UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES - ECA CURSO DE GESTÃO INTEGRADA DA COMUNICAÇÃO DIGITAL EM EMPRESAS ANNE MURIEL COELHO GANZAROLLI Gestão de conteúdo no ambiente digital: um estudo sobre a reputação e o comportamento de marcas polêmicas nas mídias sociais SÃO PAULO 2014 ANNE MURIEL COELHO GANZAROLLI Gestão de conteúdo no ambiente digital: um estudo sobre a reputação e o comportamento de marcas polêmicas nas mídias sociais Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo como requisito básico para obtenção de título de especialista em Comunicação Digital. Orientadora: Prof.ª Dra. Carolina Frazon Terra SÃO PAULO – SP 2014 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. GANZAROLLI, Anne Muriel Coelho. Gestão de conteúdo no ambiente digital: um estudo sobre a reputação e o comportamento de marcas polêmicas nas mídias sociais / Anne Muriel Coelho Ganzarolli – 2014. 115 f. Orientadora: Carolina Frazon Terra Monografia (pós graduação) – Digicorp - Escola Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo de 1. Gestão da Comunicação. 2. “Politicamente Incorreto”. 3. Conceitos de Reputação. 4. Imagem de Marca. 5. Comunicação nas Mídias Sociais. 6. Culto ao Corpo. I. Terra, Carolina Frazon. II. Monografia (pós graduação) Digicorp - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. III. Título. ANNE MURIEL COELHO GANZAROLLI Gestão de conteúdo no ambiente digital: um estudo sobre a reputação e o comportamento de marcas polêmicas nas mídias sociais Trabalho de conclusão do curso de especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital em Ambientes Corporativos, pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Aprovado em_______de__________________de 2014. Aprovado por: _____________________________________________ _____________________________________________ _____________________________________________ Professora Carolina Frazon Terra Dedico À minha avó Alda, de quem sinto falta todos os dias de minha vida, por ser ainda hoje a maior incentivadora e motivadora de todos os meus feitos acadêmicos, profissionais e pessoais. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, que sempre estiveram presentes em absolutamente todos os momentos da minha vida. Ao meu tio Tácito e à minha tia Sônia, cujo auxílio fornecido durante o primeiro ano do curso foi vital para que eu pudesse manter os estudos. À minha orientadora Carolina Frazon Terra, peça fundamental para a conclusão deste trabalho e a quem sou imensamente grata pela presença constante e por toda a ajuda e incentivo recebidos durante todo o período de desenvolvimento. À Taynã por estar sempre comigo, por todo o apoio, por toda a ajuda, por tudo. Sempre. Agradeço aos meus amigos por compreenderem minha ausência durante este tempo, e aos meus colegas de turma, a quem levarei para toda a vida, por terem tornado este período mais fácil e muito, muito divertido. Por fim, agradeço às minhas pequeninas Tica e Bellinha, por terem me feito companhia incansável durante a produção deste trabalho. A revolução não acontece quando a sociedade adota novas tecnologias – acontece quando a sociedade adota novos comportamentos. (SHIRKY, 2008, p.137) RESUMO GANZAROLLI, Anne Muriel Coelho. Gestão de conteúdo no ambiente digital: um estudo sobre a reputação e o comportamento de marcas polêmicas nas mídias sociais. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo. 2014. Este trabalho acadêmico tem como objetivo analisar a gestão de conteúdo e a comunicação estratégica nas mídias sociais como forma de prevenção de crises de imagem e manutenção da boa reputação organizacional. O contexto utilizado para esta análise é o nicho da sociedade que referencia o culto ao corpo, associando saúde e bem estar à estética, e como a popularização das mídias sociais e facilidade de acesso à rede podem ser ferramentas que auxiliem estas pessoas a criticar publicamente organizações consideradas polêmicas ou politicamente incorretas em termos de alimentação saudável. Para este estudo foram utilizadas teorias acadêmicas ligadas à comunicação organizacional e digital, pesquisas qualitativas e quantitativas e análises de casos reais de marcas que podem ser consideradas passíveis do ataque crítico deste movimento nas mídias sociais, bem como gerenciam seu conteúdo e sua comunicação estratégica nesta plataforma. Palavras-chave: culto ao corpo, reputação, imagem de marca, mídias sociais, comunicação digital, comunicação organizacional, comunicação organizacional digital, flawsome, usuário-mídia, convergência digital ABSTRACT GANZAROLLI, Muriel Anne Coelho. Content management in the digital environment: a study of the reputation and the behavior of polemic brands in social media. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo. 2014. This academic paper aims to analyze the content management and strategic communication in social media as a form of image crisis prevention and maintenance of a good organizational reputation. The context used for this analysis is the niche of society that references the cult of the body, linking health and wellness to esthetics, and how the popularity of social media and the easy access to the web can be tools to assist these people to publicly criticize organizations considered controversial or politically incorrect in terms of healthy eating. To this study were used academic theories, qualitative and quantitative research and the study of real cases of brands that could be considered worthy of critical attack by this movement in social media, as well as the management of their content and strategic communication on this platform. Keywords: body worship, reputation, branding, social media, digital communication, organizational communication, digital organizational communication, flawsome, media users, digital convergence LISTA DE FIGURAS Figura 1 - As definições de Kotler e as 3 eras do Marketing ...............................................25 Figura 2 - Elementos para análise microambiental ..............................................................27 Figura 3 - Perfil de Gabriela Pugliesi no Instagram..............................................................34 Figura 4 - Tag #GeraçãoPugliesi no Instagram....................................................................34 Figura 5 - Print de perfis sociais do Instagram.....................................................................36 Figura 6 - Print de post no aplicativo....................................................................................37 Figura 7 - Print de parte do documentário Muito Além do Peso...........................................37 Figura 8 - Print de parte do documentário Muito Além do Peso...........................................38 Figura 9 - Print de parte do documentário Muito Além do Peso36.......................................38 Figura 10 - Diagrama da comunicação organizacional.........................................................42 Figura 11 - Prints vídeo Porta dos Fundos...........................................................................49 Figura 12 - Print do segundo vídeo Porta dos Fundos.........................................................50 Figura 13 - Detalhe da imagem: retratação pública..............................................................50 Figura 14 - Prints dos feedbacks dos internautas.................................................................51 Figura 15 - Tabela do top dez marcas de maior valor no mundo..........................................56 Figura 16 - As top dez maiores marcas de cerveja no mundo..............................................57 Figura 17 - Gráfico BrandZ....................................................................................................57 Figura 18 - As top dez maiores marcas de fast-food no mundo, segundo a BrandZ............58 Figura 19 - As top dez maiores marcas de soft drinks no mundo, segundo a BrandZ.........58 Figura 20 - As onze empresas mais respeitadas do setor de alimentos e bebidas no Brasil.......................................................................................................................................60 Figura 21 - Site institucional da Skol, uma das maiores marcas de cerveja do país.............63 Figura 22 - Perfil da Skol no Facebook..................................................................................64 Figura 23 - Perfil da Skol no Facebook – Comentários ........................................................65 Figura 24 - Perfil da Skol no Twitter.......................................................................................66 Figura 25 - Perfil da Budweiser Brasil no Facebook..............................................................66 Figura 26 - Perfil da Budweiser Brasil no Facebook .............................................................67 Figura 27 - Perfis da Antarctica no Facebook e Instagram....................................................68 Figura 28 - Comentários positivos nas postagens da Antarctica..........................................68 Figura 29 – Perfil do KitKat Brasil no Facebook ...................................................................70 Figura 30 - Post divertido da marca no Facebook.................................................................71 Figura 31 - tag com o nome #kitkat no Instagram ................................................................71 Figura 32 - Perfil da marca Negresco no Facebook .............................................................72 Figura 33 - Perfil da marca Nestlé Grego no Facebook .......................................................72 Figura 34 - Perfil da marca Nescau no Facebook ................................................................73 Figura 35 - Perfil da marca Moça no Facebook ...................................................................73 Figura 36 - Print vídeo Coca Cola no Youtube......................................................................75 Figura 37 - Imagem manifestação do Greenpeace em frente à sede da Nestlé...................75 Figura 38 - Print de comunicado oficial da Nestlé Internacional............................................76 Figura 39 - Print de comunicado no site do Greenpeace......................................................77 Figura 40 - Perfil da Coca Cola Brasil no Facebook .............................................................78 Figura 41 - Post da Coca Cola no Facebook ........................................................................79 Figura 42 - Perfil da Coca Cola Zero no Facebook...............................................................79 Figura 43 - Post da Coca Cola Zero no Facebook ...............................................................80 Figura 44 - Coca Cola FM......................................................................................................81 Figura 45 - Site da Coca Cola Shoes....................................................................................81 Figura 46 - Site da Coca Cola Jeans.....................................................................................81 Figura 47 - Prints de comentários ofensivos à qualidade nutricional da Coca Cola .............83 Figura 48 - Print do vídeo publicado no perfil do portal R7....................................................85 Figura 49 - Tabela comparativa.............................................................................................86 Figura 50 - Print de post com comunicado oficial da Coca Cola ..........................................86 Figura 51 - Print de vídeo da Coca Cola no Youtube............................................................87 Figura 52 - Print de reportagem da revista Exame.com .......................................................88 Figura 53 - Print do site da Coca Cola...................................................................................89 Figura 54 - Print de um post da Coca Cola no Facebook......................................................90 Figura 55 - Print do perfil do McDonald’s Brasil no Facebook...............................................92 Figura 56 - Print do perfil do McDonald’s Brasil no Twitter....................................................92 Figura 57- Prints do perfil do McDonald’s Brasil no Instagram .............................................93 Figura 58 - Linguagem McDonald's na fanpage da marca....................................................93 Figura 59 - Informação sobre novo produto McDonald's.......................................................95 Figura 60 - Print dos comentários de um post McDonald's...................................................95 Figura 61 - Prints de um post e seus respectivos comentários do McDonald’s Brasil .........96 Figura 62 - Prints do Twitter na crise do McDonald's............................................................97 Figura 63 - Print do site do McDonald’s Brasil......................................................................98 Figura 64 - Print do site do McDonald’s USA .......................................................................99 Figura 65 - Print da plataforma social de perguntas e respostas do McDonald’s Canadá…99 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Idade dos entrevistados.....................................................................................101 Gráfico 2 - Quais mídias sociais os entrevistados utilizam..................................................102 Gráfico 3 - Frequência de acesso às mídias sociais...........................................................102 Gráfico 4 - Inclinação dos entrevistados à compra de produtos de marcas presentes em seu dia a dia nas mídias sociais..................................................................................................103 Gráfico 5 - Inclinação dos entrevistados ao consumo de produtos de marcas polêmicas cuja comunicação com o consumidor nas mídias sociais seja interessante................................104 Gráfico 6 - Inclinação dos entrevistados ao compartilhamento de conteúdo produzido por marcas polêmicas nas mídias sociais, caso os mesmos considerem este conteúdo interessante..........................................................................................................................105 SUMÁRIO SUMÁRIO .......................................................................................................................................13 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................14 2 A COMUNICAÇÃO DIGITAL ................................................................................................16 2.1 A evolução da comunicação ....................................................................................... 16 2.2 Convergência digital ................................................................................................... 19 2.3 A cultura da participação e o usuário-mídia ................................................................ 21 2.4 Marketing 3.0 e a nova comunicação organizacional.................................................. 24 3 O MOVIMENTO DO CULTO AO CORPO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA AS MARCAS NA ERA DIGITAL ..........................................................................................................................30 3.1 O culto ao corpo na sociedade moderna e a “Geração Pugliesi” ................................ 31 3.2 A reputação da marca em tempos de mídias sociais .................................................. 39 3.3 A comunicação organizacional e a identidade de marca ............................................ 40 3.4 A reputação é a alma do negócio ............................................................................... 43 3.5 Flawsome: a humanização da marca ......................................................................... 45 3.5.1 Case Spoleto .................................................................................................................47 4 AS MARCAS POLÊMICAS E AS MÍDIAS SOCIAIS .........................................................53 4.1 As marcas mais valiosas do mundo ........................................................................... 55 4.2 Análises de casos reais: reputação e prevenção de crises nas mídias sociais ........... 61 4.2.1 Ambev ............................................................................................................................62 4.2.2 Nestlé .............................................................................................................................69 4.2.3 Coca Cola ......................................................................................................................77 4.2.4 McDonald’s ....................................................................................................................90 4.3 Sondagem de opinião: os perfis sociais das marcas polêmicas................................ 100 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................106 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................................109 1 INTRODUÇÃO Atualmente, a sociedade encontra-se em um contexto em que uma rotina considerada imprescindível para ter uma vida saudável vem ganhando espaço significativo na mídia. Um padrão de vida específico e limitado, que dita que para se viver bem é necessário seguir determinadas regras, tem como fim a conquista de uma beleza física estereotipada e afirmada como símbolo de saúde. Com isto, o desenvolvimento de novas tecnologias e mídias sociais é utilizado como disseminador deste tipo de informação e conteúdo por adeptos desta filosofia de vida. Paralelamente, o avanço crescente da utilização de mídias sociais assume também um papel cada vez mais importante na comunicação das marcas com o seu consumidor final. Assim, não basta apenas o que a própria empresa ou marca diga de si mesma: é necessária a interação contínua com o consumidor, uma vez que sua reputação é a cada dia mais terceirizada em suas interpretações – percepções estas que se repercutem por ferramentas digitais capazes de atingir centenas de milhares de pessoas em um piscar de olhos. É a era do usuário-mídia, do marketing 3.0, da comunicação convergente e integrada, conceitos que trataremos a seguir. Este trabalho visa entender a nova realidade de comunicação organizacional digital, quais são as mídias sociais utilizadas e a forma como as principais empresas de produtos tidos como polêmicos no contexto atual de ode à vida saudável (refrigerantes, cadeias de fast-food , doces, bebidas alcóolicas) - quando a ênfase e o estímulo à vida e alimentação natural e orgânica estão maiores do que nunca trabalham sua estratégia de comunicação nestas mídias de modo a estreitar seu relacionamento com o consumidor, e evitar ou contornar possíveis crises de imagem e da reputação da marca no ambiente digital. 15 O estudo tem caráter analítico e exploratório, e tem como metodologias utilizadas a pesquisa documental, a pesquisa de campo com sondagem de opinião, e a análise de casos reais de companhias que se encaixam no perfil de polêmicas e politicamente incorretas no contexto deste trabalho e como se comportam com relação a comunicação e gestão de conteúdo nas mídias sociais. 2 A COMUNICAÇÃO DIGITAL Comunicação é uma palavra derivada do latim que quer dizer partilhar, transmitir, tornar comum, A definição de comunicação pode ser dada através da relação entre um emissor, a mensagem a ser passada, e um receptor. A necessidade de comunicação é natural ao homem, e nasceu quando o mesmo procurou reproduzir sons e representar elementos do seu mundo natural, de modo a resolver o problema do alcance entre os indivíduos. Este capítulo aborda a evolução da comunicação ao longo da história até chegar à era da comunicação e da convergência digital, em que, graças à paralela evolução da tecnologia, mudou radicalmente o comportamento dos interlocutores e as diversas formas de comunicar-se entre si. “E para que serve a comunicação? Serve para que as pessoas se relacionem entre si, transformando-se mutuamente e a realidade que as rodeia. Sem a comunicação cada pessoa seria um mundo fechado em si mesmo. Pela comunicação as pessoas compartilham experiências, ideias e sentimentos. Ao se relacionarem como seres interdependentes, influenciamse mutuamente e, juntas, modificam a realidade onde estão inseridas” (BORDENAVE, 1997, p.36). 2.1 A evolução da comunicação Nas sociedades antigas, quando a única e exclusiva forma de comunicar-se era através da comunicação oral, as informações eram consumidas no mesmo espaço-tempo em que eram produzidas, sendo os próprios indivíduos da sociedade a única fonte de reprodução destas informações. Com a evolução das tecnologias as formas e os meios de comunicação foram se modificando - escrita, impressão, rádio, 17 televisão – e reverberando e emitindo a informação para além do espaço-tempo em que foram criadas. Saad Corrêa (2003) nos dá o exemplo da importância da comunicação na sociedade quando nos diz que quando o computador foi criado, o mesmo era apenas uma máquina que realizava cálculos, e nada além disso; era ferramenta de trabalho de físicos e matemáticos, capaz de processar e armazenar dados. O mesmo se aplica à internet, posteriormente criada, que nada mais era que uma rede de computadores interligados entre si, cuja função era o acesso remoto de informações e a troca de arquivos e pacotes de dados localizados em outras máquinas. Corrêa (2003) partilha a ideia de que a criatividade humana – a mesma criatividade que enxerga possibilidades e traça estratégias desde os primórdios da humanidade – foi a responsável por transformar as funções destas máquinas. Intituladas pela autora de “tecnologias de ruptura”, as transformações não se tratam de inovações materiais, ou seja, não se trata da criação de novos equipamentos, mas sim de novas significações: é a ruptura do sentido atribuído às coisas. Esta criatividade humana tem causado resultados impactantes aos meios de comunicação. A ruptura do que antes era conhecido por internet chegou transformando a dinâmica de comunicação, até então massiva (de um para muitos, como emissoras de televisão, jornais, revistas e rádios) e passiva (onde o receptor era um mero ouvinte da informação), e instaurando uma estrutura midiática nunca antes vista na história da humanidade: a disseminação da descentralização das fontes de informação, em que todos passam a ser emissores e receptores das mais diversas mensagens, no mundo inteiro, o tempo todo. O computador é agora jornal, televisão, enciclopédia, banco, loja, telefone, câmera, aparelho de som... O ambiente espaço-temporal neste ciberespaço reflete um descolamento do espaço físico/geográfico e da temporalidade do relógio e do calendário. A informação vinda de meios massivos deixa de ser preponderante e passa a ser relativa, a comunicação passa a ser horizontal numa imensa rede que parte de muitos para muitos. Lévy (1999, p.17) caracteriza esta nova era, a da cibercultura como, “um conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do 18 ciberespaço”. André Lemos (2003), um dos principais pesquisadores brasileiros no campo da comunicação digital, explica a cibercultura através de seus pontos chave: Vivemos uma nova conjuntura espaço-temporal marcada pelas tecnologias digitais telemáticas onde o tempo real parece aniquilar, no sentido inverso à modernidade, o espaço de lugar, criando espaços de fluxos, redes planetárias pulsando no tempo real, em caminho para a desmaterialização dos espaços de lugar. Assim, na cibercultura podemos estar aqui e agir à distância. A forma técnica da cibercultura permite a ampliação das formas de ação e comunicação sobre o mundo. (LEMOS, 2003, p.14) Lévy (1999) em seu livro intitulado “Cibercultura” faz uma reflexão sobre o impacto das tecnologias na construção da inteligência coletiva, e cita Platão ao denominá-la como “veneno e remédio da cibercultura”. Em sua narrativa, Lévy, como Corrêa (2003), sinaliza que a sociedade tal qual a conhecemos é condicionada, mas não é determinada pela tecnologia. Ou seja, a sociedade se constitui, historicamente, pela tecnologia, mas não é determinada por ela – a criatividade humana molda a tecnologia segundo suas necessidades culturais, e não o contrário. Estas novas ferramentas de comunicação levam a novas formas de relacionamento social. A chamada “web 2.0” foi um termo popularizado por volta do ano de 2004 para designar um ainda mais novo momento tecnológico. O conceito para o termo foi criado por Tim O’Reilly (2003), que afirma que a web 2.0 é a mudança para a internet como sendo uma plataforma, e um entendimento das regras para obter sucesso nesta nova plataforma. Ainda segundo O’Reilly, o que difere a web 2.0 de sua antecessora é a utilização e o aproveitamento da inteligência coletiva. A Web 2.0 se conceitua no âmbito exclusivamente online: atividades que antes eram feitas de forma off-line passam a ser feitas de forma online, com o uso de ferramentas gratuitas. É quando a sociedade passa a de fato utilizar a rede como uma plataforma para se reunir online em grupos e comunidades de pessoas com interesses comuns – é a era da comunicação colaborativa. A comunicação digital na era da internet colaborativa possui alguns elementos comuns, como o estabelecimento das conversações como meio de trocas e interação social entre os usuários da rede. Isto permite que todos estejam em um mesmo nível de potencial participativo, o que transforma a estrutura e os processos de produção de conteúdo e informação. Um excelente exemplo deste conceito, utilizado por O’Reilly, é a Wikipedia: plataforma na qual cada usuário pode inserir informações a respeito de 19 quaisquer coisas, de forma livre e gratuita, formando um gigantesco banco de dados gratuito na rede. Como muitos conceitos importantes, a Web 2.0 não tem um limite rígido, mas sim, um núcleo gravitacional. Você pode visualizar a Web 2.0 como um conjunto de princípios e práticas que unem um verdadeiro sistema solar de sites que demonstram alguns ou todos esses princípios, a uma distância que varia entre esse núcleo. (O’REILLY; 2003, online) Talvez o teor colaborativo e essencialmente conectado da web 2.0 tenha a ver com o paralelo e crescente aumento das interfaces (notebooks, smartphones, tablets) de acesso e a facilidade de conexão à rede em todos os lugares. A convergência tecnológica chega, e designa uma tendência de utilização de uma única infraestrutura para prover serviços que, anteriormente, requeriam equipamentos, canais de comunicação, protocolos e padrões independentes. Telefone celular, rádio, televisão e computador fundem-se em aparelhos capazes de todas estas funções e que permitem que o utilizador tenha acesso a todas estas informações de qualquer lugar e através de qualquer meio de comunicação por uma interface única. Deste modo, para conversar, ver as fotos ou vídeos de amigos e familiares basta que se acesse um destes dispositivos, a qualquer momento, em qualquer lugar. É um momento da cultura e da tecnologia em que as informações se expandem vertiginosamente, rapidamente e tomam rumos e significados diversos de acordo com cada interlocutor. Quem está desconectado, acaba por ficar sem acesso a estas informações, e sente-se só. 2.2 Convergência digital A convergência tecnológica com sua crescente e infinita quantidade de diferentes dispositivos de acesso à rede, ao mesmo tempo em que diversifica as mídias de comunicação, reforça a necessidade de utilizar uma única infraestrutura tecnológica para prover serviços que anteriormente eram disponibilizados em uma série de plataformas diferentes. Atualmente, os smartphones são tecnologias autoexplicativas da teoria da convergência dos meios de comunicação: são telefones que possuem acesso à internet de alta velocidade, onde é possível ler notícias e livros, assistir a filmes, séries e à programação da televisão, tirar e 20 publicar fotos e vídeos, ter acesso a uma infinidade de jogos além de acessar e se comunicar com grupos sociais online. Está claro que cada um destes dispositivos disponíveis tem sua função: um notebook, um smartphone e um tablet são ferramentas diferentes, que possuem interfaces diferentes e que são utilizados para os mais variados fins: é complicado para o usuário trabalhar em uma planilha com números e fórmulas na pequena tela de um smartphone, porém o trabalho torna-se fácil quando o mesmo faz uso de um computador ou notebook. Por outro lado, ler um livro em um tablet é visualmente mais agradável e intuitivo, além de ser um dispositivo fisicamente mais leve e portátil. Porém, excluindo-se os variados usos práticos, todas estas ferramentas se conectam igualmente à internet, e são utilizadas para acessar informações e entretenimento disponíveis online da mesma forma, indiferentemente da plataforma utilizada para tal. Esta convergência dos meios de comunicação é, segundo Jenkins (2008) um processo cultural, e deve ser enxergada a partir da relação interconectada que os usuários destes meios fazem com estas novas mídias. A convergência é um processo cultural. Refere-se ao fluxo de imagens, idéias, histórias, sons, marcas e relacionamentos através do maior número de canais midiáticos possíveis. Um fluxo moldado por decisões originais, tanto em reuniões empresariais quanto em quarto de adolescentes. Moldado pelo desejo de empresas de mídia de promover ao máximo as marcas, e pelo desejo dos consumidores de obter a mídia que quiserem, quando e onde quiserem. (JENKINS, 2008, p.41) Ainda segundo Jenkins (2008) a convergência dos meios de comunicação é um processo, e não um ponto final. Mais do que uma mera mudança tecnológica, a convergência altera a relação existente entre as tecnologias, as indústrias, os mercados, os gêneros e os públicos; ela altera a lógica utilizada pela indústria da mídia e a lógica pela qual o público compreende a notícia e o entretenimento. A convergência da comunicação digital está muito mais associada à maneira como a informação é interpretada, reelaborada e retransmitida pelas pessoas, levando-se em consideração que toda esta ação se dá em múltiplos canais de comunicação e a partir da participação e interatividade coletiva. Como resultado da cultura de convergência, nasce a narrativa transmidiática, que é o storytelling que se desenrola por meio de múltiplos canais de mídia, cada um contribuindo distintamente para a compreensão do todo. Desta forma, as indústrias da mídia conseguem trabalhar com uma gama muito maior de públicos, 21 integrando-se horizontalmente. É a criação de um universo multiplataforma extremamente abrangente, que se aproveita dos benefícios de cada meio de comunicação diferente para contar uma mesma história. Um exemplo de transmídia são ações de franquias do ramo cinematográfico, que levam o enredo de um longametragem para uma história em quadrinhos, um game, um curta-metragem disponibilizado na internet e uma posterior série de TV. Como será explicado posteriormente neste trabalho, o conceito transmidiático passa a ser utilizado por empresas como forma de comunicação multiplataforma com o consumidor, incentivando um comportamento participativo por parte dos mesmos. 2.3 A cultura da participação e o usuário-mídia Os usos sociais dos novos mecanismos de mídia vêm sendo surpreendentes, visto que uma grande parte da possibilidade destes usos não estava implícita nos próprios mecanismos quando foram criados. Clay Shirky (2010) afirma que a internet e o desenvolvimento destas novas tecnologias foram capazes de alterar drasticamente o modo como os indivíduos utilizam seu tempo livre. Uma geração inteira cresceu com a tecnologia pessoal, do rádio portátil ao PC, portanto era de se esperar que eles também colocassem na nova mídia mecanismos para uso pessoal. Mas o uso de uma tecnologia social é muito pouco determinado pelo próprio instrumento; quando usamos uma rede, a maior vantagem que temos é acessar uns aos outros. Queremos estar conectados uns aos outros, um desejo que a televisão, enquanto substituto social, elimina, mas que o uso da mídia social, na verdade, ativa. (SHIRKY, 2010, p.18) O conceito de redes sociais é muito antigo, e diz respeito às estruturas sociais compostas por pessoas conectadas entre si de forma horizontal, e que partilham opiniões, valores ou objetivos comuns. Este compartilhamento de informações, conhecimentos, interesses e esforços em busca de seus objetivos comuns acabam refletindo um processo de fortalecimento da sociedade, que se une e se mobiliza. J.A. Barnes (1954) começou a utilizar o termo “rede social” sistematicamente para mostrar os padrões de laços, incorporando os conceitos tradicionalmente usados quer pela sociedade quer pelos cientistas sociais: grupos bem definidos (ex.: tribos, famílias) e categorias sociais (ex.: gênero, grupo étnico). A internet chegou transformando a dinâmica da comunicação, até então 22 massiva e passiva e instaurando uma estrutura midiática nunca antes vista na história da humanidade: a web dissemina a descentralização da informação, em que todos passam a ser emissores e receptores das mais diversas mensagens, no mundo inteiro, o tempo todo. A mudança desta lógica também passa a priorizar aspectos colaborativos, e a web 2.0 enfatiza estas trocas de informação, transformando-se na nova mídia utilizada pelas redes sociais do mundo inteiro. É o começo de uma nova existência e, sem dúvida, o início de uma nova era, a era da informação, marcada pela autonomia da cultura. As redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura (CASTELLS, 1999, p. 497) A definição de mídia social pode ser aplicada a tecnologias e políticas na rede, que tem como fim a interação e o relacionamento social entre indivíduos a partir do compartilhamento de ideias, opiniões e experiências. São consideradas mídias sociais todos os textos, imagens, áudios e vídeos nas mais diversas ferramentas que permitem a interação entre os seus usuários. Esta interação social, por meio de conversações e/ou do compartilhamento de conteúdos (pessoais ou não) é a base que sustenta o conceito e a lógica das mídias sociais. Assim como sempre ocorreu na história da humanidade e na relação entre os indivíduos da sociedade, os interesses comuns são os responsáveis por uma formação de grupos de usuários no ciberespaço, grupos estes presentes em ferramentas sociais digitais que incentivam e estimulam a participação de seus membros. Exemplos de ferramentas sociais disponíveis na web atualmente são os Blogs, Facebook1, Twitter², Instagram³, 1 Facebook é um site e serviço de rede social que foi lançado em 4 de fevereiro de 2004. ² Twitter é uma rede social e um servidor para microblogging, que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos, por meio do website do serviço, por SMS e por softwares específicos de gerenciamento. ³ Instagram é uma rede social online de compartilhamento de foto e vídeo que permite aos seus usuários tirar fotos e vídeos, aplicar filtros digitais e compartilhá-los em uma variedade de serviços de redes sociais. 4 LinkedIn é uma rede de negócios fundada em Dezembro de 2002 e lançada em 5 de Maio de 2003.2 É comparável a redes de relacionamentos, e é principalmente utilizada por profissionais. 5 Tumblr (pronúncia: tâmbler) é uma plataforma de blogging que permite aos usuários publicarem textos, imagens, vídeo, links, citações, áudio e "diálogos". 6 WhatsApp Messenger é uma aplicação multi-plataforma de mensagens instantâneas para smartphones. 7 Waze é uma aplicação de navegação colaborativa com GPS móvel para smartphones e tablets. 23 Linkedin 4, Tumblr5, entre outros. Indo um pouco mais adiante e abrindo mais ainda o leque, é possível citar aplicativos que tem como base a formação de grupos ou o funcionamento colaborativo, como é o caso do Whatsapp6, um aplicativo de conversação social em smartphones, e do Waze7, um GPS colaborativo que mostra, em tempo real, o estado do trânsito e das rotas, informações estas enviadas a cada segundo por seus milhões de usuários. Posto o fato de que a sociedade passa pelo momento em que os indivíduos usam as mídias digitais como instrumento de exposição e expressão pessoais, pode-se considerar que cada um é criador, produtor e difusor de seus próprios conteúdos. Carolina Terra (2011) utiliza o termo “usuário-mídia” para designar este novo tipo de consumidor da informação digital. Para Terra, o usuário-mídia dedica grande parte do seu tempo à conexão com a internet e às mídias sociais, e produz e compartilham conteúdos em blogs, microblogs, fóruns de discussão, fanpages de sites de relacionamentos, chats, entre tantos outros. O renomado autor do best seller A Cauda Longa, Chris Anderson (2006) é outro nome que endossa a lista dos que acreditam no repentino e forte poder do usuário-mídia, e afirma que o poder da produção colaborativa, característica da web 2.0, é uma das principais causas pelas quais a economia mudou drasticamente de um mercado de hits para um mercado de nichos nos últimos anos. Isto caracteriza os usuários-mídia como novos formadores de preferências, uma vez que é de extrema influência ao compartilharem suas impressões e conceitos sobre os mais variados tipos de produtos e empresas na rede, impactando centenas de milhares de outras pessoas. O internauta deixa de ser um consumidor passivo e passa a ser um produtor ativo de informação. Quando as ferramentas de trabalho estão ao alcance de todos, todos se tornam produtores (ANDERSON, 2006, p.71) André Lemos (2008) afirma que no ciberespaço, cada um dos indivíduos conectados à rede é um potencial produtor de informação. Terra (2011), porém, acredita que existam diferentes tipos de usuários-mídia e os caracteriza com diferentes graus de participação na produção, de fato, de conteúdo. Acreditamos que existam níveis de usuários-mídia: os que apenas consomem conteúdo e o replicam; os que apenas participam com comentários em iniciativas online de terceiros; e os que de fato produzem conteúdo ativamente. (TERRA, 2011, p.68) 24 De toda forma, esta segmentação não minimiza a extrema importância de cada um deles na formação do atual contexto social digital, responsável por modificar tão drasticamente a realidade da comunicação pessoal e organizacional do cenário atual. Segundo Henry Jenkins (2008), este novo modelo de comunicação “viral” de reaproveitamento e transformação de conteúdo, que destoa totalmente dos modelos mais antigos de comunicação em que o controle da informação prezava por manter a integridade da mensagem, agrega valor aos consumidores deste conteúdo, ou seja, os usuários das mídias sociais, permitindo que o mesmo conteúdo possa ser usado em diversos contextos. Mas o que torna um conteúdo digno de ser compartilhado? Ou ainda: que tipo de conteúdo é mais bem aceito nas mídias sociais? Jenkins (2008) assume que o que torna popular um conteúdo são valores que, dentro de um contexto social, afirme e defina a identidade das pessoas envolvidas. Como elucidado acima, o consumidor da era da convergência vem se acostumando com um tipo muito mais complexo de comunicação, em que tem acesso a todo tipo de informação, o tempo inteiro. São formadores de opinião, críticos, que passam a analisar detalhadamente cada aspecto das informações às quais tem acesso. Diante deste cenário, as organizações têm uma urgência pungente de adaptarem suas estratégias de marketing e comunicação para adequar-se às novas e específicas demandas do usuário-mídia, que não mais se satisfaz com o básico. O próximo tópico trata desta nova realidade mercadológica e das providências que vem sendo tomadas pelas organizações para encaixarem-se nesta nova era sociocultural. 2.4 Marketing 3.0 e a nova comunicação organizacional O conceito de marketing é, em sentido estrito, o conjunto de técnicas e métodos que tem como fim o desenvolvimento das vendas e consequente lucro de uma empresa. Jerome McCarthy (1960) formulou em seu livro Marketing Mix um conjunto de variáveis que influenciam a forma como os consumidores respondem e influenciam o mercado. O chamado mix de marketing trata do conjunto de pontos de interesse para os quais as organizações devem estar atentas se desejam perseguir 25 seus objetivos, e são baseados em quatro “P”s: Produto (Product), Preço (Price), Praça (Place; ponto de venda/distribuição) e Promoção (Promotion). Desde o início, o marketing esteve baseado no contexto histórico e social no qual a sociedade estava inserida – o que significa que com o passar do tempo, estes cenários sofreram alterações e afetaram diretamente a forma como as empresas lidavam com seus produtos e com seus consumidores. Philip Kotler (2010) segmentou o conceito de marketing em 3 eras distintas: O marketing 1.0, marketing 2.0 e, por fim, o marketing 3.0. Na primeira era das aplicações do marketing, o objetivo inicial de uma empresa era o de vender produtos que visavam única e exclusivamente suprir as necessidades de consumidores em massa. A função da área de marketing era passar aos consumidores as especificações do produto, e a comunicação era feita de um para muitos. Era o marketing centrado no produto. O marketing 2.0 surgiu na era do desenvolvimento da tecnologia da informação, e tinha como objetivo satisfazer os clientes. O produto deixava de ser estritamente funcional, e passava a satisfazer necessidades emocionais de seus consumidores, que passam a ser vistos pela empresa como seres pensantes, com coração e mente. A estratégia passa a ser a diferenciação, e o marketing tem a função de explicar ao consumidor, a quem passa a chamar de amigo, qual o posicionamento do produto e da empresa que o fabrica. O objetivo é satisfazer e reter os clientes. É o marketing orientado ao consumidor. No contexto atual da sociedade, e com base na necessidade de suprir as necessidades desta nova onda de consumidores profundamente conectados e a cada dia mais impactados por uma infinidade de informações, as empresas vêm trazendo para si e para sua estratégia de comunicação a teoria transmidiática. Na prática, isto significa a horizontalização da comunicação com o novo perfil de consumidor nas mais diversas plataformas, inclusive as digitais. É a era do marketing 3.0, da colaboração, que incita novas formas de criação de produto e experiência, uma nova forma de comunicar-se com o público através da interação entre empresas, consumidores e fornecedores que, afinal, estão interligados em uma rede. O produto, agora, além de funcional e emocionalmente satisfatório ao consumidor, precisa ser orientador para ir ao encontro de seus valores – o produto precisa ser digno de ser consumido. 26 Figura 1 – As definições de Kotler e a diferença entre as 3 eras do Marketing Fonte: Site Portal do Marketing, disponível em <http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos3/O_que_e_Marketing_3_0.htm.> Neste cenário, a estratégia de comunicação organizacional é pensada com base nas características do novo consumidor, do usuário-mídia, graças ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação, que reconfiguraram a lógica da produção e divulgação de conteúdo. Além do produto em si, da comunicação de divulgação convencional (rádio, televisão, outdoors, revistas), de websites institucionais de fato atualizados e um serviço de atendimento ao consumidor bem estruturado e treinado, as mídias sociais passam a fazer parte vital da estratégia de comunicação organizacional das empresas – o que altera drasticamente a relação entre as marcas e o público. As mídias sociais têm o formato de conversação, e como protagonistas e moderadores os próprios usuários (e não empresas ou órgãos). Quem controla a interação com as marcas, neste caso, são os próprios indivíduos. Deste modo, a utilização destas ferramentas para estreitar os laços de relacionamento com o consumidor final é extremamente eficaz, desde que a empresa tenha profundo conhecimento de seu público e do contexto mercadológico no qual se encontra. A reputação de sua marca é uma das maiores preocupações de uma empresa, e pode ser definida como a soma das percepções que os públicos têm da identidade e das imagens projetadas pela mesma. O conceito de reputação será aprofundado no segundo capítulo deste trabalho, mas cabe dizer, por ora, que a reputação ou (re) posicionamento de uma marca pode ser construído com base nas informações divulgadas no ambiente digital e nas mídias sociais, porém, diferente da linguagem 27 oral, as interações nas mídias sociais são registradas, ficam gravadas neste ambiente, o que torna a estratégia digna de análise, estudo e cautela. Raquel Recuero (2009) afirma que é de suma importância para uma organização compreender as redes sociais e os indivíduos presentes nas mesmas, para poder saber quais valores devem ser passados e construídos junto a este novo público consumidor presente no ciberespaço. Henry Mintzberg (2001), um renomado acadêmico e autor de diversos livros conceituados na área da administração, aponta em seu livro “O processo da estratégia” que a mesma “trata-se da forma de pensar no futuro, integrada no processo decisório, com base em um procedimento formalizado e articulador de resultados.” Luiz Alberto de Farias (2011), doutor em comunicação e cultura pela Universidade de São Paulo afirma que uma empresa tem necessariamente que conhecer seu macroambiente tão bem e profundamente quanto conhece o seu ambiente interno e o seu consumidor, para só assim conseguir traçar uma estratégia de comunicação organizacional acertada. Farias (2011) cita em seu trabalho passos determinantes para que uma empresa ou marca consiga ajustar sua comunicação organizacional, que inclui uma série de análises de macro e microambientes, pesquisas quantitativas e qualitativas e uma análise de diagnóstico organizacional, que levará, finalmente, a planos estratégicos de comunicação. Figura 2 - Elementos para análise microambiental Fonte: FARIAS, Luiz Alberto de.; PENAFIERI, Vânia. Pesquisa empírica: RP e a opinião que gera relacionamentos. In: Osvando José de Morais; Marialva Barbosa. (Org.). pesquisa empírica?. 1 ed. São Paulo: Unicap/Intercom, 2011, v. 1, p. 495. 28 A Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP) propôs em 1955 o seguinte conceito para a profissão: "Relações Públicas é a atividade e o esforço deliberado, planejado e contínuo para estabelecer e manter a compreensão mútua entre uma instituição pública ou privada e os grupos de pessoas a que esteja, direta ou indiretamente, ligada." Ou seja, é o departamento de uma organização que destina-se a manter o equilíbrio e o bom entendimento entre as duas partes e por vezes expandir ou estabilizar a imagem e/ou identidade da instituição ativa perante a opinião pública – é o departamento que ajuda uma empresa a traçar sua estratégia de comunicação. O lado social das marcas, os novos modelos de interação, a co-criação e produção (entre outras variantes da nova era colaborativa) de informação estão no escopo do departamento de Relações Públicas de uma empresa. Brian Solis (2010), especialista em convergência de Relações Públicas, Mídia e Social Media, afirmou que as relações entre as marcas e as pessoas, antigamente, não criavam conexões, mas agora as redes permitem que isso aconteça. Clay Shirky (2012) reforça em seu livro “Lá vem todo Mundo” a teoria do usuário-mídia, de Carolina Terra (2011) quando diz que todo mundo é um veículo de comunicação, e diz mais: que a motivação pessoal vai de encontro à produção colaborativa. Ou seja, as pessoas consomem, produzem e compartilham conteúdos que lhes fazem sentido, que vão ao encontro de seus valores pessoais ou ainda que as façam sentir-se bem ou pertencentes a algum grupo. O que Solis (2010) chamou em sua palestra na quarta edição do Digital Age 2.0 em 2010 de “last mile" é a tendência à socialização do negócio, com a consolidação de um outro “p” no famoso composto de marketing: as pessoas. Mas seria muito mais que conversação, e sim confiança. Tornar a empresa ou a marca “conversacional” nas mídias sociais, e ainda mais, tornar a marca digna da confiança das pessoas nas mídias sociais é, portanto, atualmente um dos maiores desafios da nova comunicação organizacional. Como é sabido, o engajamento da audiência, principalmente dos usuários-mídia heavy users, atrai a atenção de muitos outros consumidores e tem uma ação muito ampla de pulverização da informação. A comunicação organizacional atual, tratando-se de estratégias de comunicação nas mídias sociais, tem necessariamente não apenas que conhecer perfeitamente seu 29 consumidor, mas ainda compreender quais as melhores formas de comunicar-se com ele. Nas grandes organizações as mídias sociais podem auxiliar nos processos de colaboração com parceiros, clientes e empregados. Programas que tornem a corporação conversacional podem ser usados para compartilhamento de conhecimento, treinamento e de diálogos existentes. Alguns clientes comandam comunidades que podem servir de aprendizado para as organizações. A chave para usar as mídias sociais está em ter o que dizer e planejar como fazê-lo. A ferramenta em si é secundária, pois o contexto muda o tempo todo. (TERRA, 2011, p.5) Com base em todos os conceitos apresentados neste capítulo a respeito da evolução da comunicação e da consequente transformação no comportamento cultural, emocional e de consumo da sociedade através dos anos, é possível embasar os próximos tópicos explorados neste trabalho, que trazem uma análise da comunicação organizacional e da gestão de conteúdo nas mídias sociais, especificamente por marcas que podem ser consideradas polêmicas no nicho social de culto ao corpo e à saúde. 3 O MOVIMENTO DO CULTO AO CORPO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA AS MARCAS NA ERA DIGITAL O homem é um animal político. (ARISTÓTELES) Este capítulo trata do movimento do culto ao corpo na sociedade moderna, e como a propagação e o incentivo a este estilo de vida pode ou não impactar a reputação de marcas de produtos e serviços que vão de encontro a esta cultura, como alimentos industrializados, cadeias de fast-food, refrigerantes, doces, bebidas alcoólicas, entre outras. O termo “política” é derivado da palavra grega politeía, que indicava todos os procedimentos relativos às cidades-Estado. Porém, o termo poderia também se referir às palavras sociedade, comunidade ou coletividade. Alceu Amoroso Lima (1956), importante crítico literário brasileiro da década de 30, definiu política como a ciência moral normativa do governo da sociedade civil. Atualmente, porém, o termo política pode se aplicar a qualquer forma de relacionamento e interação social. Ser político basicamente significa se relacionar bem com tudo e com todos, negociar e prezar pelo bem estar coletivo. Termos populares variáveis à política são comumente usados nos dias atuais. O “politicamente correto” é um exemplo, quando falamos de comportamento social. O termo se refere a uma suposta política que consiste em tornar uma linguagem neutra e livre de pré-conceitos, política esta que não ofende ou evita que a linguagem possa ser ofensiva para determinados indivíduos ou grupos sociais. Popularmente, o termo significa seguir as normas impostas pela sociedade do que é considerado adequado, bom e correto. O termo “politicamente incorreto”, por outro lado, é uma forma de expressão que procura externar os pré-conceitos sem quaisquer filtros. É 31 normalmente associado a um tipo de humor sarcástico ou a um comportamento alheio ao que é, genericamente, considerado correto e moral pela sociedade. A polêmica, por sua vez, tem o significado de discussão, debate, controvérsia (DPLP, 2014). Levando-se em conta o perfil atual da sociedade, no qual todos tem acesso à rede e fazem parte da cultura do compartilhamento de informações, as organizações necessitam ter um cuidado redobrado com sua imagem e reputação dentro do que pode ser considerado bom ou ruim na opinião – cada vez mais crítica - dos consumidores. O contexto selecionado para análise neste trabalho é o das marcas cujos produtos vão de encontro à “fatia” da sociedade que participa de um crescente movimento em prol de uma vida saudável, tendo como base o consumo de alimentos naturais e orgânicos e a prática de exercícios físicos. É uma geração extremamente focada no culto ao corpo, cujos valores pessoais e o ideal de felicidade estão diretamente relacionados ao que consideram esteticamente aprazível. Politicamente incorretas e polêmicas, neste caso, é como são consideradas por estas pessoas as marcas que vendem produtos exatamente contrários à filosofia que prega este movimento - que vem se tornando cada vez mais forte nas mídias sociais, e atraindo a cada dia mais adeptos. 3.1 O culto ao corpo na sociedade moderna e a “Geração Pugliesi 8” A humanidade guarda registros muito antigos sobre a preocupação da sociedade com o corpo humano, não apenas com relação aos seus aspectos funcionais, mas principalmente com relação a seus aspectos estéticos. Segundo o professor Bruno Ferreira (2012), diretor de História do Instituto Histórico Geográfico Genealógico de São Jose do Rio Preto, o culto à forma física perfeita teve início na Grécia Antiga. Naquela época, além de um intelecto desenvolvido, a busca por perfeição física era extremamente valorizada. Em Esparta, recém nascidos com deformidades físicas eram descartados por serem considerados fracos, e apesar de esta prática da época ter motivações militares aos gregos, guardava relação ao ideal de padrão físico vigente. Ao longo dos séculos houveram variações quanto à importância que se dava à forma física. Na Idade Média, por exemplo, com a 8 Termo criado por Gabriela Pugliesi, autora do blog Tips 4 Life e dona da conta @gabrielapugliesi no Instagram, para incentivar pessoas que queiram ter um estilo de vida como o seu. 32 ascensão da Igreja, o corpo físico foi tido como fonte de pecado e o culto à estética corporal foi proibido, assim como a exposição do corpo humano, mesmo nas artes, somente tendo retomados os padrões artísticos da Antiguidade, de celebração do corpo e da beleza física, no período renascentista. Ferreira (2012) cita o psicólogo Fernando de Almeida Silveira, doutor em Filosofia e professor da Universidade Federal de São Paulo ao afirmar que a queda da aristocracia europeia fez com que a burguesia se auto afirmasse por meio de uma nova relação com seus corpos. A ideia era a de que um corpo são e saudável era belo e longevo, o que os fariam destacar-se na aristocracia decadente da época. No século XIX surgiram as primeiras escolas de ginástica, entre os séculos XIX e XX programas de treinamento físico começaram a se popularizar, com um ideal de pessoas fisicamente mais eficientes e saudáveis. Apesar de haver uma proposta inicial de saúde e eficiência física, com o desenvolvimento das indústrias da beleza (moda e cosméticos, por exemplo) a ênfase dos cuidados com o corpo foi recaindo sobre a estética. O doutor e mestre pela Universidade de São Paulo Wilton Garcia Sobrinho, autor do livro “Corpo, Mídia e Representação: estudos contemporâneos” (2005) é um profundo pesquisador da problemática do culto ao corpo na mídia e de seus reflexos na sociedade contemporânea. O autor debate na obra em questão, do ponto de vista antropológico, a inquietude do ser humano na busca pelo padrão de beleza estabelecido na cultura contemporânea, e como os meios para se atingir este padrão de beleza estão diretamente relacionados e são profundamente influenciados pela mídia e, consequentemente, pelas relações pessoais. O corpo passa a ser introduzido nas relações de poder, e a beleza um tributo positivo para incluir as pessoas nos círculos sociais e profissionais, o que leva todas as faixas etárias e classes sociais a busca da perfeição da estética física. Tudo isto leva o indivíduo a ter uma nova compreensão de si mesmo e sua finalidade de existência. Nara Rejane Cruz de Oliveira, mestre em Educação Física pela UNICAMP e então doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo escreveu em 2008 um ensaio para a revista digital argentina EF Deportes com o título “Cultura do corpo na pós modernidade: reflexões para a educação física”. Neste ensaio, Oliveira reflete sobre a lógica que rege as preocupações com o corpo na atualidade, partindo do princípio de que a ideia de corpo perfeito é um resultado da cultura pós moderna. Talvez como nunca o corpo esteve tanto em destaque como agora. Porém, para Silva (1996), ao mesmo tempo em que a liberdade e os prazeres do 33 corpo tornam-se importantes, as instituições intencionam controlar este corpo, moldando-o a uma postura de severidade e correção (como nos métodos ginásticos). Se na Grécia antiga a filosofia conhecida como estética da existência tinha como ideal o equilíbrio corporal relacionado à harmonia da alma, ou seja, o desenvolvimento pleno e harmônico do ser humano; o objetivo agora não mais é atingir a alma, mas levar as pessoas a adotarem um comportamento moralmente aceito pela sociedade. E que moral seria essa? A moral da qualidade de vida. (OLIVEIRA 2008, online) Entretanto, quando o corpo passa a ser considerado uma mercadoria na mídiavitrine atual, a auto referência afeta diretamente a autoestima, cada vez mais sensível a todos estes estímulos. A saúde deixa de ser meramente um veredicto do bem estar orgânico do indivíduo e passa a ser confundida com a estética: as pessoas passam a associar a beleza física ao fato de ser ou não saudável. O bem estar individual é ainda mais comprometido quando esta autoanálise tem como base de comparação um modelo de beleza extremamente árduo de ser alcançado por pessoas comuns, que não possuem o tempo ou a disposição necessária para seguir as regras de alimentação e atividade física exaustiva tidas como fundamentais para o que passa a ser considerado uma vida saudável e consequentemente uma beleza perfeita. A mensagem que se tem é a de que quem não se enquadra nestes padrões pré-estabelecidos de beleza estética não conseguirá ser plenamente feliz pois sequer preocupa-se com a sua própria saúde, o que tem criado uma histeria e obsessão por parte de todos os afetados direta e indiretamente por estas referências. A lógica do corpo perfeito é o resultado das marcas da cultura pós-moderna, que potencializam o olhar sobre o corpo e a ditadura da boa forma. O corpo parece ser o foco determinante que instaura a identidade cultural pósmoderna, tanto a partir de classificações de gênero ou faixa etária, quanto a partir de condições intermediadas pela mídia. (GARCIA APUD OLIVEIRA 2008, online). Com o avanço das tecnologias e a difusão das mídias sociais, os grupos de pessoas que escolheram para si a adoção do estilo de vida tido como saudável e feliz baseado nos conceitos acima relatados ganham força na propagação de seus valores e metas, atingindo centenas de milhares de pessoas. Um bom exemplo a ser utilizado no embasamento desta teoria é o da baiana Gabriela Pugliesi, de 28 anos. Pugliesi se tornou uma celebridade do mundo fitness ao criar em janeiro de 2013 o blog “Tips 4 Life” (www.tips4life.com.br) com dicas de alimentação, exercícios e estilo de vida seguindo padrões de saúde e beleza (sic); o blog cresceu vertiginosamente e logo passou a ter mais de um milhão de acessos 34 mensais. Pugliesi criou também um perfil na rede social Instagram, onde lançou o movimento “Geração Pugliesi”. A idéia era convidar seus seguidores a postarem na rede social em questão imagens de seus próprios alimentos saudáveis, atividades físicas e conquistas pessoais, considerando, claro, as metas de conquistar um corpo estético dentro dos padrões de beleza que cultua. Ao compartilhar as imagens, os seguidores deveriam escrever a tag9 #GeraçãoPugliesi, que se referia a uma geração de seguidores de seu estilo de vida. Seu perfil no Instagram conta atualmente com mais de 709 mil seguidores, e a tag #GeraçãoPugliesi possui mais de 460 mil publicações. Não me lembro de ter vivido algum dia comendo besteira sem pensar nas consequências, e ao longo dos anos eu fui entendendo que fazer dieta nada mais é do que ter cuidado com a saúde e prestar atenção nos alimentos que nós ingerimos, tendo a consciência de que isso reflete diretamente em nosso organismo. (...) Minha missão com esse Blog é tentar fazer todos gostarem de levar uma vida saudável, sem ser um sacrifício! E acreditem, isso é muito possível! Todas as mulheres querem ser magras e saradas sem fazer muito esforço, mas quando você aprende que mudando alguns hábitos alimentares e praticando exercícios físicos, a sua saúde e disposição melhoram MUITO, essas mudanças passam a não ser um esforço, e sim um prazer! Por isso ter uma vida saudável é viciante! (PUGLIESI, 2014; blog Tips 4 Life) Imagem 3 – Perfil de Gabriela Pugliesi no Instagram. Imagem 4 – Tag #GeraçãoPugliesi no Instagram. 9 Tags são palavras-chaves, usadas para agrupar diversas mensagens que tratam do mesmo assunto. Fonte: <www.techtudo.com.br>. 35 Assim como Pugliesi existem milhares de outras pessoas que possuem perfis em mídias sociais com outros milhares de seguidores, criando e compartilhando conteúdo a fim de se auto afirmarem e atrair cada vez mais adeptos a este estilo de vida. Porém o teor de autoajuda e estímulo destas publicações nas mídias sociais pode trazer um sério problema às organizações que possuem marcas de produtos e serviços cuja filosofia é exatamente o contrário da que pregam estas pessoas. É possível perceber em análise a estes perfis e ao comportamento das pessoas no dia a dia uma grande aversão a produtos industrializados que possuem alto índice de açúcar, gordura, sódio, conservantes, glúten, lactose e uma série de outros ingredientes utilizados há décadas por centenas de indústrias de alimentos e bebidas. Com o respaldo da mídia e da divulgação de estudos científicos que comprovam suas opiniões, estas celebridades virtuais do mundo fitness e de beleza e bem estar impactam milhões de outros adeptos que compartilham em seus próprios perfis opiniões e críticas contra estes produtos, comparando seu consumo a uma atitude negativa de falha, desistência e pouca força de vontade. Um estudo realizado em dezembro de 2013 com internautas brasileiros de dez capitais do país e do interior do estado de São Paulo pela comunidade online de pesquisa CONECTAí (2014) chegou a resultados impressionantes sobre o impacto do movimento de beleza e saúde na sociedade. A pesquisa mostrou que 64% dos entrevistados afirmaram possuir uma alimentação saudável, sendo que 70% procuram montar um prato equilibrado com muitos vegetais, proteínas e carboidratos – o número cresce para 74% entre as mulheres. Outro resultado mostrou que dos 70% que precisam realizar refeições fora de casa no horário de almoço, 65% optam por comer em restaurantes de comida a quilo ao invés de lanchonetes e fast-foods. Quando questionados sobre os motivos pelos quais procuram mudar seus hábitos alimentares, 72% dos entrevistados afirmaram que é pelo fato de se sentirem mais saudáveis tendo tal atitude. Além disso, 51% afirmam que mudaram seus hábitos para perder peso, e incríveis 40% afirmaram que é para ficarem mais bonitos. Em uma reportagem divulgada em Junho de 2014, a IstoÉ Dinheiro relatou que o consumo de alimentos que possuem benefícios à saúde cresce a taxas de três a quatro vezes maiores que o de produtos tradicionais – o triplo do mercado de dez anos atrás. Na reportagem, Ana Vecchi, sócia da consultoria Vecchi Ancona 36 Inteligência Estratégica afirmou que “O consumidor se tornou consciente de que a alimentação saudável, atrelada a exercícios físicos e outros cuidados, é sinônimo de saúde”. Ótima oportunidade para marcas emergentes de alimentação saudável no país, mas um potencial risco para todas as outras. Em novembro de 2012 a Maria Farinha Filmes e o Instituto Alana com a produção executiva de Marcos Nisti lançaram o documentário “Muito Além do Peso”, cuja pauta principal são os maus hábitos alimentares, o sedentarismo e a obesidade infantil. O documentário traz dados importantíssimos a respeito da alimentação infantil no Brasil, em grande parte fruto do consumismo destas crianças e da falta de tempo e atenção da família para a importância do fato. O filme conta histórias reais e bastante alarmantes e discute os motivos pelos quais 33% das crianças no país estão acima do peso. Com mais de meio milhão de acessos pelo Youtube, o Muito Além do Peso mostra, sem ocultar as marcas, todos os malefícios de produtos industrializados na alimentação de adultos e crianças. Figura 5 – Print de perfis sociais do Instagram com mensagens contra os alimentos industrializados e seus aspectos negativos. 37 Figura 6 – Print de post no aplicativo Secret10 – garota é criticada ao afirmar que não gosta de ser magra. Figura 7 – Print de parte do documentário Muito Além do Peso, comparando o consumo de refrigerante à quantidade de açúcar ingerido. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TsQDBSfgE6k>. 10 Secret é um aplicativo mobile lançado em 2014 que permite que pessoas postem, “curtam” e comentem conteúdo de forma anônima. 38 Figura 8 – Print de parte do documentário Muito Além do Peso, comparando o consumo de batata fritas industrializadas à quantidade de óleo ingerido. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TsQDBSfgE6k>. Figura 9 – Print de parte do documentário Muito Além do Peso, comparando o consumo de biscoitos industrializados à quantidade de açúcar e óleo ingeridos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TsQDBSfgE6k>. Esta possibilidade de divulgação rápida de conteúdo por qualquer internauta graças às mídias sociais pode, segundo Terra (2011), ser nomeada de megafone da era digital por conta do poder que é conferido ao usuário – a internet é uma arma poderosíssima para o usuário-mídia expor os pontos fracos das organizações. De 39 fato, durante o Fórum HSM Marketing & Customer Trends realizado em setembro de 2011, a especialista nas áreas de tecnologia e mídias sociais Charlene Li destacou em sua palestra que 40% de todo o conteúdo das conversas que acontecem hoje nas mídias sociais citam marcas ou serviços. Se considerarmos o avanço e a proporção que as mídias sociais tomaram ao longo destes quatro anos desde a palestra de Li (2011) somados ao contexto estudado, é possível afirmar que quando se trata de reputação e imagem de suas marcas as empresas tem uma urgência real em aproveitar estas mídias, canal de comunicação em que o usuário é o principal responsável pelo conteúdo, como fonte de informação e possibilidade de criação de laços de confiança com estas pessoas. É através desta interação que o conceito que o consumidor tem a respeito da imagem e reputação destas empresas será formado, e as mesmas devem estruturar-se de modo a usar esta iteração a seu favor. Mas o que vem a ser a reputação de uma marca e como ela pode ser prejudicada ou bem vista através das mídias sociais e do compartilhamento de informações próprio das características dos usuários-mídia? 3.2 A reputação da marca em tempos de mídias sociais O termo “reputação” vem do latim “putus”, que vem de puro, sem misturas (SARAIVA, 1974). Portanto, cuidar da reputação significa dedicar-se a algo ligado a pureza. Os romanos chamavam suas crianças assim, e até hoje os portugueses chamam os meninos pequenos de “putos”, ou seja, puros. No século XIV, os franceses criaram a palavra “reputer”, que significa merecer confiança (ROSA, 2006). O curioso é que “putus” também deu origem a duas outras palavras: puta e deputado. A primeira era utilizada para chamar as meninas puras, ingênuas. E a seguinte surgiu quando, na hora de escolher alguém de confiança para negociar em nome do governo francês, o povo adotou a palavra députer. (HOUAISS, 2007). Ainda segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a palavra “reputação” significa o conceito de que alguém ou algo goza num grupo humano, ou ainda pode significar renome, estima e fama. A professora doutora Margarida Kunsch cita Ana Luísa de Castro Almeida ao definir a reputação de uma empresa como a consolidação de suas diversas imagens 40 ao longo dos anos, sendo uma representação coletiva das ações e resultados da organização, através do qual descreve-se a habilidade desta organização em gerar valores para seus múltiplos stakeholders11. Kunsch também cita uma pesquisa realizada pelo The Economist em dezembro de 2005 que analisava 269 gestores de risco de uma organização trouxe a público uma análise que mostrou que o risco de reputação e imagem são os mais altos e ameaçadores. A reputação de uma organização vem da maneira como ela é avaliada, é o julgamento, a avaliação que a mesma tem na opinião de seus stakeholders. Gabriel e Bennet (2001) afirmam no artigo "Reputation, trust and supplier commitment: the case of shipping company/seaport relations" do The Journal of Business and Industrial Marketing, que a reputação corporativa, assim como reputação pessoal, está implícita em julgamentos morais que servem de parâmetro para a confiança (ou não) no relacionamento com a empresa. Para que a reputação de uma organização seja positiva e de confiança como as próprias origens da palavra dizem é necessário traçar um planejamento estratégico da comunicação desta organização com seus públicos de interesse, de modo que a imagem que estes públicos têm desta organização e suas respectivas marcas esteja de acordo com a imagem que a mesma deseja transmitir. 3.3 A comunicação organizacional e a identidade de marca Foi através da comunicação que o homem passou a conhecer o mundo, os outros indivíduos e suas atitudes. Porém para que tudo seja compreensível, é necessário fazer uso da comunicação corretamente. Para que uma empresa possua bons comunicadores é necessário que estas pessoas estejam completamente cientes dos processos sob sua responsabilidade e é preciso que se reavalie frequentemente o repertório utilizado nesta comunicação, de modo a manter um progresso contínuo. Segundo Kunsch apud Trayer (2003, p.32) “existem quatro níveis diferentes de comunicação: o intrapessoal, o interpessoal, o organizacional e o tecnológico”. O nível intrapessoal é a forma como o indivíduo processa e consome informações; o nível interpessoal é como a comunicação entre os indivíduos os afeta 11 Público estratégico; uma pessoa ou grupo que possui interesse em uma empresa, negócio ou indústria. 41 mutuamente; o nível organizacional compõe a comunicação entre organização e públicos, ou seja, a comunicação utilizada para falar com fornecedores, prestadores de serviço e clientes; e o nível tecnológico caracteriza-se por como é feita a utilização de aparelhos mecânicos e eletrônicos para produzir, armazenar, processar e distribuir informações. Uma série de ferramentas pode ser utilizada para identificar, então, atender as necessidades dos consumidores de uma determinada empresa – essas ferramentas constituem a comunicação organizacional. Para que se construa uma imagem e identidade fortes e positivas da marca de uma empresa é necessário que se faça o uso adequado da comunicação organizacional. Vinculada aos aspectos corporativos e institucionais que explicitam o lado público de uma empresa, a comunicação organizacional constrói uma personalidade junto ao público. A prática da comunicação organizacional foi definida por inúmeros autores do mundo da comunicação e das relações públicas. A professora Margarida Kunsch cita em sua obra “Planejamento de Relações Públicas na comunicação integrada”, de 2003, o diferente posicionamento de alguns destes autores, como Abílio Fonseca e Pascale Weil, por exemplo. Fonseca afirma que a comunicação organizacional é um conjunto de procedimentos destinados a difundir informações de interesse público sobre as filosóficas, políticas, práticas e objetivo das organizações. Well reforça este conceito, e ainda afirma que uma organização não deve focar sua comunicação apenas como uma simples forma de divulgar suas marcas e produtos – deve se considerar um sujeito, uma fonte emissora de conteúdo e informação. Kunsch (2003) afirma que a identidade corporativa é a forma como uma organização se apresenta a seus públicos, o que ela é de fato. Já a imagem de uma organização pode ser analisada sob três prismas diferentes: a imagem corporativa, que é o retrato de uma organização; a imagem projetada, que é a autoapresentação da organização; e a imagem percebida, que é como os públicos de fato a enxergam. A Comunicação Organizacional é composta por: Comunicação Institucional (Relações Públicas); Comunicação Interna (Comunicação Administrativa) e Comunicação Mercadológica (Marketing). A despeito da máxima “A propaganda é a alma do negócio”, o departamento de Relações Públicas prova-se como a área principal de uma organização na gestão da comunicação organizacional. É o responsável pelo planejamento e gestão dos processos de comunicação com os 42 públicos estratégicos, incluindo atividades de prevenção e gerenciamento de crises corporativas e institucionais. E a imagem da organização percebida pelos públicos é, sem sombra de dúvidas, a mais importante quando se trata da reputação desta organização. As organizações fazem parte da sociedade, e estão sujeitas a todos os tipos de “turbulências ambientais provocadas por uma sociedade envolvida, se forma crescente, no fenômeno da globalização, e que exigirão respostas cada vez mais rápidas no que se refere à comunicação.” (KUNSCH 1997,p.15). A questão é: quais procedimentos devem ser tomados pelos envolvidos no planejamento desta comunicação para que esta imagem seja positiva, principalmente em uma era em que a informação se propaga a uma velocidade impressionante pelos meios digitais? Figura 10: Diagrama da comunicação organizacional. Fonte: KUNSCH (2003, p. 151) 43 3.4 A reputação é a alma do negócio É sabido que a sociedade atual vive envolvida em uma teia de tecnologia que está tão disseminada e enraizada, que muitas vezes passa despercebida. Mas segundo Mário Rosa (2006), este alheamento não faz com que todo este ecossistema digital desapareça ou não provoque uma crescente mudança na forma de se viver. Usando exemplos de fatos históricos ocorridos ao longo dos séculos, como o canibalismo, a escravidão e a Revolução Industrial, Rosa defende a teoria de que novas tecnologias trazem à sociedade uma nova ética. Os exemplos dados pelo autor justificam a tese: na época em que o homem era nômade e não possuía formas de produzir alimento que pudesse ser armazenado, era comum alimentar-se de seus inimigos de diferentes tribos, principalmente por não ter meios práticos de alimentá-los e mantê-los vivos como prisioneiros; com o desenvolvimento da agricultura a produção de alimento excedente tornou-se possível, e os grupos de pessoas passaram a fixar-se em um território só. Esta revolução tecnológica tornou abominável exterminar prisioneiros, portanto os mesmos passaram a ser feitos de escravos. Com a Revolução Industrial e o desenvolvimento das linhas de montagem, passou a ser impensável manter escravos nas fábricas, pois era preciso pagar estas pessoas para que se tornassem, além de tudo, consumidores dos produtos fabricados. Os exemplos citados pelo autor provam que a tecnologia acaba por impor um progresso moral à sociedade, estabelecendo novos códigos de conduta. O mesmo acontece quando nos referimos à atual era de desenvolvimento tecnológico em que vivemos: é necessário adaptar-se a esta nova realidade, adquirir novas práticas, entender que novos conceitos passam a predominar a respeito do que é considerado correto, moral e ético. É um novo mundo que, graças ao desenvolvimento de inúmeras ferramentas tecnológicas disseminadas de forma cada vez mais barata e acessível, é habitado por imagens de todos os tipos. Todos têm acesso a tudo o que todos fazem através de câmeras de segurança, webcams, smartphones, máquinas fotográficas, filmadoras e gravadores – aparatos que captam momentos e situações que podem, através da internet, ser expostos para todos. O público e o privado perdem o seu significado inicial, é preciso tomar muito cuidado com a forma de se expor neste mundo que possui novas formas de olhar, e 44 muitos olhos. Todos veem o mundo, mas o mundo também passa a ver a todos com seus acertos e, principalmente, seus erros. As pessoas se mostram mais receptivas àqueles que cuidam dos interesses comuns, o que significa que as empresas estão sofrendo pressões de acordo com novos requerimentos éticos. Os custos sociais de suas atividades se tornam foco de atenção e ação pública. Bromley (2003) afirma em seu artigo An Examination of Issues That Complicate the Concept of Reputation in Business Studies que não se pode levar em consideração apenas a questão econômica de uma ação empresarial, mas também o contexto social em que a organização se insere e o seu relacionamento com este contexto. Postas as características da nova sociedade em rede, quando falamos sobre o desafio de uma organização para tratar de sua reputação é entendível a complexidade da situação. Rosa (2006) afirma que novas tecnologias significam novas formas de uma empresa ter seus pontos fracos expostos uma vez que com a internet não existe mais o termo “entre quatro paredes”, tudo passa a ser transparente e a imagem da organização torna-se crucial. A oferta de produtos está cada dia maior, e a cada escolha de compra de um consumidor, um “não” é dito para todos os outros produtos concorrentes àquele que foi escolhido. Esta sociedade de superdemanda exige que o consumidor tome decisões cada vez mais rápidas, o tempo inteiro, em uma eterna disputa por atenção. Portanto, a marca escolhida é aquela na qual o consumidor confia. Na era da informação, não basta informar. Informar é obrigação. Informamos e somos informados o tempo todo. O desafio agora é convencer. O valor agregado está, primeiro, em despertar a atenção, como se fôssemos uma marca perdida numa gôndola infinita implorando aos transeuntes: pare, olhe pra mim! E quando isso acontece, quando despertamos a atenção de alguém para nossos serviços, para nossos produtos, para nossa marca, para nosso líder ou para nossa instituição, quando conseguimos parar esse olhar tão disputado, sabemos que o ato dele ou dela, de prestar atenção em nós, é algo extremamente perigoso. Porque embute o risco de uma opção errada, uma escolha que sempre pode gerar arrependimento. Por isso, para perenizar essa escolha, será preciso despertar e manter a confiança; Sem reputação, não há confiança. E sem confiança, não há escolha. Essa é a importância da reputação: ela é a ponte entre nós e a escolha dos outros. (ROSA 2006, p.119) A boa reputação de uma marca não garante a escolha do consumidor, mas a ausência dela pode servir para o descarte. É por isto que é de extrema importância lutar pela reputação, protegê-la, analisar e estudar com minúcia qual o impacto que as estratégias da organização terão sobre ela. Da mesma forma que a dúvida ou a 45 insegurança afastam o consumidor, a confiança o aproxima da marca. A reputação corporativa é influenciada pela qualidade de seus produtos e serviços. Porém, muito mais do que isso, ela é extremamente influenciada pela forma como a organização se apresenta para a sociedade. Will Einwiller (2002) diz que em alguns casos, reputação e realidade podem estar muito distantes. Uma avaliação objetiva ou subjetiva da reputação de uma organização deve ser construída de acordo com princípios psicológicos ou baseada em dados e fatos concretos, como relatórios, feedback de clientes, etc. Porém quando levamos em consideração que o consumidor dos dias de hoje é o mesmo individuo considerado um usuário-mídia nas redes, o consumidor 3.0 que precisa ser tocado emocional e espiritualmente para convencer-se a respeito de uma marca, a premissa de que novas tecnologias exigem uma nova etiqueta e novas regras de convívio social entre organizações e seu público torna-se mais palpável que nunca. O usuário-mídia é um crítico subjetivo, que partilha suas opiniões pessoais a despeito de quaisquer dados ou informações concretas sobre uma organização. Estar associado a valores ou mesmo despertar a admiração destas pessoas vai muito além das características físicas ou funcionais dos produtos e serviços oferecidos. Vivemos em um período em que as marcas terão de passar aos consumidores a ideia de transcendência, de perfeição, do encantamento, de uma experiência única que só é possível através do consumo daquele produto específico. O que todos nós vendemos é confiança. Por isso, quando acontece uma crise de reputação que afeta a capacidade dos outros de confiarem em nós, o que estará em discussão na verdade é a possibilidade de uma sentença de morte profissional ou empresaria. É por isso que a reputação passou a ser algo tão estratégico: passou a ser a alma do negócio. (ROSA 2006, p.123) 3.5 Flawsome: a humanização da marca Um novo termo, “flawsome”, foi criado recentemente e se tornou viral. O termo se refere a “flaw” (do inglês, significa “falha”) e “awesome” (do inglês, significa “incrível”). O site sobre tendências e consumo Trendwatching (www.trendwatching.com) define flawsome como uma característica de marcas que, mesmo com suas falhas, são consideradas geniais. São marcas que admitem seus 46 erros sem maiores problemas, são completamente transparentes com o público sobre isso, e mesmo assim são fantásticas por mostrarem empatia, generosidade, humildade, flexibilidade, maturidade e humor. Ser flawsome é ter uma mentalidade aberta e honesta, o que torna a marca confiável e digna de respeito e admiração. O Trendwatching também diz que existem dois vetores que alimentam esta tendência: o que chama de “Human Brands” ou Marcas Humanas, e “Transparency Triumph” ou Triunfo da Transparência. Uma marca é um símbolo capaz de distinguir os produtos ou serviços de uma determinada empresa no mercado. A professora e pesquisadora Isleide Arruda Fontenelle (2002) em seu livro “O Nome da Marca” parte da hipótese de que a marca atualmente é fruto do capitalismo contemporâneo e da cultura descartável que o mesmo alimenta, o que obriga as organizações detentoras destas marcas a uma produção incessante de símbolos, imagens e conteúdos que supram o vazio que permeia esta cultura fugaz. David Aaker, um dos mais renomados especialistas em estratégia de marcas da atualidade, em entrevista dada à HSM Management em março de 2012 define que o valor de uma marca se refere à sua medida de força; se observarmos a questão de forma simplista, está relacionado puramente com seu valor de mercado, o valor de seus ativos, de suas ações na Bolsa. Porém, uma companhia que encara suas marcas como um simples conjunto de atributos funcionais e financeiros está fadada ao insucesso: produtos e serviços com funcionalidades e preços semelhantes – se não idênticos – é o que mais se vê no mercado de extrema oferta dos dias atuais. Muito mais difícil de serem imitados são os fatores inatingíveis de uma marca, como sua imagem, seu prestígio, sua reputação quanto a qualidade e liderança, sua relação com seus consumidores. Aaker (2002) afirma que marcas devem desenvolver uma personalidade, e que esta personalidade tem o poder de torná-las memoráveis, interessantes ou mesmo transformás-las em um veículo que expressa a personalidade de quem as consome. O professor define algumas tarefas essenciais para uma organização desenvolver uma imagem forte de marca: 1) Definição de qual será a identidade da marca, o que a marca irá representar ou simbolizar; 2) Planejamento estratégico de uma equipe ou departamento que será responsável pela administração desta marca dentro da organização; 47 3) Comunicação, o que difere de pura e simples publicidade. É a compreensão de quem são os consumidores desta marca, qual seu estilo de vida, suas atitudes, seus valores, seus problemas; e a criação do vínculo da marca com estas pessoas relacionando a mesma a todos estes elementos que caracterizam e que definem quem a irá consumir. A identidade da marca é a imagem que se quer que essa marca tenha. Portanto, é o que se pretende que surja na mente dos clientes quando se mencionar a marca. Decide-se como se quer que seja essa percepção e desenvolvem-se produtos, serviços e um programa de comunicação para sustentar tal identidade. (AAKER 2002, p.2) Empresas são pessoas, e as marcas são o retrato humano das empresas, de modo que precisam representar mais que produtos ou ideias racionais. O ser humano confia em seu semelhante, em primeiro lugar, e as organizações necessitam partir do princípio que as suas marcas existem para atender às demandas humanas. Antigamente, uma crítica feita pelo boca a boca podia destruir a reputação de uma marca. Hoje, este boca a boca pode ter uma repercussão global. Uma forma de estar mais perto do seu consumidor final e criar os laços tão importantes na construção da identidade de uma marca, passando uma sensação de proximidade e amizade, de representação dos valores pessoais de quem as consome através da comunicação, as organizações têm optado estrategicamente pela humanização das marcas. É exatamente esta a proposta do flawsome: ser claro, transparente, humano, próximo do consumidor. Falar sua língua. Para ilustrar o conceito, traremos em seguida um caso real, ocorrido com a franquia brasileira de culinária Spoleto. 3.5.1 Caso Spoleto Em meados de 2012, o grupo produtor de vídeos humorísticos para a internet Porta dos Fundos desenvolveu e lançou no Youtube12 um vídeo de humor sob o título de “Fast Food” que criticava a franquia, cuja forma de preparação dos pratos era muito conhecida e única no cenário de refeições rápidas. O roteiro trazia um funcionário tratando mal uma consumidora indecisa no momento em que preparava 12 Site de compartilhamento gratuito de vídeos. 48 sua refeição, fazendo uma alusão clara a um problema recorrente e comum da franquia na época: a falta de treinamento e paciência dos atendentes. O vídeo, que tem hoje mais de 10 milhões de visualizações, rapidamente se tornou viral na rede, transformando a marca em questão motivo de comentários irônicos e negativos em todo o país. A resposta do Spoleto foi a mais inesperada possível: um novo vídeo do Porta dos Fundos, agora aprovado pela marca, trazendo mais uma brincadeira com o problema relatado, na qual o gerente da loja chamando a atenção do atendente e o ajudando a exercitar sua paciência com clientes indecisos. A resposta bem humorada do Spoleto deu certo. Os comentários positivos chegaram rapidamente e renderam uma parceria da empresa com o Porta dos Fundos, que realizou um outro vídeo publieditorial para a marca, e a mudança do nome do vídeo inicial “Fast Food” para “Spoleto”. Antonio Moreira Leite, diretor de marketing e franquias da empresa relatou em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo em Maio de 2013 que “é preciso reconhecer as falhas”, e como estes vídeos humorísticos fizeram bem para a saúde da reputação da marca: foi criado um serviço de atendimento ao consumidor para estimular os consumidores a compartilharem suas experiências nos franqueados, e a empresa recebeu muitos feedbacks de pessoas que afirmaram que haviam passado por uma situação parecida, mas que iriam reconsiderar e dar mais uma chance ao restaurante. Além disso, o case foi responsável por uma reanálise e reestruturação da área de marketing digital da empresa. Ao ser questionado sobre o que ficou de lição com relação ao caso, cujo estopim foi um vídeo de sátira e humor, Leite respondeu: Eles (o Porta dos Fundos) mostraram que a marca que não estiver atenta ao que é dito sobre ela ou não tiver a humildade de reconhecer (as falhas que viram sátiras), não sobrevive. Antes havia a máxima de que o cliente insatisfeito era caro porque espalhava a insatisfação para 20 pessoas. Hoje uma reclamação alcança 1 milhão. O Porta dos Fundos pôs as redes em outro nível para nós. (Entrevista de Antonio Moreira Leite concedida ao O Estado de São Paulo, em 06 de Maio de 2013) 49 Figura 11 – Prints do vídeo número 1 e alguns dos feedbacks dos internautas, em sua grande maioria negativos. Lançado em 2012, o vídeo recebe comentários até os dias de hoje. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Un4r52t-cuk>. 50 Figura 12 – Print do segundo vídeo, agora patrocinado pela empresa, mostrando o gerente conversando com o atendente a respeito do acontecido (no vídeo anterior). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ebe3s4TLfQ&index=1&list=FLcLS3DaYpS6J3cjb7Agmocg&src_v id=Un4r52t-cuk&feature=iv&annotation_id=annotation_672995>. Figura 13 – Detalhe da imagem: retratação pública da empresa na descrição do vídeo patrocinado. 51 Figura 14 – Prints dos feedbacks dos internautas com relação ao segundo vídeo, em sua grande maioria positivos. O vídeo foi lançado em 2012, e recebe comentários até os dias de hoje. Marcas humanas são marcas que possuem uma personalidade e que atendem ao consumidor que vive sob a influência da cibercultura com sua transparência e imediatismo. Na era do usuário mídia e da relevância das mídias sociais, os consumidores estão se beneficiando de uma exposição imensa das organizações e suas marcas, devido à enorme quantidade de avaliações de usuários, vazamentos de informações e índices de satisfação disponíveis na web. É necessário que estas empresas se preparem para um mundo em que tudo (atitudes, preços, qualidade, comportamento) é totalmente acessível, e então onde todas as suas falhas poderão ser descobertas. As marcas flawsome recebem os seus consumidores de braços abertos, se expõem com transparência, admitem seus erros e comemoram seus acertos. Como tantos autores até então citados afirmam e endossam, o profundo conhecimento do negócio, do mercado e do consumidor ajudam a empresa a traçar um planejamento estratégico assertivo de comunicação. A presença em fanpages no 52 Facebook, perfis no Twitter, Instagram, Pinterest, Flickr e tantas outras mídias sociais disseminando conteúdo relevante e em tom de conversação com seus consumidores celebra esta humanização das marcas, colocando em prática conselhos de tantos especialistas em estratégia, imagem e reputação organizacional. A cultura online é, para o consumidor online (ou seja, uma imensa parcela da sociedade), a cultura verdadeira. As fachadas corporativas que se mantêm sérias e inflexíveis estão na contramão do perfil e da mentalidade do usuário que vive conectado e partilha da cultura de se comunicar abertamente, imediatamente, cruamente. Levando em consideração todas as premissas expostas acima, as marcas consideradas politicamente incorretas no cenário do movimento de culto ao corpo e vida saudável e livre de produtos industrializados não têm o que temer. Como afirmado por Rosa (2006) empresas são construídas por pessoas, e pessoas estão passíveis a cometer erros. E vão cometer erros. A fórmula do sucesso não está em não cometê-los, mas em saber como o consumidor enxerga estes erros, e como gostaria que a empresa lidasse e se posicionasse com relação a isto. E, então, trabalhar o máximo possível para atingir estas expectativas. 4 AS MARCAS POLÊMICAS E AS MÍDIAS SOCIAIS Este trabalho traz o termo “polêmica” como sinônimo de algo controverso (DPLP, 2014). O contexto no qual se insere é o das marcas cujos produtos vão de encontro à fatia da sociedade que participa de um crescente movimento em prol do culto ao corpo, cujos valores pessoais e o ideal de felicidade estão diretamente relacionados a um estilo de vida saudável (sic), em que saúde e beleza estética se fundem. Politicamente incorretas e polêmicas, neste caso, é como são consideradas por estas pessoas as marcas de produtos que vão de encontro à filosofia que prega este movimento. As crises de imagem são eventos comuns e passíveis de acontecer na realidade de todas as organizações, e vêm se tornando cada vez mais presentes com o advento da internet. Ainda assim, segundo Rosa (2003) as crises constituem um campo da sociedade brasileira praticamente não explorado. Para o autor, a melhor maneira de lidar com uma crise é a sua prevenção, ou seja, preparar-se sempre da melhor forma possível para o pior, e trabalhar para que o pior nunca aconteça. Como diz o publicitário Duda Mendonça (2013) na contracapa do livro A Era do Escândalo, de Mário Rosa: “no mundo ultratecnológico de hoje nunca foi tão atual o que diziam nossos avós: prevenir é melhor que remediar”. Acreditar em prevenção, para uma imagem, é como gerenciar uma conta bancária: vai haver momentos de ganho e de perda. Importante, assim, passa a ser o saldo. Quanto mais positiva a imagem antes de uma crise, mais forte será e, consequentemente, menos vulnerável. Imagem positiva se conquista através da admiração. Admiração, por sua vez, conquista-se com atitudes – não só com discursos. Lembre-se: não adianta nada ser a favor do meio ambiente e poluir o rio! Comunicação é muito mais do que falar. Comunicação é tudo: cada gesto, cada detalhe. (MENDONÇA 2013, contracapa) 54 A necessidade de suprir as novas demandas da nova geração de consumidores faz com que as empresas tragam para si e para sua estratégia de comunicação a teoria transmidiática de Jenkins (2009) ou seja, a horizontalização da comunicação com seus stakeholders. A estratégia de comunicação adotada por organizações de todo o mundo, quando levada em consideração a nova realidade tecnológica em que a sociedade está inserida, interpreta a cultura da convergência da informação e engloba, entre outras ações de marketing e relacionamento, a presença nas mídias sociais. Mariela Castro (2013), diretora da agência de relações públicas Communication Advisors, disse em coluna escrita para a Exame, que manter relações duradouras com os consumidores é uma arte que requer criatividade, dedicação e autenticidade. Segundo a empresária, “a força do storytelling13 criando emoção, valores e a história de sua existência, tem muitas aplicações em toda a comunicação de uma marca”. O ato de “contar uma boa história” sobre a marca é que a aproxima dos stakeholders, sejam eles acionistas, funcionários ou clientes. As mídias sociais são uma ferramenta extremamente valiosa para ajudar as organizações a contarem esta história. No nicho de mercado selecionado para contextualizar este trabalho está a crescente multidão de adeptos do culto ao corpo e da vida saudável, que não apenas abdicam do consumo de produtos e serviços tidos como prejudiciais para o seu estilo de vida, como os criticam. Com a ajuda do desenvolvimento da tecnologia e da facilidade de acesso à rede em qualquer lugar, estas pessoas utilizam as mídias sociais para produção e compartilhamento de conteúdo que vai de encontro com o que fazem estas organizações, o que pode ser prejudicial para a imagem de marca das mesmas. Tomaremos por politicamente incorretas e polêmicas, portanto, as organizações que possuem marcas de produtos e serviços que podem ser associadas a uma imagem negativa por estas pessoas, como: bebidas alcoólicas, doces, produtos congelados, embutidos, refrigerantes e alimentos comercializados em cadeias de fast-food. Este capítulo faz uma análise da presença das principais marcas que englobam este hall nas mídias sociais e sua reputação perante os consumidores, a maneira 13 Palavra que vem do inglês story (estória) e tell (contar), e está relacionada à narrativa, à capacidade de contar uma história estruturada com começo, meio e fim. A definição de storytelling é, literalmente, narrar estórias. Fonte: Storytellers. Disponível em <http://www.storytellers.com.br/>. 55 como se comunicam com estes consumidores de modo a prevenir e contornar crises e mesmo como algumas delas lidam com críticas e acusações diárias nas mídias sociais, além de trazer os resultados estatísticos de uma sondagem de opinião a respeito dessa categoria de marcas nas mídias sociais, realizada com uma amostragem de 126 internautas. 4.1 As marcas mais valiosas do mundo Tomamos como base o ranking de marcas mais valiosas do mundo da agência Millward Brown, líder global na categoria de pesquisa, especializada em estudos a respeito da efetividade da publicidade, da comunicação estratégica, de mídia e do valor de marca das organizações. Anualmente, a Millward lança uma pesquisa com as top cem marcas mais valiosas do mundo, fruto de entrevistas feitas com mais de 150 mil consumidores ao redor do mundo. A agência afirma que a abordagem do relatório, chamado BrandZ, é feita através do reconhecimento da força do consumidor, e de como consumidores fiéis são extremamente valiosos para a criação de valor de uma marca. Segundo o resultado da pesquisa da Millward, as top 10 marcas de maior valor do mundo são respectivamente: Google, Apple, IBM, Microsoft, McDonalds, Coca Cola, Visa, At&t, Marlboro e Amazon. É interessante observar que três das dez maiores e mais fortes marcas do planeta (McDonald’s, Coca Cola e Marlboro) são marcas de fast-food, soft drinks14 e cigarros, marcas estas que comercializam produtos cujo consumo é exatamente o contrário do que prega a filosofia dos seguidores do movimento do corpo perfeito e vida saudável, extremamente ativo e influente nas mídias sociais. No restante do ranking, a pesquisa traz algumas outras marcas que podem ser consideradas politicamente incorretas sob o ponto de vista da análise deste trabalho, e seus respectivos lugares no ranking: Starbucks (considerada uma marca de fast-food, em 31° lugar), Subway (considerada uma marca de fast-food , em 43º lugar), KFC (também considerada uma marca de fastfood , em 83º lugar no ranking), Pepsi (marca de soft drinks, em 88º) e Red Bull (também uma marca de soft drinks, com o “agravante” de possuir taurina, uma 14 Soft drinks vem do inglês e são, traduzindo para o linguajar popular, os refrigerantes. São bebidas não alcoólicas que geralmente possuem adoçantes e corantes artificiais e são compradas prontas para o consumo imediato. O contrário dos soft drinks são os hard drinks, ou seja, bebidas alcoólicas. 56 substância estimulante bastante controversa15 utilizada em animais. Está em 92º no ranking das marcas mais valiosas do mundo). Figura 15 – Tabela do top dez marcas de maior valor no mundo, segundo pesquisa BrandZ, realizada pela Millward Brown no primeiro semestre de 2014. Fonte: Millward Brown. Disponível em: <http://www.millwardbrown.com/>. Os resultados da pesquisa a respeito do crescimento da fatia de cada categoria de mercado no último ano com relação ao ano anterior trouxeram o surpreendente crescimento do mercado de marcas de cerveja (mais de 14%), fast-food (mais de 10%) e soft drinks (mais de 4%). A análise da Millward (2014) com relação a este desempenho foi a de que o ramo cervejeiro continuou investindo em produtos diferentes, de modo a atender o desejo do sólido mercado consumidor com relação à oferta de novos sabores e sensações. As empresas do mercado de soft drinks, seguiram a mesma linha de raciocínio, e apesar de terem suas vendas diminuídas pelo nono ano consecutivo nos Estados Unidos, por conta da preocupação dos 15 A taurina, ou ácido 2-aminoetanossulfónico é um ácido orgânico, contendo enxofre, encontrado na bílis. De rápida absorção pelo intestino delgado, a substância possui ação estimulante ao acelerar o metabolismo e os batimentos cardíacos. A taurina é encontrada em bebidas soft drink energéticas, que geralmente são misturadas com bebidas alcoólicas. O oncologista e hematologista clínico Dr Renato Teixeira afirma que a taurina combinada com os demais elementos compostos pelas bebidas energéticas podem ter efeito alucinógeno e causar enfarto do coração. Bebidas energéticas contendo taurina são proibidas em alguns países, como França e Dinamarca. Fonte: A Voz da Serra. Disponível em: <http://www.avozdaserra.com.br/colunas/27/7747/taurina-e-combinacoes-combebidas-energeticas-fazem-muito-mal-a-saude>. 57 consumidores com hábitos mais saudáveis, continuaram investindo no mercado, e produzindo cada vez mais novos produtos – o que rendeu às mesmas um crescimento de mercado de 4%. As empresas de fast-food Starbucks e Chipotle tiveram um crescimento de 44% e 48% respectivamente: segundo os consumidores entrevistados, são as duas marcas que mais procuram quando querem ter uma refeição saborosa, porém um pouco mais saudável, em um local agradável. Figura 16 - As top dez maiores marcas de cerveja no mundo, segundo a BrandZ. Fonte: Millward Brown. Disponível em: <http://www.millwardbrown.com/>. 58 Figura 17 - Gráfico BrandZ afirma que 21% dos brasileiros estão propensos a experimentar novos sabores de cerveja. Fonte: Millward Brown. Disponível em: <http://www.millwardbrown.com/>. Figura 18 - As top dez maiores marcas de fast-food no mundo, segundo a BrandZ. Fonte: Millward Brown. Disponível em: <http://www.millwardbrown.com/>. Figura 19 - As top dez maiores marcas de soft drinks no mundo, segundo a BrandZ. 59 Fonte: Millward Brown. Disponível em: <http://www.millwardbrown.com/>. Através da análise destas tabelas, pode-se observar que apesar da queda de valor de marca de algumas marcas, principalmente devido à preocupação com hábitos saudáveis, continuam sendo top of mind dos consumidores. A figura 14 mostra que a marca de bebida não alcoólica de maior valor de marca no mundo é a Coca Cola, seguida pela Coca Diet – sua versão sem açúcar. Phillip Herr (2014), vice-presidente sênior da agência, afirmou no relatório final de análise da pesquisa que apesar de os fast-foods continuarem fortes e sólidos, as expectativas dos consumidores estão cada vez mais voltadas para as versões mais saudáveis dos alimentos e locais mais agradáveis para fazerem suas refeições. Herr observou que a pressão dos movimentos sociais a favor de uma vida saudável é crescente, e que as marcas que incluem este tipo de alimento em seus cardápios passam a ser muito mais bem vistas pelos consumidores. Outra maneira encontrada por estas empresas para associarem suas marcas aos adjetivos que propõem uma vida saudável e que proporcionam bem estar é reforçar que todos os alimentos são produzidos com vegetais frescos, carne magra, farinha integral, etc. Porém, apesar de alguns restaurantes como Burger King e McDonalds terem cedido à pressão a respeito dos hábitos saudáveis e terem de fato incluído opções como saladas e frutas frescas em seus cardápios, estes itens tem pouca saída. Como observado por Fontenelle (2003), a construção do nome de uma marca e a associação da mesma com a experiência que oferece tem um impacto gigantesco sob a forma como é vista pelos consumidores. No caso específico do McDonald’s, servir um alimento diferente daquele sobre o qual construiu toda uma cultura de consumo, apesar de atender à demanda da sociedade que critica a marca como um incentivador da obesidade, não muda o fato de que outros milhões de consumidores procuram os restaurantes em busca do que sempre estiveram acostumados. As pessoas que buscam estes restaurantes específicos para realizarem suas refeições vão até eles em busca de uma experiência única, que apenas nestes locais podem encontrar, no caso, os hambúrgueres e batatas fritas. No Brasil, conforme reportagem da revista Exame datada de 4 de junho de 2014, a consultoria Merco divulgou um ranking com as empresas com melhor reputação no país. A AMBEV, companhia de Bebidas das Américas, detentora de 60 quase todas as marcas de cervejas do Brasil, ficou em 3º lugar no ranking. Com um lucro líquido de mais de 4 bilhões de dólares, a empresa ultrapassou outras potências como o Google. A Nestlé ficou em 4º lugar, com um crescimento de quase 3% em vendas com relação ao ano anterior. Em 10º lugar está a Coca Cola, 6ª empresa mais admirada do planeta. Em 75º lugar no ranking está a Mondelez, antiga Kraft Foods, maior fabricante de chocolates, biscoitos e balas do mundo e detentora de marcas como Lacta, Club Social, Tang e Royal. O ranking da Merco se modifica um pouco quando se considera apenas empresas do setor AB 16, e neste caso algumas outras marcas entram em cena como McDonald’s, Pepsico e Danone. Figura 20 – As onze empresas mais respeitadas do setor de alimentos e bebidas no Brasil, segundo a Merco. Fonte: Exame. Disponível em <http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/veja-as-cem- empresas-mais-respeitadas-do-pais-por-setor>. Em todos os casos, é visível que a grande maioria de empresas de alimentos e bebidas cuja reputação e imagem de marca estão entre as cem ou mesmo entre as dez melhores do mundo, podem ser consideradas polêmicas segundo o movimento em prol da saúde e prática de hábitos saudáveis. São empresas de fast-food, refrigerantes, doces e bebidas alcóolicas que parecem não ter sua reputação abalada com a crescente onda de críticas a seus produtos e serviços. As pesquisas mostram um imenso investimento em propaganda, desenvolvimento de novos 16 Alimentos e Bebidas 61 produtos, melhor distribuição, promoções. Mas além das estratégias de mercado adotadas por estas empresas ao redor do mundo para obterem uma maior aceitação do consumidor quando se trata da adoção de hábitos saudáveis, a história que estas empresas utilizam e a comunicação e relacionamento que tem com seus consumidores é imprescindível. As pesquisas que serviram de ilustração para este tópico possuem uma análise globalizada das organizações, e tem foco específico na opinião dos consumidores com relação às marcas como um todo. Mas é necessária a análise da profundidade da atuação destas empresas no ambiente onde se encontram seus consumidores atualmente para uma melhor compreensão do tamanho sucesso que fazem, independente das potenciais crises de imagem que podem ser causadas por grupos antipáticos a elas: a internet. Para realizar esta análise entre reputação e boa imagem de marca pelos consumidores, especificamente os brasileiros, e qual a presença que estas marcas têm nas mídias sociais, será utilizado o ranking da Merco. Neste ranking fica claro que dentre as dez empresas de melhor reputação no Brasil, três são de alimentos e bebidas que podem ser consideradas polêmicas e politicamente incorretas sob o prisma de análise deste trabalho – o que é um fato, no mínimo, interessante. 4.2 Análises de casos reais: reputação e prevenção de crises nas mídias sociais Em agosto de 2014, uma pesquisa da Hitwise da Serasa Experian, envolvendo mais de um milhão de usuários, trouxe uma análise do acesso às mídias sociais no Brasil durante o mês de julho. Os dados apontam que o Facebook recebeu 66,99% das visitas, seguido pelo Youtube (23,09%) e do Yahoo Respostas (1,53%). O Twitter ficou em 4º lugar com 1,39% das visitas. Um outro fato importante apontado pela Hitwise foi o tempo gasto em cada uma destas mídias: neste quesito o Facebook também saiu na frente, com mais de trinta e quatro minutos por visita. Estes resultados apontam a importância das mídias sociais na vida do internauta brasileiro hoje, e o potencial de oportunidades da presença das marcas nestas mídias em que se faz possível a comunicação direta com os consumidores, além de monitoramento de concorrência, antecipação de tendências e a maximização dos resultados de campanhas multiplataformas. 62 Levando em consideração a importância do trabalho estratégico de marca e comunicação nas midas sociais e a necessidade de se traçar um paralelo entre esse trabalho e uma boa reputação, será feita a análise de casos reais da presença de marcas nas mídias sociais. Segundo a doutora Ana Maria Roux Valentini Coelho Cesar (2005), pode-se dizer que os estudos de caso são descrições complexas de uma realidade, que envolvem um grande conjunto de dados; os dados são obtidos basicamente por observação pessoal; o estilo de relato é informal, narrativo, e traz ilustrações, alusões e metáforas. Assim, um estudo de caso é mais indicado para aumentar a compreensão de um fenômeno do que para delimitá-lo. O método do estudo de caso tem uma abordagem qualitativa, e pode ser utilizado para coletas de dados e análises na área dos estudos organizacionais, e esta utilização pode envolver tanto situações de estudo de um único estudo de caso, quanto situações de múltiplos estudos (CESAR apud YIN, 2005), como será feito a seguir neste capítulo. Neste contexto, serão utilizadas como base para análise as marcas de alimentos e bebidas que estão entre as dez primeiras do ranking Merco de melhor reputação no país: Ambev, Nestlé e Coca Cola, além da cadeia de fast-food McDonald’s, por ser uma marca polêmica e por estar no ranking das top 10 empresas de alimentos e bebidas de melhor reputação no Brasil, também segundo a Merco. 4.2.1 Ambev A Ambev faz parte da Anheuser-Busch InBev n.v./s.a (ABI), maior grupo cervejeiro do mundo, e é dona das marcas mais populares de cerveja no Brasil como Skol, Brahma e Antarctica. As marcas Ambev têm uma fortíssima presença na rede, e utilizam o conceito hipermídia em sua comunicação: vídeos, textos, imagens, jingles, patrocínio de festivais, concursos gastronômicos, e milhões de fãs e seguidores nas mídias sociais. Cada uma das marcas possui um apelo diferente de comunicação, de acordo com o perfil específico de cada consumidor. A marca de cerveja Skol, por exemplo, tem um apelo jovem e descontraído; a marca de cerveja Budweiser é voltada para um público também jovem, mas mais requintado e fã de festivais de música internacional; a Antarctica tem um apelo um pouco mais popular, voltado para um consumidor mais adulto. Por ser uma cerveja muito popular no Rio 63 de Janeiro, foca bastante sua comunicação nas mídias sociais no consumidor carioca. É importante observar como a comunicação se conversa em todas as mídias sociais diferentes utilizadas por cada marca: Twitter, Facebook, Instagram, etc. Apesar de ser uma marca que pode ser considerada politicamente incorreta pelo nicho de mercado analisado para este trabalho, a Ambev não sofre quaisquer ameaças ou críticas nos perfis sociais de suas marcas. Pelo contrário: a empresa é muito bem vista, e possui feedbacks extremamente positivos de todos os consumidores que amam e se identificam com suas bebidas favoritas Figura 21 – Site institucional da Skol, uma das maiores marcas de cerveja do país. É possível observar o conteúdo transmídia neste caso: vídeos, texto e indicação dos perfis nas mídias sociais. Disponível em: <http://www.skol.com.br/>. 64 Figura 22 – Perfil da Skol no Facebook – mais de 13,5 milhões de fãs da marca. Disponível em: <https://www.facebook.com/skol?fref=ts>. 65 Figura 23 – Perfil da Skol no Facebook – Comentários de aprovação ao post da marca. Disponível em: <https://www.facebook.com/skol?fref=ts>. 66 Figura 24 – Perfil da Skol no Twitter – sincronia de conteúdo com as outras mídias sociais. Disponível em: <https://twitter.com/skolweb>. Figura 25 – Perfil da Budweiser Brasil no Facebook – conteúdo diferenciado para um público mais seleto. Disponível em: <https://www.facebook.com/BudweiserBrasil?fref=ts>. 67 Figura 26 – Perfil da Budweiser Brasil no Facebook – Postagem acertada, cuidado em selecionar posts que tenham a ver com o gosto dos fãs que seguem a fanpage da marca. Disponível em: <https://www.facebook.com/BudweiserBrasil?fref=ts>. 68 Figura 27 – Perfis da Antarctica no Facebook e Instagram– conteúdo popular e mais de 3,2 milhões de fãs. Disponível em: <https://www.facebook.com/Antarctica?fref=ts>. 69 Figura 28 – Comentários positivos nas postagens da Antarctica em sua fanpage no Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/Antarctica?fref=ts>. 4.2.2 Nestlé A segunda empresa a ser analisada é a Nestlé, a maior empresa mundial de alimentos e bebidas. Presente em todos os países, sua missão institucional é melhorar a qualidade de vida de seus consumidores, produzindo, segundo o site institucional da empresa (2014), produtos saudáveis e saborosos. Apesar de também fabricar alimentos e bebidas como águas minerais cafés, suplementos alimentares, papinhas para bebês, cereais e biscoitos integrais, alimentos à base de soja e iogurtes desnatados, 31 das 55 marcas de produtos da empresa continua sendo alvo de críticas dos formadores de opinião dos crescentes grupos favoráveis a uma dieta orgânica e natural: são marcas fortíssimas de chocolates, biscoitos e iogurtes doces contendo açúcar e conservantes. Mesmo assim, a empresa está entre as 10 marcas de melhor reputação no país (segundo a Merco). Com relação à sua atuação nas mídias sociais, a Nestlé Brasil possui uma página institucional muito forte no Facebook, em que conta com mais de 6,6 milhões de fãs, porém não são todas as suas marcas que estão presentes em nas mídias sociais. A empresa selecionou algumas marcas mais estratégicas para a 70 comunicação com o consumidor e faz um excelente trabalho com elas, sempre com foco em qual tipo de conteúdo o consumidor de cada marca de deseja ter acesso. Marcas Nestlé extremamente fortes nas mídias sociais são, geralmente, as marcas mais jovens ou infanto-juvenis como KitKat, Negresco e Nescau; porém marcas mais voltadas para a culinária e o público adulto como Moça e Nestlé Grego, também encontram-se presentes – cada uma voltada especificamente para o perfil geral do consumidor, e a qual conteúdo ele deseja ter acesso na internet. Figura 29 – Perfil do KitKat Brasil no Facebook –mais de 24 milhões de fãs. Disponível em <https://www.facebook.com/kitkatbrasil?fref=ts. 71 Figura 30 – Post divertido da marca no Facebook, com linguagem jovem descontraída e incentivando a participação dos fãs – mais de 12,3 mil likes. Disponivel em: <https://www.facebook.com/kitkatbrasil/photos/a.282736418474802.69423.268769146538196/703702 886378151/?type=3&theater>. Figura 31 – tag com o nome #kitkat no Instagram possui mais de 1,3 milhões de posts – quase um milhão a mais que a hashtag Geração Pugliesi 72 Figura 32– Perfil da marca Negresco no Facebook – posts direcionados para jovens. Disponível em: <https://www.facebook.com/NegrescoBrasil?fref=ts>. Figura 33– Perfil da marca Nestlé Grego no Facebook – posts direcionados para um público adulto e seleto. Disponível em: <https://www.facebook.com/nestlegrego?fref=ts>. 73 Figura 34 – Perfil da marca Nescau no Facebook – posts direcionados para famílias e público infantil; mais de 2 milhões de fãs. Disponível em: <https://www.facebook.com/NESCAU?fref=ts>. Figura 35 – Perfil da marca Moça no Facebook – posts direcionados o tema culinária. Disponível em: <https://www.facebook.com/NESCAU?fref=ts>. 74 A Nestlé possui em seu currículo algumas crises de imagem de marca, como o case ocorrido em 2010 a respeito do óleo de palma que a empresa utilizava na fabricação de seu chocolate KitKat17. Porém nenhuma crítica ou ataque é feito em suas mídias sociais com relação à qualidade nutricional de seus produtos. A crise pontual citada, foi gerada pelo Greenpeace18, que publicou vídeos e fez diversos ataques à empresa, acusando-a de ajudar na destruição de florestas tropicais na Indonésia, ao se associar aos produtores do óleo de palma que utilizava na fabricação do chocolate. As florestas desmatadas para extração do óleo abrigava uma espécie de orangotangos que passaram a ser ameaçados de extinção. Quando ocorreu a crise, a Nestlé manteve-se momentaneamente calada a respeito da grande repercussão dos fatos, e ainda posicionou-se fria e até mesmo rude ao responder mal ou deletar os posts de alguns consumidores revoltados em sua página do Facebook, em um primeiro momento. Porém, o posicionamento da empresa quanto à questão do óleo de palma foi solucionado: após oito semanas de intensa campanha do Greenpeace e uma viralização impressionante da mesma na mídia jornalística e nas mídias sociais, a Nestlé se comprometeu a parar de comprar matéria-prima de fornecedores que desmatam as florestas tropicais, passando a exigir um certificado de que o produto – no caso, o óleo de palma – viesse de fontes sustentáveis. O posicionamento da empresa foi comemorado por todos, extremamente bem aceito pelos consumidores e aplaudido publicamente pelo próprio Greenpeace. 17 Link de notícia sobre a crise disponível em http://aquintaonda.blogspot.com.br/2010/03/nestle-egreenpeace-travam-queda-de.html 18 Órgão internacional e não governamental que atua no mundo todo a fim de defender e proteger o meio ambiente. 75 Figura 36 – Print de um dos vídeos que se tornaram virais no Youtube. Esta cópia, postada pelo perfil do Greenpeace Brasil, possui quase 90 mil visualizações. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=VaJjPRwExO8>. Figura 37 – Imagem de uma das manifestações do Greenpeace em frente à sede da Nestlé, nos Estados Unidos. Fonte: Greenpeace. Disponível em: <www.greenpeace.com>. 76 Figura 38 – Print de comunicado oficial da Nestlé Internacional, afirmando seu comprometimento com a não-devastação de florestas tropicais para coleta do óleo de palma, utilizado em seus chocolates KitKat. Disponível em: <http://www.nestle.com/media/Statements/Update-on-deforestation-and-palmoil>. 77 Figura 39 – Print de comunicado no site do Greenpeace, informando a respeito do comprometimento da Nestlé com a não-devastação de florestas tropicais para coleta do óleo de palma, após intensa campanha por parte da organização não-governamental. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/international/en/about/history/Victoriestimeline/Nestle/>. 4.2.3 Coca Cola A terceira empresa de alimentos e bebidas de melhor reputação no Brasil segundo a Merco nas mídias sociais é a Coca Cola. A Coca está presente em mais de 200 países ao redor do mundo, e responde por mais de 400 marcas de bebidas não alcoólicas, entre as quais, quatro das cinco marcas mais consumidas no planeta: Coca Cola, Coca Cola Light, Fanta e Sprite. É uma das organizações mais conhecidas, estabelecidas e sólidas do mundo, e a marca da Coca Cola sozinha já expandiu seu portfólio de produtos para roupas, sapatos e rádios FM. Segundo a Merco (2014) é a 10ª empresa mais admirada no Brasil, ocupando o 10º lugar no 78 ranking total e o 3º lugar se considerarmos apenas o mercado AB. A presença das marcas da Coca Cola nas mídias sociais é extremamente forte. O perfil da marca no Facebook possui mais de 88 milhões de fãs apenas no Brasil, enquanto a sua versão “light”, a Coca Cola Zero, aparece com mais de 6,6 milhões de fãs. O segredo de tamanho sucesso é a comunicação extremamente assertiva com seus quase um bilhão de fãs online, com uma estratégia de desenvolvimento de conteúdo que vai ao encontro de todos os interesses do público-alvo da marca cujo slogan atual (2014) é: “Abra a felicidade”. Figura 40 – Perfil da Coca Cola Brasil no Facebook – 87,4 milhões de fãs. Disponível em: <https://www.Facebook.com/cocacola?fref=ts>. 79 Figura 41 – post da marca no Facebook com mais de 14,4 mil likes e mais de mil compartilhamentos. Disponível em: <https://www.facebook.com/video.php?v=10153356095523306&set=vb.40796308305&type=3&theate r>. 80 Figura 42 – Perfil da Coca Cola Zero no Facebook – posts divertidos para um público adulto e seleto, e mais de 6.6 milhões de fãs. Disponível em: <https://www.facebook.com/cocacolazero?fref=ts>. Figura 43 – Post da Coca Cola Zero no Facebook – participação de fãs da marca e interação direta com os consumidores nos comentários. Disponível em: <https://www.facebook.com/cocacolazero/photos/a.427519348229.233428.61124008229/1015238018 7108230/?type=1&theater>. 81 Figura 44 – Coca Cola FM, com interação ao vivo via Facebook. Disponível em: <https://www.coca-cola.fm/br/base/>. Figura 45 – Site da Coca Cola Shoes. Disponível em: <http://www.cocacolashoes.com.br/>. 82 Figura 46 – Site da Coca Cola Jeans. Disponível em: <http://cocacolajeans.uselets.com.br/>. Ser a maior empresa de soft drinks do mundo possui seu revés. Como dito por Rosa (2006), todos os indivíduos e organizações estão em risco quando se fala a respeito de crise de imagem, a grande diferença a respeito das consequências de uma eventual crise está na forma como a mesma é tratada. A Coca Cola recebe diariamente uma série de críticas em suas mídias sociais a respeito da qualidade dos produtos que comercializa, porém a marca principal, da bebida que leva o nome da empresa, é o maior alvo de todos. A cada publicação no Facebook, alguns consumidores rebatem com críticas à qualidade nutricional da bebida. A diferença está na maneira como a marca reage, impedindo que estes ataques cíclicos se tornem, de fato, em uma grande crise de imagem de marca. Neste caso, a empresa responde às críticas instantaneamente, de forma amigável e educativa, atraindo a atenção – e a admiração – cada vez maior de seus fãs. 83 84 Figura 47 – Prints de comentários ofensivos à qualidade nutricional da Coca Cola feitos no Facebook, e o posicionamento da empresa a respeito dos mesmos. Em 2013 a Coca Cola sofreu uma séria crise no Brasil, porém em nada vinculada à qualidade nutritiva do produto. De toda forma, é um case que vale a pena ser avaliado, visto que mostra o posicionamento da marca através das mídias sociais. Em setembro de 2013 um telejornal noticiou um problema de um consumidor com a Coca-Cola e vinculou o mesmo a outra matéria veiculada há cerca de dez anos. Nela, o consumidor em questão alegava ter tido sérios problemas de saúde após o consumo do refrigerante e também questionava a empresa por ter encontrado um rato dentro de uma das garrafas compradas. O vídeo se espalhou rapidamente nas redes, e teve milhares de acessos e compartilhamentos, colocando a marca sobre os holofotes dos críticos e gerando centenas de milhares de comentários negativos a respeito da marca. 85 Figura 48 – Print do vídeo publicado no perfil do portal R7. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9wq3kmLscSE>. A consultoria de Relações Públicas digitais Presença Online19 realizou, na época, grande análise a respeito da crise da Coca Cola. Para medir o impacto deste assunto dentro do universo da marca realizaram um levantamento de dados que comprovou que a maior parte das menções no dia 17/09/2013 (82%) se referiam ao caso do rato, o que demonstrou um forte potencial de abrangência. Contudo, treze dias depois essa porcentagem caiu para 35%, o que já evidencia um “esfriamento” da crise. A primeira reação da marca foi um pronunciamento oficial publicado no dia 17/09 sobre o fato em sua página no Facebook, com o objetivo de dispersar os boatos (figura 50). Porém apenas o comunicado em texto não supriu as expectativas dos fãs e não acalmaram as publicações sobre o problema. Então, em uma nova tentativa de amenizar a crise, a empresa publicou no dia 26/09 em seu canal oficial do YouTube um vídeo sobre como funciona o processo de produção do refrigerante e convidando as pessoas a conhecerem uma fábrica da Coca-Cola (figura 51). 19 Disponível em: <http://presencaonline.com/artigos/o-rato-roeu-a-garrafa-de-coca-cola-analise-dacrise/>. 86 Figura 49 – Tabela comparativa sobre o percentual de comentários sobre o tema durante o mês de Setembro de 2013. Fonte: site Presença Online; setembro de 2013. Disponível em: <http://presencaonline.com/artigos/o-rato-roeu-a-garrafa-de-coca-cola-analiseda-crise/>. Figura 50 – Print do post com o comunicado oficial da Coca Cola a respeito da acusação do consumidor que encontrou um rato dentro de uma garrafa do produto. Fonte: site Presença Online; setembro de 2013. Disponível <http://presencaonline.com/artigos/o-rato-roeu-a-garrafa-de-coca-cola-analise-da-crise/>. em: 87 Figura 51 – Print do vídeo da Coca Cola no Youtube, convidando os consumidores a conhecerem a fábrica do produto e todas as medidas de segurança e atestados de qualidade. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=RAfcv3CW_Jo>. O posicionamento da empresa modificou radicalmente o teor das menções à marca nas redes, e as menções negativas à marca caíram de 86% para 34%, e os posicionamentos neutros subiram de 13% para 63% em menos de quatorze dias. Porém, o assunto das menções – o caso do rato na garrafa – continuou o mesmo. Isto significa que as pessoas tomaram posições mais imparciais a respeito do caso após os pronunciamentos da marca. Passado um tempo, o Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que a contaminação por um rato no processo de fabricação da bebida seria impossível, portanto a indenização solicitada pelo consumidor que causou toda a crise foi negada. 88 Figura 52 – Print de reportagem da revista Exame.com sobre o pronunciamento da justiça quanto ao caso. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/rato-na-coca-cola-nunca-existiuconclui-tj-sp>. 89 Figura 53 – Print do site da Coca Cola com release sobre a decisão da justiça quanto ao caso. Disponível em: <http://cocacolabrasil.com.br/imprensa/release/justica-conclui-impossivel-a- contaminacao-por-rato/>. A agência Presença Online concluiu o estudo afirmando que a empresa apostou no perfil de seus consumidores para se pronunciar de forma clara e transparente, o que ajudou no julgamento a seu favor pelo Tribunal de Justiça, e fez com que a crise de imagem da marca naquela situação entrasse em declínio. Afirmou ainda que o brasileiro é, além de extremamente presente e ativo nas mídias, muito irônico. E o problema com a Coca Cola não foi diferente: após algum tempo e esclarecido o caso, os internautas passaram a fazer piadas sobre o assunto. Apesar da conotação negativa, tais brincadeiras não trouxeram problemas para a empresa, que ainda hoje sofre pressão de críticas de alguns pouquíssimos internautas a respeito do fato, associadas sempre a alguma outra acusação a respeito do conteúdo o produto, às quais a empresa responde pronta e claramente. 90 Figura 54– Print de um post da Coca Cola no Facebook, feito no dia 12/08/2014, e detalhe do comentário do usuário, ironizando a marca a respeito da quantidade de açúcar do produto, e da polêmica sobre o rato dentro da garrafa. A empresa respondeu imediatamente, com transparência e educação. 4.2.4 McDonald’s O McDonald’s é, segundo seu site institucional, a maior e mais conhecida rede de fast-food do mundo. Está presente em 119 países, e possui mais de 33 mil restaurantes que atendem a mais de 64 milhões de clientes, diariamente. No Brasil, a rede é operada pela Arcos Dourados, uma máster franqueada da marca em toda a 91 América Latina, e conta com quase 700 restaurantes. Segundo a pesquisa Merco, o McDonald’s encontra-se entre as 10 empresas de alimentos e bebidas mais bem vistas no Brasil, ocupando o 8º lugar no ranking - a revista Exame, da Editora Abril, afirmou em uma reportagem de junho de 2014 que aproximadamente 1% da população mundial é consumidora da marca, que disponibiliza opções de alimentos específicos e populares em cada país em que atua, para agradar seus clientes. Analisando a presença digital do McDonald’s, é possível observar que a marca possui perfil em todas as principais mídias sociais: Facebook, Twitter e Instagram. O perfil institucional do McDonald’s no Facebook possui mais de 31,9 milhões de fãs, a página McDonald’s Brasil possui mais de 5,1 milhões. A marca possui também mais de 27 mil seguidores no Instagram e 97,2 mil no Twitter, apenas no Brasil. O apelo da marca nestas mídias é bem definido: alegria, felicidade, em uma linguagem jovem e bastante conectada com a forma de comunicação na internet (gírias, brincadeiras, emoticons20) que conversa e agrada a todos os públicos. O slogan da marca é “I’m loving it”, traduzida para o português como “Amo muito tudo isso”. Porém, assim como sua fornecedora exclusiva de bebidas, a Coca Cola, o McDonald’s sofre, diariamente, uma série de ataques à qualidade nutricional dos alimentos que comercializa. Ao contrário da Coca Cola, a grande maioria dos ataques e críticas à marca são feitos nos perfis internacionais do McDonald’s: no Brasil, a grande maioria dos comentários são positivos. As críticas, reclamações e elogios feitos nos perfis da marca são sempre prontamente respondidas pela equipe de gerenciamento de mídias sociais – com destaque para os perfis internacionais. No Brasil, o gerenciamento do feedback dos internautas, seja com relação a críticas ou elogios, é omisso. 20 Do inglês emotion (emoção) e icon (ícone), são imagens formadas por caracteres de computador utilizadas por internautas para ilustrar sentimentos em textos de conversas na internet. 92 Figura 55 – Print do perfil do McDonald’s Brasil no Facebook: mais de 5,1 milhões de fãs. Disponível em: <https://www.facebook.com/McDonalds?fref=ts>. Figura 56 – Print do perfil do McDonald’s Brasil no Twitter: conteúdos nas mídias sociais se conversam em tópicos alinhados e linguagem despojada. Disponível em: <https://twitter.com/McDonalds_BR>. 93 Figura 57– Prints do perfil do McDonald’s Brasil no Instagram e alguns comentários nas imagens: 27 mil seguidores satisfeitos com a marca. Figura 58 – Linguagem despojada e divertida na fanpage da marca no Facebook: 4,1 mil likes. 94 Figura 59 – Informação sobre novo produto disponibilizado no menu para crianças: mais de 890 likes e aprovação do público nos comentários. 95 Figura 60 – Print dos comentários de um post aleatório do perfil internacional da marca no Facebook: respostas rápidas e precisas a feedbacks positivos e negativos. 96 Figura 61– Prints de um post e seus respectivos comentários no perfil do McDonald’s Brasil no Facebook: nenhuma resposta aos feedbacks positivos ou negativos. 97 Uma grande crise de imagem vivenciada pela marca nas mídias sociais aconteceu em 2012, no perfil institucional do McDonald’s no Twitter. Foi criada a hashgtag “#McDStories”, incentivando os internautas a postarem suas boas lembranças no restaurante com a hashtag em seus microblogs. Porém, o efeito foi devastador: milhares de pessoas passaram a fazer críticas ao serviço dos restaurantes e qualidade nutricional dos alimentos utilizando a hashtag (figura 62). O diretor de mídias sociais da empresa na época, Rick Wion, afirmou ao site paidcontent.org que em menos de uma hora foi possível perceber que a ação não saiu como planejada, e que foi negativa o suficiente para mudar o rumo da campanha. De toda forma, a marca se tornou uma piada internacional na internet por algum tempo. Figura 62 – Prints do Twitter oficial da marca e comentários de usuários utilizando a hashtag: reclamações sobre experiências ruins vivenciadas, histórias sobre a qualidade nutricional ruim dos alimentos e piadas criticando a qualidade dos produtos. 98 Neste caso, a marca não se pronunciou a respeito, esperando que a história esfriasse – e esfriou. Porém, uma série de projetos passaram a ser implantados para evitar futuras crises – exemplo: todos os websites da companhia, ao redor do mundo, possuem hoje uma área que fala sobre a qualidade dos alimentos e responde às perguntas dos consumidores. No Canadá, a empresa criou uma plataforma social online, em que os internautas enviam as suas perguntas, e as mesmas são respondidas por texto e vídeo por especialistas e funcionários da empresa. A ação é um grande sucesso e se tornou um case do McDonald’s a respeito de controle e prevenção de crise de imagem com estratégias de comunicação. Figura 63 – Print do site do McDonald’s Brasil e a área onde explica a origem de seus produtos. Disponível em: <http://www.mcdonalds.com.br/>. 99 Figura 64– Print do site do McDonald’s USA e a área onde explica a origem de seus produtos. Disponível em <http://www.mcdonalds.com/us/en/home.html>. Figura 65 – Print da plataforma social de perguntas e respostas do McDonald’s Canadá. Disponível em: <http://www.mcdonalds.ca/ca/en.html>. 100 A presença das marcas expostas acima nas mídias sociais é intensa, e seu relacionamento com o consumidor pode ser considerado, em sua maioria, muito próximo, amigável e transparente, em uma conjuntura em que há o fornecimento de conteúdos e serviços relevantes por parte das marcas e feedback positivo por parte dos internautas. Diante de tantas críticas e suposições negativas a respeito do consumo destes produtos e de sua presença na mídia (neste caso, como uma má influência a adultos e crianças), nas situações vistas percebe-se que a crescente aderência do público aos hábitos saudáveis que condenam o consumo dos mesmos não se faz tão impactante quando o relacionamento entre marca e cliente é forte. Entretanto, é necessário entender se, como nos casos analisados a boa convivência entre marca e consumidor se dá pelo fato de a maioria dos internautas seguidores das fanpages supracitadas serem clientes fiéis às marcas referidas; se a grande maioria dos usuários destas mídias é simplesmente neutra aos posts destas e de outras marcas que podem ser consideradas politicamente incorretas por seus produtos e serviços nas mídias sociais ou se os críticos reais destas marcas são um grupo de pressão pequeno, por vezes barulhento e incômodo, mas que não são e não representam a maioria – neste caso, tornando-se totalmente indiferentes e com baixíssimo potencial de serem, eles, os causadores de crises. Para que estas perguntas possam ser respondidas requer-se um estudo um pouco mais específico sobre a opinião dos usuários comuns das redes e como se sentem com relação à presença de marcas de produtos e serviços nas mídias sociais - sendo elas polêmicas ou não. E, caso sejam marcas politicamente incorretas sob a abrangência do tema deste trabalho, é necessário compreender se este fato pode vir a ser um incômodo para estas pessoas. E para compreender qual a opinião destes potenciais consumidores, usuário de mídias sociais no Brasil, foi realizada uma sondagem de opinião no mês de julho de 2014, com uma amostra de 126 pessoas, a qual explicaremos mais detalhadamente a seguir. 4.3 Sondagem de opinião: os perfis sociais das marcas polêmicas No período de 6 a 8 de julho de 2014 a autora realizou uma sondagem de opinião, sem fins científicos, com usuários do Facebook, Twitter, Google +, Linkedin, 101 Instagram, Tumblr, Pinterest e blogs com o objetivo de entender como estas pessoas se relacionam com presença das marcas nas mídias socais. A amostra foi intencional e baseada na rede de contatos da autora, formada por pessoas de diversas idades e classes sociais, de modo a tornar possível a análise do impacto do movimento em prol da saúde na opinião destas pessoas sobre a presença de marcas politicamente incorretas nas mídias sociais. O formulário de pesquisa foi produzido no Google Drive, ferramenta que trabalha totalmente online e abre diretamente no navegador do entrevistado, permitindo que os mesmos preencham o questionário online. As respostas ficam disponíveis apenas para o formulador da pesquisa, e a divulgação da mesma se deu através de convites pessoais através do perfil da autora no Facebook. O universo para o qual a pesquisa foi enviada engloba 523 pessoas. Foram obtidos 126 retornos, o que significa 24% da base. Todos os respondentes da pesquisa são maiores de 18 anos, 75% são mulheres e 76% encontram-se na faixa dos 18 aos 33 anos de idade, o que nos permite afirmar que é um universo em sua maioria jovem e feminino. São heavy users de mídias sociais – 96% utilizam todos os dias, dentre os quais 54% utilizam o dia todo - principalmente do Facebook (99% dos entrevistados), seguido pelo Instagram (76%), Linkedin (52%) e Twitter (47%). Gráfico 1: Idade dos entrevistados. 102 Quais mídias sociais você utiliza? Twitter Blogs Tumblr Pinterest Outras Linkedin Instagram Blogs Google + Facebook 0 20 40 60 80 100 120 140 Gráfico 2: Quais mídias sociais os entrevistados utilizam. Gráfico 3: Frequência de acesso às mídias sociais. Quando questionados sobre seu relacionamento com marcas nas mídias sociais 91% responderam que interagem com alguma marca, e quando questionados do motivo que os leva a interagirem com estas marcas, apontaram: para ficar sabendo de promoções, descontos e benefícios (31%), para saber sobre o lançamento de novos produtos (22%), para fins de relacionamento no caso de serem fãs da marca (21%). Motivos como reclamações, sugestões e dúvidas somaram, juntos, 23%. É possível afirmar, com base nestes números, que a amostra relaciona- 103 se com as marcas nas mídias sociais para manterem um relacionamento e ficarem a par de informações sobre seus produtos. A pesquisa apontou também que 56% do universo sente-se mais apto a comprar produtos da marca quando a mesma faz posts interessantes ou divertidos (segundo sua opinião), e 68% afirmaram que já compartilharam conteúdo de marcas em seus próprios perfis, por terem achado divertidos ou interessantes. Quando questionados a respeito de sentirem-se mais aptos a comprar produtos de marcas presentes em seu dia a dia nas mídias sociais, apenas 11% responderam que não, e 89% dividiram-se entre “sim” e “talvez”. Entretanto, 82% dos entrevistados afirmaram que a opinião de outros usuários nas mídias sociais interfere em sua decisão de compra quando vão adquirir um novo produto. Gráfico 4: Inclinação dos entrevistados à compra de produtos de marcas presentes em seu dia a dia nas mídias sociais. Então a sondagem entrou no tema das marcas polêmicas e politicamente incorretas. O questionário explicava aos respondentes que, neste caso, os produtos politicamente incorretos poderiam ser os considerados “não saudáveis” (sic), como fast-food s, refrigerantes, doces, bebidas alcoólicas, etc. Em primeiro lugar, foi questionado se já deixaram de consumir algum destes produtos por ter ou ter tido uma imagem negativa disseminada na mídia, e surpreendentes 84% afirmaram que sim. Porém, apenas 14% reportaram que sentem-se incomodados com a presença destas marcas nas mídias sociais. Os outros respondentes afirmaram-se neutros 104 (15%) e 71% afirmaram que não se incomodam, que gostam de saber o que estas marcas têm a dizer. Para finalizar o questionário, a sondagem de opinião perguntou ao universo se consumiriam produtos de alguma marca tida como politicamente incorreta se a sua comunicação com o consumidor fosse interessante, com conteúdo relevante, e 77% afirmaram que sim (56%), ou talvez (21%). E, mais interessante ainda: 73% afirmaram que possivelmente compartilhariam o conteúdo de marcas politicamente incorretas em seus próprios perfis, caso considerassem interessante. Gráfico 5: Inclinação dos entrevistados ao consumo de produtos de marcas polêmicas cuja comunicação com o consumidor nas mídias sociais seja interessante, divertida ou promocional. 105 Gráfico 6: Inclinação dos entrevistados ao compartilhamento de conteúdo produzido por marcas polêmicas nas mídias sociais, caso os mesmos considerem este conteúdo interessante. A conclusão que se pode tirar desta sondagem, formada por heavy users de mídias sociais, jovens consumidores e sensíveis a formadores de opinião é a de que a possibilidade das organizações de conseguirem administrar a imagem de suas marcas, manter e conquistar consumidores fiéis com uma presença estratégica e comunicação assertiva com os perfis de seus públicos nas mídias sociais é não apenas possível, mas certa. Em um ambiente em que o compartilhamento de informações corre a uma velocidade escandalosamente rápida e impacta centenas de milhões de pessoas, dizer o que querem ouvir, na hora exata, funciona como uma avalanche de “likes” e compartilhamentos positivos dos consumidores, em uma imensa “ola” virtual de aplausos a estas marcas que, corretas ou não, os entendem, os tocam no fundo da alma. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como objetivo compreender como a gestão do conteúdo e da comunicação nas mídias sociais pode ser favorável à reputação e imagem de marcas na atualidade. Para esta análise, o trabalho trouxe o contexto das pessoas aderentes ao movimento do culto ao corpo na sociedade moderna, que traz para si o conceito de que saúde e felicidade são atributos ligados diretamente a um corpo físico esteticamente belo, e visou compreender se este movimento crescente e de ordem mundial, com o advento da facilidade do acesso à rede e a disseminação das mídias sociais, pode vir a ser um problema real para empresas que possuem produtos e serviços que vão de encontro aos ideais deste grupo, como: marcas de refrigerantes, doces, fast-food e quaisquer outras marcas passíveis de serem consideradas polêmicas e politicamente incorretas neste contexto. Foi realizada uma análise teórica da comunicação, da comunicação digital, dos conceitos de reputação e imagem de marca bem como do novo perfil do consumidor usuário destas novas plataformas interativas de comunicação. Além disso, foi crucial para a compreensão desta questão e para que fosse possível chegar a uma conclusão viável para o estudo, as análises de casos reais vivenciados por grandes companhias que se encaixam no perfil de polêmicas e/ou politicamente incorretas, além de uma sondagem de opinião com heavy users de mídias sociais. O primeiro capítulo do trabalhou deixou claro que a evolução da comunicação trouxe consigo uma mudança radical no comportamento emocional e de consumo da sociedade, que passa a exigir das marcas um posicionamento que vai além de atributos funcionais e monetários. O novo consumidor, com o fácil acesso à rede e à popularização das mídias sociais passa a ser fonte de conteúdo e 107 divulgador de informação, e para que uma marca seja bem aceita por este consumidor, o chamado usuário-mídia, é necessário que ela traga atributos que vão ao encontro de seus desejos emocionais, de seus valores e de seu comportamento. O segundo capítulo trouxe ao trabalho uma análise apurada a respeito da fatia de mercado que adere ao movimento do culto ao corpo característico da sociedade moderna, em que saúde e beleza estética se fundem e se tornam um estilo de vida, e quais as implicações que o usuário-mídia pertencente a este movimento pode trazer às empresas de marcas de produtos e serviços que podem ser consideradas polêmicas neste contexto. A análise apontou que a reputação e a imagem de uma marca devem ser trabalhadas o tempo todo, seguindo a máxima de que “é melhor prevenir que remediar”. As empresas devem ser claras e transparentes com seus consumidores, que passam a respeitar e admirar marcas que assumem seus erros e mostram-se humanas, próximas, amigas. O terceiro capítulo trouxe estudos de casos reais vivenciados por grandes organizações que podem, segundo o prisma do trabalho, ser consideradas polêmicas e politicamente incorretas, e uma sondagem de opinião realizada com heavy users de mídias sociais. As empresas analisadas foram a AMBEV, Coca-Cola, Nestlé e McDonald’s, e em todos os casos ficou claro a importância da boa comunicação na construção de uma boa reputação e imagem de marca: todas as empresas conversam com seus clientes de forma clara, aberta e íntima nas mídias sociais, utilizando uma linguagem específica para cada uma de suas marcas de acordo com as características de cada consumidor. Além disso, todas as marcas acima que passaram ou passam por reais casos de crise de imagem (Nestlé com o KitKat, Coca-Cola com o caso do rato em uma de suas garrafas e os ataques diários sofridos pelo McDonald’s nas mídias sociais a respeito da qualidade nutricional dos alimentos) foram e são bem sucedidas quando lidadas com atenção e sinceridade por parte das organizações. E a análise da sondagem de opinião endossa este argumento - a grande maioria dos entrevistados não se incomoda com a presença de marcas polêmicas nas mídias sociais, gostam de saber o que estas marcas têm a dizer e sentem-se inclinados a consumir os produtos das marcas cuja comunicação lhes grada, e mesmo compartilhar e seus próprios perfis conteúdos destas marcas que achem interessante de alguma forma. A conclusão que se pode chegar findas todas as análises supracitadas, é a de que a melhor maneira de conquistar a confiança do consumidor é a transparência 108 e a sinceridade por parte das marcas. Uma companhia que conhece profundamente o seu consumidor a ponto de saber com exatidão qual linguagem utilizar para comunicar-se com ele; a ponto de saber quais suas necessidades emocionais e a maneira de mostrar que sua marca o compreende e o considera um amigo, raramente passa por crises de imagem que possam vir a prejudicar, de fato, a sua imagem e reputação. As empresas analisadas são excelentes exemplos: marcas fortes, sólidas, conhecedoras de seus consumidores. Sua boa reputação se reflete no ambiente digital, e a comunicação acertada com o público neste ambiente reforça a boa imagem que têm. As mídias sociais e o acesso fácil e rápido à rede, podem sim significar uma ameaça à imagem de companhias que não agradem ao consumidor, ou que possam vir a ser criticadas. E sim, estas críticas atingem níveis exponenciais de abrangência e impactam centenas de milhares de pessoas em pouquíssimo tempo. Porém as mídias sociais podem também ser uma plataforma incrivelmente certeira de prevenção destas mesmas crises, com a utilização correta e estratégica da comunicação e gestão de conteúdo. O consumidor atual, o usuário-mídia, quer consumir produtos e serviços de empresas que sejam, acima de tudo, humanas. Que falem sua língua e sejam suas amigas, que disponibilizem mais que produtos, serviços. E a internet e as mídias sociais são onde todas estas pessoas se encontram, todos os dias, o dia todo, ao redor de todo o planeta. Politicamente incorretas e polêmicas, ou não, a melhor forma de uma organização prevenir-se ou contornar uma crise de imagem e de ter uma boa reputação na opinião dos consumidores, é sendo honesta, tendo verdadeiramente valores que fundem-se aos destes consumidores e, acima de tudo, saber como comunicar-se corretamente a respeito de todas estas questões na rede. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AAKER, David. O ABC do valor da marca. HSM Management, nº 31. Dossiê. São Paulo, mar-abr 2002. AMBEV. Disponível em <http://www.ambev.com.br/>. ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. BENNETT, R.; GABRIEL, H. "Reputation, trust and supplier commitment: the case of shipping company/seaport relations", The Journal of Business and Industrial Marketing: Vol. 16 No.6/7, p.424-38, 2001. BORDENAVE, J. E. D. 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