PAINEL O teatro e suas múltiplas moradias: O Hospital em Foco Anderson Luis Ferreira Rosa Rosiane Aparecida Nogueira Martins UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA Resumo: Este texto tem como objetivo apresentar aspectos relevantes levantados durante a disciplina Projeto Integrado de Prática Educativa (PIPE 2), cursada no 1º semestre de 2011 no Curso de Graduação em Teatro da Universidade Federal de Uberlândia, que teve como objetivo relacionar o ensino de teatro em outros espaços além da escola formal. O teatro não tem uma casa fixa, mas tem público independente do seu lugar e transita entre os mais variados “palcos”, como hospitais, asilos, igrejas, centros culturais, praças e empresas. A leitura de trabalhos de conclusão de PIPE 2 em quatro anos anteriores foi o ponto de partida. Essa ação tornou possível um olhar mais direcionado para a inserção da prática teatral em variados locais na cidade de Uberlândia. Paralelamente, houve uma orientação no sentido de ampliar para além da realidade mais imediata com leitura de textos que versavam sobre o teatro realizado na comunidade para em outros contextos. A escolha do teatro realizado dentro do hospital foi o terceiro passo. Para tanto, houve a conciliação de leituras como a revista Boca Larga e a apreciação do DVD Doutores da Alegria, o filme. O contato inicial com um grupo de palhaços Doutores da Alegria, que desde 1991 trabalha em hospitais foi essencial para embasar e familiarizar a turma de como a prática do teatro (palhaçaria) se daria em ambiente tão inusitado. A visita ao Hospital de Clínicas de Uberlândia permitiu observar o grupo Pediatras do Riso, projeto de extensão da UFU desde 1999. Os desdobramentos desse trabalho para a turma e a função social do teatro são os aspectos a destacar nesse processo. PALAVRAS-CHAVE: clown, hospital, experiência SUMÁRIO 1. Introdução................................................................................................ 2 2. Primeiro Momento – Inquietações: o que nos nortearia.......................... 3 3. Segundo Momento – Doutores da Alegria: do conhecimento a inspiração............................................................................................................4 4. Terceiro Momento – O hospital: Pediatras do Riso e um olhar em transformação...........................................................................................6 5. Considerações finais.................................................................................7 6. Bibliografia...............................................................................................8 1. INTRODUÇÃO Talvez sejam comuns entre os alunos do curso de Teatro algumas inquietações e perguntas que surgem em sua formação. Onde poderá atuar? Qual a linguagem, entre tantas, ser escolhida para pesquisa e aprofundamento? Quais as possibilidades de trabalho? Algumas questões que a disciplina de Projeto Integrado de Práticas Educativas (PIPE) tenta responder e/ou instigar ao longo do curso da Universidade Federal de Uberlândia. Pois foram essas inquietações que levaram um grupo de alunos de PIPE II, mergulhar nessas questões e descobrir que o teatro, como arte milenar, alcançou e continua alcançando inúmeros espaços e possibilidades e que mesmo assim continua comunicando-se e, como qualquer arte, interferindo na vida das pessoas direta ou indiretamente. Não conseguimos e, talvez, nunca teremos todas essas respostas, mas seria suficiente, naquele momento, conhecer uma dessas possibilidades e mergulhar em um universo ainda desconhecido: aonde a arte vai de encontro às pessoas. Seu objetivo? Torná-la presente. 2 2. PRIMEIRO MOMENTO – INQUIETAÇÕES: O QUE NOS NORTEARIA Quando ouvimos a palavra teatro podemos pensar em uma determinada forma de arte ou, simplesmente em um prédio onde essa arte pode manifestar-se. Tomando como conceito a etimologia da palavra teríamos Théatron, vocábulo grego, que estabeleceria ainda mais esse espaço do espectador, seria o “lugar de onde se vê”. No entanto, não é a toa que se pode mencionar que esse lugar é apenas um dos muitos onde essa arte pode se manifestar. O significado ganha tamanha proporção, ao longo da história, que é difícil conceituá-lo e restringi-lo a apenas o que acontece nos palcos das grandes casas de teatro. Foi exatamente isso que instigou alguns alunos do Projeto Integrado de Práticas Educativas II (PIPE) disciplina do curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia. Uma pergunta inicial direcionou todo o percurso: “Onde é a moradia do Teatro?”, a partir daí iniciou-se uma série de reflexões que levou a turma a mergulhar em um estudo e pesquisa de onde poderíamos encontrar um jeito de fazer teatral que de alguma forma atingisse outra parte da população e que não deixaria de ser comunicação e, principalmente, descobrir o motivo de existir essa parte que está fora ou pensa estar. Existem várias formas de se fazer teatro, algumas, no entanto, não ganham a mesma visibilidade das que ocorrem nos grandes centros. Porém, não se pode negar que o teatro esteja acontecendo em vários lugares. Mas que lugares são esses? Escolas, hospitais, ONG’S, comunidades, asilos, etc. E por que não sabemos desses lugares? Seriam essas perguntas que tentaríamos responder. A disciplina tinha como foco entender o teatro e a educação. Logo, por todos esses lugares queríamos entender qual o influência do teatro sobre aquele grupo de pessoas. Levando em conta que educação, nesse contexto, não é sinônimo de escola e sim tudo aquilo que, de uma forma ou outra, interfira na maneira de pensar e de relacionar das pessoas. “O teatro é considerado como uma forma de conhecimento, uma forma de desvendar enigmas, de conhecer a realidade e a si mesmo.” (NOGUEIRA, 2008, p.119). Por que não acreditar na validade de trabalhos considerados como uma “arte menor” ou “amadores” realizados nesses lugares ás vezes esquecidos? 3 Foi o que Márcia Pompeo Nogueira mostrou em seu livro “Teatro com meninos e meninas de rua” e nos ajudou a responder a algumas dessas inquietações e nortear a disciplina. O trabalho realizado com esses meninos é sempre sugerido como uma ferramenta para tentar solucionar ou, pelo menos, amenizar um problema ainda maior. É a tentativa de tentar resolver um problema social e político: “Entre as respostas isoladas para o problema, um número cada vez maior delas propõe a arte e o teatro como instrumento de trabalho com meninos de rua.” Não podemos negar o fato de existir em nosso país, grandes e graves problemas sem ninguém disposto a, no mínimo, pensar sobre eles. A arte pode ou não abraçar essa causa, mas não será possível ignorar o fato de que ela seja capaz de contribuir na formação das pessoas. “É exatamente quando se quer educar com liberdade que surge uma afinidade com a arte.” (NOGUEIRA, 2008, p. 36). A partir de tais reflexões estávamos certos de que seria, no mínimo, importante abrirmos nossos olhos para tais realidades. Iríamos sair de um lugar comum e tentar encontrar respostas para as possibilidades do trabalho do ator em lugares ainda, por nós, desconhecidos. 3. SEGUNDO MOMENTO – DOUTORES DA ALEGRIA: DO CONHECIMENTO A INSPIRAÇÃO Após estarmos convencidos de que haveria a possibilidade de realizar o trabalho de ator em lugares outros senão aqueles já convencionados chamaram-nos a atenção o trabalho realizado em hospitais. O fato de ter em nossa turma uma aluna de um grupo ligado a um projeto de extensão da Universidade Federal de Uberlândia cuja pesquisa e trabalho são o clown no hospital, nos instigou a conhecer esse universo. O que seria apenas uma reflexão tornou-se material bastante para mergulharmos em uma intensa experiência. Por hora nos ateremos a mencionar o que nos motivou a isso. Ainda não conhecíamos o trabalho de um clown a fundo, mas para aquele momento foi suficiente ler uma das edições da revista Boca Larga e assistir ao documentário “Doutores da Alegria – O Filme”, para percebermos a complexidade e a poesia daquele trabalho. O 4 grupo de palhaços Doutores da Alegria fundado em São Paulo em 1991, pelo ator, palhaço e hoje Coordenador Geral da organização reconhecida nacional e internacionalmente recebendo vários prêmios pelo seu trabalho tem um estudo sistematizado que relaciona a arte e ciência no universo clownesco, evidenciando a alegria em uma força transformadora de obstáculos em recursos. Márcia Pompeo Nogueira ao referir-se ao trabalho com meninos e meninas de rua diz que: “a fantasia, portanto, não é uma forma de fugir da realidade, mas de descobri-la ampliando a percepção dos limites do cotidiano” (NOGUEIRA, 2008, p. 121). Que exemplo melhor poderíamos encontrar para ilustrar esse trabalho sensível de dilatar o olhar humano para além daquilo que se vê ao redor, que o trabalho realizado pelo grupo Doutores da Alegria? Os Doutores trabalham com a sensibilidade, cuidados e afeto com seus pacientes. Entramos em contato com esse universo alegre do palhaço em um ambiente tão hostil como o do hospital e descobrimos suas belezas, vitórias, dificuldades e tristeza. “O hospital é cruzamento da rotina com o imprevisível. Do mesmo com o inusitado. Da mesmice com a urgência. Do tédio com a iminência da morte. E o trabalho do Doutores da Alegria passa por essa esquizofrenia. Entre a eterna repetição e a eterna descoberta.” (SAYAD, 2008, p. 16) Os bestereologistas como são chamados os atores palhaços do grupo Doutores da Alegria, trabalham em duplas por hospital, duas vezes por semana, 6 horas diariamente. Tempo este dedicado as visitas as alas infantis dos hospitais, com objetivo de sensibilizar de forma criativa, através da palhaçaria crianças doentes, tornando o tempo de estadia no hospital com mais qualidade de vida. Cada dia é um dia diferente dentro do hospital, o inusitado é um fator considerável que ensina e especializa os palhaços-médicos que podem acertar nas consultas ou não serem tão bem sucedidos assim. A comunicação que se estabelece entre os doutores e os pacientes se dá de várias formas: na palavra, nos gestos, no canto, nas ações, na identificação do tempo cômico, tudo isso de maneira singela e agradável para que a presença dos palhaços não se torne mais um ruído entre os tantos existentes no hospital. A palavra é utilizada para desafiar o silêncio que 5 prejudica e dificulta a relação, é o impulso criativo das imagens, elas narram as histórias, fortificam e embalam as músicas, dando qualidade ao trabalho do ator que é desenvolvido paralelamente em hospitais em reuniões semanais do grupo. Sem dúvida, é um trabalho que emociona, mobiliza e afeta de alguma forma esse espaço. Queríamos, agora, vivenciar essa experiência e estar presente nesse espaço, sentindo também essa troca de sentidos, memórias e vivências. 4. TERCEIRO MOMENTO - O HOSPITAL: PEDIATRAS DO RISO E UM OLHAR EM TRANSFORMAÇÃO Depois de mergulhados no mundo dos palhaços inseridos no ambiente hospitalar, resolvemos que faríamos uma visita ao Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), para acompanharmos de perto um dia de trabalho do grupo PEDIATRAS DO RISO, formado por alunos do curso de teatro que fazem parte de um projeto de extensão da universidade. Trabalho com o objetivo e afinco semelhantes aos do Grupo Doutores da Alegria, contudo com limitações maiores mas a mesma vontade enorme de fazer a diferença. O projeto de extensão Pediatras do Riso surge em junho de 1999, pelo interesse comum dos alunos do curso de Medicina e Teatro da UFU, com objetivo de unificar o ensino, além de promover a interdisciplinaridade, aproximando alunos do curso de teatro, medicina e psicologia. Interdisciplinaridade esta que hoje não existe e o projeto está ligado apenas ao curso de teatro. Antes da visita conversamos e discutimos em sala de aula com a integrante do grupo Gabriela Santos, ela nos explicou como era o processo de trabalho dentro do Hospital de Clínicas, que as visitas também eram realizadas em duplas, como acontecia a inserção do grupo dentro da instituição, suas realizações, desde a melhoria dos pacientes e do ambiente até a relação com os funcionários, as responsabilidades e a relação que se dava com os pacientes, um conjunto de fatores que fazia serem muito bem recepcionados e aceitos no hospital. Relatou-nos as dificuldades, complicações, realizações pessoais que envolvem a relação palhaço e paciente e como eles, alunos, conviviam com isso. Tinham também que 6 contornar a falta de manutenção do trabalho de clown, a falta de novos integrantes no grupo e as burocracias institucionais que levaram a extinção das bolsas de auxílio no projeto. Mesmo com alguns problemas estávamos ansiosos para conhecer de fato este universo. Enfim, estávamos a caminho do hospital e de um momento que, talvez, iria nos fazer olhar o outro de outra maneira. Diferentemente do grupo Doutores da Alegria, o grupo Pediatras do Riso visitam todo o hospital não somente a pediatria. Iniciamos o percurso pelo pronto socorro, pacientes em quartos e corredores sem uma infra-estrutura ideal. Por ser o primeiro momento, talvez tenha sido o mais difícil para nós que acompanhávamos o trabalho. Alguns colegas ficaram imóveis apenas observando de longe como as coisas aconteciam, mas não menos interessados que os outros que acompanhavam de perto todos os movimentos. O lugar realmente oferecia inúmeras possibilidades, eram sons, reações e problemas de todas as formas que os pediatras não descartavam, pelo contrário, era aquele conjunto de acontecimentos simultâneos, seu material de trabalho. Na pediatria era notável uma maior aceitação da presença dos palhaços. Contudo as reações nunca eram as mesmas e como foi mencionado anteriormente, o hospital onde pensávamos que nada de extraordinário poderia ocorrer nos garantiu boas surpresas e momentos inusitados. Era o momento em que tudo aquilo que nos motivou a encontrar os lugares, as moradias do teatro começava a fazer sentido e nos dava as respostas de inquietações que nos rodearam pelo semestre. O teatro estava ali para realizar algo que caberia dentro daquilo que imaginávamos ser uma das grandes conquistas da arte. Não se tratava de maquiar a situação em que os pacientes se encontravam, mas sim fazê-los enxergar para além do que viam ao seu redor e por um momento acreditarem em um sorriso, um olhar e como o palhaço ver o que é e fazer daquilo o que quiser que seja. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estávamos certos de que aquele momento, seria fundamental em nossa formação, por conhecermos o trabalho de clown no hospital e por todas as questões que tínhamos e, diga-se de passagem, ainda não foram completamente respondidas. Mas estávamos cientes 7 de que a arte acontecia ali, sem ser assistência, era apenas (sendo muito) mais uma das conquistas de uma ciência sem resultados concretos e exatos. Estamos falando de sensibilidade, de olhares e gestos únicos e exatamente por isso nunca serão exatos, uma vez que a individualidade de cada um torna-se inúmeros resultados nem certos nem errados, torna-se apenas o que nos move a acreditar que a arte alcança lugares também únicos e, talvez, isso baste. 6. BIBLIOGRAFIA SAYAD, Beatriz. Boca larga: Caderno dos Doutores da Alegria/nº 4. São Paulo: Doutores da Alegria, 2008. NOGUEIRA, Márcia Pompeo. Teatro com meninos e meninas de rua. São Paulo: Perspectiva, 2008. 8