PLANEJAMENTO EDUCACIONAL: PRÁTICAS DIALÓGICAS NO CONTEXTO ESCOLAR Rosângela Cristina Machado Bertram (E.M.Pe. Martinho Stein) [email protected] O planejamento caracteriza-se, historicamente, como um instrumento regulador do Estado. Com potencial de instaurar movimentos consensuais ou antagônicos, o planejamento em educação se propõe à qualificação dos processos escolares voltados ao ensino e às práticas educativas. O conhecimento da realidade como pré-requisito ao planejamento pode ser referência para promover consentimentos acerca de determinadas práticas, gerar consenso em torno de sua eficácia e regular o fazer pedagógico. Mas, em contrapartida, a atenção destinada ao conhecimento da realidade pode também orientar ações diversas, promover a crítica e gerar mudanças para além da tarefa de planejar. Diante disso, o objetivo deste artigo é compreender os movimentos da aprendizagem que ocorrem no decorrer da construção do planejamento escolar na relação aluno-professor-coordenador. A pesquisa proposta é de enfoque qualitativo, onde a realidade é uma construção social da qual o investigador participa. No intuito de colaborar com os sujeitos da pesquisa, optou-se pela pesquisa participante, entendendo-a como voltada à transformação social. Os sujeitos dessa pesquisa são doze professores de uma escola da rede municipal de ensino da cidade de Timbó-SC. A investigação aconteceu a partir da aplicação de um questionário. Os dados analisados indicam que o planejamento só poderá se caracterizar como instrumento de reflexão individual e coletiva, a partir do momento que práticas dialógicas comecem a acontecer, que as experiências sejam partilhadas pelos diferentes atores sociais que fazem parte do processo educativo, contestando as relações hierárquicas da organização escolar. O planejamento pode ter um papel de organizador da ação e ser um espaço de reflexão entre teoria e prática, sintetizar o trabalho do professor e orientar a sua prática. Palavras-Chave: Planejamento educacional. Processo educativo. Práticas pedagógicasdialógicas. INTRODUÇÃO Planejar é pensar a ação. Esse é o conceito que perpassa a caminhada dessa pesquisa. “O ato de pensar não deixa de ser um verdadeiro ato de planejar”. (MENEGOLLA e SANT’ANNA, 1997, p. 15) Ao pensar a ação se faz uma previsão e no contexto escolar a previsão é necessária pela constituição organizacional da escola. O relato apresentado nessa pesquisa aborda uma prática de planejamento educacional que considera as práticas dialógicas. Essa prática se dá em uma escola pública da rede municipal de ensino de Timbó-SC. Durante o período de implantação do ensino fundamental de nove anos na rede municipal de ensino de Timbó-SC, no ano de 2007, foi iniciado com os professores de 1º e 2º ano o movimento de compartilhar o planejamento semanal com a coordenadora pedagógica da escola. Além de apresentar o planejamento, o professor tinha como tarefa replanejar as atividades se as propostas de atividades não estivessem coerentes com a proposta construída pelo grupo durante os encontros de formação continuada oferecidos pela rede municipal de ensino, em parceria com a FURB (Universidade Regional de Blumenau). Essa dinâmica de planejar e replanejar, parte do pressuposto de que embora no dia a dia, o professor entre sozinho na sala de aula, está, na verdade, sendo portador de um projeto que é coletivo e que, por sua vez, responde a uma delegação da sociedade no sentido da formação das novas gerações; há, portanto, um caráter público na sua atividade. (VASCONCELLOS, 1999, p.50) Grifos nossos Por meio do planejamento do trabalho pedagógico há possibilidade de construir práticas voltadas para um projeto coletivo. Um projeto coletivo é aquele que considera a escola um espaço social, em que a sistematização do conhecimento precisa acontecer e acima de tudo um espaço, que todos os envolvidos têm vez e voz. As práticas pedagógicas e as políticas educacionais adotadas dentro da escola, no que se refere as normas e concepções, constroem o tipo de escola pretendida, pois é por meio das práticas que se materializa o que está escrito nos planejamentos, seja no planejamento macro(PPP da escola) ou no planejamento micro (plano de aula). Partindo dessa concepção de projeto coletivo, o movimento de apresentar o planejamento ao coordenador foi proposto para as outras as turmas do ensino fundamental I, turmas de 1º ao 5º ano, objetivando construir espaços de reflexão acerca do planejamento. No início as professoras resistiam à entrega dos planejamentos, talvez por medo de se expor, ou melhor, de ter que mostrar para alguém o que iriam fazer. Porém na escola campo dessa pesquisa o grupo de professoras costuma “embarcar” nas propostas e experimentar possibilidades diferenciadas de atuação, por isso ela pode servir como campo de pesquisa para uma temática tão relevante como é o planejamento. A proposição inicial era intervir na prática, sugerindo diferentes estratégias para trabalhar os conteúdos, utilizando diferentes linguagens. As sugestões poderiam vir do coordenador ou do outro professor da mesma turma, já que havia uma organização de horários para que os professores tivessem tempo para planejar juntos. A sistematização do planejamento semanal foi organizada a partir de um bloco de planejamento dividido em cronograma de horários, pauta diária, objetivos, espaços e com a descrição sintetizada das atividades da semana. O bloco de planejamento foi sofrendo alterações ao longo desses anos e neste ano de 2012 ele apresenta os horários das aulas ministradas na semana, os diferentes espaços que serão explorados, os conceitos construídos, as literaturas lidas e a descrição resumida das atividades que serão desenvolvidas na semana. Como a proposta de trabalho da escola nos anos iniciais é o trabalho com os projetos didáticos, as pautas semanais estavam ligadas ao planejamento dos projetos didáticos, que eram pensados a partir de uma teia interdisciplinar. Essa teia era organizada por área e englobava os conhecimentos das diferentes áreas do saber. A utilização do termo teia interdisciplinar representa um conjunto de fios que dependem um do outro e todos juntos se mantêm. Cada fio da teia funciona como um condutor do conhecimento. Isso também acontece com as disciplinas, todas apresentam conceitos próprios que bem articulados se entrelaçam e se complementam” (LENZI e BERTRAM, 2011, p. 127) Nesse contexto em que se compartilhava o planejamento do professor, o objetivo era de que o planejamento do professor também fosse compartilhado com as crianças, ou seja, a criança também tivesse espaço para propor atividades e sugerir estratégias para aprender. Buscou-se, com esse jeito de planejar, incluir a participação da criança. A partir dessa perspectiva de ensino que considera os conhecimento e valores culturais que as crianças já têm, é possível afirmar que progressivamente vai sendo garantido “a ampliação dos conhecimentos, de forma a possibilitar a construção de autonomia, cooperação, criticidade, criatividade, responsabilidade, e a formação do conceito positivo, contribuindo, portanto, para a formação da cidadania” (KRAMER, 1989, p.49) Esse movimento de repensar o planejamento, considerando-o um meio para reflexão da prática e um espaço de diálogo entre os pares, fez com que acontecesse uma reorganização do planejamento. A partir desse movimento o planejar é visto como um processo de “transformar ideias em ação, ou seja, é o processo de intervir na realidade existente, retirando, incluindo, enfraquecendo ou reforçando ideias e, assim, transformando estruturas” (GANDIN, 2000, p. 38) Essa dinâmica de compartilhar o planejamento tem sido mantida na rede municipal de ensino até este ano de 2012. A cada ano são repensadas as práticas de registro desse planejamento, sintetizando, mas não a tal ponto de simplificar demasiadamente. Segundo Bachelard (1978, p. 166) é preciso estar alerta para a impossibilidades de uma eventual ilusão de “caminho rápido” para se chegar a uma forma simples de planejar: “não se poderá delinear o simples senão após um estudo aprofundado do complexo”. 1- O PLANEJAMENTO EDUCACIONAL COMO PRÁTICA DIALÓGICA Inicialmente o planejamento é uma ação mental, um ato solitário, o que dificulta a interação com os demais. No espaço solitário surgem muitas ideias e o conjunto de ideias, metáforas e imagens é conceituado como representações sociais. “Do ponto de vista dinâmico, as representações sociais se apresentam como uma rede de ideias, metáforas e imagens, mais ou menos interligadas livremente e, por isso, mais móveis e fluidas que as teorias” (MOSCOVICI, 2007, p.210) Quando essas ideias são compartilhadas e aceitas pelo grupo elas passam a tornar-se mais significativas. A troca de ideias entre os professores/coordenador pode levar a qualificação do ensino, desde que essas ideias estejam preocupadas em tornar o espaço escolar um espaço dialógico. Por dialógico compreende-se o movimento de produção de sentido. “A produção de sentido não como uma atividade cognitiva intra-individual; [...] é uma prática social, essencialmente dialógica, que frequentemente implica o uso de conceitos expressos em linguagem (verbal, icônico ou gestual. (SPINK, 1996, p.40) A concepção de linguagem que vai além do texto verbal, icônico ou gestual, que considera o contexto é essencial para os processos dialógicos, ou utilizando o termo mais usual nos estudos acerca da linguagem, para o dialogismo. O dialogismo, segundo Bakhtin, não se refere somente a linguagem, mas a vida, pois considera as relações entre falantes, ouvintes, autores, leitores. Ninguém é sujeito passivo nestas relações, pelo contrário, todos têm um papel ativo no diálogo oral ou escrito. A comunicação não depende só de quem fala, gesticula ou escreve, mas de quem ouve, vê e lê. (LENZI e BERTRAM, 2010) Espaços onde as trocas de ideias acerca da construção do planejamento são rotineiras podem transformar as práticas pedagógicas em práticas participativas garantindo o envolvimento de todos, criando espaços dialógicos. A transformação da prática pedagógica na atualidade passa pela concepção de planejamento participativo, que está inserido no processo de democratização do ensino que teve início na década de 80. “A constituição de 1988 estabeleceu na forma da lei a gestão democrática do ensino público, que simbolizava uma ruptura a tradição autoritária que caracterizava o sistema de ensino”.(BERTRAM, 2010, p. 56) Na década de 1990 surgiu uma nova política educacional que possibilitava pensar a escola a partir de uma gestão participativa e é nesse contexto que surge o planejamento participativo, dialógico. O planejamento participativo é a concepção que norteia a atual legislação de ensino e que deveria nortear também o trabalho do professor. A nova LDB, Lei n° 9.394/96, prevê em seu art. 12, inciso I, que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica” (BRASIL, 2009). A partir deste movimento de construção das propostas de ensino pela comunidade escolar há uma iniciação nos processos dialógicos. A participação, o pluralismo de ideias exercita a autonomia e conforme afirma Gandin para qualificar o ensino “o grande remédio é a participação” (GANDIN, 2000, p. 108) Não podemos ser ingênuos e acreditar que a garantia legal fará com que a participação aconteça. “É preciso também uma mudança de paradigma, uma nova postura por parte de todos os envolvidos no processo educacional” (BERTRAM, 2010, p. 60). Apesar de considerar a participação importante há sempre uma tentativa de unificar. A unificação é o modelo imposto pelo sistema que rege toda sociedade, seja o sistema que estabelece as políticas públicas para a educação, seja o sistema que organiza a vida em sociedade, portanto o sistema mascara a participação. Mediante essa realidade a escola pode justificar sua prática de espaço extremamente organizado e impossibilitado de modificar a realidade, porém essa é uma justificativa que vai na contramão do real compromisso da escola, que é o de formar cidadãos que compreendam os processos sociais. Para Silva (1992, p. 68) “[...] a escola não serve apenas como instrumento de corpos pré-estabelecidos; historicamente, ela também serviu para constituir e legitimar certos grupos sociais antes relegados”. Pensando nisso é que a escola pode acreditar que seu trabalho pode transformar a sociedade, caso contrário ela estará fadada ao pessimismo e a descrença em sua força enquanto instituição social. Nesta pesquisa a prática dialógica é mencionada nos momentos de construção do planejamento entre os professores e na observação do coordenador acerca das propostas de atividades elaboradas para uma semana de atividades. 2- A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E AS PRÁTICAS DIALÓGICAS NO PLANEJAMENTO A teoria das representações sociais está preocupada em estudar os saberes sociais, considerando o contexto dos indivíduos. Nesta pesquisa o conjunto de ideias, metáforas e imagens é conceituado como representações sociais porque “do ponto de vista dinâmico, as representações sociais se apresentam como uma rede de ideias, metáforas e imagens, mais ou menos interligadas livremente e, por isso, mais móveis e fluidas que as teorias” (MOSCOVICI, 2007, p. 210). As concepções que temos disso ou daquilo estão associadas as nossas representações sociais. “O conhecimento que temos acerca de qualquer coisa é sempre produzido através da interação e comunicação e sua expressão está sempre ligada aos interesses humanos que estão nele implicados” (MOSCOVICI, 2007, p. 8). A teoria da representações sociais teve início com Serge Moscovici, em 1961. Seu objetivo era “renovar e confirmar a especificidade da Psicologia Social, a partir de estudos que pudessem explicar como se dá a mediação entre o individual e o social” (ALMEIDA e COSTA, 1999, p. 251) As representações sociais são explicadas a partir de dois processos: a objetivação e a ancoragem. A objetivação une a idéia de “não familiaridade com a de realidade, tornando-se a verdadeira essência da realidade. Materializar uma abstração é transformar uma representação na realidade da representação; transformar a palavra que substitui a coisa, na coisa que substitui a palavra” (MOSCOVICI, 2007, p.71) A ancoragem é um processo que transforma algo não familiar no sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que parece ser familiar (MOSCOVICI, 2007). “Ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras” (MOSCOVICI, 2007, p.61) São nas interações que as representações vão se consolidando e se materializando. Isso ocorre porque Pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação e da cooperação. Representações, obviamente, não são criadas por um indivíduo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem” (MOSCOVICI, 2007, p. 41) Os espaços dialógicos que ocorrem na elaboração do planejamento semanal instauram processos que criam representações sociais. As representações sociais podem ser “pensadas como passarelas entre o mundo individual e o social, explicam o modo e as razões pelas quais as pessoas partilham o conhecimento, tornando-o referência concreta para sistematizações mais específicas e abstratas” (SILVA, 2009, p.30) 3- METODOLOGIA DE PESQUISA O objeto desta pesquisa é o planejamento. O que se investiga são os movimentos dialógicos que podem ocorrer a partir das práticas de planejamento compartilhado, considerando que esses movimentos podem ser compreendidos por meio das representações sociais que são mediadas pela linguagem e são construídas socialmente, ancoradas nas situações reais e concretas dos indivíduos. Compreender o pensamento do grupo que planeja e replaneja suas práticas e que compartilhar seu planejamento com seus pares e com o coordenador pedagógico pode desvelar as práticas dialógicas que acontecem durante o processo de construção do planejamento educacional. A abordagem metodológica deste estudo é de caráter qualitativo e foi realizada com um grupo de doze professoras que atuam em classes de 1º ao 5º ano. O tempo de serviço das professoras varia entre quatro (4) a vinte e quatro (24) anos de magistério. Quanto ao nível de escolaridade, onze (11) são formadas em nível superior, licenciatura em Pedagogia e uma está na última fase do curso de Pedagogia. A identificação das professoras foi feita utilizando apelidos e nomes fictícios, preservando sua identidade. Para consolidar as representações do grupo foi realizada uma pesquisa exploratória através de questionário com perguntas abertas, sendo realizada uma análise de conteúdo do material. A pesquisa foi realizada no 2º semestre de 2012. A partir das respostas das perguntas do questionário, foi feita a leitura e agrupamento das respostas. A primeira pergunta solicitava que o professor justificasse o representa o planejamento na sua prática pedagógica. Para a análise desta questão foi empregada a Teoria do Núcleo Central, que é uma abordagem que complementa a Teoria das Representações sociais. “A teoria do Núcleo Central proporciona um refinamento conceitual, teórico e metodológico do estudo das representações sociais” ( SÁ, 1996, p. 52). A teoria do Núcleo Central foi proposta por Jean Claude Abric, em 1976. Ele apresentou uma hipótese a respeito da organização interna das representações. Para ele toda representação é organizada em torno de um núcleo central. (SÁ, 1996) Nas frases escritas pelos professores apareceram com mais freqüência a palavra organização. Para as professoras o planejamento: “auxilia na organização mental e prática do ensino aprendizagem” (Ana); “A organização para o desenvolvimento do trabalho” (Lara); “É uma forma de organização da rotina escolar”(Mara); “É uma forma de organizar o trabalho do dia a dia”(Sara); “Vai organizar as ações que interferem no processo de ensino aprendizagem” (Liza); “Ele é fundamental. É pelo planejamento que organizo minha prática.” ( Nati); “Um aprendizado para minha organização semanal” (Mel); “[...] organizar atividades de acordo com a realidade”(Tânia);”Projeção, flexibilidade, organização, responsabilidades, auto-avaliação e comprometimento” (Lúcia). “Ele é algo vital e dá rumo ao trabalho” (Kely)(Grifos nossos) Nas frases acima é possível identificar uma possível estrutura da representação social. O núcleo central é a palavra organização. Para Alves- Mazzotti (2007) a centralidade de uma representação se apresenta a partir de critérios qualitativos e que não basta um elemento aparecer repetidamente em um núcleo e determinar sua centralidade, pois o decisivo é o fato de dar significado à representação. A objetivação da idéia de planejamento como organização é compartilhada pelos sujeitos desta pesquisa que as repetem com facilidade, pois são naturalizadas na sua realidade. A palavra vital e rumo, evocadas por uma das professora também apresenta o sentido de organização, de dar um norte ao trabalho deixando de se apresentar como um roteiro. A escola é um espaço social organizado e repleto de normas. Esse aspecto é que pode levar o planejamento a permanecer numa concepção de planejamento relacionada à tendência tradicional, que vê o planejamento como um roteiro de trabalho. Para OTT (1984), o princípio prático é uma das concepções de planejamento situada na tendência tradicional de educação. O planejar ainda está associado ao planejar para alguém. Planejar porque os outros nos pedem e não porque é uma necessidade do professor. Para outras duas professoras o planejamento representa aspectos diferenciados. “Representa tudo. Acredito que não há prática de qualidade sem planejamento”(Nara); “Um importante instrumento de trabalho, apoio e segurança nas minhas aulas, incluindo qualidade de ensino”(Neca).(Grifos nossos) Observando a materialização das ideias nos dizeres destas duas professoras é possível identificar outros sentidos. O planejamento aparece como um instrumento que qualifica o trabalho. Refletir acerca da qualificação do ensino não é o objetivo desta pesquisa e se o fizermos superficialmente corremos o risco de deixar inúmeras questões para serem discutidas, pois no que refere a educação, tanto no setor público quanto no privado, a questão da qualidade tem sido tratada de modo excessivamente ambíguo [...] Muitos aspectos bastante positivos de tal preocupação com a qualidade têm sido sensivelmente prejudicados justamente pela falta de clareza no significado dos termos utilizados, eivados de transposições indevidas de relações ou conotações, entre os universos empresarial e educacional [...] (MANTOAN, 2001, p. 15) Propostas de ensino que almejam qualidade reconstroem a estrutura organizacional da escola. Instauram espaços dialógicos que discutem questões específicas relacionadas ao conhecimento que é ensinado, ao sujeito que aprende e ao contexto social que circunda a escola. “[...] O ato de educar supõe intenções, representações que temos do papel da escola, do professor, das noções, do modo de aprender, do aluno e de sua aprendizagem, e essas concepções variam conforme os paradigmas, ideias, os fundamentos científicos que as sustentam”(MANTOAN, 2001, p. 54). Nessa perspectiva podemos considerar que o planejamento é um dos meios para qualificar o ensino, pois ele pode ser “um caminho de elaboração teórica [...], uma ferramenta de trabalho intelectual” (VASCONCELLOS, 1999, p.46) que conduz o professor a refletir sobre sua prática e a posicionar-se diante da realidade. A terceira pergunta se referia ao compartilhar o planejamento e solicitava que as professoras indicassem com quem compartilhavam, destacando aspectos significativos desta prática. “Geralmente troco ideias com minhas colegas de turma quanto a conceitos , conteúdos e linguagens, apesar de trabalharmos temas diferentes. Também recebo orientações da coordenação” (Ana);”Sim, como as colegas do 1º ano e com a coordenadora” (Lara); “Sim, se faz necessário que o gestor da escola saiba o que está sendo estudado com alunos e da mesma forma a troca de experiência e ideias com outros profissionais enriquece mais o planejamento”(Mara); “Sim a troca de experiências possibilita a contribuição em diversos aspectos do conhecimento e a interação do grupo” (Sara); ”Sim, geralmente com as professoras do 5º ano durante as horas de atividades”(Liza); “Compartilho com minha colega da mesma série e gosto da opinião da coordenadora pedagógica”(Nati)”. “Sim, compartilho o aprendizado, o repensar e o refazer”(Mel); “Sim, compartilho, troco experiências e ideias” (Tânia) “Sim. Compartilho com professor e gestor escolar”(Lucia); “Sim, é nteressante, pois há uma troca de experiência”(Kely); “Sim, a troca de experiência”(Nara); “Sim, a troca de experiências é valiosa e construtiva(Neca). As professoras citaram as trocas que fazem com as colegas e com a coordenação. O papel de coordenador para esse grupo pode ser analisado positivamente, pois nos dizeres do grupo não aparece resistência em manter uma proximidade maior com o coordenador pedagógico, que apesar de ser visto como uma autoridade, um “chefe”, tem a função de orientar o trabalho e sugerir atividades complementando o planejamento do professor. É preciso considerar que o pesquisador é o coordenador pedagógico e que este fato pode levar o professor a responder quilo que considera que agrade ao coordenador. Porém esta pesquisa surgiu a partir da necessidade de compartilhar uma prática de planejamento em escola pública que tem sido significativa. Não somente as relações cotidianas reforçam essa afirmativa, mas os registros escritos também, porém não é possível relatar nesta pesquisa as trocas de ideias e sugestões de atividades registradas no bloco de planejamento. A quarta pergunta questionava se o professor recebia alguma cobrança em relação ao seu planejamento e como ele recebia as observações feitas no seu planejamento. A prática de planejamento da escola pesquisada segue as diretrizes construídas coletivamente na Proposta Curricular da Rede Municipal de Ensino de Timbó (2008), que afirma que o planejamento é “uma atitude de projetar, programar, elaborar um roteiro para empreender uma viagem de conhecimento, interação, de experiências múltiplas e significativas para o grupo de crianças”. (TIMBÓ, 2008, p. 230). Nesta proposta também está contemplado o aspecto da flexibilidade do planejamento e da negociação dos elementos constitutivos do planejamento. Na mesma lógica que acontece o planejamento do professor para o coordenador, deve acontecer do professor para com a criança. (TIMBÓ, 2008) Para as professoras as observações no planejamento são significativas. Em suas respostas expressam a satisfação e também o valor que dão ao planejamento. “Acho as cobranças, os questionamentos muito importantes. Mesmo que num primeiro momento fique insegura, toda observação me conduz a reflexão e me faz crescer como educadora”. (Ana); “Gosto das observações, principalmente dos elogios. Ao planejar procuro não esquecer o que foi elogiado e enfatizado como relevante”. (Lara); “Gosto muito, pois acrescenta e contribui para meu crescimento”. ( Sara); “Recebo sugestões. Acho excelente poder contar com alguém que enriquece meu planejamento”. (Nati) “Cobrança?? Não!! As observações registradas no planejamento são importantes e contribuem na minha prática pedagógica. Fico feliz quando leio as sugestões, pequenas alterações de atividades, entre outras, registradas no planejamento enriquece o meu aprendizado”. (Tânia); “Para mim é fundamental, pois como estou no início da carreira vejo a cobrança como algo edificador”. (Kely); “Sim, positivamente como contribuição”; (Nara); “Certamente que o planejamento é cobrado, porém o executo prazerosamente e também é imprescindível para obter bons resultados no processo ensinoaprendizagem. Quanto as observações considero-as relevantes, recebendo-as positivamente”. (Lucia); “Sim. Gosto, mas fico apreensiva e nervosa, pois sou nova na escola e ninguém nunca havia observado o meu planejamento” (Mel); “Sim, da coordenação pedagógica da escola e acho pertinente que sejam feitas observações a fim de qualificar/melhorar meu planejamento”. (Liza); “Sim, a orientadora cobra o planejamento semanal e como professora eu sei que as cobranças e observações se fazem necessárias”. (Mara). “Não entendo como cobrança, mas como organização profissional, onde a escola tem como política de ensino uma qualidade em analisar e cooperar com seus professores” (Neca). Os depoimentos das professoras indicaram que as professoras na sua maioria consideram fundamental receberem observações. Para essas professoras o planejamento pode se colocar como um instrumento teórico-metodológico para a intervenção na realidade, pois leva a reflexão. Este aspecto fica evidenciado nos dizeres que seguem: “[...] me conduz a reflexão e me faz crescer como educadora”. (Ana); “[...] contribui para meu crescimento”. (Sara); “[...]enriquece meu planejamento”. (Nati e Tânia); “[...]obter bons resultados no processo ensino-aprendizagem”.(Lúcia) e “[...] qualificar/melhorar meu planejamento”. (Liza). As palavras em negrito podem ser consideradas com sentidos muito próximos e representam que o planejamento para esse grupo é qualificador do trabalho do educador. Segundo Vasconcellos (1999), o planejamento é uma forma de reflexão sobre a ação e uma estratégia de posicionamento diante da realidade. É no espaço da escola que o professor se forma. É na troca de experiências que o professor faz reflexões críticas sobre suas ações. O grupo pode auxiliar na transformação das práticas, pois na formação de professores, a teoria é insuficiente para orientar a prática docente [...]. É no diálogo entre teoria e prática, buscando soluções para os desafios enfrentados, testando-as, observando as reações dos alunos, avaliando-as e avaliando suas próprias ações que o professor aperfeiçoa seus conhecimentos. Em outras palavras, ao refletir sua prática, o professor desenvolve uma atitude investigativa que irá caracterizá-lo como produtor de conhecimentos sobre o ensino, e não mais especialista técnico que apenas reproduz conhecimentos. (SILVA, RAUSCH e MENEGHEL, 2009, p.14) A contribuição que a troca de ideias dá ao planejamento e como resultado as práticas pedagógicas, consolida a afirmativa de que “o espaço da sala de aula é um território onde se estabelecem inúmeras relações [...]”. (BERTRAM, 2010, p. 105) E esse espaço de inúmeras relações entre falantes e ouvintes, autores e leitores todos têm um papel ativo no diálogo [...] (LENZI e BERTRAM, 2010) A última pergunta solicitava que o professor mencionasse se havia recebido alguma observação no planejamento e mencionasse a observação. O grupo citou de maneira generaliza algumas observações. “Já recebi sugestões de literaturas variadas e orientações quanto ao uso das diferentes linguagens. Também questionamentos sobre alguma tarefa ou atividade. Sinto que poderíamos avançar mais se conseguíssemos sentar juntas professoras da turma e orientação, o trabalho fica mais embasado”. (Ana); Observações para privilegiar mais a variação das linguagens e a diferenciação entre linguagem e objetivo. (Lara); “Sugestões que contribuíram nas pesquisas e aprofundaram as diversas áreas”. (Sara) “Sim, muitas vezes. Sugestões de atividades, de livros, de materiais que vão auxiliar, vídeos...”(NATI); “As observações mencionadas no meu planejamento foram benéficas e e auxiliaram nas atividades propostas no processo ensino-aprendizagem” (Tânia); “Sim, observações que contribuem para qualificar o trabalho, recebo constante, desde observações de como lidar com diversas situações em sala e fora de sala, até com a elaboração de atividades” (Kely); “Sim, sugestões de literaturas, vídeos... Só em saber que existe alguém interessado coma proposta planejamento, contribui” (Nara); Certamente que recebi observações em meu planejamento que contribuíram em minha práxis; como por exemplo: sugestões de literaturas, atividades para a classe; estratégias que poderiam ser aplicadas; elaboração de projeto e outros. (Lúcia). “Sim. O que me marcou foi a observação da coordenadora de eu demonstrar humildade”. (Mel) “Sim, já recebi sugestões de literatura que eram pertinentes ao conteúdo abordado bem como práticas inovadoras/desafiadoras que enriqueceriam o projeto em estudo”. (Liza) “Sim, recebi várias. Existem muitas ideias diferentes que podem ser aproveitadas como estratégias para a sala de aula”. (Mara); “Certamente e vejo como algo construtivo para auxiliar no melhor desempenho de minhas práticas pedagógicas” (Neca). O processo de interferir na realidade existente, incluindo propostas, reforçando ou enfraquecendo ideias é a concepção de planejamento que norteia o trabalho na rede de ensino do município de Timbó. Cabe ao professor compreender que o professor e a criança são protagonistas do processo de escolarização e que as ações docentes são organizadas e decididas respeitando a heterogeneidade do grupo. (TIMBÓ, 2008). O coordenador pedagógico é um dos responsáveis pelas atividades relacionadas ao planejamento. É ele o mediador do trabalho com o grupo de docentes. Ele também é responsável pela formação continuada dos professores e responsável por proporcionar momentos de reflexão com o professor acerca da prática pedagógica. É o coordenado que “deve sensibilizar seu saber-fazer de maneira a não unilateralizar as tomadas de decisão, como se tivesse todas as respostas para os encaminhamentos pedagógicos e resoluções de conflitos que inquietam a equipe docente”. (LIMA e SANTOS, 2007, p. 78) A contribuição nos planejamentos das professoras é um dos itens do planejamento do coordenador que assim como os professores também planeja sua semana e designa tempo para ler os planejamentos e sugerir atividades, atuando como colaborador, como participante do processo de construção do conhecimento do grupo. Mesmo a escola sendo um universo reificado, onde todas as coisas são mediadas pelo ser humano e nela aparecem diferentes papéis e que somente a competência adquirida determina a participação (MOSCOVICI, 2007) é possível repensar a forma e o sentido no ato de planejar. O ato de planejar a partir de práticas dialógicas privilegia a troca de ideias, pois estas expressam valores e conduzem a significados. A comunicação representa “o pensar pelo qual o sujeito se define ao definir o mundo e ao orientar suas ações, estrutura-se em relação às ideias que moldam este mundo e que chegam ao homem a partir de sua prática” (MADEIRA, 1991, p. 133) O sentido que o planejamento compartilhado tem para o grupo se processa no nível de pensamento e da linguagem, na diversidade de significação do contexto. Mesmo sabendo que em grande parte das teorias de planejamento ele se constituiu contrário aos movimentos dialógicos fica evidenciado que a representação social de planejamento como espaço dialógico se constitui nas trocas de ideias entre os professores e o coordenador pedagógico. 4- CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante o tempo em que trabalho com a temática do planejamento sempre tive a curiosidade em saber como as professoras que estão participando desta construção compreendiam o planejamento. Os dados analisados indicam que a representação de planejamento para este grupo de professoras tem um papel de organizador da ação e é um espaço de reflexão entre teoria e prática, sintetizando o trabalho e orientando prática. Não foi possível identificar uma relação com as atividades dialógicas que ocorrem na sala de aula, uma vez que o planejamento ainda está objetivado pelo registro, materializado na construção do planejamento semanal que é registrado no bloco de planejamento e centrado na figura do professor e do coordenador. O planejamento só poderá se caracterizar como instrumento de reflexão individual e coletiva, a partir do momento que práticas dialógicas comecem a acontecer no âmbito da sala de aula e que as experiências sejam partilhadas pelos diferentes atores sociais que fazem parte do processo educativo, contestando as relações hierárquicas da organização escolar. Cada professor é diferente e cada grupo é único, neste sentido o planejamento que considerar as práticas dialógicas caminha para a perspectiva do novo enfoque dado ao planejamento, a participação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Angela Maria de Oliveira; COSTA, Wilse Arena da. Teoria das Representações Sociais: Uma abordagem alternativa para se compreender o comportamento cotidiano dos indivíduos e dos grupos sociais. Revista de Educação Pública. Cuiabá, V.8, n.13,p.250-280, jan./jun.1999. ALVES-MAZZOTI, Alda Judith. Representações da identidade docente: uma contribuição para a formulação de políticas. Ensaio, Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v.15, n.13, p.250-280, jan./jun.1999. BACHELARD, Gaston. O Novo Espírito Científico. In: Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1978. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases Para a Educação Nacional N°. 9294/96, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: HTTP://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/19394.htm. Acesso em: 2 de abril de 2009. GANDIN, Danilo. Planejamento como prática educativa. 11. ed. São Paulo: Loyola, 2000. 111p, il. (AEC no Brasil, 6). KRAMER, Sônia (org). Com a pré-escola nas mãos. Uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1989. LENZI, Nice Ewald. Letramentos múltiplos na alfabetização. Nice Ewald Lenzi; Rosangela Cristina Machado Bertram. Indaial: Uniasselvi, 2011. LIMA, Paulo Gomes e SANTOS, Sandra Mendes dos. O coordenador Pedagógico na Educação Básica: desafios e perspectivas. Educere ET Educare-Revista de educação, Cascavel, v.2, n. 4, p. 77-90, jul./dez. 2007. MADEIRA, Margot Campos. Representações sociais: pressupostos e implicações. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 72, p. 145-161, mai./ago.1991. MANTOAN, Maria Tereza Eglér. (org) Pensando e fazendo educação de qualidade. In: MACHADO, Nilson José. Qualidade na educação: Armadilhas do óbvio. São Paulo: Moderna, 2001. MENEGOLLA, Maximiliano; SANT’ANNA, Ilza Martins. Por que planejar? Como planejar? 5ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. 5ª Ed. Tradução de: Social representations: explorations in social psychology. Petrópolis: Vozes, 2007. 404 p. (Psicologia social). OTT, Margot. Planejamento de aula: do circunstancial ao participativo. In Planejamento e Participação-Revista de Educação da AEC, Brasília, n.54, AEC, 1994. SÁ, Celso Pereira. Núcleo central das representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1996. SILVA, Tomaz Tadeu da. O que produz e o que reproduz em educação: ensaios de sociologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. SILVA, Neide de Melo Aguiar. (org) Representações sociais em educação: determinantes teóricos e pesquisas. Blumenau: Edifurb, 2009. SPINK, Mary Jane Paris (1996): O discurso como produção de sentido, in: NascimentoSchulze, Clelia Maria (org): Novas contribuições para a teorização e pesquisa em representação social (Coletâneas da Anpepp no. 10, pag. 37-46). Rio de Janeiro: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia. Disponível em http://www.infocien.org/Interface/Colets/v01n10a004.pdf . Acesso em 7 de setembro de 2012. SILVA, Neide de Melo Aguiar; RAUSCH, Rita Buzzi; MENEGHEL, Stela Maria.(Orgs.) Formação Docente: uma reflexão a partir dos 40 anos de história do Centro de Ciências da Educação da Furb. Blumenau: Edifurb, 2009. TIMBÓ (SC). PREFEITURA MUNICIPA-SECRETARIA DE EDUCAÇÃO. Proposta Curricular da rede municipal de Timbó. Timbó: Prefeitura Municipal, 2008. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Metodologia Dialética de Construção do Conhecimento em sala de Aula. In: VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico elementos metodológicos para elaboração e realização. 8. ed. São Paulo: Libertad, 1999.