O USO DE RECURSOS DIDÁTICOS NA APRENDIZAGEM
DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: ANÁLISE DAS
ATIVIDADES PROPOSTAS EM LIVROS DIDÁTICOS
BRASILEIROS E ESPANHOIS
Gilda Guimarães
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
[email protected]
RESUMO
O livro didático é o material mais utilizado para o ensino aprendizagem nas aulas
de Matemática. O professor ao escolher o livro que utilizará com seus alunos está
selecionando conceitos e abordagem que considera mais pertinentes. Esse artigo
busca contribuir para a seleção de livros didáticos e/ou atividades necessárias à
aprendizagem do sistema de numeração decimal. Para tal, foram levantados
critérios e realizada uma análise de coleções didáticas brasileiras e espanholas dos
anos iniciais de escolarização. Os livros didáticos analisados mostram uma mesma
tendência de valorizar pouco o uso de materiais didáticos para a aprendizagem do
sistema de numeração decimal em ambos os países. Entretanto, observa-se que as
coleções brasileiras utilizam de forma enfática desenhos como um recurso a
aprendizagem. Já as coleções espanholas continuam enfatizando apenas uma
prática de cálculos descontextualizados e repetitivos.
Palavras-chave: sistema de numeração decimal, livros didáticos, anos iniciais
de escolarização, recursos didáticos.
Esse artigo é resultado da pesquisa “O ensino do sistema de numeração decimal em livros didáticos espanhóis e
brasileiros” coordenada por Gilda Guimarães (UFPE) e Maria Pilar Ruesga Ramos (Universidad de Burgos).
Paula Cabral participou com bolsista da UFPE.
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28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil
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ABSTRACT
The textbook is the most widely used material for teaching learning in math
classes. The teacher when you choose the book you will use with their
students are selecting concepts and approach that considers more pertinent.
This article aims to contribute to this reflection in relation to the learning of
the decimal numbering system. To this end, we raised a criterion for
selection and an analysis of Brazilian and Spanish textbooks of the primary
school. Textbooks analyzed, of both countries, show the common tendency
to not value the use of teaching materials for learning the decimal
numbering system, which contradicts the current curriculum guidelines.
However, it is observed that the Brazilian textbooks use emphatically
drawings as a learning resource. Spanish collections already continue
emphasizing a decontextualized practice and repetitive calculations.
Keywords: decimal numbering system, textbooks, primary school,
didactic resources
1
Introdução
O livro didático é o material mais utilizado para o ensino aprendizagem nas aulas de
Matemática. Apesar de críticas que vem recebendo ao longo dos anos, continua tendo um
papel preponderante no processo ensino aprendizagem, mesmo diante do advento das novas
tecnologias e seu impacto nos meios de comunicação. Assim, ter a disposição de professores
livros didáticos de qualidade é fundamental.
Devido a essa importância existem vários estudos sobre os mesmos que terminam por se
configurar numa área de investigação pedagógica: as análises de livros didáticos.
De acordo com Johansson (2006), o ensino da Matemática depende, mais do que
qualquer outra área, dos livros didáticos. Autores como Johansson (2006), Reys, Reys e
Chaves-Lopez (2004), Woodward, Elliott e Nagel (1988) entre outros, afirmam que mais de
90% das atividades de Matemática estão determinadas por estes, os quais definem os
conteúdos e sequência a serem ensinados.
Assim, a escolha do livro didático pelo professor é um fator importante na definição dos
objetivos que os mesmos terão com o ensino. Nesse sentido é fundamental que se reflita como
são realizadas essas escolhas.
Jamieson-Proctor e Byrne (2008) ressaltam que as decisões dos professores de
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utilizarem livros didáticos são influenciadas por fatores externos como o valor educativo que
atribuem aos mesmos e a confiança e competência que acreditam ter para ensinar Matemática.
Da mesma forma, Contreras (2006) afirma que para esta seleção, a visão particular de cada
professor sobre a matéria parece ser o único critério utilizado, o que pode supor que estão
sendo desconsiderados outros critérios relevantes.
A partir de uma revisão da literatura sobre análises de livros didáticos foram
encontrados trabalhos com diferentes propostas e a partir de diferentes instrumentos. Alguns,
baseando-se em diferentes enfoques teóricos, realizam análises globais de determinados
indicadores ou características heurísticas. Outros realizam pesquisas sobre um determinado
período educativo ou sobre um determinado conteúdo. A amplitude da área de Matemática e
os diferentes níveis educativos impõem estas condições para que sejam realizadas pesquisas
mais aprofundadas. Exemplos desses trabalhos podem ser vistos em estudos sobre fração,
probabilidade ou geometria (Azcárate e Serrado, 2006, Ruesga, Valls e Rodríguez, 2006,
Cavalcanti e Guimarães, 2009); sobre raciocínio combinatório (Santana e Borba, 2010;
Barreto e Borba, 2010; sobre o uso de calculadora (Selva e Borba, 2009), entre outros.
No Brasil, o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD do governo federal busca
garantir uma qualidade mínima desses livros, os quais são comprados pelo governo e
distribuídos nas escolas públicas. Entretanto, cabe ao professor escolher qual, dentre a grande
quantidade de coleções aprovadas, ele deseja utilizar em sua sala de aula. Essas coleções
apresentam distintas abordagens didáticas e conceituais as quais são apresentadas de maneira
breve aos professores através do Guia do Livro Didático. Essas resenhas buscam oportunizar
o professor a identificar as características mais importantes das coleções auxiliando-o na sua
escolha.
Nesse trabalho estamos interessadas em investigar as atividades apresentadas em
coleções didáticas referentes ao ensino do sistema de numeração decimal (SND) durante os
três primeiros anos do Ensino Fundamental. Nesses anos a aprendizagem dos números é um
tema recorrente em todos os currículos e constitui o conteúdo matemático mais abordado.
O sistema de numeração decimal hindu-arábico é um conjunto de convenções e regras
que permitem representar as quantidades de uma forma econômica, mas que vem
apresentando muitas dificuldades de aprendizagem, porque é bastante sofisticado. Vários
estudos vêm mostrando as diferentes dificuldades que os sujeitos apresentam diante da
aprendizagem do mesmo (Orozco e Hederich 2002; Nunes e Bryant, 1996; Lerner e
Sadovsky, 1994; Lerner, 1995; Tolchinsky, 1994; Power e Dal Martello 1990; Orozco,
Guerrero e Otálora, 2007; Brizuela e Cayton, 2010).
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Uma das razões possíveis para as dificuldades dos alunos pode ser explicada pela
provável dificuldade dos professores em ensinar. Na Espanha, Bosch, Gascón e Sierra (2009)
realizaram um estudo com diferentes livros didáticos utilizados na formação de professores
relacionados ao sistema de numeração decimal e afirmam que esse conteúdo está quase
ausente no ensino atual e que este é um fenômeno praticamente universal. Esses resultados
são surpreendentes uma vez que a aprendizagem do mesmo é fundamental. Como poderão os
futuros professores ensinar seus alunos a compreender o SND se os mesmos não vêm
aprendendo como ensinar nas suas formações iniciais?
A aprendizagem do SND pode ser construída a partir de atividades de contagem,
ordenação e de cálculos. Contar é a origem da numeração. Entretanto, sabemos que a
disposição dos elementos que devem ser contados influência o desempenho dos alunos, pois
quando se conta a partir de uma linha reta já se tem estabelecido a ordem para contar com
início e fim determinados, o que não ocorre quando os elementos estão apresentados de forma
desordenada ou circular. As atividades de ordenação propostas aos alunos devem considerar
quantidades de elementos e numerais.
Lerner e Sadovsky (1994) afirmam que para que haja apropriação do SND é preciso que
os alunos sejam levados a usar a numeração escrita e apoiar-se nela para resolver ou
representar operações. Assim, atividades que envolvem uma das quatro operações ou uma
combinação entre elas, principalmente as que trabalham explicitando as operações inversas,
são importantes para a compreensão do SND e do pensamento reversível.
Sem dúvida, o conhecimento do professor sobre o conceito que vai ensinar, o
conhecimento sobre o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos e o conhecimento de
uma didática apropriada são fundamentais para a aprendizagem que se deseja ensinar.
Entretanto, para que haja aprendizagem, recursos didáticos: materiais didáticos e/ou desenhos
podem ajudar os alunos a compreender a estrutura e funcionamento do SND.
O material didático é um recurso educativo utilizado com uma finalidade didática que
cumpre diversas funções (Marqués, 2011) como: proporcionar informações, guiar as
aprendizagens, exercitar habilidades, motivar, avaliar e proporcionar simulações. Desta
forma, tem a capacidade de ressaltar de forma visual e/ou manipulativa aspectos das
construções simbólicas matemáticas favorecendo a construção do conceito e dos seus
significados.
Alguns recursos didáticos, bastantes conhecidos, foram criados com esta finalidade. É o
caso do material dourado, do quadro valor de lugar, das réguas de Cuisinaire do ábaco, entre
outros. Outros são mais recentes, pois apareceram com o advento das novas tecnologias,
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como a calculadora e software educacionais. Finalmente, o uso massivo do texto impresso,
proporciona um meio didático capaz de proporcionar aportes visuais através de desenhos e
fotografias.
Assim, o objetivo desse artigo é analisar como livros didáticos do Brasil e da Espanha
propõem o uso de recursos didáticos como suporte a aprendizagem do SND.
2
O estudo
Para alcançarmos nossos objetivos, definimos um conjunto de variáveis que relacionam-
se a aprendizagem do número e do sistema de numeração decimal (SND). Estas variáveis
podem ser analisadas a partir de aspectos de conteúdos matemáticos e didáticos. Este
instrumento foi elaborado tendo como base os estudos anteriores tanto de formas de analisar
livros didáticos, como conceitos e habilidades necessárias à compreensão do SND, mas
difere-se dos demais por sua metodologia detalhada a qual avaliou cada atividade sob
diferentes aspectos. (para maiores detalhes ver Ruesga e Guimarães, 2011).
A investigação gerou um banco de dados contendo 7026 atividades analisadas, as quais
nos permite uma reflexão sobre a relação entre as proposições didáticas e conceituais na
aprendizagem do SND propostos nessas coleções.
Nesse artigo apresentamos os resultados referentes ao uso de recursos didáticos
relativos às coleções analisadas: três brasileiras e três espanholas de Matemática, dos três
primeiros anos do Ensino Fundamental, as quais foram selecionadas por apresentarem uma
grande tiragem em ambos países.
Variáveis analisadas:
1) Finalidade - analisa o objetivo do uso do número na atividade considerando a
Matemática como ferramenta (atividades de investigação, resolução de problemas e
reflexão sobre as funções dos números) ou como conteúdo em si mesmo (regras do
SND, realizar cálculos e relacionar tabelas e gráficos).
2) Função dos números – analisa se o número na atividade tem a função de quantificar,
ordenar, identificar ou apenas propõe uma manipulação numérica. Considerou-se
ainda se a atividade envolve mais de uma das funções anteriores.
3) Material – levantamento de que tipo de recurso é utilizado como suporte à
compreensão dos conceitos: materiais pedagógicos (quadro valor de lugar, réguas
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Cuisenaire, ábacos, dinheiro1, material dourado), materiais concretos (dedos, palitos e
etc) e tecnológicos (calculadora e etc).
4) Representação – tipos de representação utilizados para auxiliar a compreensão das
atividades (desenhos, fotos, gráficos, tabelas e retas numéricas). Observou-se também
e se a representação de fato possibilitava a resposta como um suporte ou se era apenas
uma ilustração.
3
Resultados e discussões
Inicialmente apresentamos os resultados obtidos a partir das análises das 6 coleções e
em seguida discutimos as atividades propostas a partir de exemplos selecionados das coleções
analisadas. Os exemplos pertencem às coleções brasileiras para uma melhor compreensão dos
enunciados, uma vez que esse artigo está escrito na língua portuguesa.
A Matemática nos anos iniciais é subdividida em 4 eixos: números e operações,
grandezas e medidas, geometria e tratamento da informação (Estatística). Para essa análise
selecionamos as atividades referentes ao eixo números e operações e tratamento das
informações. O eixo tratamento da informação foi incluído como tal nos PCNs em 1996,
como forma de chamar a atenção sobre a mesma, não se configurando como de fato um eixo
da Matemática. As atividades dos eixos grandezas e medidas e geometria, apesar de também
utilizarem os números, não tem como foco principal a aprendizagem dos mesmos e, por isso
não foram incluídas nessa análise.
A Tabela 1 apresenta os percentuais de atividades referentes ao SND encontrados em
função do país e ano de escolaridade. Fica evidente o peso que esse eixo ocupa nos livros
didáticos de Matemática. As coleções brasileiras apresentam uma maior ênfase em todos os
anos, principalmente no 2º ano à aprendizagem do SND. Já as coleções espanholas propõem
mais atividades referentes aos outros eixos, principalmente no 2º ano.
Tabela 1: Percentual de atividades sobre SND por país e ano.
Ano de Escolaridade
1º
1
2º
3º
Brasil
70,9
81,2
73,80
Espanha
67,9
58,5
65,50
Foram incluídas nas análises as atividades em que o dinheiro é utilizado para a compreensão do SND.
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Para compreendermos que tipos de atividades vêm sendo propostas para a
aprendizagem do SND é importante analisar a finalidade das mesmas. Nos currículos da
maioria dos países vêm sendo enfatizado a necessidade das atividades serem propostas a partir
de situações contextualizadas de uso da Matemática, compreendendo-a como uma ferramenta
na resolução de problemas ou em investigações.
Observa-se no Gráfico 1 que não há diferenças entre os países em relação as finalidades.
Em ambos os países e em todos os anos são encontradas atividades que buscam a
compreensão das regras do sistema a partir de manipulação numérica ou envolvendo cálculos.
Entretanto, com a escolaridade, há um aumento de atividades que visam à compreensão do
SND a partir da resolução de problemas e um decréscimo das atividades dedicadas a
aprendizagem das regras do SND. Compreender o SND a partir de situações de investigação
ou de reflexões sobre as funções dos números são quase inexistentes e apenas no Brasil.
Gráfico 1: Finalidade das atividades em função do país e ano
Um tipo de atividade que vem sendo valorizado é levar os alunos a refletirem sobre as
funções dos números: quantificar, ordenar e identificar. A partir do Gráfico 2, pode-se
observar que a função de quantificação é a mais utilizada, principalmente nas coleções
brasileiras. Por outro lado, nas coleções espanholas observa-se uma ênfase nas manipulações
numéricas, ou seja, em atividades em que os números não tem nenhum desses significados. Já
nas coleções brasileiras atividades de manipulação numérica aumentam com a escolaridade.
Chama à atenção a ausência de atividades que envolvem a função dos números como
identificação ou mais de uma função nas coleções espanholas, o que mostra o abandono da
ideia geral de número.
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Gráfico 2: Função do número por país e ano
As atividades que envolvem a aprendizagem dos algoritmos dos cálculos nas quais as
regras do SND são reafirmadas ou mesmo as que buscam levar a aprendizagem das regras do
SND (base, quantidade de símbolos, valor posicional, princípios aditivos e multiplicativos,
papel do zero) são as que, em geral, necessitam mais de apoios de materiais didáticos, uma
vez que ambas aprendizagens envolvem a compreensão de estratégias complexas que
precisam ser bem compreendidas para evitar que a aprendizagem se converta em mera
habilidade.
Partindo desse pressuposto, passamos a analisar os tipos de suportes utilizados nas
atividades que proporcionassem a compreensão do SND. O Gráfico 3 apresenta esses
resultados.
Gráfico 3: Utilização de material de suporte por país e ano
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Observa-se no Gráfico 3 que o desenho apresenta-se como a opção mais utilizada de
suporte para o ensino do SND nas coleções brasileiras e espanholas, apesar de nas brasileiras
ser bem mais enfatizado. Da mesma forma, observa-se a mesma tendência de diminuir a
utilização do desenho em função da escolaridade.
A Figura 1 apresenta um exemplo de utilizar desenho como suporte. Nesse exemplo, o
aluno poderá visualizar e contar os agrupamentos de 10 em 10.
Figura 1: Coleção 6, p.12
Essa ênfase dada aos desenhos, em geral para serem contados, reafirma o que vem
sendo observado na prática dos professores, os quais acreditam que ensinar os números é
solicitar que contem e registrem, relacionado numeral a quantidade, como observa Silva
(2012).
Entretanto, ressaltamos o percentual de atividades sem nenhum suporte, ou seja, sem
material didático e sem desenho, principalmente nas coleções espanholas. Esse percentual vai
aumentando com a escolaridade em ambos os países. Esses dados evidenciam a precariedade
de um ensino que proporcione a construção do conhecimento pelos alunos, explicando as
dificuldades encontradas pelos mesmos para compreenderem o SND.
O uso de material, mesmo que discreto, apresenta tendências opostas entre os países,
uma vez que há um aumento da utilização de materiais didáticos em função da escolaridade
nas coleções brasileiras e um decréscimo nas espanholas. Dessa forma, as coleções
espanholas mostram uma tendência maior a restringir a aprendizagem do SND ao âmbito da
prática reiterada de manipulações numéricas, o que vem sendo criticado, inclusive por
educadores espanhóis.
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Existe uma variedade de materiais concretos e pedagógicos como ábaco, quadro-valorde-lugar (QVL), réguas de Cuisenaire, material dourado, entre outros, os quais são
mencionados como suportes à aprendizagem. Analisamos a seguir o uso de alguns deles.
Tabela 2: Uso de material didático por pais.
MATERIAL
BRASIL
ESPANHA
2382
3488
material concreto
28
14
calculadora
39
21
jogos
19
25
QVL
90
276
dourado/material multibase
80
44
ábaco
8
43
réguas de Cuisenaire
22
0
QVL e dourado
81
13
QVL e ábaco
2
5
dourado e ábaco
1
11
QVL, dourado, ábaco
1
7
dinheiro
173
94
risquinhos
40
7
dedos
7
5
Total
2973
4053
nada
Das atividades das coleções brasileiras, somente 20% utilizam algum material e das
espanholas 14%. Assim, a grande maioria das atividades não faz nenhum uso de material.
Entre as atividades que usam algum material nas coleções brasileiras, o QVL associado
ou não ao dourado e ábaco é o suporte mais utilizado (44,5%), seguido pelo dinheiro (29%).
O uso de materiais concretos ou dedos é proposto em apenas 5% e o uso da calculadora em
6,5% das atividades que envolvem algum suporte.
Para as coleções espanholas encontramos que o QVL associado ou não ao dourado e
ábaco é utilizado em 70% das atividades que utilizam algum material, e o dinheiro em 16%.
Materiais concretos ou dedos são utilizados em apenas 3% e a calculadora em 4%. As réguas
de Cuisinaire são ignoradas.
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Assim, o uso de material de suporte (tecnológicos, pedagógicos e outros) é pouco
utilizado em ambos os países. O uso conjunto de material e desenho é utilizado de forma mais
discreta em ambos os países e diminuem com a escolaridade.
O uso de diferentes materiais como suporte poderia auxiliar a aprendizagem, uma vez
que cada um deles evidencia mais ou menos um aspecto. O material dourado, por exemplo,
pode ajudar na compreensão dos agrupamentos na base 10, enquanto o QVL marca a
importância da posição, ou seja, dos valores absolutos e relativos dos numerais. Além disso,
trabalhando a partir de uma multiplicidade de matérias é possível auxiliar mais alunos a
aprenderem, pois cada aluno pode aprender a partir de um caminho.
Nos chama atenção, ainda o acúmulo de atividades propostas nas coleções espanholas,
as quais apresentam 36% a mais de atividades que as brasileiras. É de se perguntar quais
poderiam ser as explicações para essa diferença de quantidades de atividades? É importante
analisar quantas atividades por dia serão necessárias de serem realizadas para que os alunos
utilizem o livro todo durante o ano escolar?
É preciso considerar a quantidade de horas que os alunos permanecem na escola na
Espanha e no Brasil são diferentes (6hs na Espanha e 4hs no Brasil). Por outro lado, será que
a quantidade de atividades produz mais aprendizagem? Acreditamos que para que haja uma
aprendizagem é preciso propor aos alunos atividades que envolvam diferentes invariantes,
significados e representações. Assim a questão não é somente a quantidade de atividades, mas
a variabilidade das mesmas buscando abordar um conceito em todos os seus aspectos.
Brandão e Selva (1999) analisando coleções didáticas da educação Infantil observaram
que a maioria das atividades apresentavam desenhos como forma de apresentação dos dados
na resolução de problemas. Lôbo (2012) investigou o papel do desenho na apresentação de
problemas com alunos do 2º ano de escolaridade e concluiu que o desenho pode beneficiar
mais ou menos em função do tipo de cálculo relacional que deve ser estabelecido entre as
quantidades. Entretanto, o desenho acompanhado de texto na língua natural tende a beneficiar
mais a resolução dos problemas do que apenas desenho ou apenas língua natural.
Diante do grande número de atividades encontradas em nosso estudo que envolvia o
desenho, analisamos os recursos de representação utilizados nas atividades que tem por
finalidade a aprendizagem do SND e dos algoritmos de cálculo (Tabela 3). É fundamental
ressaltar que uma mesma atividade pode ter desenho e utilizar algum recurso material, como
apresentado no Gráfico 3.
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Tabela 3: Uso de recursos de representação por pais
REPRESENTAÇÃO
não tem desenho
BRASIL
ESPANHA
1064
2158
fotografia
131
26
desenho para ilustrar
411
1020
desenho para ensinar
1127
668
foto e desenho para ilustrar
---
2
foto e desenho para ensinar
12
9
gráfico
53
39
tabela
139
106
tabela/gráfico
15
7
reta numérica
21
18
2973
4053
Total
Em 64% das atividades das coleções brasileiras são utilizadas alguma representação,
sendo que 21% dessas são apenas para ilustrar ou motivar, ou seja, não auxiliam os alunos na
resolução da atividade. Já 46% das atividades das coleções espanholas utilizam uma
representação, sendo 54% para ilustrar.
Observa-se tendências comuns entre as coleções dos dois países em relação ao pouco
uso de gráficos/tabelas e reta numérica, apesar da importância que as mesmas vem recebendo
nas pesquisas na área de Educação Matemática.
Assim, ao contrário do que vem sendo recomendado pelos currículos, o ensino da
Matemática continua bastante baseado em cálculos e manipulações numéricas desprovidas de
significado e a partir de uma aprendizagem que dispensa materiais de apoio que propiciem a
compreensão dos conceitos.
Burgo, Nogueira e Belline (2010) também afirmam que há um distanciamento entre os
materiais didáticos que os professores têm a sua disposição, os quais são produto de
pesquisas, e o ensino de número em sala de aula.
Para compreendermos melhor essas análises, vejamos alguns exemplos que permitem
um aprofundamento da discussão.
Em relação às atividades referentes à função dos números, a Figura 2 apresenta um
exemplo de atividade que propicia que os alunos reflitam sobre as funções dos números. Esse
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é o objetivo da mesma. O aluno precisa compreender que o número pode ser para identificar:
como na placa do ônibus, no número do itinerário ou no endereço das casas; pode ser para
ordenar as pessoas que estão no ponto do ônibus em função do horário que chegaram; ou para
quantificar quantidades de horas passadas ou pessoas na fila.
Figura 2: Diferentes funções do número (coleção 6, vol 3, p.6)
Entretanto, atividades cuja função do número é quantificar, como as apresentadas nas
Figura 3 e 4, são as que foram mais encontradas.
Figura 3 – Função quantificar (coleção 5, vol 1, p.114)
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Figura 4: Função quantificar (coleção 6, vol 1, p.58)
Observa-se que a função quantificar pode estar associada à ideia de contagem ou de
operações, como no caso da Figura 3, a qual tem como objetivo a resolução de um problema
multiplicativo de configuração retangular.
A função do número em atividades que exigem apenas de manipulação numérica, nas
quais os números não tem significado (Figura 5), em geral, não são as mais indicadas para a
efetiva aprendizagem. Nesses casos, ou o estudante é levado a memorizar regras ou ele treina
as regras, como na situação da Figura 5, na qual o aluno precisa realizar as operações da
forma que conseguir. Se ele não souber ou não conseguir resolver as contas, não há nenhum
tipo de suporte para que o mesmo consiga solucionar.
Figura 5: Manipulação numérica (coleção 6, vol 3, p.229)
Como afirmamos, as coleções espanholas praticamente não apresentam atividades que
envolvam mais de uma função dos números. A Figura 6 apresenta uma atividade classificada
por nós nessa categoria. Nessa atividade, no item “a” o aluno precisa quantificar os livros e
nos demais itens ele está trabalhando com a sequência numérica como identificação dos
exemplares.
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Figura 6: Mais de uma função do número (coleção 6, vol 3, p.37)
O desenho foi o suporte mais utilizado nas coleções didáticas e de forma a auxiliar os
alunos na resolução das atividades. Foram encontradas poucas atividades como da Figura 7,
na qual o desenho serve apenas como ilustração para motivar o aluno.
Figura 7: Desenho para ilustrar (coleção 6, vol 3, p.134)
As atividades que utilizam material pedagógico, em geral, envolvem a manipulação
numérica ou a aprendizagem das regras do sistema de numeração (Figura 8). Esses materiais
são bem valorizados nos processos de formação inicial e continuada de professores. Alguns
professores chegam a argumentar da impossibilidade de uma aprendizagem por compreensão
em função da ausência dos materiais. Entretanto, os livros didáticos brasileiros e espanhóis
não vêm valorizando na mesma intensidade esses suportes. A grande maioria das atividades
não faz nenhum uso de material.
Entre as atividades que fazem uso de algum material pedagógico, o QVL associado ou
não ao material dourado e ao ábaco é a que mais aparece nas coleções brasileiras e
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espanholas. Na atividade da Figura 8, pode-se dizer que a proposição é a utilização do
material dourado de forma concreta, mas essa é uma exceção. A maioria das atividades não
propõe a utilização do material em si, apenas a sua representação no papel.
Figura 8: Utilização do material dourado e QVL. (coleção 6, vol 3, p.229)
4
Conclusões
De fato, a proposição das atividades dos livros didáticos não valoriza o uso de recursos
didáticos. De um lado, poder-se-ia dizer que a utilização de materiais deve ser uma tarefa do
professor, cabendo às coleções outro tipo de proposição. Por outro, a não valorização dos
materiais pelas coleções didáticas as quais são fonte de proposições didáticas, poderá
enfraquecer o argumento, sempre repetido, que a Matemática é muito abstrata e por isso
difícil de ser compreendida.
Porém é importante nos perguntarmos se será mesmo que a Matemática é difícil? Será
que ela é mais abstrata do que a aprendizagem da língua materna escrita? É mais fácil
aprender a escrever “treze” do que “13”?
Os alunos apresentam dificuldades na aprendizagem do sistema de numeração decimal
porque muito ainda precisa ser aprofundado sobre o ensino do mesmo, inclusive na formação
inicial e continuada dos professores. É preciso que os alunos sejam levados a refletir sobre as
funções dos números e sobre a lógica do sistema de numeração decimal da mesma forma que
se deseja que os alunos compreendam a lógica do sistema alfabético. Na apropriação da
escrita alfabética, não aprendemos letras para depois formar palavras e depois frases. Na
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apropriação do sistema de numeração decimal é não aprendemos números para depois operar.
É preciso conviver com um ambiente letrado matematicamente que possibilite estabelecer
relações entre quantidades numéricas e se apropriar da lógica do sistema de numeração
decimal a partir de seu uso. Para tal, os recursos didáticos podem ser auxiliares à
aprendizagem.
As coleções brasileiras apresentam um grande percentual de atividades sobre a
aprendizagem do SND, buscando uma abordagem mais integral, com apoios representacionais
o que certamente favorecerá a uma maior compreensão e apropriação do sistema de
numeração decimal. As coleções demostram uma grande preocupação com a aprendizagem
dos algoritmos e de forma repetitiva e sem apoio didático e representacional. Quanto mais
variada forem as formas de propor a aprendizagem de um conceito mais possibilidade de
aprendizagem teremos.
Esses resultados deixam claro as tendências diferentes entre os países, as quais
expressam que a educação que uns e outros veiculam não pode ser a mesma.
Dessa forma, caberá ao professor elaborar atividades que abarquem todo o campo da
compreensão do sistema de numeração decimal, criando ou propondo a utilização de matérias
didáticos para que haja uma efetiva aprendizagem dos alunos, além das atividades
apresentadas nos livros didáticos.
Argumentamos durante esse texto sobre a ausência ou presença de atividades que
permitissem os alunos a aprendizagem do SND, entretanto, mesmo considerando a
necessidade de diferentes tipos de atividades para a aprendizagem de um conceito, é preciso
estar atento também à quantidade de atividades propostas para a efetiva aprendizagem. O
livro didático é um dos recursos que o professor pode utilizar, mas a questão fundamental é
sempre qual a quantidade e variabilidade de atividades necessárias em função da
aprendizagem que se busca?
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