ISOENZIMAS E MICROSSATÉLITES
PESQUISA
EM PLANTAS
Aspectos técnicos e interpretação genética
Luciana Rossini Pinto
Doutoranda do Programa de PósGraduação em Agronomia (Genética e
Melhoramento de Plantas), Escola Superior
de Agricultura “Luiz de Queiroz”,
Universidade de São Paulo (ESALQ/USP)
[email protected]
Maria Lúcia Carneiro Vieira
Dra. Profa. Associada do Departamento de
Genética, ESALQ/USP
[email protected]
Anete Pereira de Souza
Dra. Profa. do Departamento de Genética e
Evolução, Unicamp
[email protected]
Cláudio Lopes de Souza Junior
Dr. Prof. Titular do Departamento de
Genética, ESALQ/USP
[email protected]
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m meados do século passado, a
eletroforese de isoenzimas revelou uma nova fonte de marcadores genéticos capazes de
identificar indivíduos homozigóticos e heterozigóticos. Até então, a
genética se valia em suas investigações
de um número limitado de caracteres
morfológicos de herança mendeliana,
como, por exemplo, a cor das flores,
como marcadores. Indubitavelmente, as
isoenzimas contribuíram para avanços
expressivos na genética, principalmente
na área da genética de populações, revelando uma quantidade significativa de
variação nos mais diferentes organismos.
Isoenzima é um termo geral para se
referir às diferentes formas bioquímicas
de uma enzima, as quais podem ser
identificadas por migração e coloração
em gel. Market & Moller (1959) propuseram esse termo para descrever as formas
moleculares de proteínas com uma mesma especificidade de substrato. Esses
autores observaram que as enzimas que
catalisam reações idênticas podem ser
encontradas em espécies diferentes, como
também em vários tecidos de um mesmo
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indivíduo. Posteriormente, Prakash et al.
(1969) sugeriram o termo aloenzima para
designar as várias formas moleculares
sintetizadas por alelos distintos de um
mesmo loco cromossômico.
As isoenzimas surgem por mecanismos genéticos ou epigenéticos. No primeiro caso, o gene que codifica a enzima
é duplicado (o que ocorre ao longo da
evolução) e, posteriormente, esse gene
duplicado, por mutações de ponto, acaba por divergir do original, produzindo
uma outra enzima. Nos mecanismos ditos epigenéticos, as alterações ocorrem
após a tradução dos peptídeos, sendo
responsável pelo surgimento das chamadas isoenzimas secundárias (Accquaah,
1982).
A maioria dos sistemas isoenzimáticos localiza-se no citossol, em solução
ou ligado às membranas celulares. A
variação isoenzimática pode ocorrer
dentro de um compartimento celular,
nos diferentes compartimentos de uma
célula, em células de um tecido ou nos
diversos estádios ontogenéticos.
A simplicidade da técnica de isoenzimas, aliada ao seu baixo custo em relação àquele dos marcadores baseados em
polimorfismos de DNA, como RFLP restriction fragment lenght polymorphism,
RAPD – random amplified polymorphic
DNA e SSR – simple sequence repeat, faz
com que esse marcador continue a ser
utilizado para responder às diversas questões que a pesquisa em Genética nos
impõe.
Enquanto os marcadores isoenzimáticos são, em última análise, produto da
expressão dos genes, as SSR (ou microssatélites) representam regiões não codificadoras. A despeito dessa diferença,
ambos são marcadores co-dominantes.
Sabe-se que uma fração significativa
dos genomas dos eucariotos é constituída por seqüências de DNA repetitivo.
Essa classe de DNA inclui: o DNA satélite
(altamente repetitivo), as seqüências de
minissatélites e microssatélites (moderadamente repetitivas, em tandem) e os
elementos transponíveis (seqüências móveis, moderadamente repetitivas e dispersas no genoma).
Microssatélites são seqüências de 1 a 6
nucleotídeos, repetidas lado a lado, e
representam regiões instáveis do genoma, que estão sob alterações mutacionais
a taxas muito maiores do que as observadas nas sequências de cópia única. A
instabilidade dos microssatélites resulta
em marcadores altamente polimórficos,
multialélicos, que são extremamente úteis
em estudos de Genética. Os alelos diferem porque mostram números distintos
de repetições em tandem, oriundos de
crossing over desigual durante a meiose
ou ao deslize da DNA polimerase (strand
– slippage) durante a duplicação da molécula.
Os microssatélites são classificados em
três famílias, i. é, de repetições puras,
compostas e interrompidas: nas repetições puras, os locos de microssatélites são
formados por um único motivo repetido
(5’ TATTATTATTATTATTAT 3’); nas repetições compostas, mais de um motivo
compõem o microssatélite; e nas repetições interrompidas os motivos são intercalados por nucleotídeos que não fazem
parte da unidade de repetição (5’ CACATTCACACACATTCA 3’).
Os microssatélites de plantas são cerca
de cinco vezes menos abundantes do que
as SSR de humanos onde ocorre um
microssatélite (maior que 20 pb) a cada 6
Kb. Nas monocotiledôneas, é esperado
um microssatélite a cada 65 Kb enquanto
nas dicotiledôneas, uma SSR a cada 21 Kb.
Em milho, estima-se que ocorra um microssatélite a cada 58 Kb (Lagercrantz et
al., 1993 ; Wang et al., 1994). O dinucleotídeo AT/TA é o mais comum, seguido de
AA/TT e GA/CT. O motivo GT/CA, significativamente menos abundante nas plantas, é o mais freqüente em humanos.
A grande vantagem do uso de marcadores microssatélites está associada ao
fato desse marcador, a cada reação de
amplificação, revelar um único loco, o
qual é freqüentemente multialélico. Assim, o valor dos microssatélites é atribuído à sua natureza multialélica, herança
codominate, facilidade de detecção pela
PCR, abundância relativa e cobertura extensiva do genoma, que, ao lado de sua
robustez, tem permitido o intercâmbio de
dados entre laboratórios.
três etapas: extração das enzimas do
tecido vegetal, separação por eletroforese e coloração por métodos histoquímicos. Para a extração, as amostras são
homogeneizadas, de preferência no gelo
e na presença (ou não) de nitrogênio
líquido, em soluções tampões contendo
antioxidantes, estabilizadores osmóticos
e agentes que atuam sobre fenóis, com
vistas a preservar a atividade das enzimas. A escolha de um único tecido (coleóptilo, folha ou raiz), em um mesmo
estádio de desenvolvimento, é essencial
para se compararem diferentes indivíduos.
São utilizados para a separação dos
peptídeos, géis de amido ou poliacrilamida. A poliacrilamida tem maior poder de
resolução, porém é altamente tóxica. A
amostra é aplicada nos poços do gel
empilhador (stacking gel) que, por apresentar poros largos, concentra a amostra
em uma faixa estreita antes de entrar no
gel separador (resolving gel), permitindo
que este seja carregado com grandes
quantidades de amostras diluídas. Na
eletroforese, utilizam-se tampões não dissociativos (que não contêm sódio dodecil sulfato – SDS) pois, nessas condições,
são preservadas: a conformação, a interação entre subunidades e atividade biológica das enzimas. A separação é feita
com base na carga e no tamanho molecular.
Após a separação, a visualização das
isoenzimas é feita pela adição de um
substrato específico que revela, no gel,
sob a forma de bandas, a atividade das
enzimas. Durante a corrida eletroforética, as moléculas do sistema isoenzimático migram para diferentes posições no
gel. Para identificar essas posições, é
adicionado um substrato específico, sobre o qual atua a enzima, dando origem
a um produto. Pela adição de corantes
específicos, ocorre uma reação de colo-
Procedimentos experimentais
A técnica de isoenzimas consiste de
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ração com o produto enzimático, tornando-o visível. Resumindo, a enzima, quando colocada na presença do substrato e
de substâncias químicas (coenzimas, íons,
etc) necessárias à sua atividade, transforma o substrato em um produto corável.
O polimorfismo dos marcadores microssatélites é revelado pela PCR - reação
em cadeia da polimerase, por amplificação do DNA genômico total, utilizandose dois primers únicos, compostos de
seqüências curtas de nucleotídeos, que
flanqueiam e, portanto, definem o loco
de microssatélite. As reações de amplificação podem ser iniciadas com pequenas quantidades de DNA e os produtos
da amplificação são visualizados em géis
de agarose ou poliacrilamida. A formulação do gel exerce influência sobre o
número de alelos detectados. Géis de
poliacrilamida desnaturante permitem separação de fragmentos que diferem em
apenas um par de bases, enquanto géis
de agarose apresentam um limite de
resolução acima de quatro pares de bases.
A resolução dos géis de poliacrilamida leva à detecção de um número maior
de alelos por loco, o que é essencial na
análise de polimorfismos de microssatélites de repetições dinucleotídicas, uma
vez que os produtos da amplificação têm
entre 130 a 200 pb. A agarose não é capaz
de resolver diferenças da ordem de 2 pb,
ou seja, de um dinucleotídeo.
Produtos sintetizados a partir de primers marcados com fluorescência podem ser analisados em seqüenciadores
automatizados, os quais permitem a estimativa acurada do tamanho dos fragmentos. Os alelos podem ser visualizados no gel como bandas, ou ser representados por picos em eletroferogramas.
As análises com microssatélites podem
ser sofisticadas, escolhendo locos cujas
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amplitudes no comprimento dos alelos
não se sobreponham, de modo que permitam sua amplificação em uma mesma
reação de PCR (multiplex). Os alelos
gerados em reações separadas podem
ser resolvidos no gel utilizando-se uma
mesma canaleta.
A maior dificuldade do uso rotineiro
e universal dos microssatélites como
marcadores genéticos, está no desenho
dos primers. Estes são complementares
às regiões que flanqueiam as seqüências
repetidas. É preciso buscar os microssatélites na biblioteca genômica da espécie, usando sondas complementares aos
motivos, clonar esses fragmentos e, então, seqüênciá-los com vistas a conhecer
seus flancos. Em seguida, procede-se ao
desenho dos iniciadores específicos (veja
Gaiotto, 2001). Cabe ressaltar que estão
disponíveis primers de microssatélites
para milho, soja e outras grandes culturas. Há, igualmente, ajustes na reação de
PCR (temperatura de annealing, por ex.)
necessários a cada espécie ou genótipo
em estudo.
Sistemas isoenzimáticos:
interpretação genética
O padrão de bandas visualizado no
gel constitui o fenótipo eletroforético. Tal
fenótipo é interpretado, e deduzido o
seu genótipo. A população de indivíduos
é então analisada em termos de locos, e
respectivos alelos, para cada sistema isoenzimático.
Essa interpretação requer conhecimento do número e tipo de cadeia polipeptídica que compõe a enzima. Nas
enzimas monoméricas, o padrão de bandas de um heterozigoto é uma mistura
das duas formas que ocorrem em cada
um dos homozigotos correspondentes
(Figura 1).
Nas enzimas multiméricas, isto é,
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compostas por mais de um peptídeo, são
formadas enzimas heteroméricas nos heterozigotos, bem como são observadas
formas homoméricas nos homozigotos
correspondentes. Isso ocorre porque, após
a tradução, peptídeos se combinam dando origem a moléculas multiméricas (Figuras 2 e 3).
No geral, se o número de subunidades, presentes na aloenzima sintetizada
no homozigoto, for n são esperadas n+1
aloenzimas nos heterozigotos. Assim, os
heterozigotos para enzimas monoméricas apresentam duas bandas e para as
diméricas, três bandas. Quando a enzima
é composta por quatro peptídeos (enzima tetramérica), são visualizadas cinco
bandas no gel de um indivíduo heterozigótico e as bandas dos extremos representam as formas homoméricas (Figura
4). Em qualquer um dos sistemas, os
homozigotos apresentam somente uma
banda, que resulta da expressão da única
forma alélica para aquele loco gênico.
Padrões mais complexos podem ser
observados quando há associação de
cadeias peptídicas codificadas por locos
gênicos distintos (sistemas multigênicos).
Nesse caso, além das aloenzimas formadas pela interação entre peptídeos derivados de alelos de um mesmo loco (intragênicas), há também enzimas formadas
pela interação entre peptídeos oriundos
de alelos pertencentes a locos diferentes
(intergênicas). Esse é o caso da enzima
malato desidrogenase (MDH) em milho:
peptídeos que ocupam os mesmos compartimentos subcelulares, e codificados
por diferentes genes MDH, se associam
para formar heterodímeros.
Alelos nulos ou silenciosos também
podem levar a interpretações errôneas
dos géis. Nesse caso, não é produzida
nenhuma proteína ativa. Os alelos nulos
são mascarados nos heterozigotos, os
quais segregam somente duas classes
fenotípicas (3:1) quando autofecundados.
Outras situações complexas envolvem a comigração de peptídeos, presença de bandas adicionais oriundas de modificações pós-traducionais e artefatos introduzidos no decorrer da técnica (Soltis
& Soltis, 1989). Esses fatores, aliados ao
número reduzido de locos detectados,
contribuem para a limitação do uso da
técnica quando se pretende obter uma
cobertura mais ampla do genoma.
Em contrapartida, a interpretação de
géis de microssatélites é bem mais simples. Como cada loco é definido por um
par de primers (foward/reverse), nos heterozigotos há duas bandas enquanto nos
homozigotos há só uma banda
(Figuras 5 e 6).
Entretanto, a amplificação de
repetições de dinucleotídeos tem
se mostrado vulnerável à formação das chamadas bandas stutter.
São também denominadas de bandas sombra ou produtos do deslize da DNA polimerase, e diferem
em tamanho do alelo principal
por um número a mais ou a menos de repetições. No caso dos
locos de repetições dinucleotídicas, a banda stutter é menor (em
dois nucleotídeos) que a banda
correspondente ao alelo principal. Esse padrão de multibanda
dificulta a interpretação dos locos
de repetições dinucleotídicas (Walsh et al., 1996). Em geral, a amplificação de locos com repetições
tetranucleotídicas é de interpretação mais fácil.
Assim como as isoenzimas, os microssatélites também podem apresentar
alelos nulos como resultado de mutações
nos sítios complementares aos primers.
Neste caso, alelos nulos podem ser detectados em estudos populacionais pelo
teste de aderência das freqüências observadas nas proporções de Hardy-Weinberg.
Aplicações
A heterogeneidade de formas presentes na maioria dos sistemas enzimáticos despertou o interesse dos pesquisadores em utilizá-los como marcadores
em várias áreas da Biologia, principalmente em estudos de Genética. A leitura
dos fenótipos eletroforéticos permite avaliar a estrutura genética com base nas
estimativas das freqüências alélicas e genotípicas, levando a conclusões sobre a
magnitude e a distribuição da variabilidade entre e dentro das populações. Aloenzimas são também empregadas
em investigações mais específicas
da estrutura populacional, tais
como fluxo gênico, deriva genética e taxas de cruzamento.
Complementando: investigações sobre sistemas biológicos e
suas interações com o meio ambiente (resposta a infecção por patógenos e a estresses bióticos e
abióticos) podem ser auxiliadas
por análises de padrões enzimáticos. Em estudos de diferenciação
celular, alterações qualitativas das
isoenzimas associadas podem ser
linhagens em grupos heteróticos,
com base no cálculo das distâncias
genéticas, e ainda na geração de
mapas de ligação e detecção de
QTLs (quantitative trait loci), regiões cromossômicas responsáveis
pelo controle (parcial ou não) de
caracteres complexos.
Agradecimentos
Aos Drs. Rainério Meirelles da Silva e Sérgio Tadeu Sibov
pela colaboração prestada.
Referências bibliográficas
interpretadas como o reflexo da repressão ou como ativação de genes específicos responsáveis pela síntese de enzimas
e proteínas estruturais características de
cada tecido. Várias empresas têm utilizado isoenzimas para identificar a pureza
genética de sementes comerciais.
Comparativamente, os microssatélites representam uma alternativa mais
atrativa em virtude de seus altos níveis de
variação alélica (Cruzan, 1998) e da possibilidade de se analisar um número
maior de locos. Entretanto, em populações naturais, esse tipo de marcador
requer desenvolvimento de primers específicos, o que demanda uma experimentação mais laboriosa, com aumento
no custo das análises, o que representa
grande limitação da técnica.
Além do valor extraordinário em estudos populacionais, os microssatélites
também têm sido empregados na escolha de genitores em programas de melhoramento de autógamas e para alocar
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