VIII ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA ECOLÓGICA 5 a 7 de agosto de 2009 Cuiabá - Mato Grosso - Brasil POLÍTICAS DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E SERVIÇOS AMBIENTAIS DISPONIBILIZADOS POR ECOSSISTEMAS COSTEIROS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: REDIMENSIONANDO PRIORIDADES ANA LUCIA CAMPHORA - [email protected] Consultora Independente JOLNNYE R. ABRAHÃO (INEA/RJ) - [email protected] M.Sc. Biólogo, Gerência de Unidades de Conservação de Proteção Integral da Diretoria de Biodiversidade e Áreas Protegidas POLÍTICAS DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E SERVIÇOS AMBIENTAIS DISPONIBILIZADOS POR ECOSSISTEMAS COSTEIROS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: REDIMENSIONANDO PRIORIDADES SAT-D. Políticas públicas e instrumentos de gestão para o desenvolvimento sustentável 1. Introdução Este estudo aborda alguns dos atuais desafios experimentados para a conservação da diversidade biológica costeira do Estado do Rio de Janeiro. Com 850 km de costa, e inúmeras áreas de interesse para a conservação, como baías, lagunas, restingas, brejos, mangues e costões rochosos, seus ecossistemas estabelecem interações relevantes e dinâmicas entre comunidades bióticas da Mata Atlântica e o ambiente marinho. A importância dos serviços ambientais disponibilizados por ecossistemas costeiros encontra-se bastante consolidada na literatura, embora pouco tenha sido feito para assegurar a perpetuidade desses serviços, através da integração entre estratégias de conservação da diversidade biológica e gestão das zonas costeira e marinha. O baixo percentual das áreas protegidas nesses biomas, que têm por propósito assegurar a conservação e restauração desses benefícios, evidencia o caráter periférico das decisões orientadas para sua conservação, apesar dos altos custos ambientais derivados dos impactos negativos que incidem sobre essas áreas. Na esfera estadual, o caráter incipiente das políticas de conservação desses ecossistemas, vem somar-se às preocupantes lacunas de representatividade dos biomas costeiros e marinhos, nos sistemas regionais, nacionais e mundiais de áreas protegidas. Este artigo ressalta o papel das unidades de conservação para assegurar a conservação e restauração dos ativos ambientais. São amplamente reconhecidos os desafios e conflitos associados à gestão dessas áreas, dada a diversidade dos interesses e valores associados ao manejo, zoneamento e monitoramento em zonas costeiras. Promover a gestão da diversidade biológica costeira e marinha implica incorporar estratégias de conservação de médio e longo prazo, minimizar conflitos entre conservação dos estoques e produção pesqueira, entre conservação ambiental e especulação imobiliária, entre normas de controle ambiental, interesses de pescadores artesanais, esportivos e industriais, e impactos decorrentes da produção de hidrocarbonetos offshore. Como contrapartida à sobre-explotação dos recursos pesqueiros e ao aumento dos custos ambientais derivados de outras pressões antrópicas, políticas de conservação pressupõem a distribuição eqüitativa dos benefícios ambientais disponibilizados por ecossistemas protegidos às atuais e futuras gerações. Sob essa lógica, cabe calibrar esforços para maior articulação intersetorial e entre os distintos níveis governamentais, representações não governamentais e privadas. O lidar com tais questões não é trivial; políticas de conservação desses recursos geram conflitos de interesse que podem assumir proporções críticas. Longe de tratar de iniciativas institucionais isoladas, a gestão dessas políticas requer aprofundamento da percepção sobre as múltiplas interferências socioeconômicas, e seus efeitos decisivos sobre os ecossistemas, nos distintos setores do Estado. Com base nessas considerações, buscou-se demarcar revisão preliminar da dinâmica socioambiental dos quatro setores estaduais, definidos pelo Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro do Rio de Janeiro, de modo a dimensionar alguns aspectos relevantes para a adoção de estratégias de conservação, a curto prazo. O setor I, denominado de Costa Verde, abrange os municípios de Paraty, Angra dos Reis, Mangaratiba e Itaguaí. O setor II, da Baía de Guanabara, abrange os municípios do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Magé, Guapimirim, S. Gonçalo, Itaboraí, Niterói e Maricá. O setor III, da Costa do Sol ou região dos Lagos, abrange os municípios de Saquarema, Araruama, Iguaba Grande, S. Pedro d'Aldeia, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Búzios, Casimiro de Abreu e Rio das Ostras. O setor IV, do Norte Fluminense, compreende os municípios de Macaé, Carapebus, Quissamã, Campos, São João da Barra e São Francisco do Itabapoana. Espera-se que estas reflexões venham contribuir com o aprimoramento das políticas de conservação dessas áreas e, em especial, com a ampliação e criação de novas unidades de conservação representativas desses ecossistemas. Essa temática estratégica foi incorporada como um dos objetivos da parceria firmada entre o Instituto Estadual do Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (INEA) e a Iniciativa Mata Atlântica Para Áreas Protegidas (TNC Brasil, Conservação Internacional e Fundação SOS Mata Atlântica), que teve o apoio do Projeto de Proteção à Mata Atlântica - PPMA-RJ, executor da Cooperação Financeira Brasil-Alemanha com o Banco Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW). 2. Ativos ambientais costeiros: alguns cenários Os ambientes costeiros e marinhos abrigam a maior parte da biodiversidade disponível do planeta. Por sua alta concentração de nutrientes, gradientes térmicos e salinidade variável, esses ecossistemas fornecem excepcionais condições de abrigo e suporte à reprodução e à 2 alimentação inicial da maioria das espécies que habitam os oceanos. Sobre grande parte desses ecossistemas incidem diversos tipos de pressão antrópica, diversificadas e continuadas, tais como a sobre-explotação de inúmeras espécies de peixes comerciais, ocupação desordenada do solo, destinação de resíduos domésticos e industriais, exploração turística desordenada e riscos associados à atividade petroquímica. A Zona Costeira brasileira é uma unidade territorial presente em 17 estados, mais de 400 municípios, abarcando mais de 8.500 km, considerando seus recortes litorâneos, em 395 municípios com mais de 40 milhões de habitantes. Essas áreas guardam valores econômicos, culturais, científicos e recreativos que estão submetidos a intensas e contínuas perdas derivadas dos impactos das atividades humanas. Cerca de 70% da população brasileira vive nos municípios costeiros ou próximos deles. O IBGE 1 define a Zona Costeira como área especial da “faixa terrestre identificada preliminarmente por uma distância de 20 km sobre uma perpendicular, contados a partir da Linha da Costa, e por uma faixa marítima de 6 milhas (11,1 km) com mesma origem, agregando as informações já existentes (código geográfico e nome do município) com as produzidas na identificação e/ou classificação do município dentro da zona, tais como: ilha, litoral, baía, estuário, lagoa e interior”. O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, instituído pela Lei n° 7.661/1988, define a Zona Costeira como o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre. Seus limites correspondem à soma dos territórios dos municípios litorâneos e adjacentes, acrescida de uma faixa marinha de 12 milhas náuticas. Enquanto grande parte dos valores associados aos serviços ambientais são pouco visíveis, por não refletirem valor de mercado, a maioria dos benefícios ambientais derivados dos ecossistemas costeiros e marinhos conservados são diretamente percebidos por seus usuários diretos. Em julho de 2008, a revista Proceedings of the National Academyc of Sciences – PNAS publicou pesquisa de Octavio Aburto-Oropeza, do Instituto Scripps de Oceanografia (Califórnia, EUA), que associa os resultados das capturas pesqueiras no oceano Pacífico, na região do golfo da Califórnia, como diretamente proporcional à quantidade de manguezais intactos. O estudo conclui que os manguezais do mundo podem valer muito mais para o bolso e para a biodiversidade do que os preços irrisórios pelos quais essas áreas são vendidas para 1 Disponível no endereço eletrônico http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/costeira.shtm?c=4 , acessado em 02/12/08. 3 os especuladores imobiliários. Cada hectare de manguezal traz dividendos de pesca equivalentes a US$ 40 mil por ano, cerca de 600 vezes mais do que o valor dado a essa terra pelo governo mexicano. O conceito de ‘ativo ambiental’, que define as “coleções de recursos naturais prestadores de serviços ambientais economicamente valoráveis” (MMA, 1998:11), aplica-se aos serviços associados ao fornecimento de recursos naturais, suporte para atividades sociais e deposição de efluentes. Esses importantes e valiosos benefícios ambientais proporcionados pelos ecossistemas costeiros preservados englobam a prevenção de inundações, da intrusão salina e da erosão costeira; a proteção contra tempestades; a reciclagem de nutrientes e de substâncias poluidoras; e a provisão de habitats e recursos para uma variedade de espécies de uso comercial direto. A partir de 22 áreas selecionadas em diferentes regiões, a Zona Costeira brasileira foi caracterizada quanto aos ativos ambientais, com base em aspectos relacionados à extensão geográfica dos serviços ambientais, perfil socioeconômico local, tipologia das atividades econômicas e intensidade dos impactos ambientais, capacidade e potencial de gestão ambiental, e identificação de estratégias de intervenção (Ibid.). As principais características dos ecossistemas costeiros foram dimensionadas, em termos de componentes (bióticos e abióticos), funções (ciclos de nutrientes e intercâmbios entre os níveis superficiais e subaquáticos) e atributos (diversidade biológica e cultural). Além dos produtos de uso direto, como pescados, essas áreas desempenham funções que tem peso econômico direto sobre as atividades humanas e que podem ser caracterizadas em termos de funções reguladoras (capacidade de funcionamento e de trocas energéticas dos ecossistemas), funções locacionais (localização espacial de atividades econômicas e infra-estruturas), funções produtivas (fornecimento de recursos naturais) e informacionais. Na Tabela I, foram sumarizados os ativos ambientais (funções, produtos e atributos) dimensionados nos três setores do Estado do Rio de Janeiro avaliados neste estudo: Costa Verde (Setor I), Costa do Sol (Setor III) e Norte Fluminense (Setor IV). 4 Tabela I. Ativos Ambientais Costeiros do Estado do Rio de Janeiro (MMA/PNMA, 1998) SETOR COSTEIRO Setores I, III e IV FUNÇÕES DOS ECOSSISTEMAS Águas abrigadas (pouco relevante para o Setor 4 e de extrema relevância no Setor 1); Águas subterrâneas, em áreas interiores; Exportação de biomassa, em estuários acumuladores; Fonte de nutrientes, estuários que enriquecem águas vizinhas; Fonte de sedimentos para a costa, especialmente em Atafona, foz do Rio Paraíba do Sul; Prevenção de erosão, por manguezais e vegetação de restinga; Prevenção de inundação, pelas planícies intermarés e fluviais; Proteção de tempestades, pelas praias, manguezais e cordões arenosos; Retenção de nutrientes e de sedimentos pelos sistemas estuarinos, lagoas e banhados; Via de transporte. PRODUTOS DOS ECOSSISTEMAS Aqüicultura, em expansão; Diversidade biológica; Recreação e turismo; Recursos pesqueiros; Recursos minerais; Recursos florestais; ATRIBUTOS DOS ECOSSISTEMAS Diversidade biológica; Diversidade e patrimônio cultural; Morfologia e paisagens; 3. Conservação da diversidade biológica em ecossistemas costeiros: premissas e desafios A Zona Costeira é extremamente importante para assegurar a biodiversidade dos ecossistemas marinhos. Apesar de apresentar apenas uma pequena área da superfície do Planeta Terra (8%), incluindo as plataformas continentais e planícies costeiras, a Zona Costeira detém 43% da média anual dos valores dos serviços que os ecossistemas produzem algo como US$ 14,19 trilhões, mais de 50% do PIB Mundial (CONSTANZA et al., 1997). As lagoas costeiras e os estuários são sistemas férteis, abrigo e região de criadouro para numerosas espécies. Os manguezais apresentam elevada diversidade estrutural e funcional, juntamente com os estuários, funcionando como exportadores de biomassa para os sistemas adjacentes. Os recifes de corais abrigam grande variedade de espécies podendo ser comparados às florestas tropicais úmidas. O alto endemismo desses ecossistemas reforça a prioridade de sua conservação, considerando que a maioria dos sistemas recifais do Brasil são costeiros e, portanto, sujeitos a todos os impactos advindos do crescimento populacional na costa, além da pesca. 5 As principais ameaças aos peixes marinhos ocorrem, principalmente, na zona costeira, onde se concentra a maior diversidade de espécies. A degradação de ambientes costeiros, como os recifes de coral, bancos de vegetação subaquática e manguezais, além de outros fatores como o turismo desordenado nas regiões costeiras, particularmente em ambientes recifais, constituem forte ameaças sobre os peixes (ROSA & LIMA, 2005). A poluição marinha por plásticos e materiais de pesca, a poluição química por metais pesados, afetam uma grande variedade de peixes, levando à ocorrência de más-formações em elasmobrânquios (SAZIMA et al., 2002; MONTEALEGRE-QUIJANO et al., 2004; ROSA et al., 2004, Apud ROSA & LIMA, 2008). Em suas várias modalidades, os modelos de pesca artesanal e comercial geram impactos no tamanho e na estrutura populacional de várias espécies de peixes. Práticas de arrastos costeiros geram elevadas capturas incidentais de peixes, principalmente de indivíduos jovens e sem valor comercial (ROSA & LIMA, 2008). Por trás das espécies de valor comercial existe um intrincado sistema de organismos do qual participam aves, mamíferos marinhos, e pequenos organismos marinhos que revelam preocupantes sinais de degradação em áreas acessadas por diferentes níveis de explotação comercial. O papel dos peixes no funcionamento e estruturação dos ecossistemas marinhos interfere nas populações e na distribuição de algas, zooplâncton e invertebrados. Em conseqüência, ecossistemas em desequilíbrio determinam a dominância de espécies de menor valor comercial, ocupando os nichos liberados pelas espécies sobreexplotadas, o que representa uma série ameaça ao desenvolvimento sustentável. Segundo Peres et al. (2007), em nível mundial, questiona-se a sustentabilidade da pesca, já que 75% dos recursos pesqueiros estão plenamente explotados, sobrexplotados ou colapsados. Segundo Zecchin (2008), 60% do pescado consumido no Brasil resultam da atividade de cerca de 600 mil pescadores artesanais. No âmbito mundial, esse setor corresponde a mais de 95% dos pescadores ativos que, em sua maioria, vivem nos países em desenvolvimento. No Brasil, o projeto "Uso e Apropriação de Recursos Costeiros - RECOS", um dos Institutos do Milênio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT), coordenado pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, apresentou um diagnóstico da pesca no Brasil, para definir protocolos de monitoramento e manejo mais 6 racional das situações de conflito 2 . O diagnóstico revela que, apesar do potencial do Brasil para a pesca, o país vem perdendo volume de produção pesqueira marinha. De cerca de 700 mil toneladas na década de 80, o Brasil produziu na última década 500 mil toneladas, com cerca de 313 mil pescadores diretamente envolvidos na pesca de pequena escala e aproximadamente 35 mil na pesca industrial, segundo o IBGE. As causas apontadas pelo RECOS estão associadas à degradação dos habitats costeiros, maior quantidade de embarcações e avanços tecnológicos que se refletem tanto na pesca de pequena como de grande escala, e políticas equivocadas de desenvolvimento insustentável. O estabelecimento de áreas protegidas, com a intenção de conservar a biodiversidade e manter os habitats, constitui um meio de manejar a pesca, quando formas convencionais de manejo não surtem efeito. A necessidade de áreas de exclusão de pesca como mecanismos de recuperação e conservação de estoques pesqueiros é consenso entre diversos autores.Reservas marinhas contribuem com a recuperação de estoques ameaçados, porque essas áreas funcionam como autênticos ‘berçários’ e fonte de exportação de indivíduos maduros para as áreas adjacentes. O relatório Avaliação e Ações Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade da Zona Marinha e Costeira (MMA, 2002), identificou 164 áreas prioritárias para a conservação, segundo critérios de riqueza de espécies; diversidade filética; endemismos de espécies e táxons superiores; riqueza de espécies raras e ameaçadas; hotspots; fenômenos biológicos excepcionais (migrações, comunidades especiais); importância ecológica/funcional do ecossistema; e espécies de interesse econômico e sociocultural. Com respeito aos setores costeiros do Rio de Janeiro, a Tabela II indica quais as áreas prioritárias para conservação (MMA, 2004). 2 Institutos do Milênio, programa do Ministério de Ciência e Tecnologia, realiza pesquisas em áreas estratégicas para o desenvolvimento do País. O programa integra grupos de pesquisa em redes, potencializa a base nacional instalada de laboratórios, incrementando a integração com centros internacionais de pesquisa e a desconcentração do conhecimento, em benefício das regiões brasileiras menos avançadas nos setores científico e tecnológico. O Projeto RECOS: Uso e Apropriação de Recursos Costeiros, realizado entre 2003 e 2006, resultou do consórcio entre 17 instituições de Ciências do Mar. As áreas temáticas contemplam tópicos prioritários para a região costeira brasileira: Modelo Gerencial da Pesca; Maricultura Sustentável; Monitoramento, Modelagem, Erosão e Ocupação Costeira; e Qualidade Ambiental e Biodiversidade. 7 Tabela II. Áreas Prioritárias para Conservação nos Setores Costeiros do Rio de Janeiro SETOR COSTEIRO Setor I Setor II Setor III Setor IV ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA CONSERVAÇÃO (MMA, 2004) MC-813 (Angra dos Reis, Parati) Extremamente alta: Manejo; Inventário; Criação de UC MC-212 – Baía de Sepetiba (Itaguaí, Mangaratiba) Extremamente alta (Manejo; Recuperação) MC-811 – Baía de Guanabara e áreas adjacentes (Duque de Caxias, Rio de Janeiro) Muito alta (Manejo; Recuperação) MC-807 - Macaé - Lagoa Imboassica (Rio das Ostras) Extremamente alta (criação de UC) MC-808 - Rio Una/Guarguá (Búzios/Cabo Frio) Extremamente alta (criação de UC) MC-809 – Lagoa de Araruama (Araruama, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Saquarema) MC-810 - Sistema lagunar de Maricá e Saquarema (Marica, Saquarema) Extremamente alta (Manejo; Inventário; Criação de UC) MC-803 - Foz do Itabapoana (São Francisco de Itabapoana) Muito alta (Manejo; Recuperação; Inventário; Criação de UC) MC-804 - Foz do Rio Paraíba do Sul (São Francisco de Itabapoana) Muito alta (Inventário; Criação de UC) MC-805 - Gruçaí até a Lagoa Feia (Campos dos Goytacazes, Quissamã, São João da Barra) Muito alta (Inventário; Criação de UC) MC-806 – Restinga de Jurubatiba (Caperebus) Extremamente alta (Manejo; Recuperação; Inventário) Cabe ressaltar que, no Brasil, o estudo do ambiente marinho é recente, sendo comum na literatura a menção do pouco conhecimento acumulado sobre a fauna marinha do Atlântico Sul Ocidental. O número de espécies de invertebrados marinhos registradas para a costa do Brasil está bastante aquém do conhecido para o mundo. Na maioria dos táxons, encontra-se abaixo dos 10% das espécies descritas em âmbito mundial. Segundo Castri et al.(1992), a investigação da biodiversidade marinha apresenta considerável desafio científico, devido ao tamanho e dificuldades de acesso ao ambiente marinho. Amaral & Jablonski (2005) estimaram os valores atuais conhecidos para os filos de invertebrados marinhos e algumas de suas principais subdivisões. As grandes lacunas de informações advêm da falta de listagens e catálogos publicados das espécies registradas no Brasil. A atual Lista Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção aponta 627 táxons, distribuídos entre os grupos de invertebrados – terrestres e aquáticos, e 8 vertebrados – peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, conforme as Instruções Normativas nº 03/2003, 05/2004 3 e 52/2005. Entre os 79 invertebrados aquáticos oficialmente reconhecidos como ameaçados de extinção pelo Governo do Brasil (Instrução Normativa nº 05, de 12 de maio de 2004 - MMA), 34 espécies eram marinhas. As principais ameaças que incidem sobre as espécies de invertebrados são a poluição marinha e a captura excessiva ou de forma indiscriminada. Ecossistemas costeiros demandam estratégias de conservação distintas daquelas implementadas nos ecossistemas terrestres. São sistemas abertos, vastos e dinâmicos, onde muitos processos ecológicos ocorrem num ritmo veloz, com intensa conectividade entre habitats, através do fluxo de transferência de materiais e energia. Esse modelo de gestão diferenciado, em geral, não ocorre na prática das unidades de conservação que possuem interface costeira (MARCHAND, 2004). Entretanto, são muitas as estratégias formuladas para assegurar a efetividade das políticas de conservação da diversidade biológica costeira. No V Plano Setorial para os Recursos do Mar (período de 1999 a 2003), elaborado pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, a relevância das unidades de conservação foi dimensionada nas seguintes estratégias (PRATES et al., 2007): análise da representatividade ecológica do conjunto das unidades de conservação em relação aos ecossistemas e aos macroprocessos existentes na zona costeira e marinha; utilização das UC’s como pontos privilegiados para o desenvolvimento de uma rede de monitoramento ambiental e de experimentos que demandem uma proteção em relação às ações antrópicas diretas; utilização das categorias de uso sustentável, principalmente APA’s e RESEX’s para experiências piloto de ordenamento pesqueiro; e exploração mais ousada das UC’s como pontos núcleo de disseminação de conceitos de conservação, uso sustentável de recursos naturais, educação e conscientização ambiental e “mentalidade marítima”. O Relatório Áreas Aquáticas Protegidas como Instrumento de Gestão Pesqueira (MMA, 2007) aponta como diretrizes para o enfoque dessas áreas protegidas: as áreas costeiras e marinhas protegidas devem ser criadas e geridas visando não só a conservação da biodiversidade, mas também a recuperação dos estoques pesqueiros; o sistema deve ser representativo; o percentual final de cada ecossistema costeiro e marinho a ser protegido deverá ser definido após a realização de estudos de representatividade; o desenho das redes 3 De acordo com essa IN, em seu Anexo I, estavam listadas para o Estado do Rio de Janeiro, cinco espécies de cnidários, duas espécies de poliquetas, duas espécies de gastrópodes e 17 espécies de equinodermas. Porém, a IN nº 52, de 8 de novembro de 2005, que dispõe sobre recomendações de alteração da IN nº 05/2004, em seu art. 2º, excluiu a coluna “Unidade da Federação” do Anexo I da IN nº 05, de 2004, de forma a reduzir a possibilidade de interpretações equivocadas sobre a distribuição das espécies e/ou abrangência nacional do referido ato normativo. 9 deve observar um gradiente das pressões, ameaças e conflitos no sentido da costa até a Zona Econômica Exclusiva, com um mapeamento de prioridades. Como Sistema Representativo, entende-se uma rede de áreas protegidas seguindo os seguintes componentes: rede primária representativa de áreas altamente protegidas, onde o uso extrativo é excluído e outras pressões humanas significantes removidas ou minimizadas, a fim de manter a integridade, estrutura e funcionamento dos ecossistemas a serem preservados ou recuperados (unidades de conservação de proteção integral ou áreas de exclusão de pesca); rede de unidades de conservação de uso sustentável que forneçam suporte aos objetivos da rede primária e onde as ameaças sejam controladas com o objetivo de proteger a biodiversidade e o uso sustentável (atividades extrativas são permitidas) e sistema de práticas de manejo sustentáveis na zona costeira e marinha integrado a projetos de recuperação de bacias hidrográficas. Procedimentos para a criação, implementação e gestão de unidades de conservação de uso sustentável ou de proteção integral, pressupõem o reconhecimento e legitimação de sistemas de gerenciamento efetivos nas esferas locais (SILVA, 2007). Nas zonas costeiras e marinhas, são mais freqüentes as unidades de conservação de uso sustentável, devido à intensa e permanente demanda por articulação entre conservação e gestão sustentável dos recursos naturais. Diferente das unidades de conservação terrestres, em sua maioria, constituídas por áreas privadas, unidades de conservação costeiras abrangem áreas consideradas como “bens de uso comum”. Nessas circunstâncias, a implantação e gestão de Áreas de Proteção Ambiental (APAs), por exemplo, tende a facilitar a pactuação quanto a conflitos associados aos diversos tipos de uso (PRATES et al.,op.cit.). A complexidade dos interesses incidentes nessas áreas tende a ‘inibir’ iniciativas mais robustas para a conservação da diversidade biológica. O município do Rio de Janeiro registrou exemplo recente de rejeição social a unidades de proteção integral. Na Consulta Pública para a criação do Monumento Natural das Ilhas Cagarras, realizada em maio de 2007, com a participação de 314 pessoas, a votação da proposta do IBAMA teve apenas vinte e cinco votos a favor da proposta e, por aclamação, a plenária foi contrária à criação do Monumento Natural das Ilhas Cagarras (IBAMA, 2007). Entre as considerações registradas, cabe destaque às seguintes: os estudos não confirmam que a queda dos recursos pesqueiros decorre da pesca artesanal nem amadora, mas sim da pesca industrial; o conselho gestor de um Monumento Natural não é deliberativo; a criação da UC vai gerar desemprego de pescadores, principalmente daqueles que desenvolvem atividades alternativas e de respeito ao meio ambiente, como a pesca artesanal; 10 não apresentação, pelo Ibama, de dados estatísticos dos impactos de cada atividade sobre o projeto de criação. Os participantes consideraram que a área deveria ser uma Área de Proteção Ambiental - APA, em que houvesse uma área especifica de exclusão para a pesca; incluir a atividade de pesca subaquática nas ilhas; o problema está na ausência de fiscalização e não mudaria por causa da criação do Monumento Natural; deve haver um forte trabalho de Educação Ambiental com todos os setores sociais que utilizam as ilhas. Foi observado que os pescadores possuem uma gestão dos recursos, ainda que rudimentar, e utilizam arrastão de mutirão como atividade tradicional, e já existe uma utilização de UCs pelos pescadores, de forma sustentável, sem que haja plano de manejo em nenhuma delas. No mais, foi criticada a falta de competência administrativa para uma atuação conjunta do IBAMA e Marinha na fiscalização da pesca e de outras atividades danosas ao meio ambiente. Um dos principais conflitos associados a estratégias de conservação deriva da criação de áreas de exclusão de pesca como mecanismos de recuperação e conservação de estoques pesqueiros. Mas conflitos entre os diferentes usuários dos serviços ambientais costeiros e marinhos não se restringem às políticas de conservação ambiental. No litoral norte do Estado do Rio Grande do Sul, conflitos de uso envolvem pescadores (amadores e artesanais) e surfistas. Dezenas de mortes por afogamentos de surfistas presos em redes, cabos e bóias de pesca geraram forte pressão social no sentido de limitar a atividade pesqueira na região, criando áreas de exclusão para assegurar a prática do surfe e, indiretamente, proteger a biodiversidade (PERES et al., op.cit.). O planejamento de ações visando à ampliação e/ou integração territorial das UCs representativas desses ecossistemas envolve estratégias de ampliação, interlocução e monitoramento das atividades pesqueiras (industrial, artesanal e esportiva). Na medida em que são os próprios pescadores os primeiros indicadores de ameaças à diversidade biológica, ao perceberem o declínio da produção no trabalho diário, Silva (op.cit.) ressalta a eficácia do modelo de ‘conservação produtiva’, que depende da participação a longo prazo dos usuários desses recursos. A necessidade de considerar parâmetros de gestão pesqueira como aporte na gestão das unidades de conservação constitui um dos muitos desafios para acessar novo paradigma a ser gradualmente inserido como estratégia de conservação no Estado do Rio de Janeiro. Com 156 locais de desembarques da pesca artesanal, o setor pesqueiro tem peso relevante para a economia fluminense. Os principais municípios para a pesca artesanal são: Rio de Janeiro (baía da Guanabara), Angra dos Reis, Cabo Frio, Macaé, Niterói, São Gonçalo e São Francisco de Itabapoana. De modo geral, os municípios do sul do Estado contam com maior 11 uma infraestrutura de serviços. No norte, São Francisco de Itabapoana e São João da Barra encontram-se razoavelmente estruturados. A extrema diversidade social, econômica, ambiental e tecnológica do setor requer soluções criativas, que deverão imprimir reflexos sobre as políticas de conservação, nas próximas décadas 4 . A Instrução Normativa IBAMA 102/2006, que define regras para o turismo embarcado de avistagem de baleias na APA – Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca constitui exemplo emblemático de articulação entre distintas institucionalidades. A proposta, apresentada pela Coalizão Internacional para a Vida Silvestre/Projeto Baleia Franca, foi discutida por técnicos do IBAMA (APA da Baleia Franca, CMA, CEPSUL, CGEUC, REBIO Arvoredo e APA de Anhatomirim), Capitania dos Portos de Santa Catarina, representantes dos pescadores artesanais e de ONGs ambientalistas da região. Entre os meses de junho a novembro, ficam restritas as atividades náuticas de embarcações motorizadas destinadas ao transporte de passageiros com finalidade turística, a prática e apoio a qualquer forma de esporte náutico e atividades recreativas. A escolha de área para a criação de uma nova unidade de conservação não é trivial, e os critérios adotados para definir local e extensão não constituem norma universal. Variam com o passar do tempo, com a disponibilidade de tecnologia e de informação científica e com as condições socioambientais locais, que podem corroborar a relevância da iniciativa, ou acirrar conflitos políticos, a partir de determinada opção. Ao longo do século XX, a atribuição do poder público de criar uma unidade de conservação privilegiava valores cênicos e disponibilidade territorial. Com a evolução e difusão da informação científica relacionada à diversidade biológica, diversos outros atributos tornaram-se relevantes para justificar a implantação de uma nova área protegida. 4. Contextualização socioambiental da zona costeira do Estado do Rio de Janeiro Com mais de 800 km de extensão, o Estado do Rio de Janeiro possui a terceira maior costa do País e o segundo conjunto de baías, estuários, lagoas costeiras e manguezais. Suas centenas de ilhas, com perímetro de cerca de 650 km, totalizam 19.000 km2 de área costeira. A Constituição do Estado do Rio de Janeiro estabelece, em seu Artigo 258°, inciso XXI, que cabe ao Poder Público “fiscalizar e controlar, na forma da lei, a utilização de áreas 4 No âmbito nacional, a gestão pesqueira tornou-se ainda mais complexa pela divisão de responsabilidades entre duas instituições distintas – a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP) e o IBAMA. A primeira, responsável pelo fomento da atividade de aqüicultura e pesca e pelos recursos considerados subexplotados, e a segunda, pelos estoques sobreexplotados. 12 biologicamente ricas de manguezais, estuários e outros espaços de reprodução e crescimento de espécies aquáticas, em todas as atividades humanas capazes de comprometer esses ecossistemas”. Em seu Artigo 265°, são identificadas como áreas de preservação permanente a baía de Guanabara, assim como manguezais, áreas estuarinas, praias, vegetações de restinga fixadoras de dunas e costões rochosos. E no Artigo 266°, são designadas como áreas de relevante interesse ecológico a Zona Costeira, a Ilha Grande, a baía de Guanabara e a baía de Sepetiba. Conforme exposto na Tabela III, os territórios de 40 unidades de conservação - sendo 25 estaduais (15 de Proteção Integral e 10 de Uso Sustentável) e 15 federais (8 de Proteção Integral e 7 de Uso Sustentável), encontram-se inseridos, parcial ou integralmente, nos 34 municípios costeiros que constituem quatro setores estaduais, definidos pelo Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro 5 . Nesses limites, foram mapeados alguns aspectos biofísicos e socioeconômicos relacionados aos ativos ambientais, com destaque para a sustentabilidade turística, pesca artesanal e condicionantes para gestão e conservação da diversidade biológica. Sabe-se que um elenco de fatores antrópicos afetam diretamente a biodiversidade marinha e costeira, com degradação e/ou destruição de habitats, sobre-explotação para consumo, poluição por pesticidas, esgotos domésticos e industriais, alterações causadas pelo turismo desordenado, além da introdução de espécies exóticas. O avanço da urbanização, com formas irregulares de ocupação do solo e falta de saneamento básico, é considerado como grande ameaça aos ecossistemas costeiros. Além da poluição de origem doméstica, com grande quantidade de matéria orgânica despejada sem tratamento prévio, também aquela originada pelas atividades industriais, portuárias, agrícolas e de mineração são mencionadas como focos de contaminação. A poluição por óleo também é salientada como impacto significativo para o ambiente aquático. O turismo pode ser considerado como um importante ativo para as regiões costeiras e, com respeito à sustentabilidade do modelo de destino ‘sol e mar’, identifica-se a necessidade de investir no planejamento do litoral fluminense. Segundo Seabra (2005), tal planejamento envolve condicionantes associados à infraestrutura turística, morfologia do litoral e suas fragilidades e potencialidades, riscos ambientais e unidades de conservação. Atividade turística desordenada impactam habitats naturais litorâneos. 5 Disponível no endereço eletrônico http.//www.inea.rj.gov.br . 13 Tabela III. Unidades de Conservação localizadas nas zonas costeira e marinha do Estado do Rio de Janeiro Unidades de Conservação Estaduais Parques (9) Área (ha) a 38.053 Parque Estadual Cunhambebe 22.400 Parque Estadual de Desengano a 12.052 Parque Estadual da Ilha Grande 12.500 Parque Estadual da Pedra Branca 2.264 Parque Estadual da Serra da Tiririca a 46.350 Parque Estadual dos Três Picos 3,70 Parque Estadual da Chacrinha b 55 Parque Estadual do Grajaú b 1.300 Parque Estadual Marinho do Aventureiro Reservas Biológicas (2) 3.600 Reserva Biológica da Praia do Sul 3.600 Reserva Biológica e Arqueológica de Guaratiba Estações Ecológicas (1) Estação Ecológica de Guaxindiba 3.260 Reserva Ecológica (3) Reserva Ecológica de Jacarepiá Reserva Ecológica de Massambaba Reserva Ecológica da Juatinga Área de Relevante Interesse Ecológico (0) Unidades de Conservação Federais Parques (4) Área (ha) Parque Nacional da Serra dos Órgãos 11.460 a 3.360 Parque Nacional da Tijuca 110.000 d Parque Nacional da Serra da Bocaina 14.000 c Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba Reservas Biológicas (2) Reserva Biológica de Tinguá a Reserva Biológica União Estações Ecológicas (2) Estação Ecológica de Tamoios Estação Ecológica da Guanabara Reserva Ecológica (0) 8.640 1.935 1.267 1.680 8.000 Área de Proteção Ambiental (10) APA Mangaratiba APA Tamoios APA Gericinó/Mendanha APA Maricá APA Massambaba APA Sapiatiba APA Pau Brasil APA Rio Macacu a APA Rio Guandu a APA Nova Sepetiba II Reserva Extrativista (0) Área de Relevante Interesse Ecológico (1) ARIE Arquipélago das Cagarras Área de Proteção Ambiental (4) APA Cairuçu APA Guapimirim APA Bacia do Rio São João/ Micoleão-dourado a APA Petrópolis a 22.936 26.200 10.500 466,00 11.100 6.000 9.940 19.508 74.000 193 Reserva Extrativista (1) Reserva Extrativista de Arraial do Cabo Floresta (1) Floresta Nacional Mário Xavier Floresta (0) a b 50 28.340 14.340 150.700 59.872 21.502 493 Com parte da área em município costeiro Administrados pela Prefeitura do Município do Rio de Janeiro c d 26.136 3.126 UC com superfície em outros Estados Cerca de 61.500 ha no Estado do Rio de Janeiro (Parati e Angra dos Reis) 14 A introdução de espécies exóticas não somente ocasiona sérios problemas a alguns animais nativos, como pode chegar ao extremo de ameaçar ecossistemas inteiros, com alterações de suas estruturas e funções. Os principais vetores, no ambiente marinho, são a água de lastro de navios, as incrustações e a importação de espécies exóticas para cultivo e aquariofilia (AMARAL & JABLONSLI, 2005). 5. Setores costeiros do Estado do Rio de Janeiro: um cenário preliminar Nesta exposição sintética dos cenários socioambientais costeiros do Estado do Rio de Janeiro, são apontados fatores relevantes para a inserção das políticas de conservação da diversidade biológica como incremento da sustentabilidade local e regional. Devido às especificidades dessas áreas, foram levantados aspectos básicos, para uma leitura preliminar do perfil do Estado e de suas prioridades. No Setor I, na região da baía da Ilha Grande, estuários e costões rochosos abrigam comunidades de extrema relevância biológica, funcionando como criadouro para o camarão rosa e outras espécies demersais, e abrigando concentrações significativas de sardinhas e outros pequenos pelágicos. Ao sul da Ilha Grande, processos de ressurgência de águas frias profundas enriquecem a coluna d’água, devido ao aporte de nutrientes, contribuindo para a concentração de cardumes de sardinha verdadeira. Esta condição parece ter sido determinante para explicar a manutenção de captura da espécie, ao contrário das demais regiões do Estado, onde a atividade pesqueira refletiu mais diretamente o declínio do estoque da sardinha. No município de Angra dos Reis, ocorrem 85 a 90% das capturas de sardinha-verdadeira. Diversas unidades de conservação federais e estaduais, de distintas categorias, localizam-se na Baia da Ilha Grande, considerada de prioridade para conservação. Essa região conta com significativos subsídios para pesquisa e planejamento em estratégias de capacitação técnica e institucional para gestão e conservação, com possíveis desdobramentos para os outros setores do Estado. O Programa de Gestão Para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Contribuinte à baía da Ilha Grande, elaborado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente em convênio com o Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA/MMA, 1997) e financiado pelo Banco Mundial, definiu políticas e estratégias para o desenvolvimento sustentável da região. O relatório Biodiversidade Marinha da baía da Ilha Grande (CREED et al., 2007), identifica efeitos dos impactos gerados por empreendimentos de grande porte (porto comercial, terminal de petróleo, terminal de minérios, duas usinas nucleares e um estaleiro), na destruição gradativa desses ecossistemas e consequente declínio da produção pesqueira. 15 Outras ameaças decorrem da pesca de arrasto, turismo desordenado, a pesca subaquática, com alta seletividade que afeta espécies de topo da cadeia trófica; ocupação imobiliária com a construção de aterros, maricultura com espécies exóticas. Na baía de Sepetiba, os costões rochosos na extremidade da restinga da Marambaia, no litoral e ilhas encontram-se sob os impactos da ampliação do Porto de Sepetiba, dragagem do canal de acesso e pressão urbanoindustrial. No Setor II, a Baía de Guanabara, apesar de intensamente antropizada, possui significativa área de manguezal, em comparação com os outros setores costeiros, onde esta cobertura vegetal praticamente desapareceu. A Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim foi a primeira unidade de conservação específica para conservação de manguezais, com cerca de 14.000 ha, nos municípios de Magé, Guapimirim, Itaboraí e São Gonçalo. Os municípios do Rio de Janeiro, São Gonçalo e Niterói, possuem boa infraestrutura pesqueira: empresas de pesca, estaleiros, fábricas de gelo e mercado para comercialização de peixe. Em Niterói, o Parque Estadual da Serra da Tiririca abrange uma parte marinha, que vai da ponta de Itaipuaçu e avança 1.700 metros sobre o mar, até alcançar o ponto de encontro da Praia de Itacoatiara com o costão rochoso da Pedra de Itacoatiara. No Setor III, o Corredor de Cabo Frio, entre Araruama e Macaé, é considerado área prioritária para conservação da biodiversidade, com alta produtividade primária, e sob intensa pressão por pesca. Unidade de conservação estadual de proteção integral, a ser criada na área da APA de Massambaba, abrigará 27 ecossistemas situados entre Saquarema e Cabo Frio, de modo a minimizar impactos decorrentes da especulação imobiliária associada ao turismo, uma das principais ameaçadas aos ecossistemas costeiros. A pesca artesanal é realizada no complexo lagunar de Araruama e na área oceânica. Cabo Frio é responsável por cerca de 15 % da produção do Estado. Com área de 220 km2 e profundidade média de 3 metros, a Lagoa de Araruama tem extrema importância biológica, com estuários e restingas, sendo essas últimas consideradas como as mais diversificadas da costa brasileira, com presença de quelônios, mamíferos marinhos, elasmobrânquios e aves. Esse ecossistema encontra-se fortemente impactado pelos efeitos da especulação imobiliária, dragagens, canalizações de lagoas costeiras, e ausência de saneamento básico. Na Reserva Extrativista Arraial do Cabo, as comunidades de pescadores cooperam com o levantamento das condições ambientais e históricas da pesca, para diagnóstico de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade marinha. Trata-se de importante referência para a gestão social dos ativos ambientais pesqueiros, com aporte de pesquisadores e relevante acervo referente aos desafios e potencialidades implicados à gestão comunitária. 16 No Setor IV, no Norte Fluminense, na praia de Farol de São Thomé, no município de Campos dos Goytacazes, situa-se a Base do Projeto Tamar, que monitora cerca de 100 km de extensão da costa e protege cerca de 900 desovas por ano. A região também é pouso e alimentação de aves marinhas. Em Gruçaí, até a Lagoa Feia, com grandes áreas de banhados para a proteção de aves aquáticas, as principais ameaças estão relacionadas à invasão e privatização ilegal das margens das lagoas e cultivo de peixes exóticos. Na Restinga de Jurubatiba, o Parque Nacional de Jurubatiba, criado em 1998 como o primeiro parque nacional em área de restinga, com 44 km de costa inseridos em seu território, abriga 18 lagoas costeiras, espécies endêmicas, raras e ameaçadas de extinção. 6. Comentários conclusivos e recomendações Esse mapeamento preliminar dos ativos ambientais costeiros do Estado do Rio de Janeiro buscou traçar uma interface entre conservação da diversidade biológica costeira e marinha e sustentabilidade regional, assim como advertir quanto ao fracasso de estratégias isoladas de política. Trata-se de tema prioritário, mas com pouco rebatimento no planejamento de políticas ambientais do Estado do Rio de Janeiro. A composição de estratégias continuadas de conservação pressupõem incremento na articulação de competências, cooperação e interlocução, institucionais e técnicas, de modo a ultrapassar resistências políticas e suprir as muitas lacunas existentes no setor. Ainda que o investimento público na gestão das áreas protegidas seja muito inferior às atuais demandas dos sistemas federal e estaduais de unidades de conservação, evidências crescentes apontam para os benefícios ambientais disponibilizados por ecossistemas protegidos, que podem ser traduzidos em termos econômicos. Quando a natureza deixa de fornecer tais serviços, a sociedade passa a arcar com os custos associados à degradação ambiental que, em geral, recaem sobre as populações mais carentes, que dependem diretamente dos recursos naturais. A avaliação adequada de valores atribuídos a esses serviços, assim como de seus componentes distributivos, demanda informações acerca da área geográfica de ocorrência desses benefícios, perfil socioeconômico local, tipologia das atividades econômicas, intensidade dos impactos ambientais, capacidade e potencial de gestão ambiental, e identificação de estratégias de intervenção. Nesse sentido, unidades de conservação de todas as esferas governamentais constituem importante ferramenta de gestão a ser direcionada para a identificação dos principais beneficiários diretos dos serviços ambientais proporcionados por esses ecossistemas. No âmbito estadual, recomenda-se que sua gestão busque incorporar estratégias voltadas para 17 maior articulação de parcerias entre setores públicos e privados, investimento na capacitação de administradores, conselhos consultivos, comunidades locais, pescadores artesanais e em programas de educação ambiental direcionados à conservação do setores costeiros do Estado. Temáticas relevantes dessa agenda englobam a avaliação da representatividade ecológica e adequação dos zoneamentos ecológico-econômicos e planos de manejo existentes e em elaboração; definição de áreas prioritárias para a criação de novas unidades de conservação, ampliação das existentes e/ou alteração de categoria; identificação de lacunas de informações sobre espécies e ecossistemas, para definir prioridades em pesquisa; intensificação dos programas de educação ambiental para os ecossistemas costeiros e oceânicos, principalmente nas ilhas com maior vocação turística; promoção da interação entre órgãos públicos e privados, visando à cooperação para elaboração e consecução de propostas para a diagnose, o monitoramento e a preservação da zona costeira; acompanhamento e participação nas ações previstas pelo Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro, ordenamento da orla marítima, através do Projeto Orla, e Agenda Ambiental Portuária. 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