LEITURAS DO TEXTO LITERÁRIO EM CONTEXTO
ESCOLAR
Cláudia Maria Gazzola (FACEQ/UNIESP)*
Cláudio Bazzoni (USP) **
Resumo
O objetivo deste artigo é investigar o tratamento didático dado ao texto literário no
contexto escolar e refletir sobre alternativas de trabalho para o Ensino Fundamental I e
II, com textos da esfera literária. Partindo de uma abordagem sobre texto literário que
considera a interação texto-leitor, nas reflexões de Vincent Jouve, de Umberto Eco, de
Marisa Lajolo, de Magda Soares e de Rildo Cosson, o artigo mostra a necessidade de
mudança no tratamento didático dado aos textos da esfera literária na inevitável
escolarização da literatura.
Palavras–chave: Leitura. Literatura infantil. Literatura juvenil. Estratégias de leitura.
Texto literário.
Abstract
The objective of this paper is to investigate the didactic treatment of the literary text in
the school context and reflect on alternative working arrangements for Elementary
Education I and II, with the literary sphere texts. Starting from a discussion of literary
text that considers the interaction text-reader, the reflections of Vincent Jouve, Umberto
Eco, Marisa Lajolo, Magda Soares and Rildo Cosson, the article shows the need for
change in the educational treatment of texts the literary sphere in the inevitable
schooling literature .
Keywords: Reading. Children's literature. Juvenile literature. Reading strategies.
Literary text.
*
Especialista em Docência em Língua Portuguesa pelo Instituto Superior de Educação Vera Cruz.
Graduada em Letras e Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora do
Patrocínio.
**
Doutor em Letras (Língua Espanhola e Literatura Espanhola e Hispano-Americana) pela Universidade
de São Paulo. Atualmente, é professor de Língua Portuguesa e Coordenador do Ensino Médio do Curso
Supletivo do Colégio Santa Cruz. É consultor de Língua Portuguesa, formador de professores da Rede
Municipal de Ensino de São Paulo e autor de livros didáticos.
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17, fevereiro de 2015. www.faceq.edu.br/regs
1 Abordagens de leitura
Este artigo tem como objetivo refletir sobre o tratamento didático dado ao texto
literário em contexto escolar. Para desenvolver a investigação, analisaremos os dados
coletados em uma pesquisa desenvolvida junto a professores da Escola Estadual Profª
Esmeralda Becker Freire de Carvalho (Carapicuíba – SP) e apresentaremos abordagens
de leitura que visam tornar mais significativo, para o aluno, o ato de ler gêneros textuais
da esfera literária.
Vincent Jouve (2002, p. 137–138) afirma que “se a leitura literária tem uma
especificidade, é [...] por meio de seus efeitos que se deve tentar apreendê-la”. Jouve
cita Michel Picard (apud JOUVE, 2002, p. 137), que atribui três funções essenciais à
leitura dos textos literários: a “subversão na conformidade”, pois o texto literário “ao
mesmo tempo contesta e supõe uma cultura”; a “eleição do sentido na polissemia”: o
texto literário remete sempre a uma pluralidade de significações; e a “modelização por
uma experiência de realidade fictícia”: modelizar é “propor ao leitor experimentar no
modo imaginário uma cena que ele poderia viver na realidade.” E conclui “[...] a leitura
literária é, desses três modos, uma prática frutuosa da qual o sujeito sai transformado”.
Jouve (2002, p. 66) escreve também sobre “os espaços de certeza” e os
“espaços de incerteza” que se alternam no decorrer da leitura, quando na interação
texto-leitor. Enquanto os “espaços de certeza” são “pontos de ancoragem” da leitura,
passagens explícitas de um texto, os “espaços de incerteza” remetem-se às passagens
obscuras ou ambíguas que solicitam a participação do leitor para serem decifradas.
Umberto Eco (1979, p. 37) também reflete sobre a interação texto-leitor e
mostra que o texto está “entremeado de espaços brancos, de interstícios a serem
preenchidos”, espaços deixados propositadamente por quem os emitiu, porque um texto
“vive da valorização de sentido que o destinatário ali introduziu [...]. Todo texto quer
alguém que o ajude a funcionar”. A cooperação do leitor está na atualização do
conteúdo do texto, preenchendo–lhe os espaços brancos.
Preencher os espaços brancos, ou os espaços de incerteza, faz parte do
processo de interpretação e de construção de sentido na leitura de um texto. Para
compreendermos os mecanismos desse processo, encontramos fundamentos nos textos
de Angela Kleiman (2004, p. 17) que, escrevendo sobre o conhecimento prévio na
leitura, afirma que “[...] é mediante a interação de diversos níveis de conhecimento,
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como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor
consegue construir o sentido do texto”.
Sabendo da importância da interação dos diversos níveis de conhecimento para
uma leitura significativa, da interação texto-leitor para atribuição de sentido ao texto e
de uma abordagem voltada para as especificidades do texto literário, é fácil perceber
que, nos materiais didáticos usados por grande parte dos professores, geralmente, a
leitura dos textos literários fica resumida a um conjunto de perguntas/respostas que têm
como objetivo a identificação de informações pontuais, sem a preocupação com a
reflexão crítica sobre o texto, ou seja, com o estabelecimento de relações, com o uso de
conhecimentos prévios – do mundo linguístico e textual –, conhecimentos fundamentais
para a construção de sentido.
Uma análise aprofundada das características dos materiais didáticos aparece no
ensaio Exercícios de Compreensão ou Copiação nos Manuais de Ensino de Língua de
Marcuschi (1996). Nesse ensaio, o autor apresenta um levantamento das atividades
desenvolvidas nos manuais de ensino de Língua Portuguesa (de 1ª a 7ª série) como
exercícios de compreensão, interpretação e entendimento de texto, para verificar se elas
são de fato exercícios de compreensão. Esse levantamento mostra que num total de
1463 perguntas encontradas em sete manuais em uso nas escolas (particulares e
públicas), 60% eram de cópia de alguma parte do texto, 30% eram de caráter pessoal e
apenas 5% exigiam relação com alguma informação textual; poucas perguntas
propunham uma reflexão crítica.
Conforme Marcuschi (1996), mais da metade dos exercícios de compreensão
dos manuais escolares pode ser dividida em: perguntas respondíveis sem a leitura do
texto; perguntas não respondíveis, mesmo lendo o texto; perguntas para as quais
qualquer resposta serve; perguntas que só exigem cópia do texto. Essas constatações
evidenciam que a concepção de leitura desenvolvida na escola está muito distante de
uma concepção interacionista. Os sentidos estão apenas no texto e a leitura é entendida
como mera decodificação, em que o domínio do código é praticamente a única
habilidade básica necessária.
As atividades de leitura na escola, sendo encaminhadas dessa forma, servem
apenas para que o professor confirme se o aluno decodifica o texto e não se ele o
compreende, o interpreta e dialoga com ele. Atividades de cópia não favorecem a
interação texto-leitor, pois não consideram que o texto necessita do leitor para atribuir3
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lhe sentidos – sentidos que se estabelecem por meio de mecanismos de interpretação
que o leitor usa e que devem ser desenvolvidos na escola.
Considerando que o texto literário é plurissignificativo, ou seja, guarda uma
multiplicidade de sentidos, não deveria receber uma abordagem que não considerasse
essa especificidade. A subjetividade da linguagem literária deixa de ser explorada
quando os “exercícios de compreensão” apontados por Marcuschi (1996, p. 64)
multiplicam-se e universalizam-se no espaço escolar. Atividades que apenas recuperam
informações num texto desconsideram o prazer que envolve a leitura e a possibilidade
de vivenciar a pluralidade de sentidos presentes na ficção. Ignoram também a
contribuição que a literatura pode oferecer ao ser humano no seu exercício de
compreender o mundo e a si mesmo. Rildo Cosson, em seu livro Letramento literário
(2009, p.17) afirma:
A experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da
experiência. Ou seja, a ficção feita palavra na narrativa e a palavra feita
matéria na poesia são processos formativos tanto da linguagem quanto do
leitor e do escritor. Uma e outra permitem que se diga o que não sabemos
expressar e nos falam de maneira mais precisa o que queremos dizer ao
mundo, assim como nos dizer a nós mesmos. É por possuir essa função maior
de tornar o mundo compreensível transformando sua materialidade em
palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas que a
literatura tem e precisa manter um lugar especial nas escolas.
Muitas vezes, o espaço escolar é, para um grande número de crianças,
principalmente aquelas que estudam em escola pública, a única referência com intenção
formadora. As leituras (de livros e de mundo), oferecidas pela escola, serão as
experiências que poderão ajuda-las a inserir-se na sociedade.
Lajolo (1993, p. 59) escreve sobre a inclusão de sugestões de atividades (fichas
de leitura, encartes, suplementos e similares) em livros destinados ao público infantil. A
autora afirma que os professores “delegam a terceiros o planejamento das atividades
que desenvolverão com seus alunos” e analisa que a origem desse problema pode estar
no “despreparo do magistério, achatamento salarial, a precariedade das condições de
trabalho” e conclui que “a leitura proporcionada pela escola de hoje parece sofrer de
uniformização”, as atividades dos encartes que acompanham os livros apresentam uma
única forma de abordagem que nem sempre estão congruentes aos objetivos de leitura
que o professor elege.
Lajolo (1993) reflete também sobre o perfil do professor enquanto leitor. É
consenso que um professor precisa ler muito, que deve gostar de ler e ser um bom leitor,
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porém, baseando–se nos resultados de uma pesquisa da época (feita entre professores do
ensino fundamental I e bibliotecários), a autora descobre que o repertório de leitura do
professor é “desolador”, constituído, a maior parte das vezes, por “best-sellers antigos
como Fernão Capelo Gaivota ou pelo que se poderia chamar de clássicos escolares: A
Moreninha, Escrava Isaura [...]” E frisa a gravidade da situação, lembrando que “a
formação de um leitor exige familiaridade com grande número de textos” (LAJOLO,
1993, p. 18).
As reflexões da autora continuam ainda hoje válidas e dialogam com o artigo
“A leitura incerta: a relação de professores (as) de Português com a leitura” de Antonio
Augusto Gomes Batista (1995), no qual o autor analisa as práticas de leitura de
professores que atuam na rede pública. Batista (op. cit.) aponta que a maioria desses
professores constitui a primeira geração de seu grupo familiar a ser submetida a uma
escolarização de longa duração, cujos membros dificilmente passaram da escolaridade
elementar (ensino fundamental) e que no seu processo de formação, os professores são
“leitores escolares e tenderiam a investir, mesmo nas leituras não voltadas para a prática
docente, nas competências e nas disposições escolares, adquiridas escolarmente”
(BATISTA, 1995, p. 46). Sendo assim, segundo Batista, quanto maior a distância entre
as disposições transmitidas pela escola e os conhecimentos pressupostos por um texto
ou uma modalidade de leitura, maior será a possibilidade de esses professores
desenvolverem com dificuldade e insegurança a leitura de textos e impressos, e serem
vistos como “leitores precários”.
Se a maioria dos professores tem um repertório escolar, como então deixar de
reproduzir a “uniformização” dos manuais escolares? As abordagens fundamentadas na
proposta do Letramento Literário de Rildo Cosson (2009) podem inspirar um trabalho
de leitura que rompa com a uniformização citada. Conforme Cosson
Ser leitor de literatura na escola é mais do que fruir um livro de ficção ou se
deliciar com as palavras exatas da poesia. É também posicionar-se diante da
obra literária, identificando e questionando protocolos de leitura, afirmando
ou retificando valores culturais, elaborando e expandindo sentidos. Esse
aprendizado crítico da leitura literária, que não se faz sem o encontro pessoal
com o texto enquanto princípio de toda a experiência estética é o que temos
denominado aqui de letramento literário. (COSSON, 2009, p. 120)
A escola precisa rever as concepções de leitura que geralmente permeiam sua
prática e aventurar-se na aplicação de outras teorias, que no estudo da compreensão,
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atribuem importância tanto para o texto, quanto para o leitor e consideram a leitura
como resultado de uma interação entre eles.
No capítulo “A literatura e o mundo”, Cosson escreve que “na leitura e na
escritura do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que
pertencemos” (2009, p. 17), e completa: “a literatura nos incentiva a desejar e a
expressar o mundo por nós mesmos”, porque por meio dela podemos saber da vida
pelas experiências do outro e vivenciá-las. “No exercício da literatura, podemos ser
outros, [...] viver como os outros, podemos romper os limites do tempo e do espaço de
nossa experiência e, ainda assim, sermos nós mesmos” (COSSON, op. cit., p. 17).
No capítulo “O processo de leitura”, o autor (COSSON, op. cit.) lembra que
as teorias sobre leitura podem ser reunidas em três grandes grupos 1: o primeiro grupo
está centrado no texto e a leitura é entendida como um processo de decodificação; o
segundo grupo toma o leitor como centro da leitura que elabora e testa hipóteses
(antecipações) sobre o que está no texto; o terceiro grupo, das chamadas teorias
conciliatórias, considera o leitor tão importante quanto o texto, sendo a leitura o
resultado de uma interação. Esses três modos de compreender a leitura devem ser
pensados como “um processo linear”, ou seja, três etapas que orientarão o trabalho de
letramento literário, colocadas em prática nas sequências sugeridas pelo autor
(sequência básica e sequência expandida): antecipação ou as operações que o leitor faz
antes de penetrar no texto propriamente dito; decifração ou a entrada no texto através
das letras e das palavras e interpretação2 ou as relações estabelecidas pelo leitor quando
processa o texto, e o centro desse processamento são as inferências.
Marcuschi (1996) também coloca como aspectos importantes, numa teoria da
compreensão, a “noção de língua”, a “noção de texto” e a “noção de inferência”,
evidenciando, assim como Kleiman (2004), que compreender um texto é muito mais
que extrair informações, é uma atividade de produção de sentidos, “não é simplesmente
reagir aos textos, mas agir sobre os textos” (MARCUSCHI, 1996, p.74). Essa ação se
dá através dos mecanismos de interpretação que, como já dissemos, devem ser
ensinados pela escola.
1
O autor baseia-se na síntese feita por Vilson J. Leffa, em Perspectivas no estudo da leitura: texto e
interação social (1999).
2
“A interpretação depende do que escreveu o autor, do que leu o leitor e das convenções que regulam a
leitura em uma determinada sociedade” (COSSON, 2009, p. 41). É nessa etapa que o autor enfatiza a
distinção entre o letramento literário, compreendido como prática social, feito na escola e a leitura
literária que se faz, independentemente dela.
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Rildo Cosson (2009, p. 23) propõe o letramento literário “como prática social
e, como tal, responsabilidade da escola”, ou seja, a escola deve incentivar o aluno a
posicionar-se diante da obra, refletindo sobre os valores culturais apresentados,
questionando e ampliando seus sentidos. Por outro lado, Magda B. Soares (1999, p. 43)
afirma que os exercícios que são propostos aos alunos sobre os textos literários não
abordam o que é essencial neles: “a percepção de sua literariedade, dos recursos de
expressão, do uso estético da linguagem”, pois, centram–se nas informações e não no
“modo literário” como os textos as apresentam. Sobre o termo “escolarização” da
literatura, explica:
Não há como evitar que a literatura, qualquer literatura, [...] ao se tornar
‘saber escolar’, se escolarize, e não se pode atribuir, em tese [...] conotação
pejorativa a essa escolarização, inevitável e necessária; não se pode criticá-la,
ou negá-la, porque isso significaria negar a própria escola [...]. O que se pode
criticar, o que se deve negar não é a escolarização da literatura, mas a
inadequada, a errônea, a imprópria escolarização da literatura, que se traduz
em sua deturpação, falsificação, distorção, como resultado de uma
pedagogização ou uma didatização mal compreendida que, ao transformar o
literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o, falseia-o. (SOARES, 1999, p.
21/22)
Assim, a questão é fazer a escolarização da literatura sem descaracterizar o
texto literário, sem perder de vista a multiplicidade de sentidos que a linguagem
subjetiva do texto literário oferece, confirmando seu poder de humanização.
2 Caminhos didáticos
Para refletir sobre o tratamento dado ao texto literário, no contexto de sala de
aula, propusemos um exercício (que abaixo será descrito) aos professores da escola
estadual Profª Esmeralda Becker Freire de Carvalho (Carapicuíba, São Paulo). Nosso
objetivo era identificar concepções e estratégias de leitura que professores do ensino
fundamental I (polivalentes) e II (área de Língua Portuguesa) dessa escola lançariam
mão, no encaminhamento de um trabalho de leitura de um texto literário, o conto Até
Passarinho Passa, de Bartolomeu Campos de Queirós (2003).
Foi proposto aos professores escolher cinco dentre 20 atividades de leitura que
julgassem essenciais na abordagem do conto. As atividades foram preparadas pelos
autores deste artigo e a escolha do conto de Bartolomeu Campos de Queirós (op. cit.)
foi motivada pela importância que esse autor tem para a literatura brasileira e pela
riqueza da matéria literária de seu texto. As vinte atividades propostas aos professores
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consideravam três categorias: atividades para antes da leitura, atividades para durante a
leitura e atividades para depois da leitura, mas foram apresentadas sem seguir essa
ordem (antes, durante, depois).
Vale esclarecer que essas categorias são sugeridas por Isabel Solé, no livro
Estratégias de Leitura (1998). As estratégias aplicadas antes da leitura permitem a
atualização dos conhecimentos prévios relevantes; as aplicadas durante a leitura
permitem estabelecer inferências, rever e comprovar a própria compreensão; as
estratégias aplicadas depois da leitura permitem recapitular o conteúdo, resumi–lo e
ampliar o conhecimento obtido com a leitura.
Além de os professores escolherem as cinco atividades, teriam de justificar as
escolhas. Dessa forma, obteríamos pistas sobre as concepções de leitura e sobre o que
valorizam na prática da leitura de textos literários. Dos nove professores convidados,
sete aceitaram participar, escolhendo as atividades e justificando as escolhas. Contudo,
para esta investigação, foram consideradas as respostas de seis professores, pois um
deles conhecia o encarte que acompanha o livro, com encaminhamentos de leitura,
preparado pela Editora Moderna, o que poderia influenciar as escolhas. Depois das
atividades, foi reservado um espaço para que pudessem registrar outras que
considerassem importantes. Nosso intuito era oferecer uma possibilidade para que os
professores pudessem propor atividades de autoria.
2.1 As atividades propostas
O conjunto de vinte atividades, apresentado ao grupo de professores
participantes da pesquisa, exibe um grau variado de complexidade e profundidade. As
atividades para antes da leitura (atividades 1, 2, 3, 5, 6, 20) apresentam intenções e
graus de complexidade diferentes. Na atividade nº 1 – Complete: Título do livro/ Autor/
ilustração/ editora –, basta que os alunos copiem as informações da capa do livro, sem
necessidade de que façam uso dos conhecimentos prévios. É uma atividade de
localização de informações explícitas e não necessariamente se relaciona com o
interesse do leitor pela leitura.
Na atividade nº 2 – Antes de ler o texto, ler o resumo da quarta capa e discutir
com os alunos se é possível antecipar o assunto do texto –, o professor precisa fazer a
mediação. Discutir o texto da quarta capa com os alunos pode ser boa estratégia para
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ajuda-los a estabelecer inferências e prepara-los para a leitura do conto. Na edição do
livro de Bartolomeu Campos de Queirós (2003), o texto da quarta capa apresenta ideias
sobre a passagem do tempo, que aproxima e possibilita a amizade, mas que também é
responsável pelo distanciamento nas relações.
A atividade nº 3 – Antes da leitura do conto, ler um poema que fale sobre a
passagem do tempo, a morte, a perda... Discutir esses temas com a turma – também
exige maior preparação do professor. Ele precisa escolher os poemas, lê-los e discuti-los
com os alunos, preparando-os para aproximarem-se das temáticas com que irão se
deparar na leitura. É uma preparação para a compreensão do tema.
A atividade nº 5 – “Até passarinho passa”. Quais são suas hipóteses sobre a
compreensão desse título? – é uma proposta de sensibilização. O título é uma espécie de
etiqueta da obra, dá indícios do que será tratado nela, instiga o leitor, individualiza a
obra. Requer a construção de sentidos e usos dos conhecimentos prévios para
elaboração de hipóteses interpretativas.
A atividade nº 6 – O autor escreveu, antes de começar o conto, o seguinte
texto: “Não conheço, além do imenso tempo, nada que tenha existido para sempre. Até
o silêncio passa.” Ler este trecho ajuda ou modifica suas hipóteses sobre o título? –
requer que o aluno estabeleça relações entre as informações do texto de abertura e o
título do conto. Assim como o título, a epígrafe revela pensamentos que podem ser
considerados “um lema” da obra. A atividade é complexa, pois exige que se recupere o
que o aluno pensou sobre a obra, para que possa estabelecer relações entre ideias
próprias e as do autor.
A atividade nº 20 – Você já refletiu sobre a passagem do tempo, a brevidade
da vida? O que pensa sobre isso? – é um tipo de atividade que solicita resposta pessoal,
independente da leitura do texto (preparação para o tema). Ela, por si só, não garante
que haja interação entre leitor e texto, pois propõe apenas que o leitor escreva sobre
suas próprias experiências do tema que será abordado.
As atividades realizadas durante a leitura (números 7, 8, 11, 12, 13, 17 e 18)
são atividades em que quase sempre é indispensável o trabalho de mediação do
professor. A atividade nº 7 – Todas as lembranças do menino se passam num espaço,
qual? Para o menino, o que acontece de mais interessante nesse lugar? – é uma
atividade de localização de informações que estão explícitas no texto. A atividade exige
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apenas a transcrição do texto. Para o professor, a atividade funciona mais para conferir
se o aluno leu ou não o texto.
A atividade nº 8 – Na amizade entre o menino e o passarinho existem atitudes
entre eles que fazem com que se entendam sem palavras. Como isso acontece? –
promove a interação entre texto e leitor, pois exige o reconhecimento das pistas dadas
pelo autor para mostrar o entendimento entre o menino e o pássaro. A questão exige
uma leitura atenta para as expressões que indicam o entendimento entre eles,
promovendo o estabelecimento de inferências.
A atividade nº 11 – O narrador relata situações de sua infância. Isso torna o
texto mais comovente? Por quê? – é um tipo de atividade que solicita resposta pessoal,
porém exige que o leitor interaja com o texto para poder justificar sua opinião. O
professor pode, a partir dessa atividade, discutir com a turma a subjetividade do texto. A
questão permite ao aluno rever a própria compreensão durante a discussão das opiniões.
A atividade nº 12 – “Passei o resto do dia assentado no alpendre frio e limpo,
sem olhos para mais nada. Meu coração estava cheio de vazio.” O que você entendeu
lendo essa expressão? – aborda a pluralidade de sentidos, uma especificidade do texto
literário. Ela exige que o aluno faça uso de seus conhecimentos prévios para explicar
seu entendimento da expressão “cheio de vazio”. Discutir com a turma a variedade de
interpretações para essa expressão é uma boa estratégia para ressaltar a riqueza da
linguagem literária.
A atividade nº 13 – “Meu coração estava cheio de vazio.” Encontre no texto
outras expressões subjetivas como a que foi destacada – também ressalta a
subjetividade da linguagem do texto literário. Mas o aluno tem que rastrear no próprio
texto outras expressões subjetivas como a do exemplo o que, de certa forma, pode
limitar o exercício de compreensão dessa subjetividade. Aqui também a mediação do
professor é importante, pois socializar as respostas é uma estratégia para ampliar o
exercício de compreensão.
A atividade nº 17 – “Quando o dia suspeitava escurecer, inaugurando a
tarde...” O autor poderia ter escrito: “ao entardecer”, mas escolheu uma forma
poética para dizer isto. Essa escolha muda alguma coisa para o leitor? – tem o foco na
matéria literária e promove a interação texto-leitor porque exige que o leitor assuma a
sua contribuição para o funcionamento do texto. A questão faz o leitor perceber a
intencionalidade do autor na escolha das expressões que usa para construir seu texto.
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A atividade nº 18 – Releia os três parágrafos iniciais e retire trechos em que o
autor escreve de forma sutil sobre o tema do conto (a passagem do tempo, a morte)
preparando o leitor para o desenvolvimento do tema – exige que o leitor reconheça as
pistas que o autor coloca no início do texto, antecipando o tema que será desenvolvido
no decorrer do conto. Permite estabelecer inferências. É interessante que o professor
solicite ao aluno que ele recupere essas pistas para confirmá-las durante a leitura do
conto.
As atividades de depois da leitura (números 4, 9, 10, 14, 15, 16 e 19) são
atividades que permitem recapitular o conteúdo, resumi-lo e ampliar os conhecimentos
adquiridos com a leitura. A mediação do professor torna-se menos necessária nesse
momento. A atividade nº 4 – Propor a leitura individual do conto e preparar uma
“roda” para colher as impressões sobre a obra – permite recapitular o conteúdo da
leitura. É importante conhecer as sensações que o texto literário provoca nos alunos.
A atividade nº 9 – Você já teve uma amizade como esta do conto?– requer uma
resposta pessoal, mas exige que o leitor exercite a compreensão do texto lido, pois é
necessário compreender que tipo de amizade existia entre o menino e o pássaro para
compará–la com suas próprias experiências de amizade.
A atividade nº 10 – O menino perdeu o amigo passarinho, você já perdeu algo
ou alguém muito especial? Escreva sobre isto – é um tipo de atividade que solicita uma
resposta pessoal e independente da leitura do texto. Ela não garante que haja interação
entre leitor e texto, pois apenas exige que o leitor escreva sobre suas próprias
experiências sobre o tema do conto.
A atividade nº 14 – Escreva o que você percebeu sobre “o jeito de escrever”
desse autor. O que chamou mais sua atenção? Esse “jeito” facilitou ou dificultou sua
leitura? – tem o foco na matéria literária e na linguagem subjetiva, exige que o aluno
identifique no estilo de escrita do autor sua escolha pela linguagem poética e reflita
sobre a intenção do autor na interação com o leitor.
Desde que seja discutida com a turma, a atividade nº 15 – Dê outro título a
esse conto – é uma atividade de compreensão, pois o título deve dar dicas ao leitor sobre
o assunto do texto. Dar um novo título ao texto exige compreensão do conteúdo do
texto. A atividade nº 16 – Até passarinho passa é um conto autobiográfico. Depois da
leitura do conto fazer leitura de outros textos autobiográficos – exige maior mediação
do professor, pois será necessário pesquisar e escolher outros textos autobiográficos, lê–
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los, analisando os estilos de escrita de seus autores e encaminhar as observações dos
alunos sobre esses estilos, para ampliar os conhecimentos adquiridos com a leitura do
conto.
A atividade nº 19 – Como tudo, a primeira noite sem a presença do amigo
também passou, o dia amanheceu... Como você imagina que foi esse primeiro dia
depois da perda do amigo? Imagine que o conto não terminou e você escreverá a
continuidade, contando como foi esse dia – exige que o aluno tenha compreendido o
tema, tenha percebido as características mais relevantes do estilo de escrita do autor
para dar continuidade ao capítulo final do conto, adequando a forma e o conteúdo nessa
continuidade, tornando-se “parceiro” de escrita do autor.
2.2 Resultados da pesquisa
2.2.1 Atividades escolhidas pelos professores (Fundamental I e II)
De modo geral, as escolhas contemplaram as três categorias (antes, durante e
depois da leitura). Somente um professor de ensino fundamental II não escolheu
atividades para antes da leitura.
Atividades escolhidas
Antes da leitura
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Durante a leitura
Depois da leitura
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Escolhas de cada professor (quantidade por categoria):
Número de
Número de
Número de
atividades para
atividades para
atividades para
antes da leitura
durante a leitura
depois da leitura
Professor 1
2
2
1
Professor 2
1
1
3
Professor 3
_
1
4
Professor 4
1
2
2
Professor 5
2
1
2
Professor 6
1
2
2
O quadro mostra claramente que há uma tendência na escolha das questões da
categoria depois da leitura. Essa é a forma mais comum para o trabalho de leitura
presente nos manuais de ensino de Língua Portuguesa, na escola. As atividades mais
escolhidas pelos professores foram as de número 10 (O menino perdeu o amigo
passarinho, você já perdeu algo ou alguém muito especial? Escreva sobre isto.) e 13
(“Meu coração estava cheio de vazio”. Encontre no texto outras expressões subjetivas
como a que foi destacada).
A atividade 10 independe da leitura do texto para ser respondida. Além de
prescindir da leitura, também não contempla os objetivos das estratégias para depois da
leitura: recapitulação, resumo e ampliação do conteúdo. A atividade 13 é uma atividade
para durante a leitura e trabalha com a linguagem subjetiva, mas podemos dizer que não
provoca o diálogo com o texto, pois faz o aluno apenas rastrear expressões similares
presentes no conto.
Os três professores de ensino fundamental I escolheram uma ou duas
atividades para antes da leitura, estratégias que permitem a atualização dos
conhecimentos prévios relevantes. Já dos três professores de ensino fundamental II, um
deles não escolheu nenhuma atividade para antes da leitura e os outros dois escolheram,
para esse momento, uma atividade (nº 1), que requer apenas a cópia das informações da
capa e não trabalha com a ativação do conhecimento prévio.
Sobre a importância da ativação do conhecimento prévio, Kleiman (2004, p.13)
afirma: “É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o
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conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue
construir o sentido do texto.” Portanto, sem o uso das estratégias que atualizam esses
conhecimentos adquiridos pelo leitor no decorrer da vida, a compreensão da leitura
pode não acontecer.
O fato de os professores do ensino fundamental II escolherem menos
atividades para antes da leitura, pode ser explicado por considerarem que os alunos de
fundamental II não necessitam da mesma preparação para a leitura que os alunos
menores. Contudo, é possível afirmar que quanto maior for a expectativa criada para ler
um texto, maior será a possibilidade de promover a interação.
Chama atenção o fato de os professores não escolherem atividades que
trabalhem com a compreensão e com a interação texto-leitor, como as atividades nº 12
(“Passei o resto do dia assentado no alpendre frio e limpo, sem olhos para mais nada.
Meu coração estava cheio de vazio.” O que você entendeu lendo essa expressão?), nº
14 (Escreva o que você percebeu sobre “o jeito de escrever” desse autor. O que
chamou mais a sua atenção? Esse “jeito” facilitou ou dificultou sua leitura?) e nº 17
(“Quando o dia suspeitava escurecer, inaugurando a tarde...” O autor poderia ter
escrito: “ao entardecer”, mas escolheu uma forma poética de dizer isto. Essa escolha
muda alguma coisa para o leitor?).
A maioria dos professores escolheu uma atividade que independe da leitura
realizada pelo aluno. Nota-se que a preferência por atividades como a de número 10
pode nos dar um indício de que há dificuldades, por parte dos professores, de ensinarem
os alunos a interagir com o texto, durante ou após a leitura. Ao que parece, bastam
respostas subjetivas, mesmo as que não revelam a interação entre texto e leitor, para que
se comprove que o texto foi lido/compreendido/interpretado.
A escolha da atividade 13 (“Meu coração estava cheio de vazio”. Encontre no
texto outras expressões subjetivas como a que foi destacada), por 4 dos 6 professores,
pode evidenciar que atividades de reconhecimento, no texto, de características
específicas da esfera literária (no caso, o reconhecimento da linguagem figurada) são
atividades que predominam mais do que outras que possam garantir efetivamente a
busca pela interação do leitor com o texto. Outras atividades favoreceriam a
colaboração do leitor para completar o sentido do texto, como as já citadas atividades
(12 e 17). Pensar na diversidade de sentidos que a expressão “cheio de vazio” pode
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gerar, solicitar a reflexão sobre a forma escolhida pelo autor, inferindo sua intenção
seriam propostas que, como afirma Eco (1979), são necessárias para o texto funcionar.
Os professores que escolheram a atividade nº 10 (O menino perdeu o amigo
passarinho, você já perdeu algo ou alguém muito especial? Escreva sobre isso)
apresentaram as seguintes justificativas:
Prof. 2: “Trabalhar a afetividade, um momento para o professor conhecer o perfil do
aluno, a clientela”.
Prof. 3: “Também escolheria esta atividade porque é similar a anterior, isto é, o leitor se
identifica com o que está lendo”.
Na questão anterior, o mesmo professor justificou, escrevendo: “Acredito que elaborar
uma atividade que faça o leitor se identificar com um personagem ou reviver uma
situação passada, após a leitura do conto (texto literário) é uma maneira de tornar esse
ato de ler um prazer”.
Prof. 5: “Em determinadas situações é importante que os alunos demonstrem confiança
e condições de poder expressar sensações, sentimentos e necessidades. Relatar com
mais segurança suas experiências e acontecimentos do cotidiano”.
Prof. 6: “A afetividade e a valorização da vida são elementos presentes no conto.
Desenvolver atividades neste sentido com o aluno é resgatar os valores que estão se
perdendo com banalizações afetivas, morais... e da família”.
O professor 3 (Prof. 3) foi o único que viu na atividade a possibilidade de o
leitor olhar a experiência do outro para olhar a própria. O professor 6 (Prof. 6) buscou
interpretar as emoções que o conto desperta; porém, restringe seu olhar quando
estabelece como objetivo o uso da literatura com função moralizadora. A justificativa
do professor 5 não vai além do relato de experiência pessoal. O professor 2 (Prof. 2)
proporia a atividade para “conhecer o perfil do aluno, a clientela”. Mas há outras
atividades que poderiam revelar com mais eficácia o “perfil” da turma.
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Em relação à atividade nº 13 (“Meu coração estava cheio de vazio.” Encontre
no texto outras expressões como a que foi destacada), as justificativas que apareceram
foram as seguintes:
Prof. 2: “Questão importante para se trabalhar a linguagem poética, brincadeira com
palavras, sentido figurado...”
Prof. 4: “Propor atividades com essas expressões e outras para enriquecer o vocabulário
e entender a linguagem poética”.
Prof. 5: “Para identificar uma interpretação para um determinado texto, estabelecendo
relações entre o que está lendo com sua própria situação do cotidiano (perda, solidão...)
estabelecer a relação entre diferentes informações veiculadas pelo texto”.
Prof. 6: “Fazer uso da linguagem conotativa. Ouvir as interpretações dadas pelos alunos
e expandir seu vocabulário conotativo. Empregar a conotação em outras situações.
Valorizar o subjetivo”.
Os professores percebem a importância de trabalhar com a linguagem
subjetiva, mas parece que não têm muito claro o caminho para fazer isso. Localizar
expressões no texto não garante criar novas possibilidades de interpretação. Na
justificativa não dizem o que é possível fazer depois da localização dessas expressões
subjetivas, falam em emprega-las, valorizá-las... mas como? Os professores não
explicitaram por que do rastreamento das expressões figuradas.
Das atividades que não foram escolhidas por nenhum dos professores, algumas
têm um potencial que pode contribuir como exercícios de compreensão e de abordagens
mais amplas: por exemplo, a atividade 5 (“Até passarinho passa”. Quais são suas
hipóteses sobre a compreensão desse título) é da categoria das atividades para antes da
leitura, e se as respostas forem discutidas com a turma, pode favorecer a compreensão.
A atividade 11 (O narrador relata situações de sua infância. Isso torna o texto
mais comovente? Por quê?) pode render uma boa reflexão sobre o contexto da
narrativa, as intenções do autor, as escolhas que ele faz. As atividades 6 (o autor
escreveu, antes de começar o conto, o seguinte texto: “Não conheço, além do imenso
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tempo, nada que tenha existido para sempre. Até o silêncio passa.” Ler este trecho
ajuda ou modifica suas hipóteses sobre o título?) e 18 (Releia os três parágrafos
iniciais e retire trechos em que o autor escreve de forma sutil sobre o tema do conto
[...] preparando o leitor para o desenvolvimento do tema) são estratégias para que o
professor possa conduzir o olhar do leitor para as pistas que o autor dá, a fim de que ele
possa se preparar para a leitura colaborativa, para que o leitor elabore suas hipóteses,
alimente sua curiosidade e leia com prazer.
A atividade 19 ([...] como você imagina que foi esse primeiro dia depois da
perda do amigo? Imagine que o conto não terminou e você escreverá a continuidade,
contando como foi esse dia) é uma atividade interpretativa e que pode oportunizar a
prática das observações e reflexões que a leitura despertou, bem como o trabalho com
os aspectos linguísticos, estilísticos e as especificidades do texto literário. O leitor
assume o papel do autor.
Observando as atividades preteridas por esse grupo de professores, atividades
cujo ponto central é a interação entre texto e leitor, obtemos indícios do que valorizam
no trabalho de leitura. A não escolha parece indicar que o professor opta por uma
prática próxima à sua própria experiência de leitor que, como já afirmamos, geralmente,
reduz-se ao repertório escolar.
A reprodução da qual se fala está presente também no momento em que o
professor é convidado a pensar em outras atividades que criaria, usando sua autonomia:
dos seis questionários aplicados, apenas três responderam a esse convite e as três
propostas refletem encaminhamentos semelhantes aos encontrados no material didático
oferecidos às escolas.
1– Pesquisar sobre o autor e sua obra. Justificativa: conhecer melhor o autor, estilo e
forma de escrever. Distinguir o autor pela obra.
Embora o professor tenha o objetivo de conhecer o estilo de escrita do autor,
não esclarece como fazer isso.
2– Colher questões levantadas pelos alunos e construir outros poemas. Não justificou a
atividade.
Colher as questões levantadas pelos alunos é similar à atividade 4. A
construção de outros poemas (atividade típica de produção de texto, nos livros
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didáticos) é uma proposta muito aberta, o professor não esclarece se considerará o conto
como ponto de partida ou porque propor a escrita de um poema.
3– Dramatizar o conto. Justificativa: dirigir novas discussões a partir do foco dado pelos
alunos na dramatização do conto.
Nesta sugestão, apesar de o professor pretender abrir possibilidades para novas
discussões, a dramatização, uma situação didática também muito frequente no contexto
escolar, frequentemente é uma atividade de mera memorização que pode não se
relacionar com a compreensão da leitura.
Considerações finais
A leitura dos textos literários deve ir além da localização das informações
explícitas e de respostas que independem da leitura do texto. A leitura deve ser
trabalhada com objetivos específicos para o texto literário: estudar o que é “textual”
(análise do gênero, dos recursos de expressão etc.) e do que é “literário” (interpretação
das analogias, comparações, metáforas, identificação de recursos estilísticos, poéticos),
como afirma Soares (1999). Porém, para o professor repensar sua prática, são
necessários um maior conhecimento teórico e uma formação fundamentada na reflexão
crítica que incentive o rompimento com a “uniformização” das aulas de leitura. É muito
importante que os professores busquem situações didáticas que ajudem a aproximar o
aluno dos textos literários, de textos que são obras de arte.
Para abordar o conto de Bartolomeu Campos de Queirós (op. cit.) e outros
contos ou textos literários é necessário trabalhar com a ideia de letramento literário na
escola, com o objetivo de adotar estratégias para serem usadas nas aulas de leitura dos
textos literários. Lançando mão do que Rildo Cosson (2009) chama de “sequência
básica” no livro Letramento literário, seria possível conseguir um envolvimento maior
na leitura.
As etapas dessa sequência básica são: motivação, introdução, leitura e
interpretação.
A motivação é uma atividade de preparação dos alunos para entrarem no
universo do livro a ser lido. No caso de Até passarinho passa, essa aproximação com o
texto pode ser feita por meio da leitura de poemas que falem da passagem do tempo,
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sobre a morte, sobre as perdas. O professor poderia selecionar poemas sobre o tema e
distribuí–los para pequenos grupos lerem e comentarem entre os pares. Depois, numa
“roda” de leitura, abrir para discussão: o que pensaram ao ler o poema? Os poemas têm
semelhanças? O que fez com que pensassem de uma forma e não de outra? Enfim,
deixar que a multiplicidade de sentidos apareça. É fundamental aproximar os alunos do
tema do conto. Seria possível também escolher outro conto que servisse para essa
aproximação.
A etapa da introdução é a apresentação do autor e da obra aos alunos. Aqui
pode–se fazer a apresentação falando do livro ou do autor, lendo o prefácio, as orelhas e
outros peritextos. Seria interessante, também, despertar a curiosidade do aluno para a
leitura. Por exemplo: apresentar o título e abrir para a discussão das ideias que suscita,
chamar a atenção para a palavra “passa”, presente na palavra “passarinho”, perguntar
sobre os sentidos que a palavra “passa” pode ter, chamar atenção para “até” – será que
modifica alguma coisa estar escrito assim no título? No caso deste conto, pode ser muito
interessante, depois da discussão sobre o título do livro, o professor fazer a leitura do
texto que antecede o início do conto: “Não conheço, além do imenso tempo, nada que
tenha existido para sempre. Até o silêncio passa”, e perguntar se este texto modifica
suas ideias anteriores, por quais motivos.
A leitura de uma obra no contexto escolar precisa de um acompanhamento,
porque tem um objetivo, mas esse acompanhamento não deve ser confundido com
vigilância. O professor não deve “vigiar” o aluno para ver se ele está lendo, mas
acompanhar o processo de leitura. Durante o período de leitura (da introdução até o
prazo para a finalização da leitura) o professor pode propor intervalos de leitura. Esses
momentos são o acompanhamento do processo de leitura. O conto Até Passarinho
Passa não é longo. O intervalo para esse conto pode ser assim combinado: estabelecer
uma data para que todos leiam até a página 23 (aqui já se descreveu a amizade entre o
menino e o passarinho) e o professor traz para a classe a leitura do livro A Árvore
Generosa de Shel Silverstein (2006, tradução de Fernando Sabino) que conta a amizade
entre um menino e uma árvore; os dois se amavam, mas de forma diferente. O texto é
curto, mas também recheado de recursos poéticos. Depois da leitura, o professor poderia
propor a comparação entre os dois contos, buscando diferenças e semelhanças
estilísticas, analisando os recursos expressivos dos dois textos e também discutindo
sobre as duas formas de amizade e suas semelhanças e/ou diferenças.
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Pode também fazer a leitura conjunta de um capítulo ou trecho do próprio livro
que está sendo lido, para estudar os recursos expressivos que o professor deseja
ressaltar. O propósito, nesse momento, é verificar a compreensão da leitura, chamar a
atenção dos alunos para a multiplicidade de sentidos da linguagem literária e reconhecer
as pistas deixadas pelo autor para que o leitor possa atribuir sentido ao texto.
Para o último passo da sequência básica, a interpretação, Rildo Cosson (2009,
p. 54) propõe que ela ocorra em dois momentos: um interior e outro exterior. O
momento interior é o que ele chama de “encontro do leitor com a obra”. Esse encontro é
de caráter individual, é a leitura de cada um. O momento externo é “a materialização da
interpretação” como ato de construção de sentido.
As atividades de interpretação devem ter como princípio a externalização da
leitura, ou seja, um registro. A resenha é uma prática bastante adotada; porém, o
professor deve buscar outras estratégias para o exercício da escrita dentro do gênero.
Um exemplo é solicitar a escrita de um capítulo a mais à obra, conforme propunha uma
das atividades da pesquisa que realizamos.
Essas são apenas sugestões de trabalho para incentivar a reflexão necessária
para o exercício de um tratamento didático que considere a riqueza da linguagem
plurissignificativa dos textos literários. A busca é sempre no sentido de tornar a leitura
dos textos literários um “processo de formação de um leitor capaz de dialogar no tempo
e no espaço com sua cultura, identificando, adaptando ou construindo um lugar para si
mesmo” (COSSON, 2009, p.120), um aprendizado crítico da leitura literária.
Considerando as análises feitas pelos autores deste artigo, pode-se dizer que
muitos professores ainda aplicam atividades que exigem apenas cópia de trechos do
texto, sem nenhuma exigência de reflexão ou estabelecimento de relação com outros
conhecimentos, e também propõem questões cujas respostas independem da leitura do
texto. Em outras palavras, muitos professores abordam os textos literários, mas não
exploram a multiplicidade de sentidos da linguagem literária.
Como já foi dito, segundo o estudo de Batista (1995), o professor, geralmente,
reproduz na sala de aula sua experiência como leitor. Conforme Soares (1999, p. 21):
“[...] não há como evitar que a literatura, qualquer literatura [...] ao se tornar ‘saber
escolar’, se escolarize [...]”. Porém, distingue a escolarização adequada – aquela que
conduz às práticas de leitura literária – da inadequada, que distorce a literatura.
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Diante de tais reflexões, confirmamos a necessidade de continuar buscando
descobrir caminhos adequados para a “inevitável escolarização da literatura” (SOARES,
1999, p. 20) e, dessa forma, o texto literário receba, no contexto escolar, uma
abordagem que respeite suas especificidades e que explore a riqueza da multiplicidade
de sentidos que carrega.
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