PESOS E MEDIDAS NO LIVRO ELEMENTOS DE ARITMÉTICA (1945) DO IRMÃO ISIDORO DUMONT Elenice de Souza Lodron Zuin PUC Minas / GHEMAT [email protected] Palavras-chave: História das disciplinas escolares. Aritmética. Sistema métrico decimal Considerações iniciais O sistema métrico decimal, desenvolvido na França revolucionária, ganha espaço nas escolas brasileiras a partir de na segunda metade do século XIX, sendo o novo sistema de pesos e medidas adotado oficialmente no país. Pela Lei Imperial n. 1157, assinada por D. Pedro II, em dez anos, todo o país deveria utilizar os novos pesos e medidas. No entanto, as escolas públicas e particulares, deveriam incluir o ensino do sistema métrico decimal a partir da promulgação da Lei. Deste modo, o novo conteúdo passa a ser um item obrigatório nos níveis primário e secundário. O mesmo vinha cercado de alguns problemas já que os números decimais eram um pré-requisito fundamental, porém, os mesmos nem sempre faziam parte dos programas das escolas. Para suprir a demanda, livros de aritmética e tabuadas foram remodelados, passando a incluir o sistema métrico e, em alguns casos, também os números decimais entre os tópicos já abordados. Vários textos específicos sobre o tema foram impressos para auxiliar os professores na tarefa de aprender e ensinar os pesos e medidas que se tornaram oficiais. Em minha tese de doutorado (ZUIN, 2007) realizei um estudo no qual avaliei a introdução do sistema métrico decimal nas escolas primárias do Brasil e de Portugal na segunda metade do século XIX. Os impressos com destinação pedagógica que tratam deste tópico, publicados na época, foram elencados como principais fontes. Visando ampliar a pesquisa anterior, tenho realizado outros estudos, verificando como o sistema métrico comparece em livros didáticos para outros níveis de ensino e também em impressos escolares dos Novecentos. Um das obras analisadas é de autoria de Isidoro Dumont, Elementos de Aritmética - curso superior, dedicados ao curso colegial e de admissão de escolas superiores, pela sua importância no cenário escolar brasileiro. O livro foi publicado três anos após a promulgação do Decreto-lei n. 4.244 de 9 de abril de 1942, que organizou o ensino secundário em dois ciclos: o ginasial, com quatro anos, e o colegial, com três anos, compreendendo dois cursos paralelos: o curso clássico e o curso científico. Ao analisar o livro didático dentro do seu tempo histórico, com uma determinada destinação (CHOPPIN, 2000) e ao olhar para o ensino da aritmética do Oitocentos e das primeiras décadas do século XX, voltamo-nos para o campo da história das disciplinas escolares (CHERVEL, 1990), cuja produção é restrita no cenário brasileiro, sendo ainda menor no que concerne à matemática escolar. O livro didático foi negligenciado por muito tempo pelos historiadores, porém, nas últimas décadas, mais valorizado, vem sendo utilizado como fonte primária entre os historiadores da educação. (CHOPPIN, 2004). Um fator complicador é a dificuldade que temos em encontrar as antigas publicações com destinação pedagógica, pois, as mesmas, tradicionalmente, eram e ainda são vistas como objetos descartáveis. No entanto, o manual escolar ocupa um lugar de destaque nas instituições escolares, ao se constituir em “um suporte privilegiado dos conteúdos educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações” (CHOPPIN, 2004, p. 553). Dentro das discussões da historiografia da educação sobre as fontes utilizadas pelos pesquisadores, o impresso escolar aparece como um material singular. Uma análise detalhada dos manuais escolares conduz a inferências ou conclusões sobre as intenções do autor, as práticas e metodologias que são transferidas para o professor. A sequência e a estruturação dos conteúdos, os exemplos, as atividades, os exercícios e problemas propostos, formatam uma disciplina, que passa a ser ditada pelo autor, tendo uma interferência direta ou indireta dentro da escola. O livro didático regula os saberes a serem ensinados e suas metodologias; participa e interfere na produção de uma cultura escolar. (CHOPPIN, 2000). A inserção do sistema métrico decimal na aritmética escolar trouxe grandes mudanças nos conteúdos escolares, ocorreu uma ruptura do que era prescrito com a inclusão de outros saberes. E, nessa perspectiva, Chervel (1990) é um importante referencial. A história das disciplinas escolares pode contribuir para a compreensão da cultura escolar, indo ao encontro das investigações no campo da história cultural. Verifiquei que a implantação do sistema métrico decimal nas escolas no século XIX foi lenta e cercada de empecilhos. Neste artigo, trago uma descrição e análise do livro Elementos de Aritmética - curso superior, de Isidoro Dumont, publicado em 1945, e comercializado pela editora FTD, dando ênfase ao tópico sistema métrico decimal. A Editora FTD e o Irmão Isidoro Dumont O Irmão Isidoro Dumont chegou ao Brasil, para substituir o Irmão Andrônico na direção do Colégio do Carmo, em São Paulo. Dumont participou da fundação da FTD nas terras brasileiras, em 1902, pelos Irmãos Maristas, ou Congregação dos Pequenos Irmãos de Maria. Esta congregação foi instituída na França pelo Padre Marcelino Champagnat em 1817. Vindo para o Brasil no ano de 1897, a congregação se ocupou em fundar diversas instituições de ensino. (CASSIANO, 2005). Para homenagear Frère Théophane Durant, que foi o Superior Geral da Congregação Marista de 1883 a 1907, resolveram tomar suas iniciais para o nome da editora: FTD. Uma demanda, existente no país, das escolas católicas, em relação aos livros europeus passou a ser suprida pela nova editora. O livro Exercícios de Cálculo sobre as Quatro Operações Fundamentais, lançado em 1902, foi o primeiro título em português, pertencente à “Collecção de Livros Clássicos FTD” – o marco inicial da “Coleção FTD” no país. A partir daí, dezenas de livros foram publicados, ultrapassando uma centena de títulos já na segunda década do Novecentos. Diversos livros de conteúdo escolar tinham como autores Irmãos Maristas, porém a autoria era omitida, constava apenas o logotipo da congregação com a sigla FTD. Com a precariedade que existia no Brasil, para as impressões da FTD até 1930, os livros utilizados no país foram impressos na França. A distribuição das obras era realizada pelos próprios irmãos maristas; posteriormente, a Livraria Francisco Alves passou a cumprir esta função. A impressão e distribuição dos livros ficou sob a responsabilidade da Editora do Brasil, de 1956 até 1963, quando, finalmente, foi estabelecida a Editora FTD S.A., sob a direção do Irmão Savério Ronchi, encarregando-se da edição e distribuição de seus títulos. Isidoro Dumont (1874 – 1941) licenciou-se em Matemática na França e se empenhou na produção de textos didáticos na área de Matemática, na qual incluem livros de Aritmética, Geometria, Trigonometria e Álgebra. Seus livros foram muito utilizados nas escolas brasileiras, não apenas nas instituições confessionais, tendo grande importância na condução dos conteúdos e metodologias nas aulas de Matemática, durante várias décadas no século XX. Além da obra por nós analisada, encontramos os títulos Álgebra Elementar; Álgebra Elementar: curso médio; Álgebra: curso superior; Geometria elementar: curso superior; Geometria elementar segundo os programas de admissão aos cursos superiores; Elementos de Arithmetica: curso primário; Exercícios de cálculo e problemas; Física: curso secundário; Matematica no Ginásio. Em nossos levantamentos, afora os livros na área de Exatas, também encontramos de autoria de Dumont, História Sagrada; Le guide de l’enfance; Première Année de Français; História Sagrada: para uso de escolas e famílias, com 362 páginas, do ano de 1955. Esta foi a publicação mais recente encontrada, que veio a lume depois morte do autor, como outros títulos. Elementos de Aritmética – curso superior: uma visão geral da obra O livro Elementos de Aritmética – curso superior, com 474 páginas, é destinado ao curso colegial e admissão de escolas superiores e integra a Coleção de livros didáticos da FTD, tendo como autor o Irmão Isidoro Dumont. Analisamos a edição de 1945, revisada pelo Irmão Isidoro-Pedro. Esta publicação foi composta e impressa pela Indústria Gráfica Siqueira, localizada em São Paulo, sendo distribuída pela Livraria Francisco Alves. Existe uma nota da editora afirmando que, quando foi dada a publicidade do acordo ortográfico naquela época, a impressão do livro já estava adiantada, não obedecendo ao mesmo. No verso da folha de rosto, há a seguinte inscrição: “Imprima-se, São Paulo 26-10-945. Mons. José M. Monteiro (Vig. Geral)”, indicando que o livro passou por uma inspeção e necessitava de autorização oficial da Igreja para ser impresso. Tratava-se do Monsenhor José Maria Monteiro, vigário geral da Cúria Arquidiocesana de São Paulo – sacerdote com poder ordinário, de acordo com o Código de Direito Canônico, nomeado pelo bispo diocesano, para auxiliá-lo no governo de toda a diocese. Elementos de Aritmética – curso superior é impresso com dois tipos de fonte, em vários tamanhos, de acordo com o ponto que se quer dar destaque, em negrito ou itálico. A denominação dos capítulos, títulos e subtítulos são grafados, respectivamente, em caixa alta, caixa alta e negrito, negrito itálico. Não há um prefácio, o livro está dividido em três partes. A estrutura do texto é a mesma da maioria dos livros de aritmética do século XIX, inclusive com as definições preliminares, que antecedem à primeira parte. Cada assunto é apresentado por pequenos tópicos numerados, com as definições, teoremas, regras e demais explicações – o que facilitava a memorização das lições, adequada aos métodos de ensino anteriores. Há a inclusão de alguns exemplos ao longo dos tópicos. No índice do livro, encontramos a apresentação dos tópicos abordados, dispostos no quadro a seguir: 1ª Parte Capítulos Tópicos 2ª Parte Capítulos Tópicos Razões e proporções Aplicações das proporções. Regra de três Regra de juros. Regra por cento – Seguros – Câmbio Rendas públicas. Ações e obrigações. Médias, vencimento médio. Regra de repartição proporcional. Regra de sociedade. Regra de mistura. Regra de liga Progressões aritméticas Progressões geométricas Logaritmos Juros compostos e anuidades Probabilidades Rendas vitalícias I II III Numeração Adição e subtração de números inteiros Multiplicação de números inteiros I II III IV Divisão de números inteiros IV V VI VII VIII IX X XI XII XIII XIV XV XVI XVII Divisibilidade Máximo divisor comum Números primos Frações ordinárias: propriedades e reduções Frações ordinárias: operações Frações decimais Conversão das frações Grandezas incomensuráveis. Quadrados e raízes quadradas Cubos e raízes cúbicas Operações abreviadas Números aproximados Sistema métrico Números complexos V VI VII VIII IX X 3ª Parte Exercícios referentes aos tópicos abordados na 1ª e 2ª partes Quadro 1: Conteúdos presentes no índice do livro Elementos de aritmética – curso superior de Isidoro Dumont, Livraria Francisco Alves, 1945 Figura 1 – Folha de rosto dos Elementos de aritmética – curso superior, de Isidoro Dumont, Livraria Francisco Alves, 1945 A terceira parte da obra é constituída apenas por exercícios e problemas propostos, sem a indicação da solução ou resposta. Tanto a inclusão de exemplos ao longo do texto, como a lista de exercícios ao final do livro, não se constituem em inovações, já que alguns autores de manuais de aritmética publicados no Oitocentos também procediam do mesmo modo, como pudemos avaliar em outros estudos (ZUIN, 2007a, 2007b). Ao final da obra, ao modo de anexos, são apresentadas duas tabelas; a primeira, de números primos até 4397 e, a segunda, de raízes quadradas e cúbicas de 1 a 200. Surpreende o grande número de exercícios e problemas propostos, 2867. Na verdade, provavelmente, por erro de impressão, em algumas séries de exercícios há uma falha na sequência numérica em quatro grupos, o que faz que o total de exercícios seja realmente 2858, que se apresentam dispostos da seguinte forma, de acordo com cada tópico, descritos no quadro 2, a seguir: Tópicos Exercícios Tópicos Exercícios Definições 1a8 Capacidades 1142 a 1151 Numeração 9 a 26 Massas e densidades 1152 a 1190 Adição e subtração 27 a 48 Câmbio 1191 a 1316 Multiplicação 49 a 72 Números complexos 1320 (sic) a 1397 Divisão 73 a 96 Razões e proporções 1398 a 1430 Quatro operações 97 a 188 Regra de três 1431 a 1473 Divisibilidade 214 a 272 Juros simples 1474 a 1606 Mdc 273 a 283 Desconto 1607 a 1663 Primos 284 a 386 Tanto por cento e seguro 1664 a 1703 Frações 387 a 456 Seguro 1704 a 1715 Exercícios numéricos 457a 880 Fundos públicos 1849 a 1888 Frações decimais - teoria 881 a 892 Ações e obrigações 1889 a 1902 Frações decimais 893 a 906 Média e prazo médio 1907 a 1929 exercícios numéricos Exercícios de aplicação 907 a 918 Repartição proporcional 1980 a 1972 Frações decimais – 919 a 955 Regra de sociedade 1973 a 1996 problemas diversos Quadrados e raízes 956 a 951 Regra de misturas 1997 a 2036 quadradas Problemas de aplicação 992 a 1036 Ligas 2040 a 2088 Cubos e raízes cúbicas 1039 (sic) a 1065 Aproximações numéricas 2686 a 2802 Problemas de aplicação 1066 a 1104 Sistema de numeração 2805 (sic) a 2834 Áreas 1105 a 1122 Recapitulação 2835 a 2858 Volumes 1125 (sic) a 1141 Regra conjunta 2860 a 2867 Quadro 2: Lista dos tópicos e o número de exercícios correspondentes aos mesmos no livro Elementos de aritmética – curso superior de Isidoro Dumont, Livraria Francisco Alves, 1945. É necessário fazer uma digressão em relação ao conteúdo “números complexos”i, o qual ocupa quatorze páginas no livro de Dumont. Esse tópico estava presente em livros de Aritmética, já que se estudava os pesos e medidas antigos, que deveriam ser precedidos desse conteúdo específico; embora ainda tenha se mantido por décadas no século XX, acabou desaparecendo dos livros didáticos pelo fato de ter sido adotado o sistema métrico decimal. Apesar de o autor trazer uma relação de diversas medidas antigas com a sua respectiva equivalência para as medidas decimais, trabalha com os números complexos - os quais hoje não são mais denominados assim - referentes a unidades de tempo e medidas de ângulos, embora esse último não seja desenvolvido; apenas um problema relativo a medidas antigas está presente. No único item que diz respeito às medidas angulares, Dumont explica que “para se aplicar o sistema métrico à divisão do círculo foi também dividido em 4 quadrantes de 100 grados cada um; cada grado subdivide-se em décimos, centésimos e milésimos de grado”, não dando nenhum exemplo e não voltando a se referir a este assunto nesta parte do livro. Há 78 exercícios e problemas propostos no final da obra sobre esse tópico, estando incluídos seis problemas com medidas pré-métricas. O Sistema métrico decimal nos Elementos de Aritmética O capítulo XVI do livro é dedicado ao Sistema métrico decimal, iniciando-se na página 204 e terminando na página 228, dividido em tópicos numerados de 392 a 424. Os subtítulos são os seguintes: Noções históricas; Noções preliminares; Medidas de comprimento; Medidas de área; Medidas de volume; Medidas de capacidade; Medidas de massa; Relações das medidas métricas; Outras medidas métricas; Medidas monetárias. É a única parte do livro que traz diversas ilustrações, da mesma forma que em outros textos de Aritmética, excetuando uma figura que acompanha um problema de geometria na terceira parte. No capítulo, são inseridas treze figuras. Em nossas análises, na tese de doutorado (ZUIN, 2007), concluímos que, como se tratava de um tópico novo a ser abordado nas escolas e que rompia com a cultura dos pesos e medidas utilizados pela população, os autores franceses passaram a incluir figuras para auxiliar no entendimento do que seriam as novas medidas métricas, as quais traziam alguma complexidade e outros conceitos. Era necessário visualizar e reconhecer as novas medidas métricas. A inclusão de ilustrações, neste tópico específico, foi um procedimento adotado também por autores portugueses e brasileiros que tinham como referência os textos sobre o sistema métrico decimal e livros de aritmética publicados na França. Dumont inicia sistema métrico com a parte histórica, ocupando duas páginas, das quais elencamos alguns trechos transcritos a seguir. Primeiramente, procura focar a atenção do leitor para as desvantagens do antigo sistema de pesos e medidas utilizados no Brasil. Essa estratégia é também utilizada por outros autores franceses, portugueses e brasileiros. Esta seria uma forma de convencer que o sistema francês era superior ao que era utilizado anteriormente. O antigo sistema de pesos e medidas, outrora empregado no Brasil, apresentava três inconvenientes principais: 1º Não era uniforme, porque cada capitania ou província tinha seu sistema particular; medidas empregadas numa província eram desconhecidas em outra, e reciprocamente; além disso, certas medidas designadas pelo mesmo nome mudavam de valor de uma província para outra, o que era uma fonte perpétua de das inteligências. 2º Não era estável, porque as medidas que o compunham, tendo sido escolhidas arbitrariamente, mudavam com o tempo e as circunstâncias, o que era freqüentíssimo para as moedas; 3º Não era simples, porque as unidades secundárias eram muito numerosas e deduziam-se irregularmente das unidades principais, o que tornava os cálculos demorados e difíceis. Por isso, a necessidade de uma reforma nos pesos e medidas se fazia sentir desde muito e em todos os países do globo. Vários reis da França cogitaram dos meios de remediar aos inconvenientes dos antigos sistemas; mas foi Luiz XVI, que, a 8 de maio de 1790, decretou a criação de um sistema geral e uniforme de pesos e medidas. Uma comissão especial, nomeada pela Academia de Ciências de Paris, foi encarregada deste importante trabalho. Compunha-se de Borda, Lagrange, Laplace, Monge e Condorcet . Esta comissão decidiu que o novo sistema de pesos e medidas seguiria a lei decimal, e a unidade das medidas de comprimento de que deviam derivar tôdas as outras, seria uma fração do meridiano terrestre [Meridiano é um grande círculo da esfera terrestre que passa pelos pólos; divide a terra e, dois hemisférios - em nota de rodapé]. Esta idéia tornou a unidade de comprimento do sistema, independente dos tempos e das nações. (DUMONT, 1945, p. 204). Estes dados históricos iniciais prosseguem com a informação de que Mechain e Delambre foram designados para medir o arco do meridiano compreendido de Paris, da torre de Dunkerque, à cidade de Barcelona. Indica-se que o comprimento do quarto do meridiano terrestre foi medido em 5.130740 toesas e que foi tomada a décima milionésima parte desta medida para se fixar o metro, ou seja, 0,513074 toesas equivalentes a 3 pés 11 linhas 296 milésimos de linha. O parágrafo acima nos demonstra que ainda se faziam referências às unidades antigas, pés e linhas. O autor faz a complementação desta abordagem histórica: Por decreto de 2 de junho de 1799, o metro foi adotado como unidade fundamental do novo sistema de pesos e medidas. Um metro de platina iridiada foi construído com a maior precisão para servir de padrão e depositado, a 22 de junho de 1799, nos Arquivos do Estado, onde é ainda conservado. Constitui o padrão legal de unidade de comprimento, quando colocado em gelo derretido, isto é, quando sua temperatura é de zero grau centígrado. Ao mesmo tempo, outra comissão foi encarregada de determinar a unidade de massa. Tomou-se a massa de um decímetro cúbico de água destilada, no vácuo e na temperatura de 4 graus centígrados, isto é, correspondendo ao seu máximo de densidade. Recebeu o nome de quilograma. Um padrão desta massa foi igualmente construído e depositado nos Arquivos do Estado. Dois outros padrões de platina, um metro e um quilograma, perfeitamente iguais aos primeiros, foram depositados no Conservatório de Artes e Ofícios, para serem consultados em casos extraordinários. Enfim, outros modelos de cobre foram construídos e colocados no Ministério do Interior e nas repartições de verificação para serem consultados quando fôsse preciso. (DUMONT, 1945, p. 205). Verificamos que existe uma preocupação em deixar claros determinados detalhes da organização e confecção dos pesos e medidas criados na França. Em relação ao Brasil, o autor declara que “A lei de 26 de junho de e o decreto de nº 5089 de 18 de setembro de 1872 tornaram o sistema métricos obrigatório para todo o Brasil, a partir de 1º de janeiro de 1874.” Agrega também informações atuais relativas ao Decreto n. 4257, de 16 de junho de 1939, o qual havia expedido um regulamento completo do sistema legal de unidades de medida, com três tipos de padrões, referindo-se, principalmente, às unidades de comprimento e massa. Em uma nota de rodapé, comunica-se que, de acordo com determinações recentes na época, verificou-se um equívoco na dimensão do metro padrão, foi comprovado que ele é um pouco menor que a décima milionésima parte do quarto do meridiano terrestre, sendo esse erro, aproximadamente, 1/5 de milímetro por metro – realmente um valor ínfimo, porém se primava pelo máximo de exatidão. Há um item específico sobre as diferentes espécies de medidas, na qual Dumont cientifica que existem duas espécies de medidas: analíticas e efetivas ou reais. As primeiras não possuem existência material, sendo empregadas apenas na terminologia e no cálculo, como exemplo, o metro quadrado e o quilômetro. As medidas reais são as efetivamente empregadas para as medições, como o metro, o litro e o quilograma. Além disso, faz um alerta: “todas as medidas do comércio devem ser construídas conforme as prescrições da lei. Os fabricantes destas medidas, antes de vendê-las, são obrigados a sujeitá-las à fiscalização do aferidor de pesos e medidas.” (DUMONT, 1945, p.208). Esse alerta indica a existência de fraudes em relação à confecção dos pesos e medidas, como eram constatadas no século XIX. Ao tratar da divisão das medidas de comprimento, o autor faz referência ao quilômetro, medida itinerária, utilizada para avaliar as distâncias geográficas, e o metro, que é tomado como uma medida de comprimento comum. Entre as medidas não métricas, inclui a milha marítima, o nó marinho e a braça, utilizados na navegação, indicando os seus valores correspondentes em metros ou quilômetros. As duas primeiras figuras presentes no texto são as que auxiliam na compreensão do que seriam 100 dm2 e 1000dm3 – também são encontradas, de modo semelhante, em outras publicações anteriores à de Dumont (figura 2). De todo modo, a inclusão dessas ilustrações indica o cuidado em esclarecer conceitos que não são facilmente absorvidos apenas com uma definição. Outras figuras, inseridas no capítulo, são referentes ao dispositivo para medir lenha, o estéreo; litro; duplo-litro; duplo-decilitro; hectolitro; pesos de ferro fundido; peso de cobre; peso de latão; peso em “forma de copinho” de 1kg. Figura 2 – Ilustrações de 1m2 equivalente a 100dm3 e de 1m3 equivalente a 1000 dm3, presentes no livro Elementos de Aritmética nas páginas 212 e 214 respectivamente. Apesar de não se definir peso, o autor indica que a massa de um corpo é determinada “comparando-a na balança, com massas aferidas, vulgarmente denominadas pesos. Essa operação é denominada pesagem.” (DUMONT, 1945, p.219). Posteriormente, informa que volumes iguais de substâncias diferentes não possuem, em geral, a mesma massa, trazendo a definição: “massa específica de uma substância homogênea é a massa contida, nas condições normais de temperatura e pressão, num centímetro cúbico dessa substância.” (DUMONT, 1945, p.221). Para as medidas de comprimento, área, volume, capacidade e massa são dadas as definições, múltiplos e submúltiplos, as espécies de medição e as medidas efetivas. A mudança da unidade de medida é apresentada indicando-se a regra de deslocamento da vírgula do número para a direita ou para a esquerda, conforme a necessidade. Porém, essa informação só comparece nas medidas de comprimento. Ao tratar das medidas de capacidade, o autor expressa a existência de quatro séries de medidas: três para líquidos e uma para secos, indicando a continuação de uma tradição dos tempos coloniais de ter medidas específicas para secos e molhados, porém, esses produtos não eram vendidos utilizando-se medidas de massa. No entanto, ao final desse item, informa que havia uma tendência de se generalizar o uso de vender “a peso” tantos os líquidos como os secos. Neste ponto, abrimos um parêntese para reforçar que, ainda nos dias de hoje, os líquidos são vendidos tendo como base as medidas de capacidade. Entre as medidas efetivas de massa, são destacadas a massa específica – densidade – trazendo explicações sobre a mesma, fórmulas, bem como da densidade dos gases e um exemplo sobre massa específica e densidade de um corpo em relação à água, sendo que, esses itens ocupam cerca de três páginas. Define-se massa específica de uma substância homogênea como a massa contida, nas condições normais de temperatura e pressão, num centímetro cúbico dessa substância, sendo a massa específica medida em gramas por centímetro cúbico ou em quilogramas por decímetro cúbico. São também incluídas as relações das medidas métricas (1 decâmetro quadrado = 1 centiare; 1 hectômetro quadrado = 1 are; 1 metro quadrado = 1 hectare; 1 estéreo = 1 metro cúbico; 1 decaestéreo = 10 metros cúbicos; 1 decistéreo = 100 decímetros cúbicos). É dado destaque a um quadro no qual se indica o volume de água destilada e as relações entre as medidas de volume, de capacidade e de massa, como o apresentado a seguir: DE: 1 metro cúbico 10 decímetros cúbicos 1 decímetro cúbico 100 centímetros cúbicos 10 centímetros cúbicos 1 centímetro cúbico Um volume de água destilada ENCHE: 1 quilolitro 1 decalitro 1 litro 1 decilitro 1 centilitro 1 mililitro TEM POR MASSA: 1 tonelada 1 miliriagrama 1 quilograma 1 hectograma 1 decagrama 1 grama Acompanha uma ilustração com a seguinte legenda: Relação entre as medidas de capacidade, de volume e de massa (figura 3), com a inscrição: um litro de água tem um volume aproximado de 1dm3 e sua massa aproximada é de 1000 gramas. No item intitulado outras medidas métricas, são indicadas algumas unidades métricas utilizadas, com suas respectivas definições – grama-força, dina, erg, watt, quilogâmetro, cavalo-vapor, coulomb, ampere, ohm, volt e farad. A representação do globo terrestre, com a indicação da medida de um quarto do meridiano, que foi utilizada para a definição do metro, vem apenas no final do oitavo item do capítulo, porém, o ideal seria que a mesma estivesse inserida no início do tópico (figura 3). Verificamos que foi aproveitado um pequeno espaço para essa ilustração. Figura 3 – Relação entre 1 litro de água pura, sua medida em dm3, a sua massa e a representação de ¼ do meridiano terrestre – acima, à esquerda – presentes no livro Elementos de aritmética – curso superior de Isidoro Dumont, 1945. p. 225 Por fim, as medidas monetárias, trazendo a notícia de que o Decreto-lei de outubro de 1942 havia instituído o Cruzeiro como unidade monetária brasileira e que a centésima parte dessa moeda, recebeu o nome de centavo. Informa sobre as cédulas e as moedas, inclusive indicando sua liga bronze de alumínio (para as moedas de Cr$ 5,00; Cr$2,00 e Cr$1,00) e liga de crupro-níquel (para as moedas de Cr$ 0,50; Cr$ 0,20 e Cr$ 0,10) com seus respectivos pesos em grama e sua composição, encerrando o capítulo. Ao longo do texto, encontramos algumas notas de rodapé que trazem informações sobre decimilimicron, ou angström; nó marinho e litro e, em outras notas, são indicados os números dos exercícios e problemas a serem resolvidos que constam na terceira parte. No capítulo dedicado aos números complexos, consta uma tabela que ocupa cerca de duas páginas indicando a relação entre as medidas antigas e as medidas do sistema métrico decimal. Apesar da presença dessa tabela, nos 78 problemas propostos relativos a este assunto, três tratam medidas inglesas e apenas dois se referem a uma transformação de libras e pés em medidas métricas – não se configurando um destaque a outras unidades pré-métricas. Na terceira parte, entre os exercícios propostos, encontramos exclusivamente 18 problemas sobre áreas; 17 tratando de volumes; 10 sobre capacidade e 39 a respeito de massas e densidade, dos quais selecionamos os que estão transcritos a seguir. - Quanto tempo leva um viajante que caminha 8 horas por dia e vence 1km em 12 minutos, para percorrer um meridiano terrestre? Um carregador transporta um hl de carvão de pedra de peso de 88 kg, a 36m, e efetua 290 viagens por dia. Quantos km percorre assim em 26 dias? Uma companhia tem uma estrada de ferro de 512 km mais um ramal de 348 km. Quanto custa a cerca destas linhas a Cr$ 2,55 o metro linear? - - - - - - - - - - Com a escala de 1/1250, dizer: 1º qual é o comprimento representado no mapa por 1,5cm; - 2º qual é, no mapa, o comprimento que representa 25km. Achar, em milhas marítimas e em metros, a distância percorrida diàriamente por um navio que vence 15 nós em meio minuto. – O nó vale 15,43 m. Que tempo é preciso para lavrar, no sentido do comprimento, um campo de 126m sobre 84m, se os bois caminham 40m por minuto e se os sulcos ficam a 35cm uns dos outros e das margens? Vende-se por Cr$ 27,00 o milheiro de telhas de 30cm sôbre 15, e por Cr$ 22,70 o de outras telhas de 28cm sôbre 12,5. Quais são as mais vantajosas e por quanto se devem, em proporção, vender as outras? Mediu-se um terreno retangular com uma cadeia de agrimensor (10m) encurtada de 5cm. Sabendo-se que a área encontrada foi de 3ha 96a 1ca, dizer a área verdadeira. Uma caixa cúbica tem 8dm de lado no interior. Quantos paralelepípedos de sabão pode conter, se têm o mesmo comprimento que a caixa e um dm em largura e em altura? Que volume de cal será necessário para fazer um montão de adubos de 8m sobre 6, composto de 6 camadas alternativas de cal com 6 de detritos vegetais, cada camada de cal tendo 5mm de espessura? Um prado de 22 ha é regado por um rio, cujas águas são trazidas por um canal que tem 3,6m de largura e 0,80m de profundidade. A velocidade da água é de 0,50m por segundo. Qual é o volume de água que se pode dispor por minuto para irrigar um ha? Um empreiteiro mandou cavar e emparedar os lados de dois tanques. O primeiro tem, excluídas as paredes, 8,10m de comprimento, 6,40m de largura e 3,60m de altura. O segundo é um cubo que deve conter duas vezes mais água do que o primeiro. Quanto recebe o empreiteiro, visto como deve receber Cr$ 6,20 por m2 de terreno a cavar e Cr$ 7,50 por m2 de alvenaria? As paredes têm 1m de espessura. Num vaso cheio de água mergulha-se um corpo de 72cm de comprimento, 25cm de largura e 20cm de altura. Quantos litros da água hão de cair? Quantos litros de lentilhas são precisos para semear um há de terreno, sabendo-se que cada planta deve ocupar 24m2; um dal encerra 368 500 sementes e se acrescenta 0,1dal para compensar as sementes que não nascem. Um vinhedo de forma retangular de 2hm sobre 9dam produziu 100 pipas de vinho, de 220 l cada um. Este vinho foi vendido a Cr$ 15,70 o hl. O aluguel do vinhedo é de Cr$780,00 ao todo. Pergunta-se o lucro líquido do vinhateiro e a produção de um ca em dal. Dizer o uso do quintal, da tonelada e da arroba. A pressão do ar é de 1,033kg por cm2; que pressão suporta uma mesa que tem 1,25m por 0,95m? Sendo a densidade do cobre 8,89 e a do zinco 7,19, qual seria o volume de uma liga composta de 33 kg de zinco e 67 de cobre? Todo corpo que flutua num líquido desloca um volume de líquido igual ao peso do próprio corpo. Achar o volume de um tronco de pinho que desloca 825 dm3 de água, se o pinho tem por densidade 0,657. Pergunta-se a massa e a densidade do oxigênio contido em 250m3 de ar puro, sabendose que o ar é composto, em volume, de 21 partes de oxigênio puro por 79 de azoto e a densidade deste último gás é de 0,970. Comprei 17 l de leite cujo peso é de 17,39 kg. Que quantidade de água encerra, se a densidade do leite é de 1,037. Certa massa de 7,8kg de ouro é convertida em folhas de 0,001mm de espessura. Que superfície se poderá cobrir com essas folhas, se a densidade do ouro é de 19,57. Com 492g de ácido sulfúrico e 345g de zinco obtêm-se 10gr (sic) de hidrogênio. Que pesos de ácido e de zinco serão necessários para se encher um balão de 180m3 e qual será sua fôrça ascensional se os acessórios pesam 43,125kg? Densidade do hidrogênio, 0,0692; um lit. (sic) de ar pesa 1,293g. Da mesma forma que outros autores, Dumont inclui as medidas métricas em problemas que são resolvidos por regra de três, dos quais elencamos os seguintes: - - - Um cavalo pode puxar uma carga de 1200 kg. Que carga poderá puxar outro cavalo cuja fôrça está para a do primeiro como 7 está para 8? Um homem tem 50 l de álcool a 50º, isto é, contendo 50/100 de álcool puro. Acrescenta 10 l de água. Qual é o grau alcoólico da mistura? Entre o relâmpago e o ruído do trovão, contaram-se 18 pancadas de um relógio que dá 4860 em 9 minutos. A que distância do relâmpago está o observador, se o som percorre 3 2/5 hm por segundo? Um cimento pesa 96 kg o hl e perde 17% de seu volume, quando convertido em argamassa. Quanto custa o m3 de argamassa a Cr$ 14,50 os 100 kg de cimento? A duração das oscilações do pêndulo é proporcional à raiz quadrada do comprimento do pêndulo; achar, segundo esta lei, o comprimento de um pêndulo que dá 4 oscilações por segundo; o pêndulo que bate o segundo tem 0,884m de comprimento. O termômetro de Fahrenheit divide-se em 212º, mas o ponto 32º corresponde ao 0º centígrado e ao 0º Reaumur; e o ponto 212º ao ponto 100º centígrado e 80º Reaumur; qual é em graus Fahrenheit a temperatura correspondente a 45º centígrados e a 36º Reaumur? Além dos problemas sobre regra de três, as medidas do sistema métrico decimal estão inseridas em alguns problemas referentes aos capítulos que tratam das operações, exercícios numéricos, frações decimais, aproximações numéricas, regra conjunta e, naturalmente, nos problemas sobre ligas. Deste modo, o autor insere as medidas decimais antes e depois dos problemas relativos exclusivamente ao sistema métrico decimal. Porém, esta não é uma inovação de Dumont, sendo que outros autores também mantinham esta prática. Além do grande número de problemas propostos, Dumont traz um diferencial ao incluir problemas que trazem informações na área de Física, em relação a medidas de temperatura, pêndulo, distância de um relâmpago a um observador que ouve o som do trovão, densidade, entre outros, notando-se uma preocupação em contextualizar a maioria dos problemas concernentes ao sistema métrico decimal. Considerações finais Analisando os Elementos de Aritmética - curso superior, nos seus aspectos gerais, constatamos que o livro ainda era escrito nos moldes antigos, em tópicos numerados, indicando uma proposta metodológica que poderia se fixar em decorar as lições. Além de alguns exemplos ao longo do texto, não são incluídos quaisquer tipos de exercícios. Apenas na terceira parte, na forma de um enorme anexo, estão dispostos os exercícios e problemas propostos divididos por assunto. Não necessariamente, a resolução de exercícios estaria atrelada às atividades internas da sala de aula, tudo dependeria do professor ou das orientações da escola. A resolução dos exercícios impõe outra dinâmica não assentada nos moldes das aulas exclusivamente expositivas fixadas na teoria. Segundo Valente (2002), no catálogo da FTD de 1908 constava o título Exercícios de cálculo e problemas sobre as quatro operações, seguido da informação “contendo mais de 5000 exercícios fáceis e graduados”, entre outros livros com essa mesma característica. Esse fato revela que já havia um cuidado e direcionamento para inserir um grande número de exercícios e problemas manifestos em livros da FTD que contemplavam a Aritmética desde o início da editora. Os problemas e exercícios propostos nos Elementos de Aritmética - curso superior, colocados apenas ao final do livro, poderiam indicar que o autor se preocupava menos com a forma da utilização da obra pelos professores e alunos, já que se tratava de estudantes mais velhos e que, supostamente, teriam mais autonomia – o texto era destinado ao curso colegial e admissão de escolas superiores. Fazemos esta observação porque no seu livro de Aritmética, dedicado ao ensino primário, Dumont não apresenta os exercícios ao final do livro, mas, em geral, depois que encerra cada tópico. Esse procedimento, também adotado por outros autores, indicava uma preocupação didática de auxiliar professores, conduzindo o método de ensino, e os estudantes, na sua aprendizagem, procurando facilitá-la. No entanto, como já ressaltamos anteriormente, são acrescentadas notas de rodapé, ao longo do texto, com a indicação dos números dos problemas propostos incluídos na terceira parte que deveriam ser resolvidos pelos alunos. Assim, se os problemas não se encontravam ao fim de cada tópico, essa forma de indicação dos exercícios a serem resolvidos, possivelmente, tentaria suprir esta falta. É importante ressaltar que o livro do Irmão Isidoro é publicado mais de uma década depois da Reforma Francisco Campos. Esta instituía que a aritmética, álgebra e geometria, que eram trabalhadas separadamente, se constituíssem em uma única disciplina, a matemática. Esta determinação já estava presente no Colégio Imperial Pedro II desde 1929, tendo como principal reformador Euclides de Medeiros Magalhães Roxo, catedrático e diretor da instituição. Seguindo as orientações presentes na reforma do colégio, professores da instituição como o próprio Euclides Roxo (1890-1950), Cecil Thiré (1892-1963) e Júlio César de Mello e Souza (1895-1974) lançaram livros de Matemática. Posteriormente, outros autores escrevem livros de Matemática. Já na era de Getúlio Vargas, pela Lei Gustavo Capanema de 1942, no ensino secundário, ginásio e colégio mantinha-se a resolução anterior de estar inserida a disciplina Matemática em todas as séries. Dentro desse contexto, a publicação e a utilização dos Elementos de Aritmética - curso superior nos leva a constatar que as instituições escolares ainda carregavam consigo uma visão compartimentada dos saberes e mantinham livros específicos de aritmética, álgebra e geometria como sua principal referência, indicando uma rejeição à Matemática unificada estabelecida a partir de 1931. Difícil quebrar uma tradição que estava posta há séculos, pois o traço forte da cultura escolar se impõe. Em relação ao sistema métrico decimal, é necessário reforçar que este era um saber incorporado aos conteúdos escolares desde 1862, trazendo mudanças no ensino de Aritmética. O sistema métrico no livro de Dumont, com mais de vinte páginas, é bem desenvolvido, detalhado, traz abordagens históricas, indicação da utilização de diversos medidas, inclusive as medidas utilizadas na navegação, o nó marinho, a milha marítima e sua respectiva dimensão em metros ou quilômetros. As frações decimais e números decimais, como pré-requisitos fundamentais, estão incluídos bem à frente do sistema métrico decimal dando suporte para a compreensão desse último. A preocupação com a atualização dos dados relativos às leis para utilização dos pesos e medidas no Brasil está presente. As correções e inserções de algumas informações podem ter sido realizadas pelo próprio Dumont, no entanto, as instruções sobre a recente moeda da época, o Cruzeiro, foi acrescentada, possivelmente, pelo revisor Irmão Isidoro-Pedro, pois a nova unidade monetária brasileira foi estabelecida após a morte do autor. A utilização dos Elementos de Aritmética - curso superior, além de evidenciar a preferência por textos didáticos que apresentavam conteúdos específicos, indica a divulgação de uma metodologia que se voltaria para a resolução de problemas e exercícios em grande quantidade, demonstrando o rompimento com a concentração nas aulas expositivas, priorizando aspectos teóricos, que levavam à prática de decorar a teoria. Embora com uma apresentação dividida itens numerados, dentro dos moldes dos impressos dedicados aos professores dos séculos anteriores, como o texto era destinado também aos cursos de admissão às escolas superiores, a inclusão de mais de dois mil exercícios e problemas propostos validaria a obra. Essa observação também se faz presente quando avaliamos o tópico referente ao sistema métrico decimal, em relação à sua presença nas escolas e ao seu ensino e aprendizagem. Dumont não se ocupa em explicar detalhadamente e fazer mudanças de unidades de medida. Avaliamos esse procedimento como algo natural, uma vez que o livro era destinado ao curso colegial e determinados aspectos dos conteúdos já deveriam estar incorporados pelos alunos deste nível de ensino. Há que se ressaltar, em especial, os problemas propostos referentes ao sistema métrico, que trazem um enunciado, sobretudo, tentando fazer uma contextualização, incluindo alguns que se voltam a questões práticas e próximas ao cotidiano e outros que reportam informações relevantes, trazendo diferentes conhecimentos aos alunos, além dos saberes matemáticos. Os poucos exemplos esclarecem alguns elementos da teoria. A ausência de um modelo a ser seguido faz com que os alunos interpretem os problemas e pensem nas estratégias de resolução, sendo conduzidos apenas pela teoria e a sua capacidade de correlacionar os diversos conteúdos do livro. Como também não são indicadas as respostas, a validação das resoluções deveria ser realizada pelo professor. Inferimos que o livro de Dumont, com um bom detalhamento desse tópico, contribuiu para difundir o sistema métrico decimal, que ainda não era utilizado por toda a população, e também com uma metodologia que valorizava a resolução de problemas e exercícios, comparecendo nos enunciados uma contextualização da teoria apresentada. Verificamos, na obra, a presença de uma abordagem histórica relativamente aos pesos e medidas antigos e oficiais, percebemos algumas conexões entre tópicos da Aritmética e entre a Aritmética e outras áreas do conhecimento. A interdisciplinaridade, a resolução de problemas e a recomendação de inserir a História da Matemática nas aulas são orientações que comparecem nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática e, podemos dizer, que já estavam em gestação muitas décadas atrás não só através das mãos de Isidoro Dumont, mas de outros autores de livros didáticos. i Durante muito tempo a terminologia “números complexos”i foi utilizada para se nomear os números que se apresentam subdivisões não decimais de uma unidade principal, como define o próprio Dumont. São números complexos: 2d 2h 10m 3seg, indicando 2 dias, 2 horas, 10 minutos e 3 segundos, ou como se representava anteriormente 2lb 9 onç 7 oit 9 gr representando 2 libras, 9 onças, 7 oitavos e 9 gramas. REFERÊNCIAS APPLE, Michael W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 218p. AZZI, Riolando. História da educação católica no Brasil. Contribuição dos Irmãos Maristas. São Paulo: SIMAR, 1999. BRASIL. Decreto-lei n. 4.244 – de 9 de abril de 1942. Lei orgânica do ensino secundário. Diário Oficial, 10 de abril de 1942. BRASIL. Decreto n. 19.890 – de 18 de abril de 1931, dispõe sobre a organização do ensino secundário. Diário Oficial da União, Seção 1, 4 de junho de 1931. CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação. n. 2, p. 177-229, 1990. CASSIANO, Célia Cristina de F. Reconfiguração do mercado editorial brasileiro de livros didáticos no início do século XXI: história das principais editoras e suas práticas editoriais. Em Questão, v.11, n.2, p.281-312, jul./dez. 2005. CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação & Pesquisa, n.3, v.30, p.549-566, set./dez. 2004. CHOPPIN, Alain. Pasado y presente de los manuales escolares. In: BERRIO, Julio Ruiz (ed.) La cultura escolar de Europa. Tendencias históricas emergentes. Madrid: Biblioteca Neva, 2000. (Memória y critica de la Educación). p 107-141. DUMONT, Isidoro. Elementos de aritmética: curso superior. Rio de Janeiro: F. Alves, (1945). 474 p. (Coleção de livros didáticos FTD). JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação. Campinas, SP. SBHE/Editora Autores Associados. n.1, p. 9-43, jan./jun. 2001. VALENTE, Wagner Rodrigues. Uma história da Matemática escolar no Brasil (1730-1930). 2. ed. São Paulo: Anna Blume, 2002. 211p. ZUIN, Elenice de Souza Lodron. O sistema métrico decimal nas escolas primárias dos Oitocentos e Novecentos pelas mãos de Antonio Trajano. SIMPÓSIO INTERNACIONAL LIVRO DIDÁTICO: EDUCAÇÃO E HISTÓRIA, 2007, São Paulo. Anais ... (CD-ROM). São Paulo: USP, 2007a. v. 1. p. 2124-2136 ZUIN, Elenice de Souza Lodron. Por uma nova Arithmetica: o sistema métrico decimal como um saber escolar no Portugal e no Brasil Oitocentistas. 2007. 318 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2007b. ZUIN, Elenice de Souza Lodron. Livros didáticos como fontes para a escrita da história da Matemática escolar. Guarapuava: Gráfica Universitária UNICENTRO Paraná / Sociedade Brasileira de História da Matemática, 2007c. (Coleção História da Matemática para professores).