PREPARANDO O TERRENO PARA A REFORMA
Texto de Apoio
Ciclo da Reforma do Setor Educacional*
Apresentação
Podemos pensar sobre a reforma do setor da educação como um ciclo - definem-se
problemas, faz-se um diagnóstico das causas, desenvolve-se um plano, toma-se uma decisão,
implementam-se reformas e avaliam-se seus resultados, como ilustra a Figura 1.1. Aí se pode
começar todo o processo de novo, quando novos problemas apareçam.
Este esquema, claro, é idealizado. No mundo real, o processo não é tão organizado.
Por exemplo, os reformadores da educação poderiam enfocar diretamente uma causa e
declarar que ela é o problema, afirmando: “Nosso problema é que a escola pública não tem
recursos suficientes para ministrar uma boa educação”. Outros poderiam partir diretamente de
sua solução favorita: “O que nosso país necessita é de investir mais na educação para introduzir
tecnologia educacional, ou treinar melhor nossos professores e construir mais escolas”. Isto,
antes mesmo de definir o problema ou de fazer um diagnóstico de suas causas. Acreditamos
que o pensamento sistemático é essencial, portanto examinaremos o processo da reforma
educacional passo a passo, para mostrar como a análise crítica pode contribuir com cada fase.
Por que a reforma educacional é sempre cíclica? Primeiro, pelas mudanças do mundo.
Os países crescem e evoluem e seus sistemas educacionais têm que responder a isso. Reformas
bem sucedidas podem aumentar as expectativas populares e, com isso, suscitar novas
reformas. O processo de refo rmas também é imperfeito. O setor educacional é complicado e
conseqüências involuntárias sempre aparecem. A resolução desses novos problemas pode
recomeçar o ciclo mais uma vez. Neste capítulo, revisamos cada fase do ciclo e as tarefas
intelectuais críticas que ele demanda. As habilidades necessárias para conduzir os processos
requerem prática e experiência, além da exposição que se segue.
O Ciclo da Política 1
*
Este texto de apoio foi adaptado do Capítulo 2 do módulo Analyzing Health Sector Performance
(Análise do Desempenho do Setor de Saúde) do Flagship Course on Health Sector Reform and
Sustainable Financing of the World Bank Institute (Curso Flagship sobre a Reforma do Setor de
Saúde e Financiamento Sustentável, do Instituto Banco Mundial). Aquele capítulo foi
conjuntamente preparado pelos Professores Marc J. Roberts, William Hsiao, Michael Reich e Peter
Berman da Harvard School of Public Health (Escola de Saúde Pública de Harvard).
1
O termo “política”, empregado aqui como um conjunto de medidas adotadas para a consecução
de determinados fins, é a tradução do inglês policy . É diferente do termo homônimo “política” que
designa o conjunto das relações de poder e seus processos -politics em inglês.(Nota do tradutor)
1
Figura 1.1
O CICLO DA POLÍTICA
DEFINIÇÃO DO PROBLEMA
AVALIAÇÃO
DIAGNÓSTICO
IMPLEMENTAÇÃO
DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICA
DECISÃO POLÍTICA
Passo 1: Definição do Problema
O passo mais negligenciado, mas talvez o mais importante na reforma educacional, é a
definição do problema. Os sistemas educacionais produzem muitos indicadores de seu
desempenho. Quais as dimensões que constituem um problema de natureza pública? Onde o
desempenho está “problemático” e, portanto, é um alvo próprio para a reforma?
A definição de problemas pode ser abordada de duas maneiras diferentes. A primeira é
descritiva. Como opera o processo de definição do problema? Que fatores determinam o
problema com que o reformador se confronta? Essa discussão nos envolveu em temas de
processos políticos e forças sociológicas. A segunda questão é prescritiva ou normativa.
Como deveríamos considerar definições alternativas do problema? O que faz um foco de
preocupação mais útil ou apropriado que outro? A resposta a estas questões nos demanda o
conhecimento de ética e filosofia. Introduzimos brevemente nas próximas linhas este tópico e
deixamos para o próximo capítulo uma discussão mais detalhada dos aspectos éticos da
reforma do setor educacional.
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O Assunto da Moda
Comecemos pelos aspectos descritivos do problema da definição. No mundo real, o
que determina a agenda da reforma educacional em um dado país? Uma resposta tola seria: “A
atenção do público se concentra em áreas onde o desempenho do sistema educacional é
insatisfatório”. Mas o que faz um desempenho “insatisfatório”? Especialistas podem considerar
como insatisfatório algum aspecto do sistema que um político não consideraria, ou vice-versa.
Da mesma maneira, grupos sociais e políticos distintos podem discordar ao avaliar se algum
aspecto específico do desempenho do sistema é aceitável ou não.
Consideremos o seguinte exemplo: Nos países industrializados, os fatos claramente não
falam por si quando se trata de estabelecer prioridades para a reforma do setor educacional.
Uma maneira de entender como os problemas do setor educacional são definidos é
observando que eles estão inseridos em um fenômeno social e político mais amplo que tem sido
chamado de o assunto da moda. Na vida política, certos aspectos entram e saem da agenda
pública. Uma razão para isto reside no comportamento dos meios de comunicação de massa.
O faturamento dos jornais, revistas, e estações de rádio e televisão depende de sua circulação seja das vendas diretas, seja da publicidade. Leitores, ouvintes e telespectadores consomem as
notícias, em parte, como entretenimento. Toda história se torna, depois de algum tempo, fora
de moda e chata. Isso constitui, para os meios de comunicação um incentivo para correr atrás
de novos e interessantes assuntos para atrair leitores e espectadores.
A situação das notícias publicadas pelos meios de comunicação varia muito de país
para país. Em alguns deles, estações ou jornais específicos têm distintos pontos de vista
políticos ou ideológicos, e pode-se basear neles para procurar definir problemas de maneira
compatível com seus posicionamentos. Há também o efeito “rebanho”. Órgãos de notícias
competitivos cobrem determinado fato simplesmente porque outros jornais ou emissoras o
fizeram. Os políticos são movidos por motivos semelhantes. Os eleitores querem idéias novas e
não o mesmo velho programa. Tudo isso apenas reforça o ciclo do assunto da moda, já que a
cobertura ampla e a discussão política só fazem as histórias caírem de moda mais rápido.
Esse padrão também ajuda a explicar porque a atenção da política ao setor
educacional sempre depende da disponibilidade de soluções aparentemente novas ou de
medidas que apresentem novidades. Ter uma possível resposta permite a um político fazer uma
proposta de ação dramática, em vez de propor apenas um frustrante processo de estudos e
análises. A proposta de uma nova política dá aos meios de comunicação algo interessante a ser
noticiado.
A política também é competitiva. Diferentes grupos e indivíduos brigam pela vantagem.
Uma vez que um problema é difundido, a sugestão de uma política para ele tende a gerar
propostas competitivas. Quem não oferece uma alternativa permite aos adversários dominar a
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discussão sobre a reforma. Mas isso tudo pode resultar em um frenesi de autopromoção que,
eventualmente, termina por desinteressar aos eleitores e aborrecer a imprensa.
A política também é competitiva com relação aos assuntos. Um problema pode, por
um momento chamar a atenção do público e provocar energia política para resolvê-lo, mas de
repente um outro problema pode ocupar o centro das atenções. Assim, os formuladores de
questões devem não apenas tornar seus problemas atrativos, mas torná-los mais atrativos que
os de seus concorrentes. Isso leva a sugerir aos reformadores a fórmula “Bata o martelo
enquanto o ferro está quente”. A atenção do público e dos políticos necessária para
implementar uma reforma pode não apenas ter vida curta mas também ser muito difícil de
ressuscitar.
Lançamento de Questões
No seio desse sistema político competitivo, os problemas tendem a aparecer porque
alguém quer chamar atenção sobre eles. Portanto a questão do assunto da moda é o que
ocasiona o que veio a ser chamado de lançamento de questões. Com essa expressão nos
referimos aos esforços feitos por grupos e indivíduos específicos para chamar atenção da
sociedade e dos políticos para algum aspecto do sistema que considerem importante.
Consideremos, por exemplo, a decisão tomada na Califórnia em 1966 de proibir o uso do
critério de raça no processo de admissão às faculdades públicas, o que foi amplamente
considerado como o começo do fim das ações afirmativas nas universidades públicas por todos
os Estados Unidos; ou então, o problema do trabalho infantil.
O lançamento de questões é fácil de realizar quando o problema sobre o qual você está
tentando chamar atenção afeta amplamente os cidadãos. A presença de uma crise óbvia facilita
a tarefa, especialmente se é uma nova crise, o que permite ao ativista iniciar um ciclo de
crescente publicidade nos meio de comunicação. Ao contrário, velhas crises são familiares,
chatas e se prestam a uma certa aceitação fatalista.
Portanto, o lançamento de questões é desencadeado por uma mudança nas
circunstâncias, tais como uma diminuição nos salários dos professores, um surto de violência
nas escolas, subidas/quedas das notas nos testes de rendimentos escolares.
Alterações gerais no ânimo nacional e no clima político também têm seu papel na formulação de
reformas.
Mudanças na definição de problemas também podem aparecer quando novos atores
entram no sistema político - por exemplo, a nomeação de um novo ministro ou uma nova
atribuição de responsabilidades. Se a saúde escolar é deslocada do Ministério da Educação
para o Ministério da Saúde, é provável que a entrada em cena de um outro conjunto de atores
(com diferentes incentivos, pressupostos e crenças) tenha influência ativa no processo de
definição de problemas. E às vezes acontece alguma nova articulação política, com um novo
líder que vem ansioso por deixar sua marca.
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Lançadores de questões também atuam com base em suas convicções sobre o quê
melhoraria o sistema. Pais de crianças com deficiências de aprendizagem podem reivindicar
melhores escolas para seus filhos, por considerarem que o sistema escolar não atende suas
necessidades escolares específicas. Ideologia e especialização profissional também podem
provocar reflexões. Lançadores de questões e reformadores geralmente têm suas razões ao
tentar propor políticas efetivas. O destino de alguns destes pode estar vinculado ao sucesso
daquilo que eles propõem. As idéias de burocratas, políticos, sacerdotes, são confiáveis,
especialmente se eles atuam por tempo suficiente para que os resultados de suas sugestões
tornem-se evidentes. E, mesmo que eles mudem, há também o julgamento da história, que
muitos líderes políticos levam em consideração.
Cultura e Tabu
Neste item vemos como a cultura geral de uma sociedade afeta o processo de definição
de problemas. Em uma extremidade do espectro cultural estão alguns fenômenos altamente
significativos que o sistema político encara como um dado natural. Entre os exemplos disso
estão as diferenças no acesso à educação entre homens e mulheres em diversos países da
África, Ásia e América Latina. Desigualdades entre gêneros vão desde a alfabetização para
acessar a escola até a perspectiva de concluir o curso. Freqüentemente, fatores culturais têm
um papel determinante, colocando meninas e mulheres em situações com sérias desvantagens.
No sul da Ásia, por exemplo, a taxa de matrículas das meninas é 20 por cento mais baixa que a
dos meninos; em média, uma menina de 6 anos tem a expectativa de passar 6 anos na escola, 3
anos menos que um menino. Nessa região, enquanto apenas um terço das mulheres são
alfabetizadas, dois terços dos homens o são. No Nepal e no Afeganistão menos de 15 por
cento das mulheres são alfabetizadas. Na extremidade oposta, existem os aspectos que são
tabu - não discutidos e mesmo indiscutíveis pela sociedade. Em alguns países, é tabu falar sobre
gravidez na adolescência e em muitos outros, adolescentes grávidas são até impedidas de se
matricularem na escola.
Assim a cultura atua como uma espécie de filtro, selecionando um pequeno número de
parâmetros para inclui-los no “painel de controle” da sociedade, onde eles ficam claramente
expostos são facilmente observados. E, ao mesmo tempo, outros parâmetros simplesmente não
devem ser discutidos.
A cultura, claro, não é estática, e a lista daquilo que é tabu muda com o tempo.
Evidentemente, não podemos discutir aqui de onde vem a cultura e como ela evolui. A
sociologia e a antropologia produziram milhares de livros e artigos sobre esse assunto. Mas
muitos pontos são importantes para reformadores do setor educacional. Primeiro, alguns
aspectos de uma cultura são muito difíceis de serem mudados, e só o são muito lentamente. Por
outro lado, em um mundo cada vez mais interdependente, os tabus se desfazem rapidamente
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sob a influência de eventos dramáticos ou de fatores externos. Para indivíduos pertencentes a
uma cultura, a influência desta em sua percepção é praticamente invisível. Isto significa que
tomar consciência de como sua própria cultura opera não é fácil - e aí comparações
internacionais (e discussões com colegas) podem ser extremamente úteis como uma maneira de
ver a própria situação a partir de uma perspectiva neutra.
As Forças Contrárias à Mudança
Não podemos esquecer que a dinâmica do assunto da moda e o processo de
lançamento de questões ocorrem dentro de um sistema social e político mais amplo, no qual
muitas vezes existem forças muito poderosas que se opõem à mudança. Essas forças operam
sob uma variedade de maneiras complexas para manter alguns tópicos fora da agenda política.
Por que ativistas políticos em muitos países não tomam a corrupção generalizada como
uma questão? Primeiro, eles têm que ter a cobertura dos meios de comunicação para tais
acusações, e estes podem estar vinculados aos partidos no poder de diversas formas relacionamentos pessoais ou interesses financeiros, por exemplo. Segundo, porque a ação de
vigiar o governo federal, ou outro grupo de interesse que se beneficia do status quo, pode ser
vigorosamente desencorajada em algumas situações por meio de ameaças, por parte do
governo, de perseguição tributária ou mesmo de violência. Terceiro, ativistas políticos sensíveis
fazem cálculos sobre o que é de seu interesse. Quais as possibilidades de que um esforço feito
os ajude a adquirir poder político? Se lhes faltam recursos, se têm que enfrentar inimigos
entrincheirados, e se devem convencer a cidadãos desencorajados ou cínicos, eles talvez nem
lancem tais questões.
Tais processos não são perfeitamente previsíveis. Um líder determinado, habilidoso e
poderoso pode fazer coisas impensáveis, ou uma crise súbita pode servir para concentrar as
atenções e mudar os cálculos de seja quem for.
John Kingdon, um cientista político americano, tentou reunir o resultado de todas essas
forças. Ele argumentou que a chance de sucesso de uma ação política é maior quando há uma
convergência do que ele chama três “correntes” de eventos: 1) a situação objetiva; 2) o fluxo
de eventos políticos, e 3) a disponibilidade de uma solução possível. Tal convergência não
assegura que a política escolhida será efetiva. Ela simplesmente nos diz quando alguma resposta
é provável. Primeiro, para a reforma acontecer, tem de haver um problema real. Segundo, sua
resolução tem que ser do interesse de forças políticas significativas. Terceiro, tem de haver
alguma idéia (correta ou não) sobre o que fazer com respeito ao problema. Então, estaremos
prontos para declarar que finalmente nós temos um problema.
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A Definição Certa do Problema
Uma vez abordada a maneira como se tendem a definir problemas no mundo, agora
temos que explorar a questão de como eles deveriam ser discutidos. Para explorar essa
questão devemos nos reportar à Figura 1.3. Vamos descrever as relações no diagrama e,
então, partir para a discussão de suas implicações.
Figura1.3
PROCESSO
INSUMO
PRODUTOS
RESULTADO
ESTRUTURA
Primeiro, há os insumos no processo educacional. Eles incluem todas as pessoas que
trabalham no sistema (professores, diretores, bedéis etc.), todos os prédios usados (escolas,
bibliotecas, ginásios etc.) e todos os suprimentos (livros-texto, cadernos, lápis etc.)
Esses insumos são usados em certos processos. Por exemplo, há aulas regulares,
provas, formação de professores, encontros de pais e mestres etc. Além disso, os insumos que
permitem tais processos estão organizados segundo certas estruturas. Com isso estamos nos
referindo a organizações e agências, não a estruturas físicas (essas são insumos). Por exemplo,
talvez existam escolas mantidas pelo Ministério da Educação, ou por alguns grupos religiosos;
outras financiadas pelo governo, porém geridas por particulares; ou poderia haver escolas
mantidas por empresas privadas. Essas estruturas organizacionais e gerenciais afetam a maneira
como o processo educacional acontece e vice-versa. Daí a flecha com duas pontas do
diagrama.
Essas estruturas e processos, juntos, criam certos produtos do sistema de educação número de crianças matriculadas, índices de repetição, evasão, número de formados etc. Se
formos contar de fato as atividades do sistema, teremos que calcular as medidas desses
produtos. Assim, todas as questões relativas ao acesso ou utilização do sistema educacional
são questões relativas à distribuição de produtos. Os pobres têm acesso à escola? Eles
dispõem dos materiais didáticos necessários?
Embora pareça estranho, os custos do setor educacional são também, corretamente,
considerados um produto. Isso inclui tanto o nível geral dos custos quanto sua distribuição
pelos diversos grupos, tais como ricos e pobres, meninos e meninas, rurais e urbanos. Além do
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mais, como vamos ver, isso inclui não apenas a carga dos custos diretos, mas também os
custos indiretos.
Finalmente, há os resultados ou conseqüências do sistema educacional. Referimo-nos
à educação obtida pela população, sua média de anos de escolaridade, os resultados do
processo educacional - medidos por testes de aprendizado, e como eles varia m entre os
diversos grupos da população. É aqui que as diferenças entre os números de anos de
escolaridade ou resultados dos testes de aprendizado por gênero, raça ou região entram em
jogo. Há também conseqüências de naturezas não educacionais a serem consideradas. Como o
rendimento educacional da população de um determinado país influencia os potenciais de
geração de renda e a competitividade econômica nacional? Que conseqüências políticas e
sociais decorrem da maneira como a instrução está organizada e aplicada? Que impactos a
educação tem sobre as taxas de fertilidade, e no estado de saúde e nutrição da população?
Como a educação contribui para a coesão social? No próximo capítulo exploramos quais são
as conseqüências importantes e por quê.
Nosso propósito ao introduzir este diagrama é mostrar que o setor educacional
necessita ser visto como um meio e não como um fim. Isto por sua vez implica a necessidade
de definição de problemas em termos de produtos e resultados. Como se explica no próximo
capítulo, existem diferentes teorias éticas no mundo. E essas teorias oferecem diferentes
perspectivas da importância desses produtos e resultados, e de como esses resultados
deveriam ser avaliados. Apesar das diferenças, grande parte dessas perspectivas compartilham
a noção de que o foco primordial da avaliação de qualquer sistema educacional deveria estar
nas conseqüências - produtos e resultados - que ele gera.
Consideremos o exemplo seguinte: Os professores de uma escola usam livros-texto,
lápis, computadores (insumos), segundo um certo conjunto de relações organizacionais
(estrutura) para ensinar aos alunos uma dada matéria - matemática, por exemplo (processo).
Isto resulta em um certo número de estudantes bem sucedidos na prova de matemática
(produto) e uma mudança na capacitação destes estudantes para lidar com problemas que
envolvam matemática (resultados). Suponhamos que alguém diga que os professores de
matemática naquela escola não são suficientemente bem treinados. Eles estarão, claramente,
omitindo diversos aspectos críticos da análise. Primeiro, quais são os resultados dos testes de
rendimento em matemática? Se os resultados são baixos, e existe um problema, como
podemos saber que a solução é o treinamento dos professores? Talvez a falha se deva à baixa
freqüência dos alunos, aos livros-texto mal concebidos e ultrapassados, a outras atividades dos
alunos (trabalho infantil, por exemplo) ou a uma dúzia de outros fatores potencialmente
relevantes. Saltando precipitadamente para as conclusões, perdemos a oportunidade de
descobrir o que realmente acontece e ficamos no nível das suposições, que podem muito bem
estar erradas.
Aqueles que defendem com unhas e dentes uma determinada política geralmente
pensam dessa maneira. Começam logo por sua solução favorita. Como diz o provérbio, “para
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um homem com um martelo, tudo parece unha”. Eles conclamam a nação a adotar políticas de
mercado para a educação, medidas mais confiáveis, ou políticas descentralizadoras, mas o
fazem sem explicar porque tal reforma mudaria o desempenho do sistema educacional em uma
direção desejável. Na verdade, eles na maioria das vezes nem mesmo explicam como o
desempenho do sistema precisa ser melhorado.
Dados e Nivelamento
Planejadores e executores do sistema educacional sempre acham que os dados têm um
- ou mesmo o - papel chave na definição de problemas. Os dados certamente podem ser
importantes. Embora muitos processos de reforma tenham sido implantados sem bons dados e,
ao contrário, muitos problemas bem documentados tenham sido ignorados, os dados têm um
importante papel a desempenhar. Acreditamos nisso, em parte, devido a nossa concepção do
papel correto do especialista - incluindo os reformadores do setor educacional - em uma
sociedade democrática. Qualquer política pública, implícita ou explicitamente, reflete a ciência e
também a ética. Ela depende da visão sobre a maneira de funcionar de importantes sistemas
sociais - e dos valores que definem problemas e prioridades. Os especialistas têm a grande
responsabilidade de ajudar o processo político a compreender o que é realmente importante
em qualquer reforma. Tanto para educar quanto para assessorar, os especialistas precisam
entender e descrever a situação tão claramente quanto possível. Se não, o que vai dominar o
debate será o mito, a ideologia e os interesses de grupos. Bons dados não podem
compatibilizar esses últimos com diferenças de valores genuínas. Mas podem conduzir o debate
para um acordo mais honesto, com base no entendimento das escolhas disponíveis.
Um campo em que o uso dos dados que é particularmente benéfico é no processo
conhecido como “nivelamento”. Este termo, emprestado da literatura sobre gestão de
qualidade, se refere a uma maneira de avaliar o desempenho de um sistema. A sugestão é olhar
para outra situação comparável para descobrir se existem práticas melhores em outros lugares.
Em um contexto industrial, gestores olham os custos, taxas deficientes, ou a produtividade de
atividades concorrentes. Na reforma do setor educacional, nivelamento significa olhar para os
produtos e resultados de países com rendas similares e níveis de gastos equivalentes, cujos
sistemas educacionais sejam particularmente efetivos. Assim, reformadores nos Estados Unidos
poderiam se perguntar por que comparações internacionais ainda indicam o desempenho
deficiente das escolas americanas. No Terceiro Congresso Internacional do Estudo de
Matemática e Ciências, de âmbito mundial, mostrou-se que os testes de oitava série norteamericanos estavam abaixo da média em matemática e ligeiramente acima da média em
ciências. Esses resultados estão abaixo dos alcançados por escolas de outros países
participantes, com renda per capita mais baixa e menores investimentos com a educação. Da
mesma maneira, os países da América Latina poderiam se espelhar nas estatísticas educacionais
de Cuba, que demonstravam altos níveis de aprendizado relativamente aos investimentos feitos,
para estabelecer seus próprios níveis de aspiração. O mesmo vale para o gasto per capita com
a escola primária no Nepal e na Índia, que é de cerca de US$ 12, comparado com os US$
5.130 dos Estados Unidos. Claro que sempre há muitas diferenças entre os países e
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explicações para as variações observadas nos resultados educacionais, mas, ainda assim, o
nivelamento internacional serve como um ponto de partida. Se os resultados de aprendizado
são melhores em um país com menores investimentos na educação do que em outro que investe
mais, isso deveria fazer o país que investe mais pensar a respeito, apesar de todas diferenças
(evidentes e sutis) observáveis entre as histórias e circunstâncias dos dois países.
Passo 2: Diagnóstico das Causas dos Problemas do Setor Educacional
Assim como o procedimento do médico parte dos sintomas para descobrir as causas,
um reformador do setor educacional também tem que empreender o trajeto do diagnóstico.
Começando pelos produtos e resultados, a tarefa deve ser feita retrospectivamente para
detectar o que está por trás dos resultados insatisfatórios. Médicos exploram a anatomia e a
fisiologia. Reformadores do setor educacional têm que examinar os insumos, as estruturas e os
processos que constituem o setor educacional.
Essa não é uma tarefa simples. Um eminente japonês, especialista em melhora da
qualidade, diz que o processo do diagnóstico requer que se “pergunte por quê cinco vezes”
para buscar as causas por trás, pela frente, e por baixo do óbvio. A tarefa é cavar mais e mais
fundo para se descobrir por que o sistema se comporta desta maneira.
Por exemplo, pesquisadores interessados em explicar as taxas de evasão e de
repetição mais altas que as expectativas, em escolas de áreas urbanas e rurais pobres,
encontraram um complexo conjunto de fatores inter-relacionados. Seu diagnóstico revelou o
seguinte:
?? Em muitas escolas em condições precárias, nem os alunos nem os professores, nem os
diretores mantêm um currículo, quer seja inovador ou tradicional, por tempo suficiente para
que ele lance raízes. Em um contexto assim, fica difícil a aprendizagem acontecer.
?? A mobilidade dos alunos é um problema difícil de manejar, considerando o fato de que ela
acontece devido a circunstâncias alheias ao controle dos alunos e da própria escola
(pobreza, expulsão, mudanças freqüentes, trabalho infantil).
?? A maioria dos professores que trabalham em escolas para populações carentes não são
qualificados nem têm experiência.
?? A instabilidade das equipes é quase sempre causada pela saída de professores jovens que
não foram treinados para trabalhar com criança carentes.
?? As escolas para crianças carentes não pagam bons salários aos professores devido à
escassez de recursos além de fornecerem incentivos inadequados para quem trabalha sob
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condições tão difíceis e tendo que enfrentar desafios tão grandes para melhorar o
desempenho dos alunos.
?? Como solução para isso, alguns países estão experimentando o seguinte:
?? concedendo bolsas de estudo para as famílias para que encorajem suas crianças a
permanecer na escola;
?? dando incentivos salariais a professores de jovens carentes;
?? treinamento especial e permanente para esses professores;
?? programas de reforço extra-escolar para estudantes com baixo rendimento.
O entendimento deste processo não diz a ninguém qual é o “tratamento” para essa
“doença”. Poderia-se mudar o financiamento do hospital, o sistema de seguridade, a lista de
preços, os esquemas de pagamento do médico ou o regulamento do uso dos remédios. Mas o
diagnóstico é claramente um passo necessário rumo a um tratamento efetivo.
Passo 3: Desenvolvimento de Políticas
Uma vez que as causas de um problema tenham sido diagnosticadas, a questão que se
coloca é: o que fazer? Este processo de desenvolvimento de políticas é mais difícil do que
poderia parecer. Neste item, queremos considerar quatro tópicos. Primeiro, por que novas
idéias são difíceis de se desenvolver, e de onde essas idéias vêm ou podem vir? Segundo,
queremos enfatizar a não-linearidade do processo de desenvolvimento de políticas. Por que é
importante olhar prospectivamente para este processo, no que diz respeito à implementação e à
avaliação, no momento de planejar um programa? Terceiro, temos que explorar toda a questão
da dimensão da reforma educacional, se ela deveria ser planejada para ser implementada
totalmente, ou se deveria usar uma abordagem de implementação piloto, por meio de uma
experimentação e demonstração prévias. Finalmente, devemos considerar o processo de
desenvolvimento de opções e como ele influencia o que acontece em estágios posteriores do
ciclo.
Por que Novas Idéias são Difíceis de Conseguir e Onde Encontrá-las
Em anos recentes, tornou-se cada vez mais claro, em muitas linhas de pesquisa, que o
pensamento humano é intensamente regido pelas funções de supor e assumir. A partir do
trabalho de Thomas S. Kuhn sobre a história da ciência, podemos entender o papel dos
“paradigmas” na maneira pela qual os homens equacionam e resolvem seus problemas. As
pessoas vêem os problemas através do filtro de certas idéias gerais sobre como o mundo
funciona. Essas idéias (os “paradigmas” acima mencionados) definem como as questões são
colocadas, que tipos de evidência são aceitáveis, e quais tipos de respostas são considerados
legítimos.
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Algumas profissões tendem a educar seus membros sob alguns paradigmas
particularmente detalhados (por exemplo, economistas). Mas quase todos os profissionais
adquiriram certas maneiras de pensar a partir de sua educação e de sua experiência.
Economistas tendem a ver tudo em termos de custos e mercados. Em contraste, aqueles
formados em educação ou em ciências sociais são mais preocupados com lado humano da
equação.
É muito difícil para os reformadores do setor educacional (ou para qualquer um) pensar
“fora da caixinha” de seu modelo habitual de análise. Se um sistema nacional de saúde não
estiver funcionando de maneira efetiva, onde podem os reformadores procurar novas idéias?
Comparações internacionais poderão ser úteis. Diferentes países têm experimentado inovações
realmente diferentes. É claro que os países variam em suas culturas, em suas circunstâncias
econômicas, em suas instituições políticas; e é certo que idéias vindas de fora necessitam ser
ajustadas às condições locais. Mas com um cuidadoso processo de adaptação, a transferência
de idéias pode ajudar muito. Por exemplo, se o seu país quer descentralizar o sistema de
educação, seria uma idéia sensata ver como outros países tentaram fazê-lo, e o que poderia ser
aprendido de seus sucessos ou fracassos.
Contudo, deve-se estar atento. Os “campeões” da reforma de alguns países têm a
tendência a exagerar a eficácia de seus experimentos favoritos. Por exemplo, as reformas
“quase de mercado” levadas a cabo no Reino Unido e na Nova Zelândia foram alardeados
muito antes que avaliação séria de seus resultados estivesse disponível. Assim, mesmo que
lições internacionais possam ser válidas, elas devem ser temperadas com um pouco de
ceticismo e de pensamento independente sobre as tendências em moda.
Assim como outros países são uma fonte potencial de idéias sobre políticas públicas,
assim também são as inovações fora do setor educacional. Nos Estados Unidos, por exemplo,
a idéia de dar aos pobres um crédito para que eles pudessem bancar sua moradia foi
posteriormente estendida ao financiamento escolar e agora anda sendo considerado para o
seguro de saúde.
A idéia central é simples: boas idéias são difíceis de conceber. A invenção é muito mais
difícil que a imitação. Pensar “fora da caixinha” é difícil e olhar para outras experiências pode
ser muito útil.
O Planejamento do Ciclo de Implantação de Uma Política
Nossa apresentação inicial do ciclo de formulação de uma política poderia ser ma l
interpretada, sugerindo que cada fase acontece isoladamente. Se refletirmos sobre o processo
de desenvolvimento das opções, descobriremos que isto não é verdade. Ao contrário, para
que se desenvolva uma reforma efetiva do setor educacional, deve-se considerar previamente
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os três passos seguintes do ciclo de formulação de uma política pública: o quadro político, a
implementação e a avaliação.
O primeiro tipo de prospectiva inclui o quadro político. Reformadores com
sensibilidade começam a pensar na aceitabilidade política de suas inovações já desde quando
as estão planejando. Por que criar um ideal que não tem qualquer chance de ser adotado? Em
nossa discussão sobre política diremos como congregar uma coligação de apoio. Uma
estratégia que analisaremos é a de modificar um plano para atender as objeções de grupos de
interesse que são estratégicos. Evidentemente, essas modificações podem, e devem, ser
consideradas como parte do próprio processo de desenvolvimento do plano.
Considerações similares se aplicam à fase de implementação. Observamos como os
países variam em sua capacidade administrativa e nas atitudes que os cidadãos têm com
relação ao governo. Esses fatores, é claro, afetam a implementabilidade de qualquer esquema
de reforma. Por exemplo, naqueles países que apresentam alto padrão e que detêm escolas
cuja manutenção é condicionada pelos resultados de testes, nas quais os professores e
diretores são avaliados com base no desempenho de seus alunos, existe um alto risco de que a
avaliação do sistema seja manipulada para aumentar seus pontos. Em um país onde esse tipo
de “jogo” pode ocorrer, deve-se levar em conta essa possibilidade no planejamento do sistema
de avaliação educacional.
Da mesma forma, em muitos países seria difícil monitorar a aprendizagem dos alunos
porque não se mantêm os registros rotineiramente.
O último aspecto que queremos observar sobre o olhar prospectivo é a avaliação. É
muito mais fácil fazer uma boa avaliação de um programa se requisitos do processo de
avaliação forem considerados no momento de formular a intervenção. Uma vez mais, o teste da
política proposta com uma perspectiva avaliativa deveria ser parte de processo inteiro de
reforma da educação.
“Big Bang” versus Experimentação
Ao imaginar uma reforma do setor educacional, os planejadores devem decidir se
fazem uma implementação imediata em escala nacional total, ou se começam por uma escala
mais limitada de caráter experimental ou abordagem de demonstração. Uma reforma sempre
acontece em um clima de grande apreensão ou de uma crise aparente. Em tais situações, é
muito tentador ir direto a alguma iniciativa arrojada. A lógica do “assunto da moda” aponta
justamente naquela direção. Talvez seja melhor implantar alguma reforma rapidamente enquanto
a atenção do público está voltada para o problema e as forças de apoio estão bem
organizadas. Mais tarde então, com base na experiência, poder-se-á modificá-la.
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Por outro lado, há muito o que dizer sobre a abordagem do projeto experimental,
demonstrativo. Se não está claro que uma idéia nova funcionará, por que não tentar aplicá-la
primeiro em uma (ou algumas) cidade da região? Isso vai revelar muito das dificuldades
potenciais da sua implementação. E, se mais de uma idéia forem experimentadas, sua eficácia
comparativa poderá ser mais facilmente avaliada. Por exemplo, a maioria das intervenções
feitas no Chile em 1992 introduziram o sistema total com o Programa para a Qualidade da
Educação e Melhoria da Igualdade para a Educação Fundamental, que fora primeiramente
implementado em 1990, em 900 das escolas mais pobres do país.
Uma maneira de criar experimentação é começar a planejar um programa com algum
grau de variação e/ou descentralização em seu esquema. Por que não permitir que diferentes
regiões ou províncias improvisem detalhes do programa? Tal flexibilidade pode tanto levar a
uma adequação às condições locais quanto dar aos funcionários locais mais senso de
pertinência e compromisso com a implantação da reforma. A variação resultante também pode
ser um recurso para propósitos experimentais - tentar alguns esquemas para ter chances de
aprender e imitar.
A eficácia de tais estratégias será maior em um país grande e com muita diversidade,
onde mesmo as regiões ou províncias são suficientemente grandes para ter economias de
escala relevantes. Por outro lado, a descentralização demanda mais da capacidade do sistema
administrativo do setor público - especialmente nos níveis regional e local. Também se deve
considerar a agudeza dos problemas nacionais e se a implantação em escala nacional pode
esperar por um período de dois a quatro anos, o tempo que se leva para implantar e avaliar um
projeto demonstrativo.
Há também as considerações de natureza política. Um projeto demonstrativo pode ser
mais facilmente executado do que uma reforma total. Ele pode provocar menos oposição e
permitir aos reformadores ganhar apoio adicional e colocar sua causa em evidência. Por outro
lado, ele pode também dar mais tempo para que os opositores se mobilizem. Portanto, decidir
sobre como proceder é mais um exemplo do papel da habilidade e da capacidade de avaliação
no processo de uma reforma.
Os reformadores devem ter em mente que os resultados de um projeto demonstrativo
podem ser decepcionantes. Aqueles que são recrutados ou se oferecem como voluntários para
tal esforço podem ficar especialmente motivados. O próprio fato de saberem que estão sendo
observados e estudados pode melhorar seu desempenho. Pesquisadores sobre gestão chamam
isso de “Efeito Hawthorn” - devido a uma fábrica da General Eletric em Hawthorn, New
Jersey, nos Estados Unidos, onde ele foi identificado pela primeira vez, na década de 1930. E
já que uma das razões principais para se acompanhar uma demonstração ou experimentação é
conseguir dados, a estratégia perde muito de sua utilidade se uma avaliação não fizer parte do
projeto como um todo.
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Quando corretamente avaliados, os experimentos podem revelar importantes
conseqüências não esperadas . Como veremos no módulo 4 deste curso, recentes políticas
introduzidas pelo governo no Reino Unido, centradas no rendimento da educação e no
monitoramento dos padrões, o uso de indicadores de desempenho, cuja intenção explícita era
ajudar os pais a escolher escolas para suas crianças, resultou em conseqüências catastróficas
para as escolas taxadas de “ruins/ineficazes”.
As Virtudes do Processo
Aqueles acostumados com técnicas quantitativas - economistas e estatísticos - sempre
encaram o desenvolvimento de planos de reforma como uma tarefa essencialmente analítica.
Mas de fato, ela é, de cabo a rabo, uma tarefa muito mais política do que intelectual. Isto não
apenas nos conteúdos das idéias, mas também no processo pelo qual essas idéias são
desenvolvidas. Esse processo deve ser visto como o primeiro passo a ser dado no caminho da
mobilização de apoio para a própria reforma.
Um exemplo clássico de como não proceder dessa maneira é o fracasso, hoje notório,
do projeto de reforma do setor de saúde nos Estados Unidos, feito no governo Clinton. O
trabalho foi conduzido a portas fechadas com nenhuma, ou muito pequena, participação quer
dos grupos de interesse mais importantes, quer dos líderes da legislatura nacional. O resultado
foi que, mesmo os grupos que se beneficiariam com a reforma (como os hospitais, que teriam
recebido uma remuneração adicional por pacientes anteriores que não tinham seguro)
demoraram a dar apoio ao esquema, e nunca o fizeram de maneira entusiástica. Líderes
parlamentares que também foram alijados nunca se sentiram como parte do plano ou
responsáveis por ele. Em conseqüência, os comitês no Congresso, que eram todos controlados
por Democratas, nunca formularam projetos de lei que permitissem ao Congresso como um
todo votar no plano de Clinton.
É claro que especialistas em administração podem ter a necessidade de se reunir para
discutir os detalhes da proposta de uma política, mas os grupos de apoio em potencial devem
engajar-se, dando apoio real, e seu envolvimento no processo de planejamento da política a ser
implantada pode ser potencialmente positivo. Claro que eles podem pressionar os especialistas
a modificar suas idéias “puras’, mas isso, mais cedo ou mais tarde, poderá ser mesmo
necessário. A decisão sobre o melhor procedimento a ser adotado é uma questão de avaliação,
oportunidade e de habilidade política.
Contudo, o envolvimento de grupos de interesse e de vários outros participantes
externos não é só uma questão política. “Especialistas”, quando isolados, podem tornar-se
prisioneiros de seu próprio entusiasmo. Uma das melhores maneiras de combater essa
tendência, assegurando, desde o começo, a consideração dos políticos e a possibilidade de
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implementação do projeto, é incorporar aqueles que realmente trabalham no sistema ao
processo de planejamento da reforma.
Sumário
O planejamento de uma reforma e de uma política deveria ser um processo interativo e
dinâmico. É difícil ter idéias novas e o exame de planos já implementados em outros lugares,
com uma adequação à realidade local, pode ser muito útil. Os reformadores também precisam
admitir que existe um vínculo entre a maneira pela qual o desenvolvimento de uma política é
conduzido e os tipos de resultado que podem ser esperados. Isto vale tanto para o conteúdo
da política quanto para sua aceitabilidade política.
Passo 4: A Tomada de uma Decisão Política
Já que temos um capítulo inteiro dedicado à análise política, nossa discussão desse
aspecto neste item será breve. Deveria estar claro a essa altura que achamos que as forças
políticas e, portanto, as opiniões dos políticos devem ser consideradas em todas as fases do
processo, inclusive na definição dos problemas e no planejamento das políticas.
Reformar é Difícil
Enfatizamos repetidas vezes que muitos grupos de interesse organizados, com grande
influência no sistema atual, são muito provavelmente fortes adversários da reforma do setor
educacional. Aqueles que se beneficiarão (os pobres e desvalidos) são sempre os menos
poderosos e menos bem organizados. Mesmo os beneficiários em potencial de dentro do
sistema (ou seja, os professores que planejamos qualificar e os alunos pobres que queremos
atingir) podem não estar organizados nem ser capazes de desempenhar seu papel no jogo das
forças políticas. Como é comum na política, o futuro tende a ser mal representado,
comparativamente ao passado, no jogo de dá e toma das decisões políticas.
Reformas Requerem Habilidade Política
A implantação de uma reforma educacional não é apenas uma questão de
comprometimento (vontade política). É também, igualmente ou mais, uma questão de estratégia
política efetiva e de formação de coligações (habilidade política). Como outras habilidades, a
habilidade política pode ser analisada e entendida, pensada e aprendida, e candidatos a
reformadores têm mais é que se ocupar desta tarefa.
Achamos que não há nada de desonroso em ser politicamente astuto, quando a serviço
da reforma do setor de saúde. É politicamente que a democracia atua e toma suas decisões. De
maneira similar, em sistemas de partido único pode haver intensa atividade política no âmbito
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do aparato de Estado, como disputas entre agências e facções. Acreditamos que o fracasso
por falta de pensar politicamente não é condizente com quem realmente se preocupa pelos
resultados.
Exeqüibilidade Política
Aqueles que praticam a análise política sempre se perguntam se uma determinada
“política”2 pública é politicamente exeqüível. Esta é uma pergunta muito simples. Nós, em vez
disso, adotamos uma visão contingente da exeqüibilidade política. Se uma determinada
reforma tem ou não a possibilidade de ser implantada dependerá muitas vezes da habilidade, do
comprometimento, e dos recursos de seus proponentes, e do quanto estejam decididos a lutar
por sua causa.
A vida política é imprevisível. Mesmo com grandes esforços e táticas astutas, eventos
imponderáveis e contragolpes de adversários podem levar à derrota. A política é competitiva e
os resultados dependem não só de como você e seus colegas façam o jogo, mas também do
comportamento de outros. Raramente há apenas dois lados definidos e estáveis, usando
camisas de cores diferentes para sua fácil identificação, jogando de acordo com regras claras e
estabelecidas de comum acordo. Ao contrário, as coligações se deslocam e mudam, e as
regras se fazem e refazem, enquanto os participantes do jogo buscam sua vantagem. É preciso
realmente muita habilidade.
Fazer Coligações - A Chave
A meta chave da ação política é fazer uma coligação para apoiar sua iniciativa. Isto
significa identificar grupos e indivíduos que tenham poder político suficiente para impulsionar seu
programa. Isto requer o estrategista político para mapear o poder e a posição de grupos que
sejam chave e vislumbrar as estratégias para reunir o apoio necessário. E também requer o
entendimento de como a estrutura institucional e política do país afeta a maneira como o jogo é
feito.
Passo 5: Implementação
O famoso cientista político americano, Aaron Wildarsky uma vez disse: “Não adianta
nada ter uma boa idéia e não poder implementá-la”. Isso é especialmente verdadeiro no caso
da reforma educacional. Muitas idéias supostamente boas fracassaram porque, de fato, elas
não eram realmente boas, exatamente por não darem atenção aos problemas da
2
Aqui se justapõem os dois sentidos da palavra política (ver nota de página 1). As aspas são do
tradutor para chamar atenção a essa polissemia.
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implementação. Enfatizamos que uma implementação bem sucedida depende, em parte, do
planejamento do programa - no que diz respeito à realidade cultural e administrativa. Mas este
princípio não contém tudo o que se deve dizer sobre a implementação.
Mudança Organizacional é Sempre Difícil
A reforma do setor educacional sempre requer a mudança de comportamento de
algumas organizações e indivíduos. De outra forma nada de novo seria conseguido. Mas, como
a mudança é quase sempre algo a que se resiste, um dos maiores problemas da implementação
é fazer com que as partes do sistema mudem.
As resistências à mudança, grosso modo, surgem de dois motivos. Um é psicológico.
Novos procedimentos e estruturas são, no mínimo, novos e não familiares. Para alguns, o
simples fato de ser novidade cria ansiedade e resistência. O velho adágio “é preferível o diabo
que você conhece do que o diabo que você desconhece” representa bem essa idéia.
A resistência à mudança não é só psicológica. Henry Kissinger, ex-Secretário de
Estado dos Estados Unidos, costumava dizer: “Só porque você é paranóico, não quer dizer
que eles não estejam soltos para lhe pegar”. Então, só porque as pessoas têm medo de
mudanças não quer dizer que elas não tenham razão para tê-lo. Uma mudança sempre traz
consigo, no mínimo, o custo de ter que aprender novos procedimentos e arranjos. E também
ela pode incomodar hierarquias estabelecidas. Novas habilidades podem ser mais valorizadas
ou as decisões podem passar a ser tomadas em outras instâncias. Aqueles que se beneficiam
do velho sistema podem ter muito o que perder. Quando as forças navais mudaram do navio a
vela para o navio a vapor, muitos oficiais descobriram que os esforços de toda uma vida
investidos no desenvolvimento de certas habilidades foram subitamente desperdiçados. Além
disso, os que tenham sido mais bem sucedidos no velho sistema são os que mais têm a perder.
Portanto, os mais poderosos no sistema atual são quase sempre os maiores oponentes da
reforma.
Outra força que inibe a mudança é a inércia de maneiras de pensar familiares que
resistem ao aprendizado de novas - o efeito dos paradigmas que observamos acima. Os
indivíduos desenvolvem maneiras de pensar e agir rotineiras. Em várias situações chamamos
essas rotinas de “hábitos”, “costumes”, ou “procedimentos padrão”. Essas maneiras de ser e
agir evoluíram lentamente e serviram bem no passado, portanto não mudam facilmente. Clichés
como “não se ensina um truque novo a um cachorro velho” representa bem o entendimento que
o senso comum tem desse fenômeno.
Sistemas de educação são exatamente isso: sistemas. Eles são feitos de padrões de
interação humana, apoiada e canalizada por muita expectativa mútua. Se um médico quer tratar
uma enfermeira de maneira diferente, ou se um paciente quer relacionar-se com o médico de
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maneira diferente, eles encontrarão todo tipo de pressão - das sutis às óbvias - para
comportar-se de acordo com os padrões estabelecidos. Os sociólogos chamam essas maneiras
esperadas de os seres humanos se relacionarem de “normas tácitas”. Essas são as maneiras
como nós esperamos que as outras pessoas vão se comportar, a menos que tenhamos razões
para esperar que seja de outras maneiras. Para muitos de nós, estas expectativas - como outros
aspectos de nossa cultura - são invisíveis. Elas não parecem ser esperadas porque não temos
consciência delas. Por essa razão, elas são difíceis de mudar.
Passo 6: Avaliação
Ao discutir o planejamento da reforma educacional, observamos que as preocupações
sobre a avaliação devem começar muito antes que o seu processo de avaliação realmente
comece. Isso por causa das dificuldades inerentes ao efeito de um novo programa ou política
em um mundo em mutação. A pergunta que sempre se faz é: o que aconteceu é resultado da
reforma ou teria acontecido de qualquer maneira? Já que a avaliação demanda poucos recursos
administrativos e organizacionais, uma série de decisões estratégicas deve ser feita se queremos
que ela seja sustentável e efetiva. Todos esses aspectos serão discutidos em profundidade no
Módulo 4 deste curso.
Algumas Pautas Finais para Analisar a Reforma do Setor Educacional
Para encerrar nossa discussão nesta sessão, desejamos fazer quatro recomendações
finais.
Trabalhe Regressivamente na Linha de Causalidade Até que Você Possa Identificar Variáveis
Potencialmente Manipuláveis: É atribuição de quem diagnostica o setor educacional ir dos
sintomas às causas, dos resultados e produtos àquilo que os está ocasionando. Este processo
não é sempre óbvio. Políticas podem produzir conseqüências inesperadas. Indivíduos podem
afirmar que estão fazendo uma coisa e, na prática, estar fazendo outra. Uma mente aberta e
cética e um alto grau de energia e curiosidade são sempre necessários.
Não Tire Conclusões Prematuras: É tentador decidir precipitadamente onde está o problema.
Mas esta suposição pode estar baseada em ideologia ou preconceito. Infelizmente, não é raro
que alguém comprometido por simplesmente acreditar em certas suposições queime etapas no
processo de diagnose. Isso pode ser um infortúnio porque a identificação da causa errada pode
levar a políticas mal formuladas.
Seja Científico, Não Julgue: O diagnóstico pode se perder quando a nuvem dos julgamentos de
valor encobre a análise científica. Se as instituições ou os indivíduos se comportam de maneiras
que desaprovamos, temos a tendência a concluir que eles são o problema. Mas pode ser que
eles nem tenham de fato tanta importância. Além disso, o mau comportamento pode ser apenas
o resultado de forças maiores. Portanto, é muito importante manter-se frio no processo de
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diagnóstico. Haverá muita oportunidade (e mesmo necessidade) de paixão para mobilizar o
apoio político para determinadas medidas. Mas antes disso é necessária uma análise baseada
na auto crítica.
Use Números: Não achamos que tudo o que seja importante para o diagnóstico do setor
educacional possa ser reduzido a números. E achamos ainda menos que todos os países terão,
ou poderão produzir, todos os dados numéricos de boa qualidade que um analista gostaria de
usar. Mas ignorar problemas só porque eles não podem ser documentados por números pode
ser uma bobagem. Planejadores de desastres sabem que, depois de um terremoto, as zonas de
silêncio que eles não podem ouvir podem ser as mais fortemente afetadas. O mesmo vale para
o desempenho de sistemas educacionais: Podemos não dispor de nenhum dado sobre certas
áreas que são as mais pobres e em pior estado. Mesmo assim, para elas, os dados poderiam
ajudar muito. Dados podem checar noções errôneas e julgamentos prematuros; e podem dar
apoio a atitudes científicas. Sejam taxas de matrícula bruta ou líquida, taxas de repetição ou de
evasão, sejam testes de rendimento escolar ou levantamentos sobre atitudes de professores, os
dados numéricos podem ser um grande instrumento contra preconceitos. Para usar sabiamente
os dados, temos de saber de onde eles vêm, suas limitações, suas omissões e suposições. Mas
isso aumenta ainda mais a necessidade de se fazer o investimento necessário para tal
entendimento.
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PREPARANDO O TERRENO PARA A REFORMA