O BULLYING NO CONTEXTO ESCOLAR: A OMISSÃO DA ESCOLA
SZYMANSKY, Maria Lídia – UNIOESTE/UNIPAN
[email protected]
GONÇALVES, Josiane Peres – PUCRS/UNIPAN
[email protected]
DAMKE, Anderléia Sotoriva – FACIAP/UNIPAN
[email protected]
KLIEMANN, Marciana Pelin – FACIAP/UNIPAN
[email protected]
Área Temática: Violências e convivência nas Escolas: Formação do professor
Agência Financiadora: Não contou com financiamento.
Resumo
O presente estudo busca discutir as manifestações do fenômeno bullying no cotidiano escolar.
O bullying caracteriza-se pela sua repetitividade, abrangendo comportamentos agressivos,
insultos discriminação e exclusão da criança. Ocorre sem um motivo aparente. Apesar das
discussões recentes, esse fenômeno não é novo na escola e sua manifestação pode sofrer
influência de alguns fatores intra-escolares tais como: o clima escolar, as relações
interpessoais entre os alunos e entre professor-aluno, ou desestruturação familiar, falta de
relacionamento afetivo, maus tratos físicos e excesso de tolerância. Reflete-se sobre o fato de
que a subjetividade constitui-se nas relações sociais. E, portanto, as manifestações intraescolares são reflexos das graves distorções sociais vividas num país com tão séries
discrepâncias entre as classes sociais. As manifestações do fenômeno nem sempre são
percebidas pelos professores que, de uma forma equivocada, o associam a brincadeiras
infantis. A não identificação das manifestações do bullying pelos professores pode ocorrer,
pois as crianças evitam expor o problema, por entenderem que nada podem fazer para ajudálas Por outro lado, quando buscam ajuda, nem sempre são tomadas providências. Assim,
destaca-se a necessidade do preparo docente para lidarem com o bullying, que interfere no
processo educacional, não só dos alunos que o praticam, ou que são vitimas, mas de todos
aqueles que convivem no ambiente escolar. Consideramos que a escola necessita ser um
ambiente seguro, permitindo à criança socializar-se e desenvolver responsabilidades, defender
idéias e, acima de tudo, assumir uma autonomia própria. O preparo dos profissionais da
educação para lidarem com as manifestações do bullying, contribuirá para que o ambiente
escolar se transforme em um local menos violento, possibilitando aos alunos o equilíbrio e a
superação no lidar com suas emoções, valorizando a tolerância e a solidariedade entre os
alunos.
Palavras-Chave: Ensino-aprendizagem, indisciplina, Ensino Fundamental.
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Introdução
A partir da década de 70, no século XX, começou-se a observar um aumento da
agressividade e da violência escolar (SZYMANSKI et allii, 2002; FANTE, 2005), atualmente
trazendo a própria patrulha para dentro da escola, devido à gravidade das ocorrências. Essa
agressividade não pode ser explicada unicamente por razões intra-escolares. A violência das
desigualdades sociais em uma sociedade onde poucos têm muito e a maioria sobrevive a duras
penas, e a banalização de suas conseqüências, a perda da autoridade paterna aliada à
falicização feminina, com o ingresso da mulher no Mundo do Trabalho, formal ou informal,
mas afastando-a da educação de seus filhos, que muitas vezes vivem na rua, sujeitos a toda a
sorte de influências, o enfraquecimento da Lei na medida em que “tudo pode” e “não dá
nada”, o descaso com o desenvolvimento sócio-moral da criança, são questões que
extrapolam a escola, mas acabam por se manifestar dentro dela.
A violência recorrente na primeira infância é uma realidade desvalorizada perante a
sociedade, sendo considerada como própria da faixa etária. Entretanto, sua ocorrência
reiterada é um alerta. O contexto social de pobreza e desemprego, onde muitas crianças são
envolvidas com o trabalho infantil, prostituição ou drogas, submete-as a sérias condições de
violência. Os meios de comunicação também vêm influenciando as crianças por meio de
jogos, filmes, desenhos violentos, que apresentam a agressão como uma estratégia de
resolução de problemas, ignorando o diálogo. Assim como a estruturação familiar vem
contribuindo para uma agressividade social crescente, nos lares em que ocorrem maus tratos,
falta de diálogo, falta de limites e abuso de poder.
Fante (2005) constatou que grande parte dos estudantes já assistiu a cenas com ações
brutais, comportamentos agressivos, intencionais e repetidos, as quais ocorrem sem motivação
evidente, de forma velada ou explícita. Esses comportamentos podem ser adotados
repetitivamente, por um ou mais indivíduos contra outro(s), com a finalidade de maltratar,
intimidar, causando dor, angústia e sofrimento.
Ramos (1988, p. 57) apresenta, em uma tradução literal, a palavra anglo-saxônica
bully, como valentão, tirano, brutalizador ou amedrontador. Desta raiz, surgiu a palavra
bullying, a qual, de acordo com Fante (2005, p. 28), corresponde a um subconjunto de
comportamentos agressivos que envolvem intimidações, insultos, assédios, exclusões e
discriminações de todo gênero. Para a autora, essas atitudes caracterizam-se pela
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repetitividade, pelo desequilíbrio de poder e pela violência que geralmente acontece sem
motivo aparente. Assim, define Bullying como
“[...] o desejo consciente
e deliberado de maltratar outra pessoa e colocá-la sob tensão; termo que conceitua os
comportamentos agressivos e anti-sociais, utilizado pela literatura psicológica anglo-saxônica
nos estudos sobre o problema da violência escolar”.
No
Brasil, adota-se também este termo de forma geral, referindo-se aos
comportamentos repetitivos, agressivos e muitas vezes dissimulados, apresentados por aquela
criança que se considera “valentão” ou “tirano”. Pela própria repetitividade envolvida, o
“valentão” exige uma vítima, geralmente indefesa, tímida, que sofre calada, não pede ajuda,
submetendo-se à tirania do intimidador. As vítimas sofrem com essas atitudes agressivas e
humilhantes, as quais lhes intimidam, impedem-nas de buscar ajuda e, pela posição de
impotência em que as colocam, acarretam ou agravam sentimentos de baixa auto-estima.
Nessa relação perseguidor e vítima, Zaguri (2006) chama a atenção para outro(s)
personagem(ns), trata-se do(s) observador(es) ou seja, os demais indivíduos que presenciam o
ato de violência física e/ou moral, não intervindo, por medo de serem os próximos a sofrerem
a mesma humilhação. Muitos adultos atuam também como observadores, quando assistem a
comportamentos de bullying, principalmente os encobertos, sem apresentarem nenhuma
reação por não saberem como lidar com a situação.
A agressividade entre alunos não é um comportamento recente, já existe há anos,
causando nas vítimas, retraimento, baixa auto-estima, insegurança, depressão, isolamento e a
queda do rendimento escolar. O estado emocional da vítima pode ser afetado a ponto de que
ela opte por soluções trágicas como o suicídio ou o homicídio, como se tem visto em alguns
casos extremos, apresentados na mídia, neste início de século, no Brasil e em outros países.
Em situações mais discretas, mas não menos nocivas, essas vítimas, podem também,
posteriormente, tornarem-se agressores de colegas considerados mais fracos e indefesos.
Essas relações desestruturadas trarão reflexos ao longo da vida desses alunos, tanto
vítimas quanto agressores, e suas conseqüências estão diretamente ligadas com o futuro
profissional, uso de drogas, violência, tanto sexual quanto doméstica e crimes contra o
patrimônio.
Alguns professores podem também se apresentar como agressores, ao adotarem uma
postura de intimidação e autoritarismo, expondo seus alunos ao ridículo ou à indiferença,
colocando-os no lugar de vítimas, manifestando eles próprios comportamentos que podem ser
4313
classificados como bullying. Szymanski, Tonin, Schimanko e Ghiraldi (2006) realizaram uma
pesquisa envolvendo a direção, professores e funcionários de uma escola municipal do oeste
paranaense, e constataram depoimentos de 43% dos próprios docentes que se julgavam, eles
próprios como já tendo praticado bullying alguma vez, em sua vivência da prática educativa
enquanto professores em sala de aula, e 57% responderam que não haviam praticado este
comportamento. Se por um lado esse alto índice revela uma autocrítica, é alarmante pensar
como o professor vai apoiar a vítima de bullying se ele próprio é agressor.
Outros docentes colocam-se, muitas vezes no papel de observadores, talvez por não
terem o apoio de uma política da escola em relação a tais situações, não sabendo como
intervir. Essa omissão docente e da equipe pedagógica pode trazer conseqüências
indesejáveis.
Fante (2005, p. 73) caracteriza o autor do bullying pelo mau-caráter, impulsividade,
apresentando-o como um indivíduo anti-social. Segundo a autora, muitas vezes sua
agressividade é movida por uma base familiar deficitária, com comportamentos agressivos
entre os próprios familiares, envolvidos em um relacionamento que estimula a criança a
utilizar-se da violência para impor seu poder a fim de conseguir o que deseja. Na maioria das
vezes, o agressor promove a violência acreditando que está agindo de forma correta, devido à
concepção de valores que possui em sua vida, frente ao mundo que o cerca.
Lopes (2005, p. 167) concorda com Fante com relação à importância dos fatores de
origem familiar, como desestruturação, falta de relacionamento afetivo, maus tratos físicos e
excesso de tolerância. A autora menciona ainda, fatores que se constituiriam em
características próprias do indivíduo, como impulsividade, dificuldades de atenção e
hiperatividade. Para Lopes, o agressor é normalmente popular entre os alunos, com
comportamentos anti-sociais, apresentando prazer em dominar e causar danos para os outros
alunos.
No mesmo sentido, Fante (2005, p. 169) ratifica os fatores apresentados por Lopes
(2005) como influentes no comportamento agressivo da criança, referindo-se ao seu contexto,
o qual apresenta desigualdades sociais, pobreza e violência. Ou ainda, aos meios de
comunicação que banalizam a violência e podem ser responsáveis pela aprendizagem de
comportamentos agressivos, influenciando a formação da identidade infantil.
O causador do bullying é tipicamente conhecido por envolver-se em uma variedade de
comportamentos anti-sociais, como impulsividade e agressividade, inclusive com os adultos.
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Entretanto, sua agressividade pode ser vista como qualidade, por ele e alguns de seus colegas,
daí decorrendo sua popularidade. O agressor tem opiniões positivas sobre si mesmo, é
geralmente mais forte que seu alvo, sente prazer e satisfação em dominar, controlar e causar
danos e sofrimentos a outros. Além disso, pode existir um "componente benefício" em sua
conduta, como ganhos sociais e materiais. Como ressalta Fante (2005) mostram-se menos
satisfeitos com a escola e com suas relações familiares, mais propensos ao absenteísmo e à
evasão escolar e têm uma tendência maior a apresentarem comportamentos de risco como
consumir tabaco, álcool ou outras drogas, portar armas, brigar, etc.
O agressor pode manter um pequeno grupo de colegas em torno de si, que atuam como
auxiliares em suas agressões ou são indicados para agredir o alvo. Dessa forma, o agressor
dilui a responsabilidade por todos ou a transfere para os seus liderados. Esses alunos,
identificados como assistentes ou seguidores, raramente tomam a iniciativa da agressão, são
inseguros ou ansiosos e subordinam-se à liderança do “autor” para se protegerem ou pelo
prazer de pertencer ao grupo dominante.
Fante (2005) e Lopes (2005) citam a influência de fatores individuais na adoção de
comportamentos agressivos: hiperatividade, impulsividade, distúrbios comportamentais,
dificuldades de atenção, baixa inteligência e desempenho escolar deficiente. Entretanto, é
importante que se reflita sobre o fato de que a subjetividade forma-se na interação social, e,
portanto, essas características não podem ser consideradas “pessoais”, como se essas pessoas
estivessem isoladas do contexto em que se inserem.
Algumas características físicas, comportamentais ou emocionais podem tornar a
vítima mais vulnerável às ações dos agressores e dificultar a sua aceitação pelo grupo. A
rejeição às diferenças é um fato descrito como de grande importância na ocorrência de
bullying. No entanto, é provável que os “autores” escolham e utilizem possíveis diferenças
como motivação para as agressões, sem que elas sejam, efetivamente, as causas do assédio.
Lopes (2005, p. 166) classifica o fenômeno bullying em três estilos: o bullying direto,
que engloba a imposição de apelidos, assédios, agressões físicas, ameaças, roubos e ofensas
verbais; bullying indireto, envolvendo atitudes de indiferença, isolamento e difamação e o
cyberbullying, que ocorre através da intimidação eletrônica por celulares ou internet, nos
quais os alunos utilizam-se de mensagens e e-mails difamatórios, ameaçadores, assediadores e
discriminatórios, provocando agressões. Convém ressaltar que os envolvidos com o bullying
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estão propensos a diversas implicações que interferem de forma negativa nas atividades
sociais, por serem submetidos a tais formas de violência.
Nos ambientes escolares, constata-se que a manifestação do bullying está muito
presente por meio de atitudes muitas vezes corriqueiras entre os alunos, como “xingamento”,
“gozação”, “humilhação”, “zombaria”, “isolamento”, situações que acompanham a criança
por um grande período de tempo sem que ela possa resolver sozinha. É interessante analisar
como esse fenômeno age sobre os alunos, a ponto de levá-los a manifestar o desejo de desistir
da escola, devido ao sofrimento que a discriminação obriga a criança a transportar, ano após
ano em sua vida escolar.
Pesquisas recentes registradas por Pinheiro (2006, p. 121) revelam que muitas crianças
estão sofrendo o bullying, por meio de ataques ao seu gênero sexual, com brincadeiras
maliciosas que as rotulam com características masculinas ou afeminadas, tais como: “gay”,
“lésbica”, “sapatão” e “frutinha”, apelidos que têm a finalidade de agredir e destruir a moral
do aluno frente ao grupo escolar.
Fante (2005, p. 29) afirma que o fenômeno bullying já está na escola há muito tempo,
porém de forma oculta e sutil, passando despercebido ao professor, pois a maioria das
agressões acontece longe dos adultos. A autora (2005, p. 185) destaca alguns fatores internos
à escola que podem ser responsáveis pelos comportamentos agressivos, tais como: o clima
escolar, as relações interpessoais e a relação professor aluno.
Fante (2005, p. 190) destaca o fato de que as crianças são mais propensas a
desenvolverem a capacidade de relacionar-se socialmente na idade escolar, na qual o
professor estará influenciando o desenvolvimento do caráter infantil, podendo atuar como um
mediador no processo de interação com outras crianças. Portanto, a escola possui um papel
fundamental no desenvolvimento social de seus alunos, podendo contribuir para a
manifestação do bulliyng, ao ignorar as questões de relacionamento entre alunos e entre
alunos e professores. Essas questões de relacionamento envolvem a manutenção de ações
hostis, repressivas ou excluidoras, as quais podem ocorrer pela falta de preparo do professor
em lidar com situações conflituosas da sala de aula. A ausência desse preparo pode fomentar
mais manifestações de bullying na escola.
As manifestações do bullying são situações do dia-a-dia, que passam despercebidas
aos olhos dos profissionais da Educação, muitas vezes pelo desconhecimento de como agir e
outras por considerar as agressões como meras brincadeiras infantis. Essas ações geram
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sofrimento à vítima, podendo levar o aluno a parar de estudar, ou ainda, a pedir a
transferência para outra escola, onde ele não se sinta tão exposto e fragilizado.
Fante (2005, p. 67) afirma que o bullying ocorre com maior freqüência na sala de aula
e, assim, há uma preocupação com a figura do professor em seu ambiente de atuação, pois os
alunos, muitas vezes, desrespeitam sua presença promovendo um ambiente de insegurança,
com conflitos constantes, no qual até o professor acaba tornando-se vítima do bullying.
Os professores, portanto, devem ser capacitados para lidar com os casos de bullying,
pois influem diretamente no processo de ensino-aprendizagem, seja pela desmotivação, baixa
auto-estima e/ou redução do rendimento escolar, responsável por parte do percentual de
evasão escolar. Por isso, o bullying e a violência escolar deveriam merecer uma maior atenção
da escola para uma possível redução desse fenômeno.
Szymanski, Tonin, Schimanko e Ghiraldi (2006), na pesquisa já citada investigaram
possíveis comportamentos de bullying entre alunos com idade compreendida entre 10 e 14
anos, pertencentes às turmas de quinta a oitava série do ensino fundamental, envolvendo os
docentes de uma escola municipal do oeste paranaense. Apenas 57% dos que responderam ao
questionário acreditam que o bullying pode ser causa de fracasso escolar e 43% acreditam que
não haveria influência no rendimento escolar, o que leva a supor que embora os professores já
tenham algum conhecimento sobre o assunto, não lhe dão a devida importância, vendo-o mais
como um modismo expresso por um termo americanizado, para referir-se a um problema que
já faz parte do cotidiano escolar há muitos anos.
Essa visão banaliza o problema,
contribuindo para sua não solução.
Alguns professores não atribuem o uso de apelidos como um aspecto relevante
relacionado ao bullying, sendo que os próprios professores afirmaram que muitas vezes
direcionam-se aos alunos dessa forma e também aceitam apelidos que os alunos lhes colocam.
Observou-se, também, que 71,4% dos professores apresentam consciência de que a vítima de
hoje pode ser o agressor de amanhã.
Szymanski, Tonin, Schimanko e Ghiraldi (2006) também analisaram o comportamento
da equipe pedagógica e administrativa, professores e funcionários diante das ocorrências de
bullying sendo que 8% do grupo afirmaram que a escola ignorava qualquer comportamento
agressivo. No entanto, 85% dos professores acreditam que a escola abre um espaço para a
denúncia de atos agressivos e violentos. Essa denúncia apresentada pela vítima, ao chegar ao
professor encontra acolhida, através das suas palavras: “Pode deixar... eu vou falar com ele.”
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Entretanto, falem ou não, o problema continua, evidenciando que os professores encontram
dificuldade para resolver a questão. Quarenta e três por cento dos professores disseram que o
adulto muitas vezes menospreza o comportamento agressivo e intimidador das crianças e
adolescentes, acreditando que esse comportamento é devido à faixa etária.
No entanto,
cinqüenta e sete por cento dos docentes preferiram ocultar-se nessa questão, deixando-a sem
resposta.
Esses dados revelam que o professor não distingue comportamentos que são típicos na
fase da pré-adolescência daqueles que já revelam atitudes agressivas patológicas. Um critério
para distinguir um caso do outro poderia ser a análise do fato agressivo. Quando uma criança
sistematicamente faz outra de vítima, repetidamente durante certo período, sua atitude pode
ser classificada como bullying, ainda que não envolva agressões físicas, limitando-se a
ridicularizar ou a colocar apelidos. Por outro lado, a raiva que transparece em uma criança
agressiva sem os traços citados, pode ser uma autodefesa.
Somente 43% dos professores da pesquisa citada encorajam as vítimas a denunciarem
seus agressores, sendo que 57% não as encorajam. Ainda, quando as vítimas denunciam seus
agressores, a escola parece não saber o que fazer com essa informação.
A seguir, apresentam-se dois casos de bullying, que podem subsidiar a análise do
procedimento da escola, nessas situações.
Caso Um
Trata-se de uma menina, aluna de uma escola particular de ensino, com poucos alunos,
na qual estudou do Maternal à 4ª. série do Ensino Fundamental. Por sua personalidade
dominadora e sua inteligência verbal queria sempre ter razão e liderar as brincadeiras. Em sua
sala de aula freqüentavam apenas seis alunos em média, durante esse percurso escolar.
Ainda na Educação Infantil, recebeu o apelido de Fedora, pois na época, passava uma
novela com esse personagem. A menina odiava esse apelido, e quanto mais odiava, mais
brigava e mais era assim chamada.
Sua mãe via seu sofrimento e conversava com a escola e os professores, que diziam
“que ela reagia”e “sabia se defender”. Entretanto, o que a menina queria, não era defender-se,
era ser amada, ser aceita pelo grupo.
A menina cresceu, carregando essa sensação de rejeição. Ao ir para a 5ª. série em
outra escola, a princípio sentiu-se muito bem. Novos amigos, novos modos de relacionar-se.
Entretanto, na 6ª. série, quando a menina estava co cerca de doze anos, os antigos colegas
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foram para essa mesma escola, e seu sofrimento recomeçou. Para sentir-se segura, a menina,
agora já se sentindo rejeitada na nova escola, começou a relacionar-se com meninos mais
novos, ainda nas séries iniciais, recebendo então o apelido de papa-anjo, além de novamente
conviver com fofocas.
Esse sofrimento marcou sua adolescência e sua entrada no mundo dos adultos. Hoje, já
com um filho, cujo pai é seis anos mais jovem do que ela, ainda traz as marcas da insegurança
que se manifestam nas questões de relacionamento afetivo, mesmo sentindo-se segura em
outras situações sociais.
Reflexões sobre esse caso
O papel da escola foi de omissão. Na verdade, talvez os professores não avaliassem o
quanto essa criança sofria e o quanto teria sido importante o apoio no sentido de reverter essa
situação, logo em seu início. Ou, na pior das hipóteses, durante seu desenrolar ao longo dos
oito anos iniciais de sua escolarização.
Ainda que a mãe percebesse o problema, pouco podia fazer, uma vez que não estava
presente quando as “brincadeiras”aconteciam.
Restaram marcas profundas, talvez ampliadas por outras circunstâncias da vida, e é
doloroso pensar que nem uma vez qualquer professor conversou com a menina ou seus
colegas sobre o que estava acontecendo.
Não dá para atribuir essa omissão ao desconhecimento da situação, pois algumas vezes
a mãe conversou com os professores. Portanto, pode-se pensar que a escola nada fez por
desconhecer a gravidade do problema, minimizar suas conseqüências, e não saber como lidar
com ele.
Na verdade, trata-se de uma situação que envolve o aspecto sócio-moral, e nessa
perspectiva deveria ter sido trabalhada com os envolvidos. Refletir com os meninos sobre
como se sentiriam se fossem tratados da forma como estavam tratando a colega,
possibilitando-lhes sentirem-se no lugar dela. E refletir com a menina sobre o fato de que
talvez os meninos não gostassem de serem dominados por ela, que possivelmente exagerava
agredindo cada vez mais, para proteger-se.
Caso Dois
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Adolescente, no Ensino Médio, começou a namorar uma garota da 1ª. série que havia
terminado seu namoro com um colega de classe. Ao sentir-se rejeitado, o ex-namorado iniciou
uma campanha de difamação, escrevendo xingamentos na lousa, passando bilhetinhos na sala
de aula, chamando a garota de “biscate” e outros sinônimos de baixo calão.
A menina sentia-se desesperada, chorava diariamente, reclamando ao seu namorado. O
namorado ia aborrecendo-se e irritando-se cada vez mais. A família ouvia as queixas e
orientava o rapaz a procurar a escola e pedir ajuda. Algumas vezes a menina pediu ajuda, par
uma ou outra professora. Mas não houve nenhuma intervenção escolar. E os atos de
difamação e zombaria, as lágrimas e queixas da menina continuavam.
Até que um dia, já no final daquele semestre, o namorado chamou o “agressor”,
dando-lhe um soco no rosto, deixando-o inchado, com a boca deformada durante alguns dias.
Cessou o bullying.
O pai do garoto com comportamento de bullying entrou na justiça com um processo
por crime de agressão contra o namorado da garota. Esse processo demorou cerca de cinco
anos para ser julgado. O então namorado foi declarado culpado, pois ao invés de agredir o
rival, poderia sua namorada ter entrado com um processo por difamação por
calúnia.
Entretanto, nenhuma orientação fora dada aos envolvidos nesse sentido, à época. Todo o
sofrimento dela, e conseqüentemente dele foi minimizado. Os adultos que deveriam orientar o
casal e o agressor, considerando que “não dava nada”.
Reflexões sobre o Caso Dois
Novamente constatou-se a omissão da escola, que mesmo observando a confusão que
se formava, não soube chamar os garotos e conversar, levando-os a refletirem sobre o que se
passava. Não houve preocupação com a formação sócio-moral dos envolvidos. A menina não
foi protegida das agressões morais a que estava submetida. O agressor bully sentiu-se apoiado
pelo pai, que embora entrasse com o processo provavelmente buscando uma recompensa
material, indiretamente ratificou o comportamento de bullying de seu filho. O então namorado
não pode aprender, na ocasião, outra maneira de lidar com a situação de achacamento moral,
devolvendo a agressão que indiretamente chegava até ele.
A escola perdeu uma excelente oportunidade, lá naquela 1ª. série do Ensino Médio, de
trabalhar coletivamente com os aspectos sócio-morais envolvidos na situação. O ex-namorado
4320
aceitar a perda, respeitar a garota. O então namorado aprender a resolver por outro caminho,
que não da agressão, o impasse em que se encontrava.
Entre tantas influências negativas que cercam a criança em seu cotidiano, entende-se
que, ao chegar à escola, ela traz consigo idéias, pensamentos e ações próprias do caldo de
cultura que a envolve. Com relação a este problema, analisa-se a importância de que a escola
desenvolva a formação de valores coletivos, atitudes que facilitarão a convivência do aluno
com o grupo escolar. A escola deve propiciar condições para que na relação com seus pares a
criança possa agir de maneira socialmente mais autônoma e responsável, considerando o
ponto de vista dos demais além do seu próprio.
Considerações Finais
Ao longo desse estudo, entendeu-se que as escolas identificam apenas algumas
possíveis características do bullying e dos personagens nele envolvidos. Entretanto,
apresentam dificuldade na compreensão das diversas situações que envolvem o bullying, e em
suas conseqüências. Talvez tal situação ocorra pelo fato do bullying ser muito mais complexo
do que se pode imaginar, englobando características diversas, pois trata-se de uma violência
contínua e sufocante, que às vezes aparece mascarada em pequenos atos, que comprometem o
desenvolvimento da criança, impulsionando-a a desenvolver diversos traumas e bloqueios, os
quais repercutem sobre toda a sua vida.
A dificuldade em reconhecer o bullying pode ocorrer, também, segundo Fante (2005,
p. 16), porque as vítimas normalmente sofrem caladas, com medo de expor a situação de
repressão e acabam ficando presas a tal violência, acarretando diversas implicações no seu
próprio desenvolvimento. Nos casos apresentados, constatou-se a ausência da percepção pelos
docentes e pela equipe pedagógica, do sofrimento da criança, o que pode reforçar a
fragmentação do entendimento do fenômeno que os professores demonstram ao tentar lidar,
sem sucesso, com tal situação, quando o fazem.
Muitos professores não conseguem identificar a manifestação do bullying, pois
normalmente as crianças evitam expor o problema aos profissionais que atuam naquele
contexto, por entenderem que nada podem fazer para ajudá-las. No entanto, constatou-se nos
dois casos apresentados, que mesmo conhecendo os atos repetitivos do agressor, a escola e
seus docentes parecem desconhecer como impedir que a situação de bullying extinga-se.
Entretanto, o ambiente escolar é apresentado por Fante (2005, p. 209) como um
possível espaço, no qual o fenômeno bullying poderia ser reduzido. A escola pode ensinar os
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alunos a trabalharem com a situação, despertando o equilíbrio e a superação no lidar com suas
emoções, seja em estado de repressão ou agressividade, valorizando a tolerância e a
solidariedade entre os alunos. Afinal, o encaminhamento do desenvolvimento sócio-moral
deve ser discutido na escola, uma vez que intencionalmente ou não, é na interação com seus
pares, professores e equipe pedagógica que a criança está aprendendo como se posicionar
frente a essas questões, no espaço escolar.
Consideramos que a escola pode ser o caminho para influenciar o processo de
mudança de idéias, comportamentos e valores, tanto para os profissionais atuantes na escola,
que precisam estar preparados para enfrentar o bullying, quanto para os alunos que serão
capazes de agir de forma responsável, consciente e autônoma, frente às diversas situações
cotidianas.
Rodrigues (2003, p. 83) afirma que há necessidade de que os educadores identifiquem
as experiências de vida dos alunos, em busca de promover a compreensão da realidade social,
em uma perspectiva crítica e participativa. É importante auxiliar o educando, facilitando o
desenvolvimento da sua autonomia, permitindo o desenvolvimento de sua socialização como
uma auto defesa contra possíveis agressões e a criticidade sobre os fatos que o envolvem,
formação essa, capaz de assegurar uma melhor interação do aluno em seu ambiente social. E,
nesse processo, ampliar a compreensão sobre as experiências ora levantadas com relações a
atos de bullying poderá contribuir sensivelmente.
A escola precisa ser um local seguro, tranqüilo e agradável que permitirá à criança
aprender a socializar-se, desenvolver responsabilidades, defender idéias e, acima de tudo,
assumir uma autonomia própria. Porém, para a escola atingir tal objetivo, faz-se necessária a
recuperação deste ambiente permitindo o desenvolvimento eficaz do processo de ensino
aprendizagem.
REFERÊNCIAS
FANTE, Cléo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a
paz. São Paulo: Verus, 2005.
LOPES, Neto A. A, Bullying-comportamento agressivo entre estudantes. Jornal Pediatria.
Rio de Janeiro. 2005.
RAMOS. F.J.S. Dicionário inglês-português. São Paulo, Ed. FTD, 1988.
4322
RODRIGUES, Neidson, Por uma nova escola: o transitório e o permanente na educação. 13
ed. São Paulo. Cortez, 2003.
SZYMANSKI, M.L.S., TAVEIRA,S.A.M.A. E RICHETTI, I.C.. Um olhar psicanalítico
sobre a indisciplina escolar. Anais da II Jornada Científica da UNIOESTE. Toledo(PR):
2002.
SZYMANSKI, M. L. S.; TONIN, M.; SCHIMANKO, M. C. & GHIRALDI, R. D. P. O
professor diante da intimidação escolar. Monografia elaborada para o Curso de
Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Cascavel: UNIPAN, 2006.
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o bullying no contexto escolar: a omissão da escola