e aq ue la pe ss oa é se u fi lh o) . Ne ss a de cl ar ar ão , nã o
há qual quer dose de escolha de cat egor ia jur ídi ca, cabe ndo ao
gen ito r a prá tic a do ato do rec onh eci men to, ape nas . Por iss o,
não é pos sív el faz er -se o rec onh eci men to sob con diç ão, ou a
ter mo, ou com encargo s. Os efeito s do reconhe cime nto são
in var iá vei s e in ex cl uí vei s pe lo qu er er da s pe ss oa s.
tic o mani festação ou declaração unilat eral de vont ade cujos
efeit os juríd icos são prefi xados pelas normas juríd icas e inva riáveis, não cabendo às pessoas qualquer poder de escolha da
categoria jurídica ou de estruturação do conteúdo das relações
jurídi cas respect ivas.
No ato juríd ico str ict o sen su, com o se con clu i, a von tad e
não tem escolha da categor ia jur ídi ca, razã o pela qual a sua
mani festação apen as produz efeito s nece ssário s, ou sej a, prees ta be le ci do s pe la s no rma s ju rí di ca s re sp ec ti vas , e in var iá vei s.
Há vár ias pro pos tas dou tri nár ias vis and o a cla ssi fic ar os
atos jurí dicos stricto sensu ( 1 5 9 ). Pela melhor teiminologi a —
po rq ue mai s ex pr es si va — ad ot amo s a el ab or ad a po r Po nt es
de Miran da, segund o a qual os atos jurí dicos stricto sensu se
classi fic am em: —
Alg uns dou tri nad ore s pro cur ara m est abe lec er a dis tin ção
entre ato jur ídi co str ict o sensu e negó cio jur ídi co com base na
forma de exteri ori zaçã o da vont ade cerne do supo rte fáctic o,
afi rma ndo que as man ife sta çõe s de von tad e con fig ura ria m os
ato s juríd ico s str ict o sen su, enq uan to as dec lar açõ es de vontade caracteri zari am os negó cios jur ídi cos. Essa distin ção, no
en ta nt o, nã o po de se r ac ei ta , uma vez qu e ta nt o há at os ju rídic os str ict o sen su que exi gem dec lar açã o de von tad e par a
exi sti rem , com o neg óci os juríd ico s que se con sti tue m de simple s man ife sta çõe s de von tad e ( 158 ).
Em ver da de , de or di ná ri o, ba st am si mpl es man if es ta çõ es
de von ta de pa ra qu e se co nc re ti ze o su po rt e fá ct ic o de at o
jurí dico stricto sensu . Nada impede , porém, que as normas jurí dicas tenham como pressupost o de sua incidência uma manifestação qual ifi cada de vont ade, ou sej a, uma declaração de
vonta de. No recon hecime nto de pater nidad e há decla ração , como
há dec lar açã o qua ndo o don o do neg óci o faz com uni caç ão de
que não rat ifi ca o cont rat o conc luí do em seu nome por algu ém
qu e nã o é se u re pr es en ta nt e (g es to r) .
a) atos jurídi cos str ict o sensu reclama tiv os, cons ubst an
cia dos em reclama ções ou provoca ções , como acon tec e na int er
pe la çã o pa ra co ns ti tu ir o de ved or em mor a ou pa ra qu e o cr e
do r ex er ça se u di re it o de es co lh a na s ob ri gaç õe s al te rn at ivas ;
De ss e mod o, o el eme n to ba si la r pa ra a co nc ei tu aç ão do
ato jur ídi co str ict o sensu que permita distin gui-lo do negó cio
juríd ico con sis te, não no mod o com o se dev e ext eri ori zar a
vont ade cerne do supo rte fáctic o, mas no pode r de escolha da
ca te go ri a ju rí di ca qu e co ns ub st an ci a o po de r de au to - re gramento da vont ade. A partir dessas obse rvaç ões, pode mos
formul ar um conce ito de ato jurí dico stricto sensu , como sendo o
fa to ju rí di co qu e te m po r el em en to nu cl ea r do su po rt e fá c (158) Na venda a contento, se aquele que recebe a oferta consome o bem ofertado,
conclui o negócio Jurídico de compra-e-venda. A consumlçao é mer a
manifestação de vontade que exemplific a caso de negocio Jurídico sem
declaração.
162
2.
As várias clas ses de atos jurí dico s stri cio sens u
b) ato s jur ídi cos str ict o sen su com uni cat ivo s con sti tuí dos
po r co muni ca çõ es de vo nt ad e, qu e, de re gra , tê m a fi na li da de
de da r ci ên ci a a al gué m, fi gur an te de uma re la çã o ju rí di ca ,
do qu er er de qu em faz a co mun ic aç ão . A es sa ca te gor ia pe r
ten cem , por exe mpl o, a com uni caç ão de esc olh a da pre sta ção ,
a pe rmi ss ão pa ra su bl oc ar (q ua nd o ex igid a no co nt ra to );
c) atos jurídi cos str ict o sensu enun ciativ os, que cons ist em
em exter ioriz ações (comun icaçõ es) de conhe cimen to (de re
presentaç ão) ou de sentime nto, como o reconhe cime nto de
pat ern ida de e da mat ern ida de ile gít ima , a con fis são , o per dão ,
a quitaç ão, e. g.;
d) ato s jur ídi cos str ict o sen su man dam ent ais que se con
fig ura m em man ife sta çõe s de von tad e que se des tin am a imp or
ou pr oi bi r um de te rm in ad o pr oc ed im en to po r pa rt e de ou tr a
pes soa ; exe mpl os: — a man ife sta ção do pro pri etá rio par a exi
gir qu e o do no do pr éd io vizinh o pr oc ed a à su a de mol iç ão ou
rep ara ção , qua ndo ame aça ruí na (C. Civ il, art . 555 ); o "pr évi o
avis o" ao vizi nho de que uti liza rá o seu prédio temp oraria ment e
quan do sej a impr escindível à reparação ou limp eza, cons tru ção
ou re co ns tr uç ão de su a ca sa (C . Ci vil, ar t. 58 7) ;
e) at os ju rí di co s st ri ct o se ns u co mpós it os qu e co ns is te m
em mani fes taç ões de vont ade que não bastam em si, mas nece s(159) Vide várias tentativas de classificação
cialmente Cap. I. iv° 9.
In Vicente Rao, Ato Jurldco, espe-
163
sitam de outras circunstâncias para se completarem, como é o
caso, v.g., da constituição de domicílio, da gestão de negócio
(vontade de gerir negócio alheio + efetiva gestão, Código Civil,
art. 1.331). Essa categoria de ato jurídico stricto sensu, apesar
da part e fáct ica que inte gra seu supo rte, não conf igura nem
se confunde com os atos-fatos jurídicos, porque nestes, nos
atos-fatos, a vontad e é irrele vante, enquan to que naquel es, o
ato volitivo expresso constitui elemento nuclear do suporte fáctico.
CAPÍTULO XII
Do Negócio Jurídico
164
1.
Noção prelimina r
Diferentem ente do ato jurídico stricto sensu, no negócio
jurí dico a vont ade é mani fes tada para comp or o supo rte fác tico de certa categoria jurídica, à sua escolha, visando à obten ção de efeit os jurídi cos que tanto podem ser prede termi nados
pelo sist ema, como deix ados livr emen te a cada um. Assi m é
que, por exemplo, nos contratos — que são a mais importante
espé cie de negó cio jurí dico — em gera l os figu rant es pode m
ter a liberdade de estruturar o conteúdo de eficácia da relação
jurídica resultante, aumentando ou diminuindo -lhe a intensid ade, criando condições e termos, pactuando estipulações diversas
que dão, ao negó cio, o sent ido próp rio que pret ende m.
2.
A conc epç ão clás sica de negó cio jurí dico
No início do século XIX, os Pandectistas passaram a es creve r com uma só palavr a — Rechtsgeschaft (negó cio jurídi co) — a expressão ein rechtliches Geschaft que vinha sendo
empregada pelos jusnaturalistas desde o século anterior, para
design ar o ato jurídi co em que16 a vontad e tinha liber dade de
escolha, podendo auto-regrar-se ( °).
(160) Nas duas primeiras edições de nossa Contribuição à Teoria do Fato Jurídico,
pág. 78, mencionamo s que teria sido HUGO o prime iro Jurista a empregar a exp ress ão Re cht sg esc ha ft no ini cio do Sé cul o XI X. Ess a me nç ão
se baseou em referências expressas feitas por Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, I, 90, e II, 4) e, indiretamente, por Stolfi (Teori a do Ne gó ci o Ju rí di co , XIX, no ta 10 ). Po nt es de Mi ra nd a nf io in di ca
a ob ra em qu e te ri a si do us ad a a ex pr es sã o, ne m. na bi bl io gr af ia ge ra l
do Tr at ad o, mas St ol fi ci ta , te xtua lmen te , uma de fi ni çã o de ne gó ci o
Ju rí di co co lh id a da ob ra In st lt ui ti on en de s he ut ln ge n Ro misc he n Re cht s, pu bl icada em Berlln, em 1789 (a In di cação da edi ção enc ont ramos em Windscheld, Diritto delle Pandette, I, 34). Esse autor, Hugo,
considerado por Korkounov (Théorie Oénérale du Drolt, 157) como o
fu nd ad or da Es co la Hi st ór ic a e qu e te ri a ti do pr of un da In fl uê nc ia so br e a ob ra de Sa vi gn y (p ág . 16 1) , é re fe ri do no s li vr os or a co mo Gu sta v Hu go (p . ex. : Po nt es de Mi rand a, Trata do do Di reito Pr iva do , I,
90, e Sistema de Ciência Positiva de Direito, I, 15/16. IV. 362; Terclo
Sampaio Ferraz Jr., Conceito de Sistema no Direito, 180; Windschetd,
obr . e loc. cits .; Ko rko un ov, obr . e loc. cite .), ora como Ri tt er Hu go
(como Pontes de Miranda, Tratado cit. m. 4, e Sistema , cit., n, 225, e
Ko rko un ov, obr . cit. , 161) e aind a como Si tt er Hu go (A ub ry et Bau,
Cours de Droit civil Français, IX. 382) ou simplesmente Hugo.
167
O co nc ei to de ne góc io ju rí di co fo i, as si m, co ns tr uí do so b
a inspiração ideológica (161 ) do Estado liberal, ( 162 ) cuja característica mais notável consi ste na prese rvação da liber dade in divi dual , a mais ampl a poss ível , diante do Estado. Por iss o,
conc ebeu-se o negó cio jur ídi co como instrument o de realiza ção
da von ta de in di vidu al , re sp al da nd o uma li be rd ad e co nt ra tu al
que se queri a prati cament e sem limit es. Em conse qüênc ia desse
volu ntaris mo (que reve la int enso individ ualismo ) — tão exa ger ado que se tra nsf orm ou em dog ma ( 163) — a dou tri na pas sou
a ver no neg óci o juríd ico um ato de aut ono mia da von tad e —
ta mbé m di ta au to no mi a pr iv ad a — em ra zão do que:
Em ar ti go de no mina do "L e co nt ra t da ns le s do ct ri ne s Al le mand es du
XI X si ècle", in Ar cht ve s de Ph iloso ph ie du Dr oit, n. ° 13 — Sur les
Nctions du Contrat, Paris. Sirey, 1968, pág. 32, Alfred Bieg atribui, no
en ta nt o, a Ge or g Ar na ld He is e, ta mbém, co mo Hu go , Pr of es so r em
Gottlngen o haver Introduzido no vocabulário jurídico o termo Kechtsgeschaft, através de sua ubra "Grundriss eine s Systems des gemei nen
Zivilrechts, publicada em 1807.
Considerando que a obra de Hugo data de 1789, preferimo s aceitar a
info rma ção de Pontes de Miranda, refo rçada pela referência de Stolfi,
emb ora de va mo s ress alta r, qu e, inf elizme nt e, nã o pu de mo s te r acess o
a qualquer das obras referidas de Hugo e de Heise.
(161) Por mai s que se queira sustentar a neutralidade ideológica do direito, como
fez Hans Kelsen, por exemplo, não é possível negar que as instituições jurídicas,
representando, em seu conteúdo, o resultado da valoraçao dos fa tos da vida feita
pelo poder estatal em nome da comunidade, principa lmen te , na o po de m se r
ne ut ra is do po nt o' de vi st a id eo ló gi co . O po de r es ta ta l, ni ng ué m di sc ut e,
pr oc ur a, se mpre , ag ir no se nt id o de qu e as suas concepções políticas sejam
realizadas, de modo que elas constituem a diretriz básica que Inspira toda a sua
atividade. Por isso, é impossível dissociar a adoção das norma s jurídicas, que é
tarefa atribuída ao Estado, através de seus órgãos, da inspir ação política, em que
o cará' ter ideológico é predomi nante. Mesmo se abstrairmos da revelação das
normas jurídicas a influência preeminente do poder estatal, para vermof nela a
realização dos anseios da comunidade social, nao teremos como negar o seu
cunho ideológico. Sim, porque a comunidade age e pensa segundo os céus
padrões de cultura, que consubstanciam o próprio espírito do povo, o conjunto de
suas tradições, sentime ntos, concepções de vi da , en fi m de to da s as fo rç as
es pi ri tu ai s e mora is qu e a an imam. Po r isso, parece-nos impossível dissociar da
cultura a Ideologia que, naturalmente, se reflete nas normas jurídicas. Querer-se,
assim, um direito desldeologizado é querer-se negar que o direito constitua uma
criação da sociedade humana, portanto, prenhe do espirito que a domina. (182)
Paulo (Luiz Neto) Lobo, O Contrato no Estado Social, e Stolíi, Teoria do Negócio
Jurídico, Introdução, especialmente, pág. XVl il. Rieg, Le Con-trat dans les
doctrines Allemandes du XIXe sKcle. 3.
(163) Usa-se a expressão dogma da vontade para designar a concepção volunta rista do negócio jurídico (Hector Negrl, El Negocio Jurídico, 8 55, pág.
33). Ha outros autores, porém, como Vicente Ráo (At o Jurídico, pág. 45)
que distinguem dogma da vontade e dogma da declaração relacionando
cada um a de ss as exp ress ões à te oria su bj eti va (o u te oria da vo nt ade )
e te or ia ob je ti va (o u te or ia da de cl ar aç ão ), re sp ec ti va ment e. Ta mbém
se dividem os autores quanto às expressões autonomia privada e auto nomia da vontade, relacionando-as às refe ridas teorias, que estão expos tas resumidame nte na nota n.° 164.
No no ss o en te nd er , nã o há ra zã o pa ra as di st in çõ es , uma ve z qu e em
amba s pr ed omin a um vo lu nt ar is mo se melh an te . Co nf or me re ss al ta o
pr óp ri o Vi ce nt e Ráo (o br . e lo c. cl ts .) o pr ob le ma do pr ed omín io da
vontade real ou subjetiva sobre a vontade objetivamente declarada é
problema distinto, que ao caráter autônomo da vontade só por via refl exa diz respeito. Nem se destruiria o suposto "dogma da vontade"
su bst itu ind o -o pe lo "d ogma da de claração" ou pe la força atu ant e da
lei: este problema é por demai s complexo e excede os limites de quaisquer af irmaç ões categóricas e simplistas, num sentido ou noutro".
168
a) o neg óci o juríd ico ser ia uma cri açã o da von tad e dec la
ra da da s pe ss oa s (164 ); mai s ai nd a: a de cl ar aç ão da von ta de
neg oci ai con sti tui ria o pró pri o neg óci o juríd ico ;
b) os seu s efe ito s juríd ico s ser iam uma dec orr ênc ia da
vont ade nego cia i.
Es sa co nc ep çã o es tá mui to be m si nt et izad a ne ss a de fi ni çã o de Windscheid: — "negóci o jur ídico é uma decl aração
pri vada de vont ade, que visa a produzi r um efeito jur ídi co" ( 165).
Poste riormente, sob a influ ência de Hans Kelsen, a poten cializa ção dout rin ári a da vont ade nego ciai levo u a que se atr ibuísse caráter normati vo ao negó cio jur ídi co, dond e dize r-se que
o negóci o jurí dico cria normas jurí dicas denomi nadas , aqui, individuais.
A verdade é qvie. embora se procure distinguir autonomia da vontade e
autonomia privada, a doutrina emprega correntemente ora uma ora outra
expressão, sempre para definir o poder de manifestar a vontade no sentido
de "auto -regulamentação" ou auto-dlsclplina dos Interesses próprios (ou,
em certo sentido, dos interesses repres entados)", na expressão de Vicente
Ráo (op. cít., pág. 46), ou como os franceses, no sentido do "poder da
vontade de ser um órgão produto r de direito", conforme a definição de
Véronlque Banouil (L'Autonomi e de Ia Volonté, 17 e segs.). Pontes de
Miranda, entretanto, que prefere e usa correntemente a expressão auto -regramento da vontade, porque, segundo ele, é Impróprio o uso da palavra
au to no mia (e m ra zã o da su a et imol og ia au to = pr óp ri a e no mla = no r ma) emprega, algumas vezes, a expressão autonomia da vontade (quase
sempre entre parênteses e após a expressão "autonomia privada" que é
preferida por Bettl) dizendo: — "Evlte-se, oui;rosslm, chamá -la auto nomia privada, no sentido de auto-regramento a; aireito privado, porque,
co m is so , se el id ir ia , de sd e a ba se , qu al qu er e. nt o -re gr amen to da vo ntade, em direito público, — o que seria fa lsíssiziio (Tratado de Direito
Privado, tomo m, p. 50).
(164) Duas teorias principais procuram explicar em que consistiria essa Tontade:
— a) a te oria da vo nt ade (t eoria su bj eti va ) qu e su st ent ou se r a vo n tade interna, psicológica, o eleme nto essencial do negocio Jurídico. Se gun do ess a te oria, a int enç ão de ne gócio e o qu erer os se us efeito s
se ri am co nd iç õe s sl ne qu a no n do ne gó ci o ju rí di co , qu e so ment e ex isti ria se o figur ant e, ao de clarar a vo nt ade , o fizess e com a In te nç ão
de re al iz á-lo . De st e modo , a vo nt ad e de cl ar ad a pe lo fi gu ra nt e te ri a,
sempre, de refletir a sua vontade interna; na discordância entre a vontade psicológica e a sua declaração, prevaleceria aquela; b) a teoria da
declaração (teoria objetiva) defendeu a prevalência da de cl ar aç ão so br e
a vo nt ad e in te rn a, ar gu ment an do qu e a de cl ar aç ão é o ún ic o da do
ob je ti vo ca pa z de se r co nh ec id o pe la s ou tr as pe ss oa s; a vontade Interna
por constituir em circunstância de difldl, senão impos sí ve l, ap re en sã o
em su a re al id ad e e ve ra ci da de , nã o po de se r co ns id e rada. Para os
defensores dessa teoria, se o comportame nto da pessoa configura
tipicamente a conduta prevista pelas norm as Jurídicas, esse seria o
eleme nto suficiente para se considerar concretizado o negócio jurídico.
(Sobre o assunto, vide Danz. Interpretaclón de los Negócios jurídicos,
especialmente os §§ 1/1, e Luigl Perri, L'Autonomla Prlvata. pag. 3 e
segs.).
Co mo se vê, amba s as te or ia s sã o. substa nc ia lmen te , co in ci de ntes , uma
vez que nelas predomi na o voluntarismo como fundame nto do negócio
jurídico. A divergência se cinge à prevalência quanto à vontade Interna
e a declarada, quando conflitantes. Em ambas, no entanto, não se dispensa, nem se poderia dispensar, a exteriorização da vontade como elemento material, objetivo, do negócio Jurídico.
Í165) Diritto delle Pandette, I, 1», 264.
169
3.
Expo siçã o Crít ica do Conc eito de Negó cio Jurí dico
3.1
Atitude Metodológica
Pretendemos, nesta secção, expor a conceituação do negócio jurídico segundo a linha conceptual que vimos desenvolvendo, fazendo, paralelamente, a crítica, quando necessária, das
concepções usualmente adotadas e inspiradas no voluntarismo
da escola germânica.
Não há a menor dúvida de que a elaboração científica dos
Pandectistas, responsável pela criação da Teoria Geral do Direito, foi obra monumental, de valor inigualável. Por seu significado, tão grandioso, praticamente, influenciou a Ciência Jurídica de todos os povos cujo direito seja filiado, em suas origens, ao Direito Romano, exceto a França. Toda a Teoria Geral
do Direito que hoje conhecemos reflete, pelo menos em certa
medida, quando não completamente, a proposta científica dos
juristas germânicos do século passado.
As instituições jurídicas, no entanto, constituem instrumentos práticos da vida social e, por isso, precisam de estar arraigadas à experiência de cada povo. Esse caráter empírico do
direito impõe a impossibilidade de que as suas instituições sejam tratadas como meras entidades abstratas, de puro conteúdo
lógico-formal, donde ser necessário que os conceitos jurídicos e
as categorias que os configuram não estejam desvinculados da
realidade social atual em que se inserem. É verdade que a função específica da Ciência Jurídica consiste em elaborar, a partir
da análise do sistema jurídico, como dado empírico, conceitos
e categorias de tão amplos graus de abstração e generalidade
que consigam explicar e abranger as situações possíveis.
É claro que o Direito como norma não está sujeito às formulações abstratas da Ciência. No atendimento das carências
sociais, as normas são livres para formularem as categorias e
as estruturas que melhor se ajustem às situações, porque, como
observa Miguel Reale,
"O Direito é feito para a vida e não a vida
para o Direito" (165"a), A Ciência presta auxílio inestimável à
elaboração do direito positivo, mas de modo algum limita a capacidade de auto-criação do próprio sistema jurídico. Daí parece
evidente que, se o direito varia no tempo e no espaço, ajustando-se às exigências das mutações sociais, com forte dose de
elemento ideológico (vide nota rí9 161), os conceitos e as cate(165-a) Filosofia do Direito, H, S3S.
170
gorias elaborados pela Ciência Jurídica não podem permanecer
imutáveis, mas precisam ajustar-se às transformações substanciais quando alteram a própria fisionomia do sistema jurídico.
Pretender-se que as categorias e os conceitos permaneçam tal
qual foram formulados, insensíveis às modificações do direito
é querer fazer deles algo inútil, porque abstração fora da realidade. Ao contrário, ajustá-los à experiência, sempre que mudem as condições existenciais, é fazê-los vivos instrumentos não
só da Ciência, mas, principalmen te, do próprio Direito.
A partir desse ponto de vista, fica patente que a teoria do
negócio jurídico, tendo sido formulada no século passado, não
pode permanecer atual quando os padrões jurídicos sofreram
tantas e tamanhas modificações. A ampliação da área de interferência e atuação estatal, com a redução proporcional do poder
individual, e a massificação das relações sociais, são dados suficientes para se demonstrar que a concepção clássica do conceito de negócio jurídico é insuficiente para explicá-lo tal qual
hoje ele se apres enta (vid e adia nte § 5.3, II). Pela cons tata ção dessa realidade, tão lucidamente exposta na obra já citada
de PAULO Luiz Neto LOBO (O Contrato no Estado Social), é
que procuraremos formular um conceito de negócio jurídico
que o faça atual e útil ao direit o hodier no.
3.2
Von tad e e neg óci o jur ídi co
3.2.1
Von tad e com o ele men to nuc lea r de sup ort e
fáctico
Conforme deixamos claro, a exteriorização de vontade
consciente constitui o elemento nuclear do suporte fáctico do
ato jurídi co lato sensu. Na verdade , a vontad e soment e pode
ter alguma importância para o mundo jurídico se prevista como
suporte fáctico de alguma norma jurídica. Neste caso, sendo
manifestada, por força da incidência, a norma jurídica a transformará em fato jurídico, podendo a partir daí produzir as
conseqüências que lhe são atribuídas. A vontade não constitui,
só por si, o negócio jurídico, mas precisa de que a norma jurí
dica a transf orme, juntam ente com os demais elemen tos por
ela previstos como necessários, em fato jurídico.
Dizer-se que a declaração de vontade constitui o negócio
jurídico ou que ela própria é o negócio, revela uma visão dis171
torcida da realidade (165 -b ), uma vez que elimina um dado essencial
caracteri zado r do fenômen o jur ídi co, qual sej a a incidência da
norm a juríd ica sob re seu sup ort e fác tic o. Sem a inc idê nci a da
norma, a vont ade não entrar á no mund o jur ídi co e, portanto, não
há com o se fal ar em neg óci o juríd ico ou out ra qua lqu er espéci e
de fat o jur ídi co. Some nte há jur idi cidade onde há norma jur ídi ca
que a atr ibua a algu m fat o. inclusive voli tivó . Parece evid ente,
assim, que a função da vont ade nego ciai no mund o ju rí di co é a
de pr es su po st o de at ua çã o da no rma ju rí di ca qu e a te nh a po r
su po rt e fá ct ic o.
3 . 2 . 2 Vo nt ad e e ef ei to s j ur íd ic os ?
Como Windscheid, a maio ria da dout rin a procura caracteriz ar o neg óci o juríd ico com o o ato juríd ico que se dir ige à
pro duç ão de efe ito s juríd ico s. Par a uma aná lis e des sa pos içã o,
e chegarmos a uma conce ituaç ão do negóci o jurí dico, torna-se
nece ssário est abelecer algu mas precis oes conc eptuais sobr e efi cácia jur ídi ca.
I — A f ont e da e f i c á c i a j ur í di c a
Segu ndo já vimos anteri orme nte, efi cácia jur ídi ca são os
efe ito s que se irr adi am dos fat os juríd ico s, e som ent e fat os
juríd ico s pro duz em efe ito s juríd ico s. Nem a lei , nem os fat os
por ela pre vis tos (su por te fác tic o), pod em ger ar efi các ia jurí dica, isoladamen te.
A no rm a ju rí di ca so me nt e te m o ef ei to de in ci di r so br e
seu supo rte fáctic o. Pela incidência, o supo rte fáctic o, ou parte
dele, entra no mund o jur ídico, porque, jur idi ciza do, se tra nsfor ma em fat o juríd ico . A nor ma juríd ica , ent ret ant o, emb ora
não sej a a fonte dos efeito s jur ídi cos, é quem define qual a efi cácia que ter á or fat o jur ídi co. Os efeito s do fat o jur ídi co são,
as si m, os at ri bu íd os pe la lei . Se a no rma ju rí di ca pr es cr eve
certo efeito , nenh um outro fat or ou cir cuns tância pode rá ampli á-lo, reduzi-lo ou eli miná -lo. Se a lei nega a certo fat o jur ídico determi nado efeito , a ninguém é dado o pode r de cons iderá-lo poss ível de ocor rer .
(l 65 -b) Segu nd o ob se rv a Be tt i (T eo ri a Ge ra l do Ne gó ci o Ju rí di co , 1, 11 4/ 5) o
dogma da vontade constitui "o resultado de uma elaboração, de certo modo
arbitrária, das fo ntes romanas, efectuada, segundo a tendência e no sen tido daquele dogma , no terreno do direito comum" . Hector Negri (El
Negocio Jurí dico, 34) menciona que essa concepção , nasceu de um erro
sistemático e de propósitos deliberadamente ideoló gicos.
A fix ação da efi cácia jur ídi ca é, deste modo , uma deco rrê nc ia da qu il o qu e o si st ema ju rí di co in st it ui co mo ef ei to do
fat o jur ídi co. Por iss o, pode a norma jur ídi ca atr ibuir ao fat o
juríd ico efi các ia com ple ta (re laç ão juríd ica = dir eit o sub je tiv o
<> dever, pretensão <> obrigação, ação e exceção), ou apenas
pa rt e de la (r el aç ão ju rí di ca , di re it o su bj et ivo <> de ver ,
e.g.),
de aco rdo com a con ven iên cia do sis tem a. Tam bém é pos sív el
a varia ção desse s efeit os, como se a um fato jurí dico a que se
atr ibuíss e efi cácia complet a fosse nega da, depo is, a ação, por
ex emp lo . No pl an o da ef ic ác ia nã o há cr it ér io s a pr io ri qu e
devam ser obede cidos quant o à amplitude dos efeit os. A comunidade jur ídi ca tem lib erdade de est abel ecer o que deve ser a
efi cácia do fat o jur ídico. No dir eit o brasil eir o, por exemplo , em
que existe, como norma jurídica, o princípio da coextensã o dos.
di re it os , pr et en sõ es e aç õe s (C ód igo Ci vil, ar t. 75 ), há ca so s
em que a lei neg a pre ten são e açã o ao dir eit o, com o aco nte ce
com as dívidas de jogo (Códi go Civil, art. 1477) , exempl o típiico
de dir eit o muti lado.
A norma jurí dica, entre tanto , não produ z eficá cia jurí dica
algu ma. Por iss o, é de suma impo rtâ ncia cientí fic a não conf un di r ef ic ác ia ju rí di ca — qu e sã o os ef ei to s do fa to ju rí di co —
com eficá cia legal — que se resume à incid ência sobre o supor te
fácti co para juri diciz á-lo (= trans formá-lo em fato jurí dico) . 0
supor te fácti co, por sua vez, também não produ z efeit o jurí dico,
poi s con sti tui , ape nas , a bas e da inc idê nci a da nor ma juríd ica .
0 fato sozinho, enqua nto não houver sido juri diciz ado pela inci dên cia , não tem qua lqu er con seq üên cia no mun do do dir eit o.
Não tem razã o A. VON TUHR como não têm outros jur istas,
como por exempl o LEHMAN N, ENNECCEE.US, KIPP e
WOLF F ( 166), entre tantos outros, que pretendem atr ibuir ao
supo rte fáctic o a irr adiação de efeito s jur ídi cos, mesmo quan do
se ref ira m a efeito s cham ados prelimi nares, como o faze m BET TI e RUBINO. (167)
Para que se fal e de sit uaçã o jur ídi ca, portanto, de rel ação
ju rí di ca , de di re it o su bj et iv o <> de ve r, de pr et en sã o <>
ob rigaç ão, de açã o, de exc eçã o ou de vin cul abi lid ade , de
irr evo ga(166) Teoria Genera l dei Derecho Civil Aleman, III, 1.°, 4 e passim, Tratado de Derec ho Civil, I, 195 e Tra tado de Der echo Civil, I, 2° 5, res pectivamente.
(167) Teoria Geral do Negócio Jurídico, I, e La Pattispécie e gll effeti giuridlce
preliminare, 538 , respectivamente.
172
173
bili dade e qual quer outr o efei to jurí dico , é prec iso que já se
esteja no plano da eficá cia, isto é, já se tenha ultrapassa do o
plan o da exis tênc ia e o plan o da vali dade .
ÍI — Am pl it ud e e su rg im en to da ef ic ác ia
A extensão da eficácia de um fato jurídico é fixada pelo
siste ma jurídi co. Se um fato jurídi co irá produz ir toda a gama
de efeitos previstos pelo sistema ou somente alguns deles é à
escolha da comunidade jurídica. Os efeitos do fato jurídico de pendem , assim , do que presc revem as norma s jurídi cas inc ident es. Por isso que, para sabe r -se qual a ampl itud e de sua
eficá cia, é neces sária uma anális e do que o siste ma jurídi co
atribuiu como seus efeit os.
a) As categorias eficaciais
Às várias espécies de efeitos que se podem encontrar no
mundo jurídico damos o nome de categorias eficaciais, ou ca tegorias de eficácia jurídica, as quais procuramos sintetizar no
esqu ema abai xo: —
simples ou
unissubjetiva
CATEGORIAS DE
EFICÁCIA
JURÍDICA
SITUAÇÃO
JURÍDICA
BÁSICA
a) unil ater al
complexa
ou
Segundo a esquematiz ação acima, todo o fato jurídico pro duz o efeito mínimo básico de criar, ao menos, uma situação
jurídi ca. Pode aconte cer que o fato jurídi co — espec ialme nte
atos jurídicos — não possam produzir seus efeitos próprios e
comp leto s, como , por exem plo, quan do o negó cio jurí dico é
nulo, ou quando, no caso do testamento, precisa de um fato que
deflagre a sua eficácia. Mas, em qualquer hipótese, a simples
entrada no mundo jurídico fará com que o fato jurídico irradie,
pelo menos , o efeit o de cr iar uma situaç ão jurídi ca cujo con teúdo, embora limitado, é típico. Em conseqüência dessa situação
jurídica básica é que há necessidade, e. g., de revogação do
tes tam ent o, se não se qui ser que ele pro duz a, com a mor te,
seus outros efeitos, como també m se explica a eficácia — dita
apar ente — dos atos nulo s.
Cada fato jurídico tem a sua eficácia própria, diferente dos
efeit os mínim os da situaç ão jurídi ca básica, quer dizer , a partir
da situação jurídica básica o ato jurídico produzirá os seus efei tos próprios, quando possível. Aqui. considerando a circunstân cia de haver o envolvimento pela eficácia própria do fato jurí dico, de uma só esfer a jurídi ca ou de mais de uma esfer a ju rídi ca, pode mos clas sifi car as situ açõe s jurí dica s em simp les,
ou uniss ubjeti vas, e complexas, ou intersubjet ivas.
Se a situação jurídica permanece unissubjetiva, ( 167-a) isto é
a posição jurídica do seu titular não alcança outras esferas
jurídicas e não gera, conseqüente mente, intersubjet ividade, te mos uma situação jurídica simples, como ocorre nos estados
pesso ais (capa cidade , viuvez , e. g.) e na legiti mação hered itária, por exemp lo.
Se, no entant o, a situaç ão jurídi ca se torna complexa, e
envolve mais de uma esfera jurídica, passando a implicar inter subj etiv idad e, cria m-se duas poss ibil idad es: — (a) — apes ar
da intersubjet ividade necessária, somente um dos figurantes é
titular de uma posição jurídica, donde haver apenas unilatera lidade nos efeitos jurídicos; (b) — além da intersubjet ividade,
existe multilateralid ade nos efeitos jurídicos, isto é, os efeitos
jurídicos se ligam a mais de um sujeito correspectivamente. Na
primeira hipótese (a), temos uma situação jurídica complexa
unilateral e na hipótese (b) está configurada a situação jurídica
mult ilat eral que tipi fica a rela ção jurí dica .
intersubjetiva
b) mult ilat eral —►
relação jurídica
174
(167-a) Den ominamos est a situação Jurídica de unissubjetiva para res saltar a cir cunst â ncia de que apen as um su jei to de dire ito, uma só es fe ra Ju rí dica,
se vê en vo lv ido por el a. Nã o se ex clu i, ev iden tem en te, com a ex pre ss ão,
a nec es si dade do re la cion ame nto inter su bjet lv o que é fu ndame ntal a tod o
o di reit o.
175
Explicamos.
Gera lmen te, dos fat os jur ídi cos result am o surgimento de
rel açã o juríd ica (di rei to sub je tiv o <> dev er, de pre ten são <>
obrigaç ão, de ação e exceção). Pode acontecer que o negó cio
juríd ico não pos sa ain da est abe lec er uma rel açã o juríd ica , ou
dele result ar um dir eit o subj eti vo e o correspect ivo deve r, como
na ofert a revogá vel, antes da aceit ação. Nesse s casos , o ato ju ríd ico, embo ra não tenha sua efi cácia comp let a, irr adia, ao me nos, uma situa ção jurí dica cujo conte údo {efei to mínim o) é a
vincu labil idade , median te a qual fica o ofert ante suje ito a vincul ar -se, na hip óte se de ser ace ita a pro pos ta, ant es de rev ogada.
Em outra s situa ções, o seu conte údo (efei to mínimo) é a
irr evog abilid ade da vont ade mani fes tada, em cons eqüê ncia do
que o mani festante da vont ade fic a vinc ulado à sua mani festa ção (vinculaçã o).
Vin culabilid ade é efeito míni mo cont eúdo de sit uaçã o jur ídica comple xa unila teral decor rente , de ordin ário, de negóci os
jur ídi cos unilat erais; tamb ém a irr evog abüi dade (vin culação)
quan do cons iderada some nte como efeito míni mo, porque pode
ser con teú do mín imo de dir eit o exp ect ati vo.
Do mesmo modo os chamado s direit os formati vos (ger ador es, mod ifi cat ivo s, ext int ivo s), e os dir eit os pot est ati vos ,
quan do cons iderados isoladamen te e não como cont eúdo de relação jurídica, (1 6 8 ) constituem conteúdo de situação jurídica
comp lexa unilat eral. Tan to a vinc ulabil idade, como a vinc ulação, os direi tos format ivos e os potes tativos press upõem inter subjetivi dade, porqu e se está em situa ção de vmcula bilidade ou
vinc ulado a outrem, não a si própri o, como os dir eit os formati vos at ua m em re la çã o a ou tr as es fe ra s ju rí di ca s qu e nã o a de
seu tit ular mas não há envo lvim ento, ainda, de outras esferas
ju rí di ca s. Na of er ta ao pú bl ic o, po r ex emp lo , o of er ta nt e es tá
em pos içã o de ser vin cul ado (vi ncu lab ili dad e), cas o alg uém
aceit e a sua ofert a. Essa posiç ão é apena s sua; além do própr io
oferta nte, ninguém mais est á a ela suj eit o, porque as dema is
pes soa s não têm qua lqu er dev er de ate nde r à ofe rta , Se alg uém
(1 68 ) Ex empl os de di reit os fo rm at iv os : — 1. qu e nã o co ns it ue m co nt eú do de reia çã o ju rí di ca : — I — gera do r: — a) di reit o a excl ui r he rd ei ro po r in di gn idade; b) acei tação de of er ta; II — ex tintivo : — a) re núncia da her ança;
b) pe di do de di vórc io . 2. — Co mo co nt eú do de rela çã o ju rí di ca : — I —
ger ador a) exercício de preferên cia; II — modiflc ativo: — a) esc olh a nas
obrigações alternativas; b) constituição em mora; III — ext intivo: — ai
denúncia contratual; b) res olu ção de contrato.
176
at en de , a si tu aç ão ju rí di ca se de se nvo lve em re la çã o ju rí di ca
e se de sd ob ra em di re it os <> de ver es , pr et en sõ es <> ob ri ga ções, ações, exceções e situações passivas de acionado e de excep tua do. Se, ao con trá rio , nin gué m a ate nde , ela se ext ing ue.
Dis to se con clu i que as sit uaç ões juríd ica s em que não há
re ci pr oc id ad e de di re it os <> de ver es , mas ap en as po si çõ es
em
que o seu titular está só, embora impliquem relac ioname nto intersu bjet ivo, não const ituem relaç ão jurí dica, pois que estas exigem corre spect ivida de de direi tos e dever es e das demais cate gorias efica ciais que compõe m seu conte údo. Dos negóci os jurí dic os bil ate rai s efi caz es o efe ito que se irr adi a é o sur giment o
da relação jurídic a. O conteúdo dessa relação, como das demais
situa ções jurí dicas , simples ou comple xas, é defin ido pelas normas jur ídi cas.
Pod emo s, par a fin s de sis tem ati zaç ão, ima gin ar uma rel ação juríd ica ass im esq uem ati zad a, qua nto a seu con teú do: —
POSIÇÃO ATIVA / R POSIÇÃO PASSIVA
dir eit o subj eti vo
dever
obrigação
I
I
pretensão
ação
(material)
I
> Exceç ão (subs tanci al)
I
I
I sit uaç ão
pas siv a de aci ona do
<>
situa ção de excep tuado < b)
Sistema jurídi co e pode r de auto-regrame nto da vont ade
O sistema jurídico, ao estabelecer o conteúdo das relações
juríd ica s pod e: — (a) reg ulá -lo, exa ust iva men te, em car áte r
cogent e, não deixa ndo à vontade nenhu ma margem, ou ( b ) permiti r que a vont ade negociai escolha, dent re as espécies, vari ações quan to à sua irr adiação e a int ensidade de cada uma. Na
hip óte se ( a ) se dei xa à von tad e som ent e o esc olh er a cat ego ria nego ciai, sem permiss ivos quan to à est rut uração do cont eúdo ef ic ac ia l da re la çã o ju rídi ca re sp ec ti va. Em (b ) pe rmi te -se
a escolha da categor ia nego ciai e a est rut uração do cont eúdo
efica cial da relaç ão jurí dica. O que, porém, não nos parec e possíve l é a cri ação volu ntária de efeito s que não est eja m previst os
ou, ao men os, adm iti dos pel o sist ema .
177
Quando há dispo sitividade e exclu sivame nte nesse caso, à
vont ade cabe o pode r de escolha na est rut uração do cont eúdo
efi cacial da rel ação jur ídi ca. Numa comp ra-e-vend a, por exemplo, é poss ível aos figu rantes do negó cio est abel ecer ter mos e
condi ções, renun ciar a certo s efeit os (à evicção, e . g . ) ou limi tálos (pacto de non peten do, e . g . ) e ainda estab elece r outra s
aven ças. Esse pode r de escolha dent ro das categor ias efi caciai s
não é, por ém, ili mit ado , nem exi ste um par âme tro est abe lec ido
a priori para todos os negócios jurídic os. Tudo depende do traçame nto do sis tema jur ídi co. Além disto, há semp re efeito s que
se produze m nece ssaria ment e, mesmo naqu ele s negó cios jur ídicos em que a liberdade de escolha é a mais ampla possível; por
ex em pl o: — a ob ri ga çã o de pr es ta r pe la fo rm a, no te mp o e
pe lo mod o pa ct ua do s, so b pe na de , em nã o o fa zen do , in ci di r
o de ved or em mor a.
Ade mai s, há neg óci os juríd ico s que , em raz ão da cog ênc ia
e da ab so lu ta de te rmi na çã o da s no rma s ju rí di ca s, nã o pe rmi tem aos fig ura nte s out ra esc olh a sen ão a de opt ar pel as cat egori as predetermi nada s nas normas jur ídi cas ( e . g . , o casament o).
Conc lui ndo: não há efeito jur ídi co ex voluntate. Tod os são
ex lege no sentid o de que semp re deco rre m de impu tação fei ta
aos fat os, inclusive atos, pelas normas jur ídi cas. Assi m, no ne góci o jur ídi co a vont ade não cri a efeito s, porque est es são defin idos pelo ordenam ento; apen as, dent ro de uma ampl itu de
var iá vel , as no rma s ju rí di ca s co nc ed em às pe ss oa s um ce rt o
po de r de es co lh a da ca te gor ia ju rí di ca .
3.3
Li mi ta çõ es à vo nt ad e ne go ci ai (1 6 8 a)
À vontade negoci ai o sistema jurí dico presc reve limit es rela ti vos : ( a ) à pr óp ri a man if es ta çã o de von ta de , pe rmi ti nd o-a
ou pr oi bi nd o-a, e (b ) ao se u co nt eú do , qu an do ad mit id a.
(a) — Nem toda mani fes taç ão de vont ade pode ser aceita
como negoci ai, isto é, capaz de produ zir negóci o jurí dico. O dire it o es ta be le ce pr es su po st os qu e hã o de se r at en di do s pa ra
que a vont ade poss a entrar no mund o jur ídi co como negó cio
jurí dico. Ao dono é livre vender os bens de que é titular; o pai,
porém, não pode vend er ao fil ho se os dema is não cons entire m.
O conc ubino que for casado não pode doar à conc ubina. As limi(1 68-a) Fazemo s aq ui a di st in çã o en tr e li mi ta çã o — qu e de co rr e da s no rm as Ju rí dicas — e re st ri ção — que def ine as auto-li mitaçõe s, ou se ja, aquel as
criadas negocialmente pelas próprian pes-oas.
178
taçõe s à livre manife staçã o da vontade negoci ai, em si, são inú mera s. Não há, portanto, um caráter absoluto no pode r de auto regr amen to da vont ade, mas, apen as, um permiss ivo que o sis te ma ju rí di co ou to rga às pe ss oa s.
Par ece cla ro, dia nte dis to, que a pri mei ra e gra nde lim ita ção a esse pode r res ult a da nece ssi dade de seu reconhe cime nto
pelo ordenam ento jur ídi co. "A autonom ia pri vada , ressal ta Bett i,
é um fenômen o logi came nte correl ati vo ao 169
da existê ncia das
esf era s juríd ica s ind ivi dua is de cad a um" ( ). Com ist o se
deixa evidente que a liber dade de auto-regulação dos inter esses
soment e pode exist ir nos sistemas jurí dicos onde os inter esses
pr ivad os se ja m re co nh ec id os ; po r is so , é se m se nt id o fa la r-se
de auto-regr amen to ou autonom ia da vont ade onde esses int eresses não sej am liga dos a algu ém, em caráter pri vado , e protegi dos pelo Direit o. O ordenament o jur ídi co é que defere ao
indivíd uo o pode r de mani fes tar a vont ade, regu lando as suas
pró pri as rel açõ es no pla no juríd ico , don de hav er, em últ ima
anál ise , um reconhe cime nto do pode r de auto-regr amen to da
von tad e pel as nor mas juríd ica s.
O que, na verd ade, ocor re, é que a lei deixa aos indivíd uos
uma ce rt a mar gem de li be rd ad e qu an to a po de r au to -re gul ar
seus interesses, porque, conf orme Pont es de Mir anda " . . . so ment e dent ro dos limi tes prefix ados , pode m as pessoas tor nar
jur ídi cos atos huma nos e, pois, conf igur ar rel açõe s jur ídi cas e
obter eficá cia jurí dica" . A chamad a "auto nomia da vontade, o
au1 7to
-re gra men to , não é mai s do qu e o qu e fi co u às pe ss oa s"
( 0 ) . E é por cons ta ta r es sa ver dade que Sant or o Pass ar el li
(m ), refer indo-se à vontade como carac terística própr ia dos ne gócios jurí dicos , ensin a que "esta vontade não é sober ana, inde pend ente. Ela é idônea para produzi r efeito s porque outra vontad e, ess a, sim , sob era na, aqu ela que se exp rim e no ord ena men to juríd ico , a aut ori za a iss o".
A fal ta de rec onh eci men to pel o sis tem a juríd ico do pod er
de aut o-reg ula ção dos int ere sse s ind ivi dua is, em car áte r ger al
ou, parcialmen te, quan do a certas áreas de atuação, tor na impos sív el a man ife sta ção da von tad e neg oci al.
(b) — Mesmo quan do esse reconhe cime nto existe , não se
pode , a priori, decl arar a ampl itu de em que pode rá a vont ade
atuar. Tud o depe nde, naturalmen te, do tra çame nto est abel ecido
pelo sis tema .
(169) Teoria Geral do Negócio Jurídico, I, 93.
(170) Tratado de Direito Privado. III, 55/6.
(171) Teoria Geral do Direito Civil, 9S.
179
A amplitude do poder de auto-regramento da vontade (autonomia da vontade) varia em proporção direta à indeterminação das normas jurídicas; quer dizer: — quanto maior a indeterminação das normas jurídicas, maior a autonomia da vontade
e, inversamente, quanto menor a indeterminação, menor a autonomia. A questão da indeterminação das normas jurídicas está
relacionada com a especificidade de suas disposições. Quanto
mais específica uma norma quanto à descrição de seu suporte
fáctico e à prescrição de seu preceito, menor a indeterminação.
A técnica jurídica: (a) em certos casos, ao definir as normas
jurídicas, desce a minúcias, regulando exaustivamente o fato
jurídico correspondente; (b) em outros casos estabelece certos
pressupostos, sem contudo ser exaustiva; (c) enquanto em outras situações apenas permite, sem dispor maiores exigências.
Nessas situaç ões temos casos de (a) determ inação absolut a,
(b) determinação
relativa e (c ) indeterminação, conforme a lição
de Korkounov (172).
Parece evidente que, havendo indeterminação, o suporte
fáctico é até certo ponto livre às pessoas, donde não ficarem
elas limitadas a tipos negociais preestabelecidos. Do mesmo
modo, se o preceito não prescreve o conteúdo eficacial da relação jurídica, portanto não define os direitos <> deveres, pretensões <> obrigações, ações e exceções correspondentes, é claro
que, dentre as espécies encontráveis no sistema jurídico, é permitido aos figurantes do negócio (partes) estruturar a própria
relação jurídica que se criará com o negócio jurídico. Casos de
indeterminação são, de ordinário, encontrados no campo do Direito das Obrigações, onde, em geral, são numerus apertus as
espécies negociais e, mesmo aquelas reguladas, quase sempre
o são, apenas, dispositivamente. Por isso, é admissível aos interessados criar instrumentos 17â
não previstos nas leis para satisfazerem às suas necessidades ( ).
Em outras situações, as normas jurídicas limitam a vontade, muitas vezes apenas para admitir que os figurantes escolham a categoria jurídica, preestabelecendo, já, todo o conteúdo
(172) Théorle Générale du Drolt, 195. Vide, especificamente sobre o negócio Jurídico, Hector Negrl. El Negócio Jurídico, 30. Vide, antes, cap. n.
(173) Exemplos sfio os contratos de Leasing, de Factorlng e outros dessa espécie
t&o em voga atualme nte. Embora a doutrina se refira a novos tipos ne gociais, parece -nos que neles nao hâ, a rigor, criação de tipos, mas es pé ci es qu e re su lt am da as so ci aç ão de vá ri os ti po s re gu la ment ad os , o
Leasing, que usamos como exemplo, é um híbrido de arrendamento com
promessa de compra e venda. Os tipos regulados pelas normas jurídicas,
como resultado da experiência mil enar da - human idade, parecem esgotar
as necessidades do tráf ico social, cabendo, apenas, a sua modernização,
pois que precisam atender a aspectos novos de velhas carências.
das relações jurídicas que dela decorrerão. No casamento, por
exemplo, há determinação absoluta e por isso deixa-se à vontade tão somente a escolha em casar e a escolha do regime de
bens. Todas as relações jurídicas que nascem do casamento e
do regime de bens estão, exaustiva e cogentemente, estabelecidas pelas normas jurídi cas, nada restan do à vontad e quanto
a regulá-las. Em casos de determinação relativa, como nos contratos de locação, e. g. , ora se amplia, ora se limita a liberdade
negociai.
Daí se pode concluir que a margem deixada à vontade pelo
sistema jurídico traça os contornos do campo onde se pode
exercer o poder de auto-regramento (autonomia). Constitui,
portanto, regra fundamental a de que a vontade somente pode
ser manifestada no sentido permitido pelas normas jurídicas de
natureza cogente. Com isto queremos dizer que, se há o reconhecimento do poder de auto-regramento da vontade, é preciso
verificar, ainda, a sua compatibilidade com o ordenamento
jurídico, sob pena de sofrer as sanções impostas pelo sistema.
As conseqüências que podemos deduzir dessas afirmativas
são de duas ordens: (a) se a vontade é manifestada em, assunto
que o Direito não lhe reconhece autonomia, é, ela, totalmente
ineficaz, para produzir os efeitos desejados. Não resulta, no
caso, negócio jurídico, porque jurídico somente é o fato — inclusive o ato — que recebe o reconhecimento das normas jurídicas; e
(b) diferentement e, se o sistema jurídico admite a autonomia da vontade, a sua manifestação gerará negócio jurídico,
mas os efeitos a que ele visa somente ocorrerão quando a vontade estiver compatibilizada com as normas jurídicas cogentes
que delimitam a sua área de atuação. Se ocorre incompatibilidade entre a vontade e a norma, prevalece essa, donde os efeitos almejados e previstos por aquela, geralmente, não se realizarem.
Acrescente-se, ainda, que, em razão do principio da incolumidade mdas esferas jurídicas, como o denomina Pontes de Miranda ( ), o poder de auto-regramento da vontade sofre, também, a limitação que se estabelece pela necessidade de respeito
às esferas jurídicas alheias; quer dizer, a vontade somente pode
ser livremente manifestada enquanto não prejudique os interesses que integra m esferas jurídi cas,' de outras pessoa s, salvo
lex specialis. Naturalmente, os negócios jurídicos bilaterais im(174) TTatado de Direito Privado, III, 137.
180
181
põem , mesmo por lhes ser da essênci a, que a mani fes taç ão de
vontade de um alcan ce a esfer a jurí dica de outro . Essa circu nstânci a condu z à própr ia bilat erali zação do negóci o e, porta nto,
pressupõe a ades ão do outro à mani fes taç ão da vont ade. É por
isso que, enqua nto não houver a aceit ação da ofert a (que é manif est ação de vont ade dir igid a à esfera jur ídi ca alheia) some nte
se poder á falar de negóci o jurí dico unila teral , cujos efeit os são
apen as em rel ação a quem o prati cou. A int erf erência, sem ade são , na esf era juríd ica de ter cei ro faz , ilí cit o o ato juríd ico .
De tudo isto, parec e resul tar evidente que a auton omia da
vont ade, ou sej a, o pode r de auto-regr amen to das rel açõe s jur í dic as neg oci ais , não pod e ser con sid e rad a abs olu ta, ili mit ada .
Ao co nt rá ri o, as su as li mit aç õe s po de m se r tã o amp la s qu e a
ela resta , apena s, a manife staçã o, pura e simples, sem maiore s
opçõe s, da vontade de reali zar o negóci o que a lei regul ou
exau sti vamente. Vê-se, dessarte, que, tanto na liberdade, quan to
no di sc ip li na men to pr évi o, o qu e ex is te é ou to rga de po de r
pelo Direit o ao indivíd uo. A vont ade não cri a, assim, efeito s
jur ídi cos, nem categor ias jur ídi cas; escolhe-os dent ro do tra çam ent o do sis tem a juríd ico .
3.4
Ne gó ci o j ur ídi co e no rm a j ur íd ic a in di vi du al
O normati vism o atr ibui ao negó cio jur ídi co natureza nor mativa , em razão da qual as dispo siçõe s negoci ais seria m normas
jur ídi cas individ uais (1 7 5 ). Essa opinião teve gran de aceitação
na do ut ri na , se nd o de fe nd id a po r es píri to s de es co l.
Há autores de gran des méri tos que faze m obj eções à proposta kelse niana utilizando argumentos que não consi deramo s,
porém, sufic iente mente ponde rosos e defin itivo s para reje itá -la.
Ex emp lo di st o é a op in iã o de Roub ie r ( 176 ) qu e su st en ta nã o
ser poss ível a cri ação de regr as individ uais atr avés de cont rat o
po rq ue "u ma re gra ver da de ir a nã o é po st a pa ra um só ca so ,
mas pa ra uma sé ri e in de te rmi na da de ca so s e de hi pó te se s" .
Essa obse rvaç ão de Roub ier não nos parece sign ifi cativa porque,
(175) A proposta tem seu maior defensor em Hans Kelsen que, ao conceber a
est ruturação do ord enamento jurídico em for ma de pirâmide em cujo ápice
está a co ns ti tu iç ão , co loco u na su a ba se aq ui lo qu e de no mi no u no rm as
in di vi du ai s e qu e co ns is ti ri am em de ci sõ es ju di ci ai s e ne góci os ju rí di co s.
Esse posicionamento — hoje seg uido por doutrinadores de gra nde valor —
não nos pare ce cor re to, por que nem as dec isõ es Ju diciais, nem os neg ó cios jurídicos podem criar qualquer tipo de norma. Ta nto num como
no utro ca so há , na verd ad e, ap li ca çã o de no rm as ju rí di ca s im pl íc it as do
si st ema, Ja ma is cr ia çã o de no rm a. So br e as de ci sõ es ju di ci ai s Já no s re fer imos no capítulo II , Sec . I, § 2.2, e nota n.° 29. Quanto aos neg ó ci os ju rí di co s, fa zemo s a ob je çã o no te xt o.
(176) Droits Subjetifs et Situations Juridiques, 2/5.
182
embo ra a abstra ção e a gene ral idade sej am vir tudes das normas
jur ídi cas e mesmo uma conq uista da demo cracia, pois que re duze m o arbítr io do legi sla dor, não são, na verd ade, caracterí stic as essenciai s das normas jur ídi cas. Ning uém nega que pode
hav er nor ma juríd ica edi tad a reg ula rme nte pel o leg isl ado r que
se dirija a atender um só caso, uma só hipótese. Não é por iss o
qu e el a de ix a de se r no rma ju rí di ca .
Seg und o ent end emo s, o arg ume nto def ini tiv o par a neg ar
ca rá te r no rma ti vo ao ne góc io ju rí di co co ns is te no fa to de qu e
as normas jur ídi cas têm por caracterí sti ca essenci al a incidência,
em con seq üên cia da qua l oco rre a jurid ici zaç ão do sup ort e fác ti co po r el a pr evi st o e a ger aç ão de um fa to ju rí di co . Ne góc io
jur ídi co algu m — exceto no camp o do Direit o Inte rnacional Públ ic o (r n ) — te m ou po de te r o ef ei to de in ci di r so br e fa to s e
cr ia r fa to ju rí di co . Co m el ei to , se gun do de mon st ra mos , no s
ca so s em qu e, po r in de te rm in aç ão ab so lu ta da s no rm as ju rí di ca s, nã o ha ja no rma s es pe cí fi ca s so br e de te rmi na do ne góc io
ju rí di co , em ca mp o ju rí di co em qu e se ad ot e o pr in cí pi o da
pe rm is sã o na cr ia çã o de ti po s — no Di re it o da s Ob ri ga çõ es ,
p. ex . — a von ta de qu e es tr ut ur e ce rt o ne góc io , re gul an do di rei tos e obr iga çõe s, emb ora apa ren tem ent e est ej a cri and o nor mas qu e se ap li ca ri am, es pe cí fi ca e ex cl us ivame nt e (p or is so
se dize m individ uais), àque le negó cio, na verd ade est á aplicando
nor mas juríd ica s do ord ena men to juríd ico , às vez es imp líc ita s,
em dec orr ênc ia de per mis siv o res ult ant e da pró pri a ind ete rmi na çã o no rm at iv a. Ta nt o é ve rd ad ei ro qu e a ni ng ué m é da do
rea liz ar neg óci o juríd ico que sej a pro ibi do ou que não sej a per miti do. Some nte onde há permiss ivo do ordenam ento é poss ível
à von ta de es ta bele ce r negóc io ju rí di co. A in dete rmi naçã o das
no rma s, já vimos an te s, dá mai or li be rd ad e à von ta de , pe rmi ti nd o qu e at ue em mai or amp li tu de . A su a mar gem de es co lh a
é mai s ace ntu ada , por ém não imp lic a o pod er de cri ar nor ma.
3.5
Ne gó ci o ju rí di co e ef ei to s pr át ic os
Alguns autor es propõ em conce ituar o negóci o jurí dico como
uma manifestação de vontade dirigida à produção de efeitos prátic os. Essa conc eit uaçã o nos parece insati sfatór ia, mesmo quan í 177) Excetuamos os negóc ios na área do D.I. Público que se consubstanciam em
tra tados e con ve nçõe s inter nacion ais por se re m el es fo ntes nor ma tiva s
des se ra mo da Ciên cia Ju rí dica. At ra vé s dós tra tados e con ve nçõe s os
Es tados pod em cri ar nor ma s jurí dicas es pec ífi cas, pre cisa me nte por que
lhes cabe o poder de legislar. Tanto isto é verdadeiro que somen te Estado
soberano — portanto. Estado que detém o poder de dizer o direi to da co munidade que o integra — pode rea lizar tratado e convenção internacional.
183
do, com o o faz Car los Alb ert o da Mot a Pin to ( 1 7 8 ) , se atr ibu i à
ord em juríd ica a det erm ina ção e pro duç ão dos efe ito s jurí dicos do negóci o.
Do modo como é colocada a ques tão, efeito s prátic os não
seriam efeito s jur ídi cos, mas aqui lo que de econ ômic o, de moral, de religioso, ou de qualq uer outra natur eza, se possa obter
atrav és do negóci o. Ressa lta-se, com essa expre ssão efeit os prátic os, o que vai na int ençã o dos figu rantes do negó cio jur ídico,
que, sal vo especialí ssi mas sit uaçõ es, como a do art . 90 do Código Civi l Bras ile iro , não tem nem pode ter sign ifi cado para o
mundo jurídic o Se o figurante de um negócio de compra-e-venda
comp rou o obj eto porque achou que o preço era baixo e o po der ia yen der log o dep ois ,co m gra nde luc ro, ou se o com pro u
para ajudar o vended or numa dific uldad e, se alcan çou o inten to
pr át ic o de or de m ec on ômi ca , no pr ime ir o ca so , ou ca ri ta ti vo,
no se gun do , is to nã o te m imp or tâ nc ia pa ra o di re it o. Em uma
e outra situa ções os efeit os jurí dicos da compra -e-venda se realizam independentemente dos efeitos práticos perseguid os. Finalment e, é precis o deixar bem claro que, se os efeito s prátic os
não são juríd ico s, não pod em ser vir par a car act eri zar ins tit uiçã o ju rí di ca . Se o da do nã o in te gra o su po rt e fá ct ic o e, po rtan to, não tem ace sso ao mun do juríd ico , qua lqu er opi niã o que
o menc ione não pode ser cons iderada jur ídi ca, nem cienti fic ament e corret a.
Alé m dis to, que o neg óci o juríd ico há de vis ar um res ul ta do lí ci to e po ss ível (o bj et o de ne góc io ) é pr es su po st o qu e
não diz respeito apen as ao negó cio jur ídi co, mas cons tit ui ele ment o essenci al de todo ato jur ídi co, como vimos no est udo do
ato juríd ico lat o sen su.
3.6
Co nc lu sã o. O co nc ei to de ne gó ci o ju rí di co
Cons iderados os fundame ntos expo stos, pode mos conc lui r
que negóc io juríd ico é o fato jurí dico cujo elemen to nucle ar do
supo rte fáctic o cons ist e em mani festação ou decl aração consci en te de von ta de , em re la çã o à qu al o si st ema ju rí di co faculta às pessoas, dent ro de limi tes predetermi nado s e de ampli tude vári a, o pode r de escolha de categor ia jur ídi ca e de
est rut uração do cont eúdo efi cacial das rel açõe s jur ídi cas respect ivas , quan to ao seu surgimento, permanê ncia e int ensidade
no mun do juríd ico .
(178) Teoria Geral do Direito Civil, 258.
184
4.
Diverg ências doutri nárias
4.1
Há necessi dade da distinç ão entre as espécie s
de ato jurídic o?
Emb or a se ja in di sc ut ível a ex is tê nc ia de di fe re nç as en tr e
as espécies de atos jur ídi cos, não há entre os dout rin ador es
unan imid ade em cons iderá -las sufici entes para o est abel ecimento de uma dis tin ção . Os que a rec usa m, con sti tue m, por ém,
min or ia (vi de ca p. X, § 3, fi na l) .
Apes ar disto, examina remo s, mesmo sucint amen te, as opini õe s qu e se fu nd am no s ar gum en to s de qu e: —
I — nã o ha ve ri a um tr aç o di st in ti vo ca pa z de pe rm it ir ,
ém qua lqu er sit uaç ão e sem som bra de dúv ida , a dif ere nci açã o
en tr e at o ju rí di co st ri ct o se ns u e ne góc io ju rí di co .
II — a di st in çã o não te ri a ut il id ade pr át ic a, se cons id e
ra da a ci rc un st ân ci a de qu e a "d is ci pl in a pr óp ri a do s ne gó
cio s juríd ico s ser ia ext ens iva aos ato s juríd ico s str ict o sen su" .
A es se s fu nd ame nt os ob je ta mos : —
I — O primeir o dos argu ment os cont rários à distinção,
parece-nos deco rre r da defeit uosa conc eituação do negó cio juríd ico e dó ato jur ídi co str ict o sensu ensinada, tra dicionalme nte, pela doutr ina mais divulgada. O apego exces sivo ao voluntarismo que broto u do individual ismo jurí dico, levou os juri stas
alemães , respons ávei s pela elaboraçã o ini cial dos conc eit os, a
dua s afi rma tiv as que , por não pre cis are m, cor ret ame nte , os
cont ornos de cada espéci e, est imul am os equí voco s, a saber: —
a) o negóc io ju rí di co cons is ti ri a em uma de cl ar aç ão de
vo nt ad e vol ta da à pr od uç ão de ef ei to s ju rí di co s, e nq ua nt o qu e
o ato juríd ico str ict o sen su res ult ari a de sim ple s man ife sta ção
de von ta de , visa nd o a ob te r os ef ei to s le gal men te es ta be le ci
dos;
b) os ef ei to s ju rí di cos no negóc io ju rí di co se ri am decor
re nt es da von ta de (ex vo lu nt at e), o pr óp ri o ne góc io jur íd ic o
ser ia o ins tru men to de pro duç ão dos efe ito s que rid os pel a von
tad e, enq uan to que no ato juríd ico str ict o sen su os efe ito s não
se ri am re su lt an te s da von ta de , mas es ta be le ci do s pe la le i (ex
lege).
185
A partir desses critérios distintivos, os contestadores apontam uma séri e de situ ações em que: (a) o negóc io jurí dico
não se perfaz com declaração de vontade, mas com mera manifestação, às vezes tácita e até silente, e casos em que atos jurídicos se concretizam através de declarações de vontade e não
de simples manifestações ; (b) negócios jurídicos têm efeitos
que se produzem independentemente e até contra a vontade dos
figurantes, ou mesmo diferentes daqueles que foram os queridos, o que os enquadraria na classe dos atos jurídicos stricto
sensu.
a) Segundo demonstramos, a questão de ser o negócio jurí
dico diferen ciado do ato jurídi co strict o sensu pelo modo de
exteriorização da vontade (declaração ou manifestação) não
tem substância científica. Não há qualquer fundamento na realidada de vida jurídi ca que justif ique a afirmat iva de que so
mente declaração de vontade constitui negócio jurídico.
Quando,
na venda a contento, exemplo que demos na nota n9 158, aquele
que recebe a mercadoria para exame a consome, não declarou
sua vontade, mas concluiu o contrato de compra-e-venda com
uma manifestação (tácita) de vontade. Se a declaração fosse
essencial à formação do negócio jurídico, nesse caso não teria
havido contra to (= negócio jurídi co), mas, sim, ato jurídi co
stricto sensu. Ninguém, no entanto, seja de que corrente dou
trinár ia for, negará à venda a conten to o caráter contra tual e,
portanto, de negócio jurídico. A revogação (negócio jurídico
unilateral) de testamento cerrado pela sua simples ruptura (Có
digo Civil, art. 1.749) também é exemplo irrefutável de mani
festação de vontade que constitui negócio jurídico.
Declaração de vontade ou manifestação, repetimos, são formas de exteriorização da vontade e, portanto, apenas elementos
completantes do núcleo de negócio jurídico ou de ato jurídico
strict o sensu (vide, antes, distin ção no § 2.1. do Capítu lo X).
Se há exigência de declaração ou se é de manifestação que
se trata depende, somente, do suporte fáctico estabelecido pelas
normas jurídicas para cada espécie de ato jurídico lato sensu.
b) Em relação ao caráter voliti vo dos efeito s do negócio
a matéria parece-nos suficientemente esclarecida neste capítulo
§ 3.2.2, inclusive nota 154.
II — Quanto à aplicação da mesma disciplina dos negócios jurídicos aos atos jurídicos stricto sensu, a afirmativa ape
nas em parte é verdadeira. Essa questão é, geralmente, contornada pela doutrina, sendo corrente a opinião de que os regras
186
sobre negócios jurídicos seriam aplicáveis aos atos jurídicos
por analogia, uma vez que os ordenamentos jurídicos não teriam
estabe lecido um regime jurídi co própri o dos atos jurídi cos
stricto sensu, havendo, somente, normas específicas em cada
caso.
Inicialmente, é preciso deixar claro dois dados fundamentais : —
a) a disciplina jurídica do negócio jurídico não é em tudo
aplicável ao ato jurídico stricto sensu e,
b) a aplicação das normas às duas espécies não se faz por
analogia, mas porque são normas comuns ao gênero ato jurídico
(= ato jurí dico lato sens u).
Os atos jurídicos lato sensu têm por característica nuclear,
precisamente, o serem atos volitivos. A presença de vontade
relevante em seu suporte fáctico faz nascer a necessidade de
que essa vontade, quando exteriorizada, represente, o mais fidedignamente possível, o verdadeiro querer das pessoas e, mais
ainda, possa ser conhecida. Assim é que, visando à proteção
das pessoas e à segurança do tráfico social, o Direito adota certas precauções que se expressam, notadamente, em normas sobre a capacidade dos indivíduos para a prática de atos jurídicos,
e na sua repr esen taçã o, na form a dess es atos , na sua prov a,
e na sua validade.
Por se tratar de gênero, as normas jurídicas que o ordenamento estabelece, em geral, para o ato jurídico são normas
comuns às suas duas espéci es: — o ato jurídi co strict o sensu
e o negócio jurídico. Por essa razão, as normas da parte geral
do Código Civil que se dirigem a regular o ato jurídico, especialmente quanto à capacidade das pessoas, representação, forma, prova e validade, por serem comuns ao gênero, regulam,
indistintam ente, as espécies que o integram.
Quando, porém, mesmo sem distinguir taxativamente, o ordenamento edita normas que, pelo seu conteúdo, se. destinem,
especificamente, a uma das espécies, atendendo às suas característ icas típica s e peculi ares, tais normas não são aplicá veis
à outra espécie, nem por analogia. Por isso é que não são aplicáveis aos atos jurídicos stricto sensu as normas gerais relativas à eficácia, ou seja, aquelas normas referentes às determinações inexas (termos e condições) e anexas (modos ou encargos) uma vez que são próprias dos negócios jurídicos, fugindo,
assim, à natureza específica dos atos jurídicos stricto sensu. Os
atos jurídicos stricto sensu são incondicionáveis, inatermáveis,
187
e não pode m ter seus efeito s suj eit os a modo s ou enca rgos ,
exa tam ent e por que nel es a von tad e não tem esc olh a de cat egor ia juríd ica , lim ita ndo-se à prá tic a do ato .
Não há, portanto, uma indist inção ou indefi nição da dis ciplin a jur ídi ca aplicável ao ato jur ídi co str ict o sensu e do negóci o jur ídi co. Apen as, conf or me íize mos destacar antes, a lei ,
na maiori
a das codif icaçõ es, não disti nguiu as espéc ies em seus
textos (179 ). Cabe à Ciência, portanto, partindo dos princípios,
elabo rar a doutr ina, preci sando os conce itos e expli citan do o
ver dad eir o sen tid o do sis tem a juríd ico .
4.2
Ins uf ic iê nc ia do co nc ei to cl ás si co de ne góc io
ju rí di co ?
A partir da cons tat ação de que no mund o atual as rel açõe s
nego ciais est ão a assumir formas que não se aju sta ria m à con cepção das duas espé cies, em especial à idéia clássica de negócio
jur ídi co, ou sej a, do negó cio jur ídi co como ato voli tivo , int en cia nal e aut ôno mo das pes soa s vis and o à reg ula ção de seu s
pr óp ri os in te re ss es ju rí di co s ou pr át ic os , há qu em af ir me qu e
a categor ia negó cio jur ídi co não mais atender ia à realid ade do
tráfico socia l.
Na ver da de , de sd e o fi na l da Se gun da Guer ra Mu nd ia l
temos prese nciad o profu ndas trans formaç ões nas conce pções de
vida e nos padrõ es de compor tament o socia l, em decor rênci a,
princ ipalme nte, do desen volvim ento tecno lógic o e da explo são
demo gráf ica. Dent ro do mund o mass ifi cado em que hoj e vive mos, as relaç ões negoci ais perde ram, em muito, o carát er individ ual , que ant es tin ham , pas san do a se est abe lec ere m de um
mod o imp ess oal , mui tas vez es, até , por int erm édi o de máq ui nas. Essa s tra nsforma ções sociai s impu seram a nece ssi dade da
int romi ssão do Estado na regu lação do rel acionam ento indivi dual , reduzin do e abranda ndo a lib erdade cont rat ual tal como
conce bida pelo individual ismo do estad o liber al. A inter venção
est atal na econ omia e na dir eção de certos aspectos da vida socia l, com o as rel açõ es de tra bal ho, de pro duç ão e de uti liz açã o
de be ns , es pe ci al me nt e a mo ra di a e o fu nd o ru ra l, mu da ra m
(179) O Projeto do novo Código Civil Brasileiro ela borado por Comissão presi dida
por Migu el Rea le , adot ou or ien tação no se ntido que su st en tamo s no tex to, ma ndando apli car ao ato jurí dico st ri cto se nsu as nor ma s re fe re ntes
ao ne góci o ju rí di co , qu an do ío r o ca so (P roje to , ar t. 18 5, co nf orme ap ro va do pe la Câ ma ra do s Depu ta do s) . Vi de a op in iã o de Me ss in eo, Derech o
Civil y Comer cial, II.
188
a fis ionomia das própri as rel açõe s jur ídi cas, desde quan do est as
nã o sã o mai s do qu e aq ue la s re gida s pe lo Di re it o.
Em virtu de disto , vemos os padrõ es jurí dicos serem modi fic ados pelas nece ssi dade s do trá fic o come rci al, alt erando as
condi ções até então vigent es. Por exempl o, a actio redhi bitor ia
(ação redibi tór ia) — com a qual o comp rador do obj eto com
def eit o ocu lto que o tor ne imp róp rio par a seu fim , obt ém a
resci são do contra to de compra-e-venda — e a actio quant i mi nor is (aç ão de min ora ção do pre ço) — par a, na mes ma sit ua ção, have r o abat imen to do preço (Cód igo Civi l, art s. 1.10 1 e
segs .) — perderam o seu sentid o com a adoç ão da gara nti a de
bom fun cio nam ent o, que o fab ric ant e ass egu ra ao con sum ido r
de seus produtos.
A massificação da produção e do consumo tornou comple tame nte invi ável a solução de ques tões sobr e defeit o dos obj etos vendidos, atrav és de proce diment os conce bidos ainda pelos
romano s. Chegar íamos, evidentemen te, a uma situa ção de cala midade se os consu midore s de apare lhos eletr odomés ticos , por
ex emp lo , ti ves se m qu e re co rr er ao Ju di ci ár io pa ra di ri mir as
sua s que stõ es com os fab ric ant es, ou mes mo os com erc ian tes ,
po r víci o re di bi tó ri o, em fa ce da imp os si bi li da de de se da r
pronto atendiment o às dema ndas , em razã o de seu exce ssi vo
número.
Cert as sit uaçõ es, bastante comu ns, faze m ressal tar problemas qu e, na ver da de , nã o tê m ex pl ic aç ão co nvi nc en te de nt ro
da conce ituaç ão cláss ica de negóci o jurídico como ato de auto no mia do in di vídu o em po de r re gul ar os se us pr óp ri os in teresses. Senã o, vejamos .
a) No contr ato de adesã o, no contr ato admini strat ivo, como
no cont rat o-tip o e em outros dessa espécie, um dos cont rat antes
est abe lec e as clá usu las , o c ont eúd o do neg óci o e, de mod o pa
dro niz ado , o ofe rec e aos out ros , que não têm out ra alt ern ati va
senão aceita r ou não aceita r aque le cont rat o, tal qual est á
expr esso, sem poss ibi lid ade de qual quer alt eração de cont eúdo .
Diz -se que nes ses neg óci os não exi sti ria pod er de aut o -reg ramen to (a ut on omi a) da von ta de , ne m mes mo von ta de de ne
góc io da par te daq uel e que ade re ou ace ita o con tra to.
b) No cha mad o con tra to nec ess ári o alg uém , por for ça de
det erm ina ção de aut ori dad e púb lic a, é obr iga do a pr ati car cer
tos atos ou realiza r certos negó cios. Como exem plo, costuma mse ci ta r o se gur o ob ri gat ór io pa ra li ce nc ia men to de veí cu lo s
189
automotores e a obrigatoriedade de algumas indústrias venderem seus produtos, exclusivamente, a uma determinado órgão
(IAA, v. g. ).
No nosso entender essas situações geradas pela massificação nas relações negociais (que, de um modo ou de outro, é c
fator determinante da intervenção estatal cada vez mais intensa
na vida econômica e na vida das pessoas), apesar de relevantes,
somente parecem procedentes quando analisadas em consonância com a concepção clássica das categorias tradicionais. Se, no
entanto, apreciarmos as espécies considerando o verdadeiro
conceito de negócio jurídico, escoimado dos excessos voluntaristas, tal como propomos, veremos que atende a quaisquer
situações possíveis.
Segundo a nossa concepção, o elemento fundamental caracterizador do negócio jurídico consiste, precisamente, na circunstânia de que a liberdade das pessoas (autonomia da vontade) na escolha da categoria jurídica e na estruturação do
conteúdo eficacial da relação jurídica respectiva, varia em amplitud e, confor me as normas do sistem a jurídi co, podend o ir
de um mínimo de escolha — quando há numerus clausus e
apenas um tipo a escolh er — a um máxim o, quando se permite, até, a criação de espécies novas (numerus apertus). A
vontade negociai, assim, somente tem poderes de escolha dentro dos limites traçados pelo ordenamento jurídico, não sendo,
portanto, livre e muito menos absoluta. A partir de uma tal
concepção, não vemos a dificuldade para explicar, como negócio jurídico, o contrato de adesão, o contrato tipo, o contrato
administrat ivo e até os contratos ditos necessários.
Excluindo o contrato necessário, nas outras espécies aquele
que oferta o negócio o faz ditando as regras segundo as quais ele
se realizará. Nisto já está caracterizada a liberdade de escolha,
embora limitada, no caso, ao ofertante. Este, em razão das
circunstâncias próprias do negócio (geralmente relativos a
relações massificadas , que, por isso, acarretariam a exigência
de padronização, como são exemplos os contratos de transporte
coletivo, de prestação de serviço ao público, como no fornecimento de água, luz, telefone), não permite que o aceitante possa
alterar o conteúdo da oferta, cabendo-lhe, apenas, aceitá-la ou
não. Nessa alternativa — aceitar ou não-aceitar — está também a liberdade de escolha. Ninguém é obrigado a contratar.
Pode-se ver obrigado quando se precisa contratar, mas sempre
com a finalidade de satisfazer necessidades, desejos ou vontade
pessoais. Essa não é uma situação que somente ocorre naquelas
190
espécies de contrato, mas em qualquer outra é possível de
acontecer. Quando aquele que é procurado para vender um objeto seu diz que somente o venderá pelo preço X, nas condições Y, e não aceita contra propos ta, e o que quer compra r
aceita o negócio como proposto, melhor diríamos, imposto, caracteriza-se situação igual. Dizer-se que a vontade não foi manifestada é absurdo. Houve manifestação de vontade (que pode
ser até diferente daquilo que a pessoa realmente queria, por
exemplo, comprar pelo preço X — 1), e não negócio sem manifestação ou contra a vontade. No contrato de adesão, e. g., é
exatamente isto o que acontece. Se o aceitante quer aquilo que
se lhe oferta, mas, mesmo não concordando com certas condições do negócio, a aceita, manifestou a sua vontade. O seu querer a oferta, naturalmente, pesou mais do que a sua discordância com a condição. Assim também no contrato tipo.
No contrato administrativo, há um elemento — o interesse
público — que interfere, dando ao ente estatal contratante uma
posição tal, em relação ao particular, que lhe permite proceder,
em certas situações, como se estivesse em superioridade contratual. Assim é que pode a administração, unilateralmente, resolver o contrato, modificar as condições de execução contratual, por exemplo, sem precisar de indenizar o outro contratante.
Esse poder, no entanto, não é ilimitado e somente pode ser
exercido dentro de parâmetros estabelecidos pela lei. É o princípio da legalidade do ato administrativo. Não há absolutismo,
mas regulação diferente e peculiar da autonomia contratual,
considerando a natureza dos interesses em jogo. Não elimina
o caráter negociai o não haver uma igualdade contratual.
No chamado contrato necessário, como são exemplos algumas prestações de serviço público, o monopólio estatal em atividade econômica, e a mais extremada de suas figuras, o seguro obrigatório para licenciamento de veículos automotores, a
liberdade contratual fica reduzida a um mínimo: — escolher
exercer a atividade. O contrato necessário, em essência, constitui uma condição para que as pessoas possam exercer determinada atividade. Por exemplo: — quem não desejar ter um
automóvel, não terá de fazer seguro obrigatório; quem não quiser vender, obrigatoriamente, a sua produção de açúcar de exportação exclusivamente ao IAA, não produza açúcar. Se a pessoa opta por exercer qualquer atividade incluída naquelas para
as quais a lei. estabelece a prática necessária de certos atos
jurídicos, é de sua livre vontade. No momento, porém, em que
é a própria atividade que se torna obrigatória deixa de haver
negotium para haver, apenas, imperium, E então não há mais
191
como poder falar de negócio jurídico, mas estaremos diante da
discricionariedade do poder público ou até da arbitrariedade,
quando se extrapolam os limites da legitimidade .
Como se vê, as objeções somente são admissíveis enquanto
se considera o negócio jurídico apenas como um instrumento
de satisfação da vontade das pessoas, e não um instrumento do
tráfico jurídico. Se, no entanto, o pomos no seu devido lugar,
atendendo as suas peculiaridades, tais como reveladas pela experiência jurídica, e o conceituamos segundo a sua real fisionomia, constatamos que o negócio jurídico continua a ser uma
categoria abrangente de todas as situações em que as pessoas
possam, segundo o seu livre-arbítrio, exprimir a sua vontade.
TÍTULO III
ConceituaçãoSucinta
das EspéciesIlícitas
192
CAPÍTULO XIII
Do Fato IlícitoLato Sensu
I — Conc eiíu ação 1.
Noção preliminar
Procuramos deixar claro, no Cap. VII, §1 .1 , que a ilicitude
imp or ta se mpr e co nt ra ri ed ad e a di re it o, po rq ue se co nf igur a
em sit uaçõ es que cons ubst anci am a não-realiza ção dos fin s da
ordem jur ídi ca, impl icando viol ação de suas normas. Com efeito : —
I. todo ordenam ento jur ídico, com maio r ou meno r inten sidade, cont ém, como básico, o pri ncípio da incolumida de das
es fe ra s ju rí di ca s in di vidu ai s, co ns id er ad as es ta s, em se nt id o
lato, o conjunto de direi tos e deveres mensur áveis , ou não, eco nomi came nte, rel acionad os a algu ém ( 180 ). Em cons eqüê ncia
des se pri ncípi o, con cre tiz ado na fór mul a lat ina do nem ine m
laede re, a ningué m é dado inter ferir, legit imament e, sem o con sentime nto de seu tit ular ou autori zaçã o do ordenam ento jur ídico, na esfer a jurí dica alhei a, donde haver um dever genérico
(abso luto) (181 ), no senti do de que cabe a todos , de não causa r
dano s aos outros. Nada impe de, porém, que ato huma no, cons cient e ou incon scien te, e mesmo fato da natur eza ou do animal ,
at in ja es fe ra ju rí di ca de ou tr em, ca us an do -lh e da no s. As si m,
po r ex emp lo : se A, at ir an do uma pe dr a, qu eb ra a vidr aç a de
se u vizinh o; ou se o cã o pe rt en ce nt e a B, so lt o na ru a, mor de
um tra nse unt e; ou se a avu lsã o no pré dio de C cau sa dan o a
imóvel pertencente a D, há viol ação do princípio da incolumidade das esf eras jur ídicas, e, portanto, cont rar iedade a dir eit o.
Mas, não some nte se há dano s, há ili cit ude. Por iss o, são també m il íc it as si tu aç õe s em qu e: —
i
Í180) Vide a noção de esíera Jurídica no Cap. X, § 2.3, nota n.° 147 .
(1 81) As ex pre ss õe s (a ) dev er ge nér ico e (b ) dev er re la tivo que usa mo s nes ta
ex pos ição def inem : — (a ) dev er es que cabem aos su jei tos inclu ídos no
su je it o pa ss iv o to ta l, ou seja , de veres qu e co rr espo nd em ao s di reit os ab so lu to s; <b ) de veres qu e s&o co rr espe ct iv os de di reit os rela ti vos, is to ê,
deveres cujo sujeito (passivo) é determinado individualmen te. Ass im,
ex em pli fi cando, é dev er ge nér ico o que cabe a tod os de re sp ei tar a vi da
dos ou tro s, e es pec ífi co o de Manoe l paga r a Pe dro o dinhei ro que lh e
pediu emp rest ado.
Não há, nessas exp res sões, ref erências às obrigações gen éri cas (que têm
por objeto coisas indicadaB pelo gênero).
197
II. nas relaçõe s jur ídicas de direito relativo, ditas tamb ém
de cré dit o ou obr iga cio nai s, o dev edo r: — (a) des cum pre a sua
ob ri gaç ão ou a cu mpr e mal (a di mpl eme nt o ru im) e in ci de em
mor a; (b) cul pos ame nte , imp oss ibi lit a a pre sta ção ;
III. ato é rea liz ado em vio laç ão de dir eit o abs olu to de na
tu re za pe ss oa l, co mo os di re it os da pe rs on al id ad e (= di re it o à
vida , à sa úd e, à li be rd ad e, à ho nr a, ao no me, ao co rp o) , ou
rea l (= dir eit o de pro pri eda de, v. g. ) ;
IV. há inf raç ão de int ere sse jurid ica men te pro teg ido que
nã o cons ti tu i di re it o su bj et ivo (c as o dos ch ama dos in te re ss es
dif usos , de int eresse rel igio so, de int eresse mora l, e. g . ) ;
V. exis te ab us o ou ex er cí ci o ir re gul ar de di re it o, co mo
oco rre qua ndo o pai cas tig a imo der ada men te o fil ho;
VI. ou alg uém pra tic a ato juríd ico con tra ria ndo nor ma
jur ídi ca coge nte ( e . g . , quan do algu ém fir ma cont rat o sobr e ob
jet o ilí cit o).
Em todas as hipót eses acima, em conse qüênc ia de atos humano s, ou de simp les even tos naturais, have ndo dano s patri moniais ou não, envolvendo a infração de deveres absolutos ou
rel ati vos, est ão descri tas sit uaçõ es que têm como caracterí sti ca
comum a todas elas o implicarem viola ção da ordem jurí dica,
portanto, cont rar iedade a dir eit o que, quan do pratic adas ou
rel aci ona das a alg uém imp utá vel (= com cap aci dad e del itu al) ,
são ilí cit as.
2.
Cara cterí stic as da Ilic itud e
2.1
Elemen tos cerne (182 ) da ilicit ude a)
Cont rariedade a direit o
Tod o o fat o juríd ico , sej a líc ito ou ilí cit o, se car act eri za
pela presença de um determi nado element o fáctic o que cons titui o cer ne de seu sup ort e fác tic o.
No caso da ili cit ude, como gêne ro, o element o cerne do
su po rt e fá ct ic o se co ns ub st an ci a na co nt ra ri ed ad e a di re it o;
vale dizer : — a ilicitude tem como press upost o essen cial o ser
con trá ria a dir eit o. Ass im, tod o fat o, sej a eve nto ou con dut a,
qu e imp li qu e viol aç ão da or de m ju rí di ca , ne gan do os fi ns do
(182) Vide no Cap. m, I, § 5°. distinção entre elementos nucleares (cerne) e
completantes do suporte íáctlco.
198
dir eit o, é ilí cit o. Por iss o é que não há ili cit ude se o ato é per mit ido pel o dir eit o, mes mo que cau se pre juí zo (p. ex. : aqu ele
que mat a em leg íti ma def esa ) ou até que obr igu e a ind eni zar
( e . g. , dano caus ado em bem de ter cei ro em est ado de nece ssida de — ar t. 16 0, II, co mbi na do co m o ar t 1. 51 9, do Códi go
Civi l); porque não pode ser ilí cit o o que é jur idi came nte permitido.
Pa ra co nf igur ar a co nt ra ri ed ad e a di re it o ca ra ct er izad or a
da ili cit ude não imp ort a a que ram o da Ciê nci a Jur ídi ca per tença a norma viola da. Por essa razão, não há uma difer ença
antológica entre ilí cit o civil, pena l, admi nistrativ o ou de qual quer outra espéc ie; todos têm o mesmo cerne . Por isso a disti nçã o en tr e el es é pu ra men te met od ol ógi ca e se es ta be le ce em
razã o da espécie de norma que incide sobr e o supo rte fáctic o
conc ret o. Assi m, o ilí cit o é pena l porque incidentes normas de
dir eit o pena l, como há ilí cit o admi nistra tivo quan do se cont ra ri am no rma s de di re it o ad min is tr at ivo. Pa ra os de mai s ca so s
de il íci to re se rva -se a ex pr es sã o il íc it o ci vil, gen er ic ame nt e.
A su bs tâ nc ia on to ló gica de to do s el es , po ré m, é a mes ma: —
a vio laç ão da ord em juríd ica .
Do mesmo modo, é irrelevante a natur eza do dever (e
cons eqüe ntement e do dir eit o) que haj a sido inf rin gido , para ca rac ter iza r a con tra rie dad e a dir eit o suf ici ent e a com por o suporte fácti co da ilicitude como gênero. Se (a) o dever é daque les
que cabe a todos, porque corres pect ivo de direit o abso lut o ( —
dir eit o cuj o suj eit o passivo é o alt er, ou sej a dir eit o a sujei to
passivo tot al) , como os dir eit os reais ou os dir eit os da personalidade, ou se (b) se tra ta de dever correspect ivo de direit o
rel ati vo (= dir eit o cuj o suj eit o passivo é determi nado , individuado ), como os dir eit os cont eúdo de rel açõe s jur ídi cas de
crédito (ditas tamb ém obrigac ionais), de parentesco, de tutela,
curatela, e outras que result am de negó cio jur ídi co ou ato jur ídico str ict o sensu, some nte impo rta para defini r espécies par tic ulares de ili cit ude. Assi m, se a infração é a direit o absoluto,
tem-se um ilícito absol uto que entra na class e dos delit os. Se,
dif erentement e, o dir eit o viol ado é rel ati vo, tem-se um ilí cit o
rel ati vo de que o ato ilí cit o rel ati vo, o ato ilí cit o cadu cif icante e
o ato ilícito nulif icant e são class es (vide a conce ituaç ão dessa s
esp éci es no cap ítu lo seg uin te) .
É nec ess ári o con sid era r que não há som ent e con tra rie dad e
a dir eit o se a inf raç ão é con tra dir eit o sub je tiv o. A ref erê nci a
feita pelo art. 159 do Código Civil a violar direito implica ter-se
com o ilí cit o o ato que in fri nja dir eit o que não sej a dir eit o sub 199
jet ivo, como os int eresses jur idi came nte protegi dos (183 ). Por
isso é contr ário a direi to o ato que viola os chamad os inter esses
difus os (= aquel es inter esses que não cabem a alguém, deter mina dame nte, mas a uma certa ou a toda a comu nidade) , ou
int eresses mora is, ou rel igio sos, etc.
b) A im pu ta bi li da de
O conc eit o de cont rar iedade a dir eit o é, no entanto, mais
amp lo qu e o de il ic it ud e. Ist o imp li ca di zer qu e co nt ra ri ed ad e
a direi to e ilicitude não são conce itos coext ensivos. Há situa ções
qu e sã o co nt rá ri as a di re it o, mas nã o sã o il íc it as , is to po rq ue
a ilicitude exige, também como pressupos to essencial, que a
co nt ra ri ed ad e a di re it o se ja im pu tá ve l a al gu ém ; is to é: —
que m a pra tic ou (no ato ilí cit o) ou a ela est ej a vin cul ado (no
fato stricto sensu ilícito e no ato-fato ilícito), tenha capac idade
delitual .
A imputa bilidade da ilicitude está relac ionad a com a capaci da de de li tu al do age nt e (= ca pa ci da de pa ra pr at ic ar il íc it o) .
O absolutamente incapaz não comete ato ilícito, mesmo se age
cont rar iame nte a dir eit o. A respons abilid ade civi l pelo ato danoso praticado pelo absolutame nte incapaz não deco rre da ili cit ude, mas da reparabil idade do dano indepen dent emen te da
ilicitude.
O ato é cont rár io a dir eit o, uma vez que ati nge esfera ju ríd ica alheia sem autori zaçã o do seu tit ular ou permiss ivo das
normas jurí dicas, mas não é ilícito. A ausên cia de ilicitude é
conse qüênc ia da inimpu tabil idade do absol utamen te incap az. O
sup ort e fác tic o da ili cit ude , ape sar da con tra rie dad e a dir eit o,
não se com põe suf ici ent eme nte par a inc idê nci a do art . 159 ou
de qual quer outra norma sobr e ili cit ude ( e . g . , art . 955 do Código Civil, o incapaz não incide em mora), pela ausência de
imputa bilidade.
Difer enteme nte, o relat ivamen te incap az que causa dano a
ter ceiro, com culpa, come te ilí cit o, em razã o da disposi ção do
art . 156 do Có digo Civi l. Dest e modo , parece bastante claro que
a imp ut ab il id ad e co ns ti tu i el eme nt o nu cl ea r, ju nt ame nt e co m
a con tra rie dad e a dir eit o, da ili cit ude in gen ere .
(183) Pon tes de Miranda, Tra tado de Direi to Privado, II, 204, Larenz, Oblig.iciones,
II, 568, Ennecceru s, Kip p e Wollí, Tra tado de Derecho Civil, I, 2o ., 434,
Messineo, Derecho Civil y Comercia], VI, 477.
200
2. 2
Elementos completantes do cerne:— a
ilicitu de in specie
É ver dad e que , ao def ini r os cas os esp ecí fic os de ili cit ude ,
a norma jur ídi ca prevê outros pressupost os de fat o que se agre gam à cont rar iedade a dir eit o para dar caráter própri o ao íat o
ilícito. Assim, por exempl o, (a) no fato stricto sensu ilícito, é
ne ce ss ár io qu e o eve nt o da no so es te ja re la ci on ad o a al gué m;
( b ) no cr ime (a to il íc it o pe na l) , qu e ha ja do lo ou cu lp a do
age nt e; ( c ) no at o il íc it o st ri ct o se ns u (c ivil ) qu e ha ja da no
ou viol ação de dir eit o absoluto por culpa do agen te. Esse s dados, porém, entram na comp osição do supo rte fáctic o das espécies respect ivas como element os comp let antes do seu cerne
(n úc le o) , po rt an to , da co nt ra ri ed ad e a di re it o qu e, em to do s
el es , é pr es su po st a. Po r is so , va ri am de es pé ci e a es pé ci e e
não pode m cons tit uir o cerne do fat o jur ídi co ilí cit o lat o sensu,
mas apena s elemen tos que comple tam o núcle o de seu supor te
fáctic o. O único dado de fat o que permane ce cons tante e inalte rá vel em to da s as es pé ci es de fa to il íc it o é a co nt ra ri ed ad e
a dir eit o, razã o pela qual cons ubst anci a a própri a essênci a da
il ic it ud e, e re pr es en ta a di ff er en ti a sp ec if ic a qu e a ca ra ct er iza
e a dis tin gue dos fat os juríd ico s líc ito s.
As si m, qu an do a do ut ri na se re fe re à cu lp ab il id ad e, ao
da no ou ao de ve r de in de ni za r co mo da do s ca ra ct er iz ad or es
do ilí cit o, come te o equí voco de conf undi r element os comp le ta nt es do nú cl eo do su po rt e fá ct ic o co m o se u pr óp ri o ce rn e.
3.
Obje ções dout riná rias à expr essã o conl rari edad e a
direito
Kar l Bind ing sustentou que não have ria atos cont rários a
direit o, porque, se a cond uta tid a como ilí cit a est á previst a em
no rma ju r íd ic a, a su a pr át ic a nã o co ns ti tu ir ia uma co nt ra ri edad e a ess a nor ma, mas , dif ere nte men184
te, rep res ent ari a a sua
própria realiza ção. Armi n Kaufman n ( ) sintet izou essa opi ni ão na fr as e: — "o de li nq üe nt e re al iza o ti po pe na l da le i,
qu er di zer , nã o viol a em na da a le i pe na l" .
Pura fal ácia.
Com efeito , a lei pena l, na verd ade, descreve uma cond uta
que é con sid era da per nic ios a à con viv ênc ia soc ial e, por iss o,
lhe atr ibui uma puni ção. O art . 121 do Códi go Pena l, por exem(184) Teoria de La Norma, pa'g. 3.
201
pio, está assim redigido: — "Art. 121. Matar alguém: Pena —
Rec lus ão de sei s a vin te ano s". Se ana lis arm os a pur a exp ressão lin güísti ca dessa disposi ção lega l, pode remo s, até, entende r
que ela est ari a ord ena ndo o ato de mat ar alg uém ; ass im, a
eíeti vação do homicí dio const ituiria a reali zação daque la norma
pen al. No ent ant o, não é ess a a ver dad e. A nor ma pen al tem
semp re, primari amen te; caráter proibi tivo , ou sej a, o seu objeti vo primei ro é proib ir a condu ta que nela se descr eve. Secundari amen te é que pune quem tra nsgr ide a proibi ção. Dest e modo, o art. 121 do Código Penal há de ser lido na sua expre ssão
normati va (185 ), como se estives se assim escrit o: — Dado que
há o di re it o à vida , de ve se r a to do s pr oi bi do mata r ou tr em
(n or ma pr imá ri a) . Se al gu ém mata r ou tr em de ve se r pu ni do
com a pen a de rec lus ão de sei s a vin te ano s (no rma sec und ária ). Vis ta a lei pen al, não na expres são elí pti ca de seu tex to,
mas se gun do o se u se nt id o de ôn ti co , te r-se -á a evi dê nc ia de
que o ato de mat ar alg uém con sti tui , rea lme nte , uma vio laç ão
do de ver pr es cr it o na no rma pr imá ri a qu e co mpõ e o ar t. 12 1
do Cód igo Pen al, e nun ca uma rea liz açã o des sa nor ma.
Não há, portanto, como se admi tir a conc lusão de Bind ing,
que é fal sa por que se fun dam ent a em pre mis sa não -ver dad eir a.
A con tra rie dad e a dir eit o na con dut a ilí cit a é irr ecu sáv el, por que nel a (co ndu ta) se con sub sta nci a a vio laç ão das nor mas
ju rí di ca s e, co ns eq üe nt eme nt e, da or de m ju rí di ca co mo um
todo.
4.
Conclusão
De tudo o que expus emos é possí vel concl uir que const itui
ilícito todo fato, condu ta ou evento, contr ário a direi to que seja
im pu tá ve l a al gu ém co m ca pa ci da de de li tu al (= de pr a ti ca r
ato ilí cit o).
(185) Segundo a concepção de Lourival Vilanova. como expressamos no Cap. n. II. a ,
§ 2.1.
202
CAPÍTULO XIV
Classificaçãodos FatosIlícitos
I - Atitude metodológica
Em geral, a doutri na costum a, ao tratar da ilicit ude no
campo civilístico: —
a) relacioná-la, apenas, à conduta humana voluntária (ação
ou omissão) intencional, mesmo quando somente há impru
dência ou negligência, donde limitar a ilicitude a atos culposos;
b) considerar que o comportamento tipificante da ilicitude
constitua transgressão direta e imediata de uma norma legal e
que, por isso, implique violação de um dever genérico de con
duta em razão do que são excluí dos do conjun to dos fatos
ilícitos aquelas situações decorrentes do descumprimento de
deveres relativos, obrigacionais (contratuais, v.g.);
c) ter como característica essencial do ato ilícito que dele
resulte dano a terceiro do qual decorra dever de reparação (in
denização).
Essa concepção doutrinária está muito bem expressada na
conceituação de Messineo (186), segundo a qual: —
"Atos ilícitos (do ponto de vista do direito
privado e prescindindo-se dos atos ilícitos
penais) são aqueles que, queridos pelo sujeito que os realiz a e cumpri dos contra
uma norma de lei, produzem um dano a
outro sujeito; e, por causa dele, importam
para quem haja realizado o ato, a obrigação de ress arci r o dano infe rido ".
Dessa atitude doutrinária resulta um posicionamento metodol ógico que nos parece incorr eto, uma vez que deixa fora
do conjunto de fatos ilícitos (lato sensu) várias espécies que,
pela sua configuração fáctica, tipificam situações de ilicitude.
Como pudemos ver, não é possível negar que (a) há hipóteses
(186) Derecho Civil y Comercial, II, 337.
L
205
em qu e si mp le s ev en to s da na tu re za (= fa to s st ri ct o se ns u) e
( b ) fa to s pr od uzi do s pe lo ho mem qu e, em de co rr ên ci a de
seu result ado fáctic o irr emoví vel, a norma faz ablação da von ta de em re al iz á -lo s (= at os re ai s) , vi ol am di re it o de al gu ém
e cau sam dan o inj ust o; ( c ) tam bém não é pos sív el des con hece r qu e os at os il íc it os nã o se li mi ta m, ap en as , ao s de li to s,
ou seja, às espécies definidas no art. 159 do Código Civil que
co rres po nd e à fó rmu la de Me ss in eo ; há ou tr os ca so s de at os
que são cont rár ios a dir eit o, mas não cons tit uem viol ação de
deve res gené ric os (= absolutos), nem caus am dano s que obri gue m a ind eni zar , e são ind epe nde nte s de cul pa do age nte em
sua realiza ção: — são os atos de descump rime nto de deve res
re la ti vos , co nt ra tu ai s ou nã o, os at os qu e imp or ta m nu li da de
de negóci o jurí dico ou de ato jurí dico stricto sensu e os atos nãoculpo sos de viola ção de direi to. ( 187)
Pa re ce-no s ba st an te evi de nt e qu e, se o fa to , se ja even to
ou cond uta, conc ret iza os pressupost os do supo rte íác tic o da
ilicitude , não há como tratá-lo como se não fosse ilícito. A incoerê ncia dessa atitude metodo lógic a de limit ação da ilicitude
apena s aos delit os se torna tão mais signi ficat iva e indis cutí vel
qua ndo as esp éci es exc luí das são tra tad as com o ilí cit as em
sit uaçõ es que gera m a respons abilid ade civil e o deve r de indeni zar. Quan do a dout rin a se ref ere, no est udo da res pons abi lidad e civil , à culpa extra contr atual é porqu e recon hece, a contrá rio senso, uma culpa cont ratual, que não é outra coisa senão
a mora cont rat ual, à culpa in cont rahe ndo, culpa in vigila ndo,
cu lp a in el ig en do e as si m po r di an te , nã o es tá fa zen do ou tr a
coisa senão reconhe cer a existê ncia de espécies de fat os ilí cit os
qu e nã o, ap en as , os de li to s. O ar gum en to pa ra ex cl uí -lo s de
que, por consi stirem em viola ção de dever es relat ivos,
não poderia m ser consi derad os atos ilícitos stricto sensu (188) é verdadei ro, mas utilizado incor retamente, porqu e ato ilícito stric to
sensu é apenas uma espéc ie de fato ilícito lato sensu , confo rme
most rar emos adiante. Além disso, é cienti fic amen te arbitr ári a,
porqu e não encon tra qualq uer funda mento razoável senão no
arg ume nto da aut ori dad e.
(187) É importante destacar, porém, que a razã o pela qual o legislador, no art.
159 do O. Civi l, se li mi tou a def inir o ato ilí cito st ricto se nsu , ou abso lu to, tem com o fu ndame nto ló gi co o fa to de já es tare m disc ipli nadas,
por disp os içõe s nor ma tiva s part icula re s, as dem ais es pécies de con tra ri ed ade a dire ito, por se re m es pec ífi cas, en quanto que o dano ou a vi ola çã o a di reit o ab so lu to , gené ri co , po r nã o se en qu ad ra rem na qu elas espé cies Já reguladas, precisariam de disciplinamen to em norma própria de
ab ra ng ên ci a gera l. Nã o se q ui s, co m is so , de sc ar ac te ri za r a il ic it ud e da s
de ma is si tu aç ões il íc it as , ma s, co m a no rm a, al ca nç ar as espé ci es po ss í veis.
(188) Orlando Gomes, Obrigações, 310.
206
Segu ndo a ori entação que vimos adot ando , na taxionomia
dos fat os jur ídi cos é impe rio so que todas as espécies poss ívei s
seja m class ificadas. Se essas situa ções contr árias a direi to não
podem ser inclu ídas na class e dos ilícitos onde resta ria class i ficá -los, se não é permis sível, por evidente incoe rênci a, fazê -lo
de nt re os fa to s ju rí di co s lí ci to s?
Partin do dessas cons iderações e procurando sis tema tiza r a
classifi cação dos fatos ilícitos no plano civilístico, de modo que
abranj a as sit uaçõ es enco ntr ávei s, é que propomo s o quad ro
esq uem áti co a seg uir :
Fato ilí cit o lat o sensu
absoluto fat o str ict o sensu ilí cit o
ato -fato ilícito
relat ivo
ato ilí cit o lat o sen su
II — Aná lis e suc int a das esp éci es 1.
Ilíc ito abso luto e ilíc ito rela tivo
Quando entre o que prati ca o ilícito ou está a ele (ilícito)
vinc ulado e o ofendido não existe rel ação jur ídica ou, se existe ,
é de di re it o ab so lu to (= re la çã o ju rí di ca a su je it o pa ss ivo to tal , o alt er) , com o aco nte ce com os dir eit os rea is e os dir eit os
da per son ali dad e, por exe mpl o, o ilí cit o é abs olu to.
Se, dif erentement e, entre o agen te do ato ilí cit o e o ofendido há rel ação jur ídi ca de dir eit o rel ati vo (em que o suj eit o
passivo é determi nado , individ uado ), result ante, assim, de ne góci o jur ídi co ou ato jur ídi co str ict o sensu, tem -se um ilí cit o
relativo.
Em geral , relac iona-se o ilícito relat ivo à chamad a culpa
con tra tua l, com o se som ent e exi sti sse vio laç ão de dev er rel ativo como decorrência de cont rat o. Na verd ade, há ilí cit os que
nã o imp li ca m viol aç ão de de ver es co nt ra tu ai s, mas de co rr em
de rel açõe s jur ídi cas que não são cont rat uais: — rel açõe s de
parent esco, de tut ela, result ante de gest ão de negó cio, e . g . Não
se pode dize r que em tai s rel açõe s exista cont rat o, por iss o é
imp ró pr ia a ex pr es sã o in fr aç õe s co nt ra tu ai s emp re gad a po r
Von Tuh r («») .
(189) Tratado de Ias Obllgaclones, I, 263.
207
O car áte r abs olu to ou rel ati vo da ili cit ude não é exc lus iva
do at o il íc it o (l at o se ns u), mas ab ra nge to da s as es pé ci es de
fa to la to se ns u il í ci to , po rq ue o qu e se le va em co ns id er aç ão
não é a espécie do "at o, mas a natureza do dir eit o viol ado. As sim, se fat o str ict o sensu, ou ato-fat o ou ato viol a dir eit o absolut o, temos um fato stricto sensu ilícito absol uto, um ato -fato
il íci to ab so lu to ou um at o il íc it o ab so lu to . Do mes mo mod o,
se o dir eit o viol ado é de natureza rel ati va há fat o str ict o sensu
ilícito relat ivo, ato-fato ilícito relat ivo e ato ilícito relat ivo ( 1 9 0 ).
2.
Fatos stri cto sens u ilíc itos
Con for me vimos, há cas os em que a ili cit ude res ult a de
simp les fat o da natureza, como acon tece semp re que algu ém
re sp on de pe lo ca so fo rt ui to ou fo rç a mai or .
Em ge ra l, a do ut ri na ne ga a ex is tê nc ia de fa to st ri ct o
se ns u il íc it o, ar gum en ta nd o qu e o fa to da na tu re za nã o po de
ser ilícit o. Ilic itu de seria valo ração de ato huma no e, portanto,
nã o se rvi ri a pa ra ad je ti var fa to na tu ra l qu e é in di sc ip li ná vel
pelo homem e, conseqüentemente, pelo direito. Mas, consoante
es cl ar ec emo s qu an do do es tu do do fa to ju rí di co st ri ct o se ns v
a jur idi cidade do fat o (igu alme nte a ili cit ude) deco rre de sua
vin cul açã o a alg uém , a que m são atr ibu ído s efe ito s no cam po
do rel acionam ento huma no. O fat o, em si, é indife rente às normas jur ídi cas, mas, se dele deco rre m int erf erências na esfera
jur ídi ca de algu ém, o dir eit o o toma tal qual acon tece e deter min a qua l o com por tam ent o que as pes soa s por ele afe tad as
dev em ado tar . Ass im, com o o fat o juríd ico str ict o sen su (lí ci to ) at ri bu i di re it os às pe ss oa s a el e vinc ul ad as , o fa to st ri ct o
(1 90) A imp or tância des sa dist inção re si de na circ unst ância de que é pos sí ve l
oc or re re m si tuaçõe s em que o me sm o fa to (p or cara cter iza r su por te íác tico de mais de uma norma), configure caso de ilícito absoluto e de
ilí cito re la tivo , con com itantem en te. Po r ex em plo : — A alu go u na Lo cadora B um automóvel que, em des astre por el e provocado (= de que
A fo i culp ado) , fo i com ple tame nte des tru ído. Na hipót es e há uma re la ção Ju rí dica de dire ito re la tivo dec or re nte do con tra to de lo cação do
ve ículo e o fa to es tá a el a li ga do, po rq ue, inclu si ve , con st itui infr ação
d o d ever c on t ra t u a l d e b em c u i d a r d o ob j et o loc a d o (i lí c i t o rela t i vo)
e, ta mb ém, ca ra ct eriz a, pe lo da no ca us ad o à pr op ri ed ad e do loca do r, um
Ilí ci to ab so lu to . Pergun ta -se : — a ob ri ga çã o qu e A te m de in de ni za r a
Lo cador a se re ge rá pel as nor ma s do ilí cito abso lu to (C . Civi l, art . 159)
ou pel as normas aplicávei s ao contrato de locação (= ilícito rel ativo)?
As quest ões que podem surgi r em decorrência de situações sem elh antes.
In clu si ve quanto a pre sc ri ção, sã o as ma is com ple xas e, por iss o me sm o,
a dou tri na não of er ec e so lu ção unânime , dive rg indo as op iniõe s. O as su nto não cabe no âmb ito des se tra balh o; es tá, por ém , mu ito bem es cla re cido em Po ntes de Mira nda, Tr atado de Di re ito Pr iva do, II, §§ 170
e 171. So bre a mo der na dou t ri na ge rm ânica, vi de La re nz, Ob li ga cion e:\
§ 69, VI.
208
se ns u il íc it o te m o ef ei to de 191
cr ia r ob ri ga çõ es a qu em es te ja
a ele lig ado com o imp utá vel ( ).
Qua ndo alg uém res pon de pel os pre juízo s dec orr ent es de
caso fortu ito, ou força maior, como nas hipóteses dos arts. 957,
1.127 , 1.196 , 1.300 , 1.332 , 1.338 do Código Civil, por exempl o,
se carac teriza situa ção em que puro evento da natur eza implica
cont rar iedade a dir eit o e, portanto, ili cit ude. Embo ra essas si tuações est eja m rel acionad as à inadimp lência de obrigaç ões ou
a cond utas irr egul ares ou teme rár ias no cump rime nto de obrigações, a contr aried ade a direi to não se deve a esses fator es
volu ntário s, mas se caracteri za pela cons eqüê ncia dano sa a ter cei ro res ult ant e do eve nto nat ura l, em rel açã o ao qua l a von ta de hu man a nã o te m at ua çã o.
Do mesmo modo, na avulsão, quando ocorre dano ao imóvel
avo lto (= que rec ebe a por ção de ter ra des loc ada ) ou a imó vel
de ter cei ro, há fat o str ict o sen su ilí cit o.
É precis o notar que o fat o da coisa ou do animal quan do
obriga a indenizar não caracteri za fat o str ict o sensu ilí cit o, por que há que se cons iderar a ati vida de huma na, como nas hipóteses de transubje tividade da responsabilidade civil, (192 ) donde
ser em tid as com o ato s ilí cit os. Par a que se ten ha por fat o ilí cit o é nec ess ári a a aus ênc ia, mes mo ind ire ta, de atu açã o hu man a, o qu e ac on te ce , se mpr e, em si tu aç õe s pr ovo ca da s po r
ca so fo rt ui to ou fo rç a mai or .
3.
Ato-íato ilíc ito
Em outras sit uaçõ es, há cont rar iedade a dir eit o em deco rrên cia de ato-fat o, ou sej a, de fat o pro duz ido pel o hom em do
qua l, no ent ant o, a nor ma juríd ica abs tra i a von tad e em pra ticá-lo, para consi derar , apena s, o seu resul tado fácti co. Quando
algu ém faz mau uso de sua propri edad e e caus a dano a ter ceiro,
há um at o-fa to il íc it o; nã o imp or ta a von ta de em pr ej ud ic ar ,
mas o sim ple s fat o do pre juízo (ou ame aça ) à seg ura nça , sos sego e saúde dos vizinhos. O mesmo ocorre quando alguém toma
po ss e de be m, co m viol aç ão da po ss e de ou tr em.
(191) Observa Orlando Gomes (Obrigações, 307) que essas espécies não podem
ser de no mi na da s il íc it as po rq ue a Imp ut ac ão exig ir ia pr oc ed im en to cu lp oso do re sp on sá ve l. É pre ciso dei xa r cla ro , por ém , que es sa op inião não
é pr oc ed en te , um a vez qu e nã o de pe nd e excl us iv am en te de at ua çã o cu lp osa . A imp utacão es tá re la cion ada à capacidade del lt ual, não à culp a.
Im putar significa atribuir a alguém alguma coisa, sem que es sa atri bu iç ão este ja vi nc ul ad a, semp re, à cu lp a. Co nf orme de mo ns tr ar emos , há
mesm o at os il íc it os qu e nã o pr ec is am de cu lp a do ag en te pa ra se co ncre tiza re m. Se a nor ma atri bui a re sp on sa bili dade pel os danos do me ro
ev en to a alguém , há Im putacão e é isto o que importa para caracter i zar o Ilícito.
(192) Vide, adiante, § 4,c.
209
Na ges tão de neg óci o ini cia da con tra a von tad e man ife sta
ou presu mível do propr ietár io (C. Civil, art. 1.332 ) há também
ato -fat o ilí cit o. É precis o notar que o ato -fat o ilí cit o é cons tituído pelo início da gestão. Se a gestão de negócio foi iniciada
regu lar ment e, tra ta -se de ato jur ídi co str ict o sensu e se ocor re
algu ma sit uaçã o ilí cit a durante a gest ão, a hipótese será de ato
il íc it o re la ti vo, uma vez qu e há re la çã o ju rí di ca en tr e o ges to r
e o pro pri etá rio res ult ant e do ato juríd ico str ict o sen su.
4.
Ato ilíc ito lato sens u
a) Conceito
Cons tit ui ato ilí cit o lat o sensu toda ação ou omis são volu nt ár ia , cu lp os a ou nã o, co nf or me a es pé ci e, pr at ic ad a po r
pe ss oa imp ut áve l qu e, imp li ca nd o in fr aç ão de de ver ab so lu to
ou rel ati vo, vio le dir eit o ou cau se pre juízo a out rem . ( 193 )
De ss e co nc ei to se co nc lu i qu e o da do di fe re nc ia l en tr e o
ato ilí cit o em sentid o ampl o e as dema is espécies ilí cit as con siste na relev ância da vonta de deter minan te da condu ta, que é
inexi stent e no fato stricto sensu ilícito e irrel evant e no ato-fato
ilí cit o. Os dema is element os que o int egra m (contrari edade a
dir eit o e imp uta bil ida de) são com uns a tod os e del es já tra ta mos quand o do estudo da ilicitude in gener e. Por isso, examinar emo s, ago ra, ape nas os asp ect os rel aci ona dos à con dut a.
b) Ação ou omis são
Em to da s as es pé ci es de at o il íc it o, po rt an to , no at o il í ci to la to se ns u a co nt ra ri ed ad e a di re it o po de re su lt ar ta nt o
de con dut a pos iti va (aç ão) com o neg ati va (om iss ão) , dep en dendo , exclu sivame nte, da natur eza do dever infri ngido. Senão ,
vej amo s: —
a) no at o il íc it o st ri ct o se ns u (o u ab so lu to ), o ar t. 15 9
do Có di go Ci vil qu e o de fi ne é ex pr es so : — "a qu el e qu e po r
ação ou omissã o volunt ária, negli gência ou imprud ência , viola r
di re it o ou ca us ar pr ej uí zo a ou tr em , fi ca ob ri ga do a re pa ra r
o dan o";
(1 93) Ne ss e se ntido as op iniõe s de Po ntes de Mira nda,, Tr atado de Di re ito Pr i vado, II, 207 e passim, Oertmann, Introd ucción ai D erecho
Civil, 326, Von
Tuhr, Teorfa Gen era l dei Der echo Civil Alemán. II, Io ., 136, Ennecceru s.
Kl pp e Wo lf f, Tr atado de De re cho Civi l, I, 2°. , 434/5, Jo sé de Ag uiar
Dias, Da Responsabilidade Civil, I, n°. 67 , René Savatler, Tra ité de Ia
Besponsabilité Civile, n°s. 6 ea 108 e seg s, Mazea ud (He nry, Léon e Jea n)
Lecciones de Derecho Civil, 2 . Parte, vol. II, 28 e segs., entre outros.
210
b) o ato ilí cito relativo cons iste: (a) na viol ação, gera lmen
te cul pos a, de dir eit os, pre ten sõe s e açõ es nasc ida s de neg óci o
juríd ico ou de ato juríd ico str ict o sen su, con fig ura da na mor a,
ou no adí mpí eme nto ins ati sfa tór io (ru im) da obr iga ção ; (b) ou
na impo ssi bil idade, semp re culposa , da presta ção obj eto da obri
ga çã o. De st e mo do , te mo s qu e: — 1) se a ob ri ga çã o é po si
ti va (= ob ri gaç ão de da r — Códi go Civil, ar ts . 863 a 877 —
ou de fa ze r — Códi go Civil, ar ts . 878 a 881) o at o il íc it o se
conc ret iza por uma omis são ( = não dar ou não fazer o devi do,
Cód igo Civ il, art . 960 ), ou ain da, por uma açã o, qua ndo o de
vedo r, mesmo cump rin do a sua obrigaç ão, não o faz pelo modo
como se obrigou , prejud icando o credor, dond e have r adimple me nt o in sa ti sf at ór io (o u ru im) ; 2) se a ob ri gaç ão é ne gat iva
(= ob ri ga çã o de nã o fa ze r — C. Ci vi l, ar ts . 88 2/ 88 3) , o at o
il íci to re su lt a da aç ão de fa ze r aq ui lo de qu e se de via ab st er
(C. Civ il, art . 961 );
c) no ato ilí cito cadu ciíicante, as hipóteses do art. 395 en
vol vem ta nt o aç ão (c as ti gar imo de ra men te o fi lh o ou pr at ic ar
at os co nt rá ri os à mor al ou ao s bo ns co st ume s) co mo omis sã o
(d ei xa r o fi lh o em ab an do no );
d) do mesmo modo , nos ilí citos nulifi cant es.
Qua ndo se tra ta de con dut a neg ati va (= omi ssã o) é necessário que haja, na abstenção , descumprimento de dever absolu to (= qu e ca be a to do s, co mo su je it os pas si vo s to ta is ) ou
de de ve r re la ti vo (n eg oc ia i, ou re su lt an te de at o ju rí di co
str ict o sen su, ou de out ra rel açã o juríd ica de dir eit o rel ati vo,
co mo as do di re it o de fa míl ia ); qu er di zer : — ha ja omis sã o
onde dever ia haver ação. A omissã o daque le que não devia agir
nã o co ns ti tu i il íc it o, po rq ue a ch ama da cu lp a in ommi te nd o
supõ e, naturalmen te, a viol ação de dir eit o de ter ceiro corres pec tiv o do dev er des cum pri do pel o age nte .
c) A culpa ( ? )
A culpa é menc ionada pela maio ria da dout rin a como ele men to car act eri zad or do ilí cit o. Na ver dad e, por ém, há sit ua ções que não são culpo sas, mas que const ituem, inegavelmen te,
atos ilí cit os.
Com ef ei to , emb or a na s hi pó te se s do s ar ts . 1. 52 7, 1. 52 8
e 1.529 a ilicitude decorra de fato do animal
ou da coisa, consid era m-se tai s cas os com o ato ilí cit o ( 1 9 4 ) , em raz ão da cir (194) Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, II, 197.
211
cun stâ nci a de que nel es há sem pre pre sen te, ori gin ari ame nte ,
uma ati vid ade hum ana (e. g., a cri açã o do ani mal , a pro pri e da de da co is a qu e se ar ru in a, o la nç am en to do ob je to ou a
sua colocação em posição que possa cair). Apesar desse relacioname nto, em que se dá destaque à ati vida de huma na, quan to
ao eve nto dan oso em si pod e não ter hav ido qua lqu er ato , atu al
e dir eto, daqu ele a quem se impu ta a respons abilid ade; muit o
meno s, é claro, culpa. Assi m há ato cont rár io a direit o, ilí cit o,
porém, independen teme nte de culpa.
A arr aig ada idé ia de que a cul pa ser ia um com pon ent e
ess enc ial da ili cit ude , lev ou a dou tri na a ado tar sol uçõ es téc ni ca s pa ra ju st if ic ar a su a pr es en ça on de , na re al id ad e, nã o
exist e. Assim é que se fala em culpa objetiva, culpa presu mida,
fic tíc ia, ou mes mo em inv ers ão do ônu s da pro va, den tre outra s propost as com que, tec nicamen te, se procura cont ornar
a
rea lid ade do ato ilí cit o sem cul pa, par a faz ê-lo cul pos o ( 195 ).
No ent ant o, o sis tem a juríd ico bra sil eir o não se cin giu à
culpa; adot ou o pri ncípio da transub jet ivi dade na respons abili da de ci vi l, em ra zão do qu al se es ta be le ce um ne xo en tr e o
fa to da no so e o ho mem , qu e tr an sc en de à pu ra su bj et ivid ad e
da cu lp a e nã o se co mpr az co m a só ob je ti vida de do ri sc o:
vê-se a cont rar iedade a direito obj etivamente, impu tando -a a
algu ém a ela liga
do, em razã o de certos pressupost os de natureza subjetiva (196 ).
Típ icos são os exem plos de respons abilid ade civi l por fat o
do animal ou da coisa a que nos ref eri mos aci ma,. Embo ra a
doutr ina os consi dere como casos de respo nsabi lidad e civil por
culpa presu mida (art. 1.527 ) ou em decor rênci a do risco (res po ns ab il id ad e ob je ti va, ar ts . 1. 52 8 e 1. 52 9) na ver da de ne le s
se confi gura a trans ubjetivid ade da respo nsabi lidad e civil . Com
efe ito : —
( a ) na espéc ie do art. 1.527 , se o dono não puder prova r
qua lqu er das hip óte ses de exc lud ênc ia da ili cit ude est abe lec idas na norma jurí dica (I — guarda e vigilâ ncia do animal com
cuidado preciso, II — provocação do animal por outro, III —
impr udência do ofendido, IV — ocor rência de caso fortui to ou
força maio r); a sua respons abilid ade persis tir á mesmo que consiga provar, por outras sit uaçõ es, inexistência de culpa de sua
pa rt e. Po r is so , nã o se po de di zer qu e a su a re sp on sa bi li da de
(195) Uma exp osiçã o criteri osa e sucinta das várias tendências e teori as para ex plicar, mediante soluções técnicas, a presença de culpa nos ilícitos, se
en co nt ra em Wils on Me lo da Si lva, Re sp on sa bi li da de sem Cu lp a.
(196) Pontes de Miranda, Tr atado de Direito Privado, II, 197 e passlm.
212
de co rr a de cu lp a pr es umi da , po rq ue se as si m fo ra qu al qu er
prova em cont rár io eli dir ia a ili cit ude. O que na verd ade ocor re
é uma vin cul açã o que a nor ma juríd ica est abe lec e ent re o ho mem (dono) e o fat o dano so do animal, indepen dent emen te de
culpa, mas, não apen as, obj eti vamente, pelo fat o; as quat ro
hip óte ses de pré -exc lus ão eli min am ser cas o de res pon sab ili dad e obj eti va, ape nas pel o ris co;
(b) no ar t 1. 52 8, o ca rá te r il íc it o do da no re si de , es pe
ci fi ca men te , na ci rc un st ân ci a de qu e a ru ín a do ed if íc io ou da
cons tru ção prov enha de fal ta de reparos cuja nece ssi dade fosse
mani festa. A respons abilid ade civi l, assim, não deco rre do puro
ris co pel a pro pri eda de do edi fíc io ou da con str uçã o (el eme nto
obj eti vo) , por que a man ife sta nec ess ida de de rep aro s (el emen
to sub je tiv o) o exc lui . Tam bém não se exi ge, nem se pre sum e,
cu lp a, ba st am os fa to s em si ;
(c) do mes mo mod o, na qu ed a de ob je to s ou no se u la n
çame nto (ar t 1.52 9), pressupõe-se uma ori gem huma na media ta, o que não lev a ao sim ple s ris co, mas , tam bém , não con
du z à cu lp a. Se uma te lh a po st a em te lh ad o re gul ar men te
ex ec ut ad o de sp en ca e at in ge al gué m, há il ic it ud e, po ré m in existe culpa. Há tra nsub jet ivid ade na respons abilid ade civi l, por
qu e se co ne ct a o fa to (e ven to ) ao ho mem , co ns id er an do -se a
rel açã o com o ato ori gin ári o, mes mo rem oto .
Afor a os casos de tra nsub jet ivid ade, há, como exemplo de
ato ilí cit o sem culpa, as espécies de ilí cit o cont ra a poss e, como
no esb ulh o e na tur baç ão. Se o que pra tic ou o esb ulh o ou a
tu rb aç ão o fe z se m sa be r qu e es ta va es bu lh an do ou tu rb an do
a po ss e de ou tr em (p . ex .: pe ns an do qu e es ta va de nt ro do s
limi tes de sua propri edad e derrubou mata do vizi nho) não im po rt a, po rq ue a cu lp a ne ss as es pé ci es de il íc it o é ir re le van te .
d) Dano e reparaç ão
Há atos ilí cit os que não impo rta m dano s patrimo niais, mora is ou es té ti co s e, co ns eq üe nt eme nt e, nã o sã o in de ni zat ivos .
Na s hi pó te se s do ar t. 39 5 do Có di go Ci vil, po r ex emp lo ,
há ato ilí cit o sem hav er dan o pat rim oni al e o seu efe ito não
envo lve indenizaçõ es ou reparações de 197
fundo econômi co, mas
si m a pe rd a (c ad uc id ad e) do s di re it os ( ) in er en te s ao pátr io
po de r: — sã o il íc it os ca du ci fi ca nt es .
(197) Von Tuhr, Teoria General dei Derecho Civil Alemán, II. I, 136.
213
Nos ca so s do ar t. 14 5 do Có di go Ci vil, ta mbé m nã o há
da no s (e mbo ra po ss a ha ver ) e o ef ei to do il íc it o é a nu li da de
do at o: — sã o os il íc it os nu li fi ca nt es .
A mor a (at o ilí cit o rel ati vo) tem por efi các ia a rep ara ção
da s pe rd as e da no s, mas ta mbé m po de fa zer na sc er ou tr os
efeit os: — o direi to de resol ução do negóci o jurí dico, por exemplo.
É verd ade que, na maio ria dos casos, da ili cit ude result am
dan os e dev er de rep ara ção . Nos ato s ilí cit os str ict o sen su
definidos no art. 159 do Código Civil, especialmente, porém não
essen cialmente, menos ainda exclu sivame nte, é o que em geral
oc or re . Es sa ci rc un st ân ci a, no en ta nt o, nã o é su fi ci en te pa ra
que se generalize a afirmação de que todo ilícito é danos o e
ind eni zat ivo , por que ass im est ari am exc luí das as esp éci es em
qu e is to nã o ac on te ce .
III — As vár ias esp éci es de ato ilí cit o
Como podemos ver, não há uma só espécie de ato ilícito.
Con sid era ndo as car act erí sti cas pró pri as de cad a um, é pos sível classi fic á-los em
a) at o il íc it o st ri ct o se ns u (o u ab so lu to );
b) ato i lícito relativo;
c) ato ilí cito cadu cificante; e
suj eit o pas siv o tot al, o alt er) . Se há rel açã o de dir eit o rel ati vo
(= rel ação com suj eit o passivo determi nado , individ uado ) e o
di re it o viol ad o é co nt eú do de ss a re la çã o, o at o nã o é il íc it o
str ict o sensu, mas ato ilí cit o rel ati vo ou ilí cit o cadu cif icante.
Assi m, as viol ações a direit o reais, como a propriedade, ou a
direi to da perso nalid ade, como direi to à vida, à saúde , honra ,
lib erdade, nome , etc. cons tit uem atos ilí cit os str ict o sensu. Por
essa razã o, o ato ilí cit o str ict o sensu tamb ém recebe a denominação de ato ilí cit o abso lut o que seria, até, mais apropriada
não fora existi rem, tamb ém, o fat o str ict o sensu ilí cit o absoluto
e ato-fat o ilí cit o absoluto, o que pode ria gera r conf usõe s terminológicas;
b) o da no, val e di zer , to do at o il íc it o st ri ct o se ns u é da
noso. O dano pode não ser apena s patri monial ; envolve também
o dano mora l e o dano est éti co. Em qual quer espéci e, porém,
a su a re pa ra çã o te m na tu re za pa tr imo ni al ;
c) e, fi na lme nt e, a re para bi li dade do dano, med ia nt e in
den iza ção. Com a ind eni zaç ão pre ten de-se rep ara r o dan o; tor
na r o at o in de ne (s em da no )
Em ger al, o ato ilí cit o str ict o sen su req uer cul pa do age nte . No en ta nt o, há at os il íc it os st ri ct o se ns u em qu e nã o se
cogita de culpa (198 ), como deixamos claro antes no § 4.c, deste
capítulo.
4. 2
At o il íc it o re la ti vo
Car act eri zam, fun dam ent alm ent e, o ato ilí cit o str ict o sen -
Dife renteme nte do ato ilí cit o str ict o sensu, ou absoluto, o
ato ilí cit o rel ati vo se conf igur a pela viol ação de deve res resul ta nt es de re la çõ es ju rí di ca s de di re it o re la ti vo, na sc id as de
negóci o jurí dico ou ato jurí dico stricto sensu . A essa espéc ie
costuma -se deno mina r ato ilí cit o cont ratual, ou simp les ment e
ilícito contratua l (199), incorretamente, porém, se considerarmos
que não some nte a rel açõe s cont rat uais eles se ref erem. O tut or
que prati ca ilí cito no exerc ício da tutel a comete um ato ilícito
rel ati vo; na gest ão de negó cio ini ciada regu lar ment e (C. Civi l,
art . 1.33 1) se o gest or come te ilí cit o no desempe nho de sua
at ivid ad e, há um at o il íc it o re la ti vo qu e nã o é co nt ra tu al (a
ges tã o de ne góc io é at o ju rí di co st ri ct o se ns u).
a) a espé ci e de di re it o viol ad o. Co m ef ei to , pa ra qu e um
ato sej a con sid era do ilí cit o str ict o sen su é ess enc ial que ent re
o ofe nso r e o ofe ndi do (a) não exi sta qua lqu er rel açã o juríd ica
ou ( b ) se hou ver , que sej a de dir eit o abs olu to (= rel açã o com
(198) Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado. II, 205, os denomina atos
il íc it os st ri ct o se ns u br ut os ou ob je ti vo s. No ca so do s il íc it os co nt ra a
posse, os chama especiais (pág. 356 ). Essa classific ação nos parece Irrelevante, porém.
(199) Von Tuhr, Tratado de Ias Obligaciones. I, 263, San Tiago Dantas condena
a expressão, mas se decide a usâ -la em respeito à tradição (Progr ama de
Direito Civil, Parte Geral, 345/6).
d) ato ilí cito nulifi cant e
4. 1
At o il íc it o st ri ct o se ns u (o u ab so lu to )
Ato ilícito stricto sensu e delit o são expre ssões sinôn imas.
Se mpr e qu e po r aç ão ou omi ss ão vol un tá ri a, po r ne gligên ci a
ou impr udê ncia, algu ém impu táve l viol a dir eit o ou caus a prejuí zo a ter ceiro, come te um ato ilí cit o str ict o sensu, ou ato ilí cit o absoluto. Conf igur a a espécie defini da no art . 159 do Código Civil.
214
215
Trê s sit uaçõ es exau rem as hipóteses poss ívei s de atos ilí ci to s re la ti vos : —
a) o dev edo r, cul pos ame nte , imp oss ibi lit a a pre sta ção ;
b) o dev edo r inc ide em mor a;
c) o de ved or cu mpr e in sa ti sf at or ia men te a su a obri gaç ão
(a di mpl eme nt o in sa ti sf at ór io , ou ru im) .
Nos casos de mora (C. Civi l, art . 960) a culpa pode ser
irr ele vant e, embo ra depe nda de que sej a impu táve l ao deve dor
(C. Civil, art. 963). A imputação, porém, não está vinculada
neces saria mente à culpa , mas objetivame nte a impedi mento de
presta r, rel acionad o a ato do credor ou a caso fortui to ou força
maior. Se o devedor não pode pagar sua dívida no prazo, porque
deve dor seu nã o lhe pago u como esperava, incorreu em mora
se m qu e se po ss a fa la r em cu lp a de qu al qu er es pé ci e.
Do ato ilí cit o rel ati vo em gera l nasce pretensão à indeni zaçã o das perdas e dano s. Pode , no entanto, ter outros efeito s,
como , por exem plo, gera r a pretensão à descons tit uição do negóci o jur ídi co ou da rel ação jur ídi ca, como nos casos de pre te ns ão à re so lu çã o, re si li çã o, de nú nc ia , ou ta mbé m de ex igir
o desfa ziment o de resul tado fácti co do descu mprimento de obrigaç ão de não-faz er (C. Civ il, art . 883 ).
4. 3
da ordem jurí dica.200 Apesa r disto , recus am -se a class ificá-los
como atos ilícitos. ( )
Pon tes de Mir and a, ( 201 ) por ém, com bas tan te pro pri eda de,
os cataloga entre os ilí cit os, destacando , no entanto, a sua
nat ure za par tic ula r, dec orr ent e da cir cun stâ nci a de que a ili cit ude que nele existe atua no plano da validade, enqu anto que
as outras espécies ou se identi fic am no plano da existê ncia,
inf lui ndo na própri a comp osição do seu supo rte fáctic o, ou no
plano da efi cáci a, est abel ecendo efeito s jur ídi cos própri os (=
efeito s indenizati vos ou descons tit uti vos) .
Na verd ade, se conc ebemos o ilí cit o como cont rár io a direi to, não é poss ível dize r que um ato nulo não sej a ilí cit o,
precis amen te porque a nulidade é cons eqüê ncia especí fic a de
viol ação de norma jur ídi ca coge nte. A dif erença entre ele e os
dem ais ato s ilí cit os res ide , exc lus iva men te, na nat ure za202 dos
efeito s produzi dos; mas, conf orme obse rva Augu st Thon ( ) "a
nu li da de do ne góc io nã o é mai s do qu e a co ns eq üê nc ia de uma
ilicitude ".
Nes sa cat ego ria ent ram os neg óci os juríd ico s e os ato s ju rí di co s st ri ct o se ns u qu an do nu lo s. As si m, o ne góc io ju rí di co
ilí cit o, ou sej a, o negó cio jur ídi co cuj o obj eto sej a ilí cit o, cons tit ui um ato ilí cit o nulifi cant e, do nde fic ar claro que203não existe
como classe própri a de ili cit ude o negó cio ilí cit o. ( )
At o il íc it o ca du ci fi ca nt e
At o il íc it o ca du ci fi ca nt e é aq ue le qu e te m po r ef ei to a
per da (ca duc ida de) de um dir eit o. Esp éci es típ ica s no dir eit o
civ il são as rel ati vas à per da do pát rio pod er nas sit uaç ões do
art . 395 do Códi go Civi l. No dir eit o pena l, est ão configur ados
nas espéci es em que a pena é a incapac idade para exer cíc io de
certos dir eit os.
A caduc idade não resul ta soment e de ato ilícito, mas, como
vimos no est udo do ato -fat o juríd ico (lí cit o) é efe ito , no mai s
das veze s, deles.
4. 4
At o il í ci to nu li fi ca nt e
Tod o ato de vio laç ão de dir eit o cuj a con seq üên cia sej a a
sua inva lid ade, cons tit ui um ato ilí cit o nulifi cant e. Essa categori a de ato ilí cit o é reconhe cida por quas e todos os dout rinado res , desde quan do cons ideram o ato nulo como inf rin gente
216
(200)
(201)
(202)
(203)
San Tiago Dantas, Programa de Direito Civil. Parte Geral, 347, por exemplo.
Pontes de Plranda, Tratado de Direito Privado, II, 204/205.
Norma Giuridica e Diritto Soggettivo, 90.
No Tratado de Direito Privado, Pontes de Miranda nfio íaz qualquer refe rência a negócio jurídico ilícito como classe de íato Ilícito, com absoluta
corr eção, segu ndo ent ende mos. No Trat ado das Açõe s, I, 7, há uma men ção a eles, qua ndo , apó s rel acion ar os fat os jur ídi cos líc ito s, afi rma In
ver bis : — "Qual que r das qua tro class es tem de se div idi r con for me a
li cl tu de ou a Il ic it ud e. Ta nt o há fa to s (j ur íd ic os ) il í ci to s st ri ct o se ns u
e atos -fat os jur ídi cos ilí citos , com o atos jur ídi cos str icto sen su e neg ó cios jurídicos Ilícitos." Essa referência, parece claro, não pretendeu, com
prec isão , enun ciar as espé cies de ato ilíc ito, mas apen as dest acar que a
Ili citud e apanha tod as as esp écies de fat o jur ídi co.
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Teoria do Fato Jurídico