Discutindo o Empoderamento no Manejo dos Recursos Comuns: o
Caso do Fórum da Lagoa dos Patos/RS
Autor: Liandra Peres Caldasso
Economista e mestranda em ciências sociais do Programa de Pós-Graduação de Ciências
Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade - CPDA
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ
Resumo: a pesca artesanal é uma importante atividade econômica e social no estuário da Lagoa
dos Patos, no entanto, ao longo dos últimos anos vem ocorrendo um evidente declínio da
atividade. Acredita-se que um dos motivos para tal situação, no que tange aos aspectos sociais da
atividade, deve-se ao baixo grau de “empoderamento” dos pescadores artesanais nos processos
de participação e de tomada de decisões. Assim, entende-se que o empoderamento dos atores
sociais (os pescadores artesanais) e de suas organizações representativas (Colônias de pesca,
associações de pescadores, etc), são imprescindíveis quando trata-se de uma forma de manejo
que vise a manutenção da identidade desses atores, bem como de sua subsistência enquanto
atividade econômica. No entanto, como salienta DELGADO (2002), ninguém empodera o outro,
“isso só pode ser feito, de forma sustentável e autônoma, através da organização desses grupos,
de seus movimentos sociais, de sua ação emancipatória”. No presente trabalho enfocaremos o
reconhecimento e a participação dos usuários (e de suas organizações representativas), por
entendermos ser de fundamental importância seu envolvimento nas formulações e decisões de
manejo, para que as mesmas sejam legítimas e que contemplem o desenvolvimento local, bem
como a manutenção da atividade.
1. INTRODUÇÃO
O atual excesso da capacidade de pesca que prevalece na maioria dos principais países
pesqueiros do mundo, trás como conseqüência imediata não só a sobrecapacidade em termos de
capital, mão-de-obra e insumos utilizados em uma pescaria em particular, como também uma
crescente ameaça a sustentabilidade dos recursos pesqueiros em termos econômicos, ecológicos
e sociais. De acordo com a ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A AGRICULTURA E
A ALIMENTAÇÃO (FAO, 2004), a produção pesqueira mundial na década de 1990 chegou a 94,6
milhões de toneladas, mas a taxa média de crescimento vem diminuindo ao longo do tempo,
mesmo com o aumento do esforço de pesca. Para DIAS-NETO e DORNELLES (1996, p. 18),
“torna-se relevante destacar que, entre 1970 e 1990 enquanto o esforço de pesca no mundo, em
termos quanti-qualitativos aumentou entre 200% e 300%, a produção aumentou em pouco mais
de 30%”.
Ainda, de acordo com a ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU): os oceanos são
explorados como nunca antes o foram. A maior parte das zonas de pesca do mundo já atingiram o
potencial máximo no que se refere a capturas de peixes. A pesca excessiva não só ameaça o
equilíbrio e a viabilidade de todo o ecossistema marinho como reduz o crescimento econômico e
compromete a segurança alimentar e os meios de subsistência dos habitantes das zonas
costeiras, em especial nos países em desenvolvimento (ONU, 2002, p. 6).
Apesar desse quadro, a conceitualização teórica assim como as ferramentas práticas para
determinar e manejar a capacidade de pesca estão numa fase de desenvolvimento. De acordo
com a FAO (2007), há ainda um longo caminho para percorrer nessa matéria, especialmente no
tratamento de problemas de gestão em países em desenvolvimento, onde a disponibilidade de
dados e informação; capacidade profissional e infra-estrutura para levar a cabo e supervisionar as
políticas de gestão são inadequadas.
No Brasil, de acordo com a SECRETARIA ESPECIAL DE AQÜICULTURA E PESCA DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (SEAP/PR, 2004, p. 11), o setor pesqueiro é responsável pela
geração de aproximadamente 800 mil empregos diretos. Num aspecto geral, a pesca artesanal
responde por aproximadamente 1/3 da captura mundial e cerca de 90% dos trabalhadores no
setor pesqueiro são pescadores artesanais. Apesar da importância da pesca artesanal em termos
de geração de emprego e alimentação, a regulação da atividade é precária. Além disso, os
métodos regulatórios para pesca em larga escala (licenças, quotas, períodos de pesca, restrições
de técnicas e equipamentos), nem sempre são adequados para a pesca artesanal, além das
dificuldades de restrições à captura (HOLLAND, 1995, p. 5).
No estuário da Lagoa dos Patos no extremo sul do Brasil, o excessivo crescimento da
capacidade de pesca tanto do setor industrial quanto do setor artesanal, conforme
VASCONCELLOS et. al. (2007), se deve a fatores decisivos, como: a falta de mecanismos de
controle de acesso aos recursos pesqueiros; a introdução de novas tecnologias e elementos de
pesca; as políticas de incentivo à industrialização; a modernização das pescarias e a centralização
da pesca por parte do governo federal.
No que tange ao setor artesanal, uma alternativa criada para amenizar e tentar reverter
essa tendência de declínio foi a criação em 1996 do Fórum da Lagoa dos Patos, um órgão
colegiado de função cooperativa onde os pescadores artesanais possuem voz e podem participar
ativamente das discussões sobre manejo e consecutivamente intervir nas tomadas de decisão.
Não obstante esses avanços no que se refere ao co-manejo dos recursos pesqueiros artesanais,
há ainda avanços que se fazem necessários para seu efetivo reconhecimento como melhor
alternativa para contornar a crise atual dos recursos pesqueiros na região estuarina da Lagoa dos
Patos. O presente estudo tem como objetivo analisar os aspectos sociais da atividade, no que se
refere à representação e participação dos usuários (pescadores artesanais), nas decisões de
manejo para a região. Para tanto será enfocado a noção de empoderamento. Além dessa
introdução, a seção seguinte abordará o empoderamento e como o mesmo pode auxiliar na
legitimidade e participação dos usuários nas decisões de manejo dos recursos pesqueiros de
pequena escala. A seguir serão abordados os principais conflitos e características da pesca
artesanal na região do estudo. A penúltima seção tratará desses problemas relacionando-os com
o que recomenda a abordagem de empoderamento, salienta-se que nessa seção utilizaram-se
dados de pesquisa de campo realizadas no ano de 2007, bem como textos técnicos na área. Por
último, serão feitos alguns comentários a guisa de conclusão.
2. A NOÇÃO DE “EMPODERAMENTO”
O empoderamento, principalmente a partir dos anos 1990, foi inserido dentro da
abordagem ideológica em torno do desenvolvimento local. De acordo com ROMANO (2002, p. 1),
o empoderamento pode ser visto como uma abordagem que coloca as pessoas e o poder no
centro dos processos de desenvolvimento e; um processo pelo qual as pessoas, as
organizações, as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida e
tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir. Segundo a FAO
(2007), o empoderamento descreve um processo progressivo de participação que permite aos
agentes locais tomar toda a iniciativa de trabalho de forma ativa para atingir seus interesses. Isso
vai muito além do acesso amplo nas tomadas de decisão; implica permitir as pessoas entender a
realidade de sua situação. Para SILVEIRA (2005), atualmente esse conceito tem sido reconhecido
tanto pela sua capacidade de promover valores cooperativos e cidadãos engajados, como, na sua
atuação na constituição de organizações da sociedade civil, e mecanismos de auto-afirmação das
populações socialmente excluídas.
Uma das principais caracteristicas do processo de empoderamento é a democratização por
meio da participação dos grupos ou dos individuos nos processos de decisão, tendo ganhado
destacada relevância como mecanismo de empoderamento. A participação é um processo que
envolve ativa e igualitariamente os agentes interessados na promoção de diagnósticos,
planejamento, implementação, monitoramento e avaliação de atividades. Os agentes são próprios
de cada contexto e podem fazer parte de grupos, organizações, poder público ou setores privados
que afetam ou orientam o desenvolvimento. A participação aumenta o acesso de controle dos
recursos e tomadas de decisão pelos agentes de forma interativa e contínua e pode ser alcançada
em diferentes níveis que vão da passividade até a autogestão, Este processo progressivo de
participação gera um empoderamento dos agentes locais como protagonistas do desenvolvimento
por ações coerentes com o contexto local com vistas à implantação de mudanças efetivas e será
um processo sustentável quando ligado a um sistema de vida capaz de reunir capacidades que
promovam o crescimento, protegido de fatores de perturbação e com habilidades de se recuperar
para manter, prover e desfrutar de oportunidades (FLORIANI e MAFRA, 2007).
Entretanto, o empoderamento não é algo que pode ser feito a alguém por uma outra
pessoa. Os agentes de mudança externos podem ser necessários como catalisadores iniciais,
mas o impulso do processo se explica pela extensão e a rapidez com que as pessoas e suas
organizações se mudam a si mesmas. Nem o governo, nem as agências (e nem as Ongs)
empoderam as pessoas e as organizações; elas se empoderam a si mesmas. O que as políticas e
as ações governamentais podem fazer é criar um ambiente favorável ou, opostamente, colocar
barreiras ao processo de empoderamento (ROMANO, 2002). O empoderamento por grupos
sociais, por meio de organização de base, tem como uma de suas metas o relacionamento com
grupos externos, com o governo, por exemplo, embora essa relação possa ser conflitiva, os
resultados alcançados em conjunto podem ser mais positivos do que buscados de forma isolada.
Não obstante, o que tem permanecido como uma barreira para o empoderamento de
grupos e pessoas é a prevalência de visões autoritárias, políticas feitas “de cima para baixo”, de
pouca ou nenhuma prestação de contas, de posturas arrogantes, arbitrárias ou assistencialistas,
por parte dos governos, de organizações privadas e também de alguns atores do campo do
desenvolvimento. De acordo com IORIO (2002), esta talvez seja a mudança mais difícil de se
realizar – mudança nas instituições e na cultura institucional destes atores. A cultura institucional
dos grandes atores do desenvolvimento tem hoje um impacto brutal e, em geral negativo, no
processos de empoderamento dos grupos locais.
No que tange ao avanço do “empoderamento” dos pescadores no estuário da Lagoa dos
Patos, já existe alguns aspectos positivos, a política “topdown” foi quebrada, por meio da criação
em 1996 de uma forma de gestão compartilhada, o Fórum da Lagoa dos Patos. Entretanto há
ainda muito a avançar até que atinja-se um grau no qual os pescadores sintam-se realmente
envolvidos e responsáveis pela política pesqueira, principalmente no aspecto de participação dos
mesmos no processo de tomada de decisão. Acredita-se que isso venha a ocorrer por meio do
empoderamento dos pescadores, maiores interessados e impactados por qualquer mudança na
estrutura de manejo pesqueiro da região.
3. CO-MANEJO: O CONTEXTO DO FÓRUM DA LAGOA DOS PATOS
Os recursos naturais e, os recursos pesqueiros em particular, se caracterizam por envolver
um recurso de propriedade comum e de livre acesso. Por conta disso, o que ocorre é a
sobreexploração dos mesmos. Para tentar lidar com esse problema, existem três formas de
intervenção. A primeira envolve apenas e esfera do mercado, depois a intervenção do Estado,
essas duas formas poderíamos chamar daquilo que OFFE (1999), designa como forma “pura”,
não obstante, as mesmas são insuficientes para lidar com o problema dos recursos comuns, como
pode ser comprovado com o contínuo declínio da atividade nos aspectos econômicos, ecológicos
e sociais. A terceira forma de gestão, poderíamos chamar de uma forma “impura”, já que nela
participam os diversos atores envolvidos na atividade de pesca (pescadores artesanais, indústria
de pesca, governo nas suas três esferas, etc.), e que por isso mesmo, possuem interesses
distintos. Embora essa interação seja complexa e conflitante muitas vezes, a forma de gestão
baseada na co-gestão parece ser a melhor alternativa para o manejo dos recursos pesqueiros.
As vantagens de mudanças de gestão de modelos “top dow” para modelos com maior
participação dos usuários dos recursos naturais já foram documentadas em várias partes do
mundo. Existem vários níveis de gestão compartilhada (adaptativa, comunitária, coletiva) embora
os focos de cada estratégia difiram em alguns pontos, existam similaridades entre os conceitos
dessas formas de gestão. Berkes (2006, p. 273) entende a gestão pesqueira compartilhada como
uma parceria na qual o governo, a comunidade de usuários locais do recurso (pescadores), os
agentes externos (organizações não-governamentais, acadêmicas e instituições de pesquisa) e
outros atores relacionados com a pesca e os recursos costeiros (proprietários de embarcação,
comerciantes de peixes, bancos que concedem empréstimos, estabelecimentos turísticos, etc.)
compartilham a responsabilidade e a autoridade por tomar decisões sobre a gestão de uma
pescaria.
Assim, devido a grave situação pelo qual passava a pesca na década de 90, o modelo topdown de gestão da pesca artesanal do estuário da Lagoa dos Patos, através de um órgão
governamental centralizador, foi drasticamente substituído por um modelo participativo. Assim,
surgiu em 1996 a possibilidade de uma forma alternativa de manejo dos recursos de propriedade
comum, por meio da criação do Fórum da Lagoa dos Patos1. O Fórum foi criado a partir de um
esforço inicial da Pastoral do Pescador, juntamente com o Centro de Pesquisas e Gestão dos
Recursos Pesqueiros Lagunares e Estuarinos (CEPERG), ligado ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), e das Colônias de pescadores. A região
de abrangência do Fórum compreende os municípios de Rio Grande, São José do Norte, São
Lourenço do Sul e Pelotas, municípios com tradição pesqueira, situados no entorno do estuário da
1
As instituições que compõem o Fórum são: Colônia de Pescadores Z1 – Rio Grande, Colônia de Pescadores Z2 – São José do Norte,
Sindicato dos pescadores de Pelotas (em substituição à Colônia Z3), Colônia de Pescadores Z8 – São Lourenço do Sul, Pastoral dos
Pescadores, Sindicato dos pescadores de Rio Grande, IBAMA, PATRAM (Batalhão de Polícia Ambiental do Estado), FURG –
Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Ministério Público, Capitania dos Portos –
Marinha do Brasil, ONGS ambientalistas, EMATER – Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e
Extensão Rural dos municípios de RG/SJN/PEL/SLS, Prefeitura de Rio Grande, Prefeitura de Pelotas, APESMI (Associação de
Pescadores da Vila São Miguel), MPPA (Movimento dos Pescadores Profissionais Artesanais) e SEAP/PR (Secretária Especial de
Aqüicultura e Pesca da Presidência da República).
Lagoa dos Patos/RS. Como uma organização não-governamental de cooperação no âmbito
pesqueiro, o Fórum tem como missão principal reunir instituições de governo, entidades da
sociedade civil organizada, organizações classistas e pescadores, para buscar novas perspectivas
para a pesca e para os pescadores da região. O Fórum tem como finalidade, ainda, a defesa,
preservação e conservação do meio ambiente no setor pesqueiro, bem como a promoção do
desenvolvimento econômico, social e do combate à pobreza (ESTATUTO DO FÓRUM DA
LAGOA DOS PATOS, 1996, p. 1).
Entre as questões discutidas no Fórum, encontram-se: a obtenção do pagamento do
seguro-desemprego para o pescador artesanal no período de defeso; a criação de espaço de
discussão sobre os problemas relativos à pesca, tais como a manutenção do estoque pesqueiro,
políticas públicas referentes à pesca artesanal e valorização dessa atividade tradicional da região;
incentivo à criação da parceria entre IBAMA, Capitania dos Portos (Marinha do Brasil) no que
tange à fiscalização da atividade pesqueira; e o retorno para o IBAMA do licenciamento ambiental
que em 1999 havia sido transferido para o Ministério da Agricultura e Abastecimento. Com relação
ao pagamento do seguro-desemprego TAGLIANI e COSTA (2004, p. 34), observam que “o
seguro-desemprego para o pescador artesanal, no Brasil, surgiu com a Lei 8.287 de 20 de
dezembro de 1991 garantindo um salário mínimo nacional para cada pescador e só foi
regulamentada para o estuário da Lagoa dos Patos sob influência do Fórum da Lagoa dos Patos a
partir da instituição do período de defeso em 1999”.
O Fórum representa uma iniciativa no caminho de descentralizar e compartilhar
responsabilidade e autoridade na gerência da pesca local. Nesse novo arranjo institucional,
baseado no co-manejo, diferentes agentes são envolvidos no manejo da pesca artesanal na
região. Entretanto, de acordo com KALIKOSKI (2002), a devolução do poder às comunidades
pesqueiras é dificultada pela fraca participação dos pescadores no Fórum e por influências
externas em diferentes níveis de governo. Para esta autora, a criação do Fórum tentou minimizar
os problemas de ajuste entre as instituições que estão envolvidas com a pesca de pequena escala
e as condições de uso do recurso.
Uma estrutura teórica de análise do estabelecimento destes processos de co-gestão foi
desenvolvida a partir da identificação de critérios que vêm sendo postulados como fatores chaves
para o manejo sustentável de recursos de propriedade comum e para o sucesso no
estabelecimento de arranjos de gestão compartilhada (PINKERTON, 1989; OSTROM, 1990; LEE,
1993; POMEROY e BERKES, 1997; BEGOSSI, 1998; BERKES e FOLKE, 1998; O’RIORDAN,
2000; OSTROM et. al., 1999; YOUNG, 1999). Tais critérios de análise da gestão compartilhada,
comumente são divididos em três categorias: aquelas que lidam com questões de (1) congruência
entre instituições e recursos/ecossistemas manejados; (2) tomada de decisão para o uso conjunto
e, (3) o papel da ciência no desenvolvimento institucional. Critérios sob categorias 1 e 2
representam funções comumente observadas em exemplos de gestão cooperativa que,
independentemente da localização geográfica, cultura ou sistema político, sucederam em
administrar recursos de propriedade comum de forma sustentável ao longo do tempo, durante
muitas gerações (BERKES, 1989; BERKES e FOLKE, 1998; PINKERTON, 1989; OSTROM, 1990;
YOUNG, 1999). Por outro lado, arranjos institucionais falhos ou frágeis sofrem da ausência de
alguns de tais critérios (ASMUS e KALIKOSKI, 2004; KAKIKOSKI e SILVA, 2007).
No presente estudo será abordado aspecto no que tange a categoria de tomada de
decisão para o uso conjunto. Esta categoria foi elaborada para analisar o grau de envolvimento
das instituições e comunidades locais como participantes ativos no processo de gestão dos
recursos pesqueiros e no processo de catalisar a implementação do processo de gestão
compartilhada (ASMUS e KALIKOSKI, 2004). Especificamente, no item que segue, abordar-se-á
os mecanismos de representação e participação dos pescadores nas decisões de manejo,
analisando o grau de empoderamento desses atores locais no processo de tomada de decisão e a
necessidade de fortalecimento dos mesmos no processo co-manejo dos recursos pesqueiros do
estuário da Lagoa dos Patos.
4. COMO EMPODERAR
Apesar da substituição do modelo top down, pela forma participativa com a criação do
Fórum da Lagoa dos Patos em 1996, é possível verificar que são necessários vários ajustes para
que os principais interessados no sistema, os pescadores artesanais, sintam-se responsáveis e
atuem de forma mais dinâmica no manejo dos recursos da região. Para que isso venha a ocorrer,
haverá necessariamente que passar pelo empoderamento da categoria.
O conhecimento tradicional dos pescadores pode ajudar a obter a melhor forma de
manejo, melhorando também as instituições que mediam a interação entre as comunidades e o
uso dos recursos pesqueiros. Embora este conhecimento seja importante para o sucesso do
manejo comunitário dos recursos pesqueiros, somente terá sentido quando se tornar reconhecido
e legitimado em níveis diferentes de tomada de decisão. KALIKOSKI (2002, p. 201), identificou
alguns fatores que contribuem para a não utilização do conhecimento local no manejo dos
recursos pesqueiros no estuário da Lagoa dos Patos:
as baixas expectativas entre os cientistas e os responsáveis pelas decisões sobre o valor
do conhecimento dos pescadores para o manejo são influenciadas pelo desconhecimento
geral e pela marginalização dos pescadores artesanais. Por outro lado, os pescadores
agem às vezes de encontro ao seu conhecimento sobre o uso sustentável dos recursos
por causa das incongruências entre as instituições que lidam com o manejo da pesca e as
características dos recursos de propriedade comum. Nesse sentido, o exemplo do Estuário
da Lagoa dos Patos mostra que, embora o desenvolvimento do conhecimento ecológico
local seja uma condição necessária, não é muitas vezes condição suficiente para atingir a
sustentabilidade.
Com a criação do Fórum foi possível romper com o padrão centralizador de gestão,
abrindo espaço para uma forma mais participativa dos pescadores artesanais no processo de
tomada de decisão. Entretanto, ASMUS e KALIKOSKI (2004, p. 22), salientam que tal processo
ainda carece do envolvimento mais amplo do pescador, bem como de seu conhecimento
ecológico local tanto dos recursos, como do ecossistema em que estão inseridos. As dificuldades
pelas quais o Fórum da Lagoa vem enfrentado enquanto processo de co-gestão, podem ser
superadas se houver uma maior aproximação entre os tomadores de decisão e os usuários do
recurso, os pescadores artesanais.
Apesar de lento, avanços no que tange aos direitos dos usuários de planejar suas
instituições foram verificados ao longo desses poucos mais de dez anos de existência do Fórum.
As autoridades governamentais externas respeitam esses direitos e reconhecem o Fórum como
órgão legítimo na defesa dos pescadores artesanais. A inclusão do usuário nos processos de
tomada de decisão leva a um comprometimento e partilhamento de responsabilidades com as
medidas tomadas. Ao final, um usuário mais informado, cujas opiniões são levadas em conta,
sente-se mais fortalecido e valorizado, podendo desempenhar com mais propriedade o papel de
cidadão atuante (REIS et. al., 2004). Além disso, a valorização do conhecimento tradicional dos
pescadores e o estabelecimento de vínculos estreitos com as comunidades pesqueiras ajudarão a
minimizar os conflitos e contribuirão para buscar a melhor solução possível para o manejo dos
recursos pesqueiros
4.1. Mecanismos de representação e participação dos usuários
Apesar de o Fórum ser um espaço público institucionalizado, composto por representantes
dos pescadores bem como por outros atores indispensáveis para a discussão de propostas e
estratégias para o setor pesqueiro artesanal, há ainda ajustes a se fazer no que diz respeito aos
mecanismos da representação e participação dos pescadores no estabelecimento das regras.
Para que tais regras sejam suportadas e cumpridas pelos pescadores, no caso do modelo de cogestão aqui analisado, faz-se indispensável à representação dos mesmos na formulação e
implementação de tais regras. Muito embora, como afirma DELGADO (2002, p. 4), um modelo de
co-gestão, ou seja, de partilha dos poderes existentes, tais poderes não são iguais, nem têm a
mesma influência nos mecanismos de tomada de decisão.
Entrevistas realizadas em janeiro de 2005, em uma comunidade pesqueira do município
(CALDASSO e ABDALLAH, 2005), bem como o acompanhamento das discussões realizadas no
âmbito do Fórum da Lagoa dos Patos e saídas de campo nas comunidades pesqueiras entre os
meses de julho, agosto e setembro de 2007, revelaram que grande parte dos pescadores sequer
conhece o Fórum e, dentre aqueles pescadores que conhecem, a participação nas reuniões é
muito reduzida. Quando questionados sobre a representação e defesa dos interesses dos
pescadores pelo Fórum, foi dito que é um papel importante, mas que não tem sido desempenhado
de forma satisfatória. É interessante destacar que os pescadores têm consciência da necessidade
de conservação dos recursos, tanto que afirmam ser responsabilidade de cada um o manejo
adequado dos recursos de pesca e que deve haver algum tipo de controle como forma de
conservação das espécies. Em estudo realizado entre os anos de 2002 e 2004 nas comunidades
pesqueiras do município (1.261 respostas), o Fórum foi poucas vezes citado como instituição
representativa dos pescadores (71 vezes), onde pode inferir-se sobre a pouca divulgação das
ações do Fórum, (TAGLIANI e COSTA, 2004, p. 83-84).
Ainda, apesar dos esforços por parte da coordenação do Fórum, realizando reuniões
itinerantes, para que os pescadores participem das discussões, o que vem ocorrendo é a baixa
participação dos mesmos, sob alegação de que o Fórum está composto por órgãos que são
contrários aos interesses dos pescadores. Um exemplo foi a reclamação de vários pescadores
contrários a recente inclusão da SEAP/PR na composição do Fórum com direito a voto. Esse
órgão do Governo Federal foi criado em 2003 com status de Ministério, tendo por objetivo a busca
pelo desenvolvimento sustentável da pesca artesanal, industrial e aqüicultura no país, (SEAP/PR,
2003, p. 14). Entretanto, a SEAP/PR vem agindo no sentido de incentivar o aumento da captura,
com concessão de licenças a embarcações industriais bem como burocratizando o sistema
artesanal, com a exigência de novos documentos para atividade e Portarias que regulamentam a
atividade na região, que, no entanto não são concebidas de forma participativa, motivo que tem
gerado discussões entre os pescadores e o seu representante, como foi identificado em ata das
reuniões do Fórum (LIVRO 2, ATA N° 74, p. 11). Na verdade, a SEAP vem sendo um órgão
voltado para o fomento da pesca enquanto atividade econômica. Isso cria uma dicotomia e
conflitos dentro do próprio governo, já que estão envolvidos no manejo dos recursos pesqueiros
dois órgãos com distintos objetivos, por um lado o IBAMA com cunho ambientalista e a SEAP
nitidamente com viés desenvolvimentista. Ambos os órgãos de governo vem sofrendo dos
mesmos problemas: falta de estrutura física e número reduzido de profissionais capacitados.
Quanto a representação, é importante destacar que tradicionalmente as Colônias têm
desempenhado um papel muito mais assistencialista do que reivindicatório, apesar de ser
reconhecida institucionalmente pelo Estado brasileiro como representante da categoria. De acordo
com DIEGUES apud TAGLIANI e COSTA (2004, p. 28), desde a criação das colônias de
pescadores pelo governo brasileiro, viu-se uma espécie de obrigação do pescador a associar-se
para exercer a profissão. Porém, sua história vem mostrando sinais de desvio do que poderia ser
um caminho de melhor organização para atividade, tendo se posicionado ao lado de políticos que
muitas vezes fazem “palanque” nas colônias. Assim a história conta sobre a não
representatividade da colônia perante os pescadores artesanais, que às vezes são sua minoria
dentre o total de associados, marcando suas atividades mais pelo assistencialismo do que por
uma proposta construtiva, (LIMA apud TAGLIANI e COSTA, 2004, p. 28).
Em anos recentes, principalmente após 2000, começaram a surgir na região do estuário da
Lagoa dos Patos, organizações de pequenos grupos de pescadores em algumas comunidades,
com a formação de associações e cooperativas. Essa falta de representatividade das colônias do
estuário junto aos pescadores propiciou a criação dessas pequenas associações pesqueiras para
assim buscar direito a voz e voto no processo de tomada de decisão. São exemplos da baixa
representação por parte das Colônias, a criação da Associação dos Pescadores da Vila São
Miguel (APESMI), no município de Rio Grande e do Movimento dos Pescadores Profissionais
Artesanais (MPPA), que recentemente passaram a integrar o Fórum com direito a voto.
Cabe enfocar que essas iniciativas são capazes de estimular a organização dos outros
grupos de pescadores, fazendo com que os mesmos sintam-se em alguma medida
“empoderados”. No entanto, o incentivo para a formação de associações e cooperativas de
pescadores deve ocorrer com determinada cautela, para que não cause euforia inicial entre os
pescadores e depois venham a se frustrar, como já ocorreu no passado. Esses grupos que estão
sendo criados em número crescente nos municípios do entorno do estuário da Lagoa dos Patos,
como foi observado em entrevistas recentes, não possuem estrutura adequada e ainda carecem
em grande medida de assistência técnica e fomento dos órgãos de governo para manterem-se,
principalmente no que diz respeito a organização formal. O acompanhamento dessas iniciativas
faz-se necessário como forma de verificar seus avanços ou retrocessos. De nada adianta o
governo ou órgãos públicos reconhecerem, fomentarem e incentivarem a criação de associações
ou cooperativas se não há, pelo menos em médio prazo, o acompanhamento e assistência técnica
permanente. Acredita-se que para que obtenham êxito em longo prazo tais iniciativas, se faz
necessário dar maior instrução; educação formal; fortalecendo e delegando responsabilidades aos
pescadores, para que adquiram experiência e participem mais ativamente do processo de tomada
de decisões. O empoderamento não é um processo rápido e automático, ainda mais depois de
tantos anos de cultura assistencialista resultando na atitude passiva dos pescadores.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos problemas de representatividade dos pescadores pelos órgãos que compõem o
Fórum, a organização em pequenos grupos nas comunidades pesqueiras pode vir a ser uma
alternativa viável para que os mesmos tomem parte efetiva no processo de co-gestão existente
com o Fórum da Lagoa dos Patos. Esses grupos não necessariamente precisam ter direito a voto
nas assembléias do Fórum da Lagoa, mas uma vez organizados podem ganhar legitimidade em
suas reivindicações junto aos representantes legais, cobrando desses que realmente os
representem adequadamente. Está é uma forma que vem sendo implementada com sucesso em
outras áreas de pesca de formato participativo de tomada de decisão. Os pescadores passam a
fazer parte de fato do processo à medida que sentem-se ouvidos. Assim, o empoderamento dos
pescadores é um processo que pode tornar o co-manejo dos recursos pesqueiros no estuário da
Lagoa dos Patos de fato compartilhado, ganhando legitimidade e força à medida que os
pescadores estariam mais envolvidos. No entanto, esse não é um processo rápido já que mudar
uma cultura leva tempo. Há que se ressaltar nesse sentido que o “empoderamento” dos
pescadores e de suas organizações requer um esforço de treinamento e acompanhamento
duradouro e sistemático.
Assim, a passagem para um modelo de co-gestão e todos os aspectos que ela
compreende no estuário da Lagoa dos Patos, deverá passar pela maior participação e
envolvimento do pescador no processo, fim último de sua existência.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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