INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS E INTERNACIONAIS TRÁFICO DE SERES HUMANOS E AS MODULAÇÕES REGIONAIS Os resultados globais preliminares do estudo de opinião sobre as percepções da população portuguesa relativamente ao fenómeno do tráfico de seres humanos, realizado no âmbito do Projecto “Migrações, Combate ao Tráfico de Pessoas – Valorização e Inclusão Social das Vitimas” entre Fevereiro e Maio de 2010, foram apresentados no 1º Workshop realizado em Faro. A análise mais aprofundada entretanto desenvolvida e que envolveu a desagregação de dados tendo em conta diferentes variáveis – sexo, idade, região, tipo de aglomerado – e a sua leitura cruzada, revela variações regionais particularmente interessantes explicadas não apenas por diferenças nas características das populações mas também na realidade do tráfico e do seu perfil na região em questão, designadamente tipo de tráfico predominante, nacionalidade, sexo e idade das vitimas. A. Importa sublinhar as seguintes conclusões fundamentais: 1. Relativamente ao nível de consciencialização sobre o fenómeno do TSH e o conhecimento da existência do fenómeno em geral e especificamente em Portugal, as regiões da Grande Lisboa (87,8%) e Centro Litoral (89,1%) são aquelas em que o conhecimento sobre a existência de TSH em Portugal é mais elevado; em contraste o Norte Litoral, o Grande Porto e o Interior são as regiões em que esse nível é menor: no Interior (26,9%) e no Norte Litoral (24,4%), cerca de ¼ dos inquiridos, considera não existir TSH em Portugal. Em termos de aglomerados populacionais é nos pequenos aglomerados (2.000-9.999 hab) e no Porto que surgem os níveis mais elevados de pessoas inquiridas que afirmam não existir TSH em Portugal. 2. Em termos gerais a população portuguesa entende que o tráfico atinge mais os estrangeiros (81,8%) do que os Portugueses (72%). Em média cerca de 24% dos inquiridos acredita que os Portugueses não são vítimas de tráfico mas as regiões do Interior (40%) e do Alentejo (30,8%) são aquelas em que a percentagem de inquiridos que acredita não existir tráfico de cidadãos portugueses é mais elevada, surgindo no polo oposto as zonas da Grande Lisboa e do Grande Porto. Também é nos pequenos aglomerados (2.000-9.999 hab) e no Porto (mais de 1/3 dos inquiridos) que surgem os níveis mais elevados de pessoas que negam a existência de tráfico de estrangeiros para Portugal. 3. Sobre a nacionalidade das vítimas de tráfico em termos gerais surgem como mais significativas a brasileira, seguida da ucraniana e da nigeriana. Registam-se contudo variações regionais: nas regiões do Interior, Centro Litoral, Algarve e Grande Lisboa existe um predomínio da perspectiva que as vitimas são maioritariamente de nacionalidade brasileira; no Norte Litoral e no Grande Porto existe um certo equilíbrio entre brasileiros e ucranianos; o Porto é o único caso em que a maioria dos inquiridos considera existir um predomínio dos ucranianos relativamente aos brasileiros. De notar que é nas cidades de Lisboa e Porto que a referência às vitimas de nacionalidade nigeriana atinge maior expressão o que pode sugerir maior contacto com a situação. Este resultado poderá indiciar tendências de concentração de vítimas de determinadas nacionalidades em certas regiões a que estão necessariamente associadas rotas diferenciadas. 4. No que respeita à percepção sobre as actividades desenvolvidas pelas vitimas assumem maior expressão a prostituição, de longe a dominante, seguida da construção civil, da restauração e do tráfico de droga, as duas últimas com menor expressão. Analisando os dados desagregados por região conclui-se que o tráfico para exploração sexual associado à prostituição predomina em todas as regiões mas com maior expressão na Grande Lisboa, Alentejo, Interior, Centro Litoral e Algarve. Contudo, existe também uma expressão relevante do tráfico para exploração laboral (construção ______________________________________________________________________________________________ IEEI . Largo de S. Sebastião, 8 . Paço do Lumiar . 1600-762 Lisboa . Tel. 21 030 67 00 . Fax 21 759 39 83 . www.ieei.pt civil, restauração, agricultura) com maior expressão no Alentejo, seguido do Interior, Grande Porto e Grande Lisboa. Estes dados sugerem que nestas últimas regiões é mais forte a percepção sobre a existência de diferentes tipos de tráfico e a heterogeneidade do fenómeno, porventura como resultado de contacto directo ou indirecto com o problema. É de sublinhar que o peso da prostituição é particularmente significativo nos grandes aglomerados (+ de 100.000 hab) e em Lisboa, enquanto o peso da construção civil é relativamente maior nos pequenos aglomerados e nas zonas rurais (-2000 hab e 2.000-9.999 hab). 5. A questão do contacto directo com uma vítima de tráfico teve um dos resultados mais significativos do estudo já que 7% dos inquiridos confirmaram ter tido um contacto directo com uma vítima. Contudo, existe uma enorme disparidade entre regiões já que se verifica um grande contraste entre a Grande Lisboa, que surge como a região com maior número de pessoas com experiência de contacto directo (15,7%) o que representa mais do dobro da média nacional, e as outras regiões surgindo o Grande Porto com uma taxa próxima da média (7,3%), seguido do Algarve e Norte Litoral enquanto as regiões do Interior, o Centro Litoral e Alentejo têm um valor pouco expressivo muito abaixo da média. Importa ainda salientar que o contacto directo é mais elevado nos aglomerados médios (10.000-99.999 hab) e muito pequenos (-2.000 hab) do que nos grandes aglomerados (+ 100.000 hab) onde não se registam sequer casos de contacto directo. 6. Relativamente ao combate ao tráfico, o nível de conhecimento sobre a criminalização do TSH é maior nas regiões da Grande Lisboa e no Algarve e menos elevado nas regiões do Norte Litoral e do Interior. 7. Quanto à percepção sobre a dimensão do fenómeno e a sua expressão quantitativa (nº de vitimas) em Portugal, existem igualmente significativas diferenças regionais sendo possível detectar 3 tendências: nas regiões da Grande Lisboa, Centro Litoral e Interior a percepção dominante é que a dimensão do fenómeno é significativa já que os inquiridos que consideram ser o número de vítimas 500 ou mais representam mais de 50% das respostas; nas regiões do Algarve e do Alentejo é dominante a percepção de que a dimensão do fenómeno é reduzida, especialmente no Algarve (58% considera ser inferior a 100 casos); no Grande Porto e no Norte Litoral não existe uma ideia clara sobre a dimensão do fenómeno já que a maioria dos inquiridos não sabe/não responde atingindo a maior expressão no Porto (62,5%). 8. Quanto às campanhas de sensibilização o seu impacto é em geral baixo (só 12,7% declara ter visto ou ouvido uma campanha) mas mesmo assim não uniforme no território nacional: quase nulo no Alentejo e Interior e ligeiramente mais significativo no Norte Litoral e no Centro Litoral (18,8% e 17,3% respectivamente declaram ter visto ou ouvido uma campanha portuguesa), ocupando as regiões do Grande Porto, Algarve e Grande Lisboa uma posição intermédia. As campanhas tiveram maior impacto nos grandes aglomerados (+ 100.000 hab), no Porto e Lisboa. 9. Relativamente ao conhecimento sobre existência de sistemas de apoio às vítimas este, em média, é baixo já que a maioria 51,3% desconhece tais sistemas, embora se registe um contraste entre as regiões em que a maioria sabe da existência de sistemas de apoio, caso das regiões de Grande Lisboa, Grande Porto, Centro Litoral, Norte Litoral e Algarve; e as regiões com um nível de conhecimento muito baixo como o Interior e o Alentejo em que a larga maioria desconhece (80% e 75% respectivamente). Importa ainda salientar que o nível de conhecimento é significativamente maior nos grandes aglomerados (+ 100.000 hab) do que nos muito pequenos e zonas rurais (-2.000 hab). Em conclusão, cruzando as diferentes variáveis é possível classificar as diferentes regiões quanto ao nível de consciencialização e percepção sobre os contornos e a relevância do fenómeno do tráfico em Portugal em 3 grupos: (i) Regiões robustas: Grande Lisboa e Centro Litoral (ii) Regiões de robustez intermédia: Algarve ______________________________________________________________________________________________ IEEI . Largo de S. Sebastião, 8 . Paço do Lumiar . 1600-762 Lisboa . Tel. 21 030 67 00 . Fax 21 759 39 83 . www.ieei.pt (iii) Regiões pouco robustas: Interior, Norte Litoral, Grande Porto, Alentejo B. Implicações ao nível das políticas e da sua implementação: Tendo em conta a necessidade de adoptar uma abordagem multidisciplinar, centrada na promoção dos direitos humanos das vítimas e que articule o curto e longo prazos, estes dados têm quatro implicações fundamentais: 1. Necessidade de elaboração e implementação de planos de acção locais que tenham como pressuposto a heterogeneidade do fenómeno em várias zonas do país tendo em conta as especificidades locais a diferentes níveis: Tipo (s) de tráfico predominante (s) Padrões da procura Nacionalidade(s) das vitimas e rácios de concentração de determinadas nacionalidades em regiões específicas o que envolve diferentes rotas e diferentes redes de traficantes. Graus de sensibilização dos cidadãos e de organizações da sociedade civil locais. Grau de cooperação institucional e densidades das redes institucionais entre entidades públicas, privadas e do terceiro sector. Nível de coexistência entre tráfico interno e transnacional. 2. Adopção de uma abordagem de multi-level governance, integrando de forma plena o nível local, para as questões do tráfico de seres humanos, protecção dos direitos humanos e combate à criminalidade organizada transnacional que articule/coordene as dimensões global (UN Global Plan of Action for Combating Trafficking in Persons 2010), macro-regional ao nível da UE (2010 Directive Proposal, Stockholm Action Plan for the field of justice and home affairs), nacional e local, por forma a reforçar os níveis de coerência e eficácia da acção. Esta coordenação vertical deve ser combinada com a coordenação horizontal, relacionada com a articulação entre os três sectores público-privado-terceiro sector na prossecução das diferentes áreas de acção, Prevenção-Protecção-Punição-Parceria. 3. As dimensões da prevenção do tráfico e da protecção das vítimas, em especial a sua reinserção social designadamente através do mercado de emprego, devem ser desenvolvidas prioritariamente ao nível local que se considera ser o nível operacional óptimo através da mobilização de redes sociais. 4. Reforço das campanhas de sensibilização, mais descentralizadas e adaptadas às especificidades locais (tipos de tráfico, nacionalidade das vítimas, rotas preponderantes, tráfico interno ou internacional). Por exemplo, face aos dados do estudo de opinião deverão ser intensificadas no Interior, no Porto, no Norte Litoral e no Alentejo, em especial nos pequenos aglomerados e nas zonas rurais. IEEI, Outubro de 2010 Projecto “Migrações, Combate ao Tráfico de Pessoas – Valorização e Inclusão Social das Vítimas” ______________________________________________________________________________________________ IEEI . Largo de S. Sebastião, 8 . Paço do Lumiar . 1600-762 Lisboa . Tel. 21 030 67 00 . 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