“Crianças e Jovens: A sua relação com as Tecnologias e os Meios de Comunicação” O projecto O CIES-ISCTE (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia), em colaboração com a PT. COM – Comunicações Interactivas, S.A., e no âmbito de um protocolo de colaboração realizado entre estas instituições, está a desenvolver um estudo sobre as “Crianças e Jovens: A sua Relação com as Tecnologias e os Meios de Comunicação”. Simultaneamente, o CIES encontra-se também a desenvolver uma pesquisa denominada “E-Generation: Os Usos de Media pelas Crianças e Jovens em Portugal”, apoiado pela Fundação PT. Ambos têm objectivos semelhantes: mapeamento dos estilos de vida mediáticos de jovens e oportunidades de evolução dos mercados; caracterização dos contextos e usos de media de crianças e jovens em Portugal; e a comparação de resultados a nível europeu e global – numa primeira fase (2006) entre Portugal e Catalunha e numa segunda fase EUA, Canadá; Alemanha, Singapura, Índia, Japão, China, Chile, Argentina, França, Reino Unido, Itália, Suécia e Espanha no quadro do World Internet Project. A principal diferença entre estes projectos reside na metodologia de recolha de informação utilizada para cada um deles. O projecto E-Generation baseia-se numa metodologia de recolha de dados realizada através de um questionário presencial aplicado a uma amostra representativa da população, com idades entre 9-20 anos. Em breve será possível apresentar alguns resultados preliminares deste estudo. No caso do projecto desenvolvido em conjunto com a PT.COM, a metodologia escolhida foi a aplicação de um inquérito on-line realizado pelo CIES-ISCTE, alojado na rede SAPO, a jovens utilizadores de internet. O inquérito esteve on-line durante um mês e totalizou 1377 respostas, das quais foram consideradas válidas 1353, o que nos permite fazer uma caracterização dos jovens utilizadores de internet que responderam ao questionário e da sua relação com as tecnologias e os meios de comunicação. A equipa que no CIES está a desenvolver o projecto é constituída por: Gustavo Cardoso (Coordenação Científica) Rita Espanha Maria do Carmo Gomes Tiago Lapa Alguns resultados A população que respondeu ao questionário on-line é um público constituído por utilizadores de internet, até aos 20 anos, o que lhe confere características específicas. Cerca de metade dos inquiridos frequenta o ensino secundário e a esmagadora maioria partilha ainda a casa dos pais. O número de jovens que responderam ao questionário é maioritariamente masculino, mas ainda assim 43,5% dos internautas inquiridos são raparigas. O nível de qualificação dos inquiridos permite perceber que, quanto maior a formação das pessoas, maior é a utilização da internet. Tratando-se de jovens com menos de 20 anos é pertinente o contexto sociocultural dos pais: 2,4% dos inquiridos afirma que o pai não acabou o 1º ciclo e 23,4% afirma que o pai só tem até ao 1º ciclo completo. Contudo, 16,6% dos inquiridos afirma que o pai tem um curso superior e 18,6% afirma que a mãe tem formação superior. É de assinalar que estas percentagens estão acima do que se verifica a nível nacional. Os jovens poderão ser um foco difusor de novos valores e novas práticas e o facto de não terem recursos escolares significativos não quer dizer que os afaste necessariamente das novas tecnologias. Contudo nos mais velhos a dupla condição (da idade e da baixa escolaridade) 1 parece ser um factor inibidor . Quadro 1 – Características dos Inquiridos (%) Sexo dos inquiridos Masculino Feminino 56,5 43,5 Escolaridade 2º Ciclo do Ensino Básico 3º Ciclo do Ensino Básico Ensino Secundário 6,9 27,6 65,6 Idade 9 aos 12 anos 13 aos 15 anos 16 aos 18 anos 19 aos 20 anos 8,9 26,7 44,3 20,1 O público específico que respondeu ao questionário partilha práticas comunicacionais com a generalidade dos portugueses, como é o facto de verem televisão, mas fazem-no noutros moldes. Neste público, a televisão remete-se cada vez mais para um papel de contextualização atomizada em rede e é algo que se deixa ligado em fundo enquanto 2 desenvolvemos outra actividade, como estar na internet . Esse aspecto é coerente com o facto de uma parte significativa dos jovens inquiridos preterir a televisão em relação a outros 1 Cardoso, Gustavo, António Firmino da Costa, Cristina Palma Conceição e Maria do Carmo Gomes, A Sociedade em Rede em Portugal, Porto, Campo das Letras, 2005 2 Espanha, Rita; Luís Soares e Gustavo Cardoso, “Do Multimedia ao Wireless: As Dietas Mediáticas dos Portugueses”, in A Sociedade em Rede.- Do Conhecimento à Acção Política”, Colecção Debates, Ed. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006 media, apesar de menos de 1% dos inquiridos afirmar que não vê televisão. O aumento do uso da internet não significa que esta substitui o consumo de outros meios comunicacionais. Antes, a internet desempenha um papel de reforço de informação. Segundo Espanha, Soares e Cardoso (2006), verifica-se também a tendência para a multiplicação de interesses e actividades por parte dos utilizadores da internet, reforçando a hipótese de que a utilização das novas tecnologias de comunicação leva à diversificação e ampliação das capacidades comunicativas. Quanto ao que os jovens inquiridos mais gostam de fazer depois do jantar, a preferência recai sobre a ligação à internet para 38,7% deles. A televisão aparece em segundo lugar com 28,6% das preferências. Grande parte dos jovens internautas (90,5%) utiliza habitualmente o computador e a internet fora da escola para estudar ou fazer trabalhos de casa. Além disso, a utilização de enciclopédias multimédia é uma realidade para 67,8% dos inquiridos e quase a totalidade dos inquiridos (94,2%) utiliza um processador de texto para fazer trabalhos. E 80,3% utiliza o computador para comunicar e pedir ajuda aos colegas. 41,6% afirmam que têm o computador no seu quarto, 28,7% que o computador está no escritório e 13,2% que está na sala de estar. Mais de metade dos internautas utiliza o computador mais de 2 horas por dia, durante a semana. A tendência é para haver uma maior utilização do computador no fim-de-semana. 29,1% dos inquiridos utilizou a internet pela primeira vez quando tinha 10 anos ou menos. Mais de metade começou a utilizar a internet com 12 anos ou menos. A utilização da internet é maior durante o fim-de-semana e mais de metade dos jovens inquiridos navega 2 horas ou mais por dia durante esse período. 41,8% dos inquiridos admite que têm amigos que vêm sites destinados a adultos contra apenas 19,1% que dizem que não conhecem ninguém que o faça. Contudo, é de assinalar a elevada percentagem de inquiridos que não responderam à questão (39%). Um pouco mais de metade dos jovens inquiridos (51,2%) já fez um blog, enquanto que apenas 35,7% já fizeram alguma página na web, o que requer mais conhecimentos técnicos. A grande maioria dos internautas tem, ou duas contas de correio electrónico (43,1%) ou três ou mais (36,7%). É evidente a clara preferência dos inquiridos em comunicarem com pessoas que conhecem de outros locais (como a escola) nos chats (82,1%). Também é a maioria (64,8%) que diz que se mostra como é nos chats, enquanto que 27,5% admite fingir por vezes ser outro tipo de pessoa e 7,7% admite fingir sempre. 41,4% dos inquiridos diz não ter nenhum amigo virtual, 31% diz ter amigos virtuais mas não os conhece pessoalmente, 24,4% afirma conhecer alguns desses amigos e apenas uma pequena minoria (3,3%) afirma conhecer quase todos. Mais de 75% dos inquiridos admite ser quem mais utiliza e o que mais sabe de internet em casa. E mais de metade dos inquiridos (58,3%) diz conhecer alguém que, na sua opinião, não pode viver sem internet. Uma grande parte dos jovens inquiridos acha que tem ou um nível médio (48,3%) ou um nível avançado de utilização da internet (30,6%). A grande maioria prefere a internet (71,3%) à televisão (20,5%). E metade dos internautas prefere a internet ao telemóvel. A televisão é sempre preterida visto que 58,1% optam pelos jogos em vez da televisão e 54,2% optam pelo telemóvel em vez do ecrã da TV. Quadro 2 – Preferências em relação aos media (%) Internet vs Televisão Internet 71,3 Televisão 20,5 Não sabe/Não responde 8,1 Internet vs Telemóvel Internet 50,2 Telemóvel 42,4 Não sabe/Não responde 7,5 Jogos de consola ou computador vs Televisão Jogos 58,1 Televisão 34,7 Não sabe/Não responde 7,2 Telemóvel vs Televisão Telemóvel 54,2 Televisão 39,5 Não sabe/Não responde 6,2 Quase metade dos inquiridos (49,4%) gasta menos de 3 euros em telemóvel e 29,4% gasta entre 3 e 6 euros por mês. 63,6% teve o seu primeiro telemóvel com 13 anos ou menos. 29,3% dos jovens internautas acha que a sua vida mudaria para pior se ficassem duas semanas sem telemóvel enquanto que 66,4% acha que não mudaria nada. 44,1% dos inquiridos admite que apenas algumas mensagens são necessárias, 38,8% acha que muitas são necessárias e apenas 14,3% acha que são todas necessárias. A maioria dos inquiridos (58,2%) afirma que, às vezes, recebe mensagens quando já está deitado e 20,3% afirma que isso acontece muitas vezes. Pouco menos de 90% afirma que existem três ou mais telemóveis em casa. A grande maioria (78,8%) costuma jogar com consolas ou computadores. 51,1% dos inquiridos joga até uma hora por dia, durante a semana. No fim-de-semana o tempo passado a jogar aumenta visto que, nesse período, perto de 60% joga mais de uma hora por dia. Mais de 70% tem três ou mais televisões em casa e 58,5% afirma ter televisão paga (TV cabo, satélite, etc.). 30,1% dos inquiridos afirma que são eles que vêm mais televisão no agregado familiar. 68,1% dos inquiridos afirma ter um leitor de música portátil em que possa utilizar ficheiros mp3. Quanto à troca de músicas com os amigos, 28,2% diz que o faz utilizando a internet. Só uma pequena minoria (1,8%) compra habitualmente músicas na rede e 7,6% responderam que compram às vezes, contudo, no total, existem 14,8% de inquiridos que já adquiriram músicas na rede pelo menos uma vez. 67,3% acha que é mais errado vender músicas ou CDs pirateados, enquanto que 19,7% acham que é mais errado comprar. 40,9% estariam dispostos a pagar até 10 euros por mês para adquirir músicas em sítios na internet, enquanto que 40,1% não está disposto a pagar nada. A grande maioria assiste a filmes, sendo que 29,6% os vê através da TV e 28,7% nas salas de cinema. 5% descarrega da internet os filmes a que habitualmente assiste, enquanto que 1,6% faz cópias a partir de DVDs originais. 57,3% costumam assistir a filmes no computador e para 26,3% dos inquiridos esses filmes são na sua maioria alugados e para 24% são comprados. Apenas 13,3% dos jovens inquiridos assiste no computador a filmes que são na sua maioria descarregados da internet. Sempre que um filme novo é estreado 66,9% prefere ir vê-lo ao cinema. Apenas 6,2% procura normalmente descarregá-lo na internet e só 2,2% procura comprar uma cópia pirata na rua. Quadro 3 – Visionamento de filmes (%) Os filmes que os inquiridos vêem no computador são na sua maioria: Não assiste a filmes no computador 28,1 DVDs comprados 24,0 DVDs alugados 26,3 Filmes descarregados da internet 13,3 Não sabe/Não responde 8,3 Quando há um filme novo que interessa aos inquiridos: Vai ver o filme ao cinema 66,9 Espera até que saia o DVD para alugá-lo 11,2 Espera até que saia o DVD para comprar uma cópia oficial 5,7 Espero até que saia o DVD para comprar uma cópia pirata na rua 2,2 Procura na internet para fazer download 6,2 Espera até que passe na televisão 7,8 Quanto às diferenças entre sexos, verifica-se que existem mais raparigas (34,5%) que rapazes (24,1%) a dizer que vêm televisão depois do jantar. Há muitos mais rapazes a preferir os jogos (18,2%) do que raparigas (3,9%). Por outro lado há mais raparigas a preferir ouvir música (12,7%), a enviar Sms’s (4,6%) e a conversar com os pais e irmãos (3,9%) do que rapazes (9,2%, 2,2% e 2,5% respectivamente). Existem mais rapazes com computador no quarto (46,3%) que raparigas (35,5%). Durante a semana e durante o fim-de-semana existe uma maior percentagem de rapazes (21,6% e 26,8% respectivamente) do que de raparigas (14,6% e 19,4% respectivamente), a utilizar o computador 5 horas ou mais fora da escola. De um modo geral os rapazes tendem a utilizar mais horas o computador, seja durante a semana seja durante o fim-de-semana. Similarmente, os inquiridos rapazes tendem a utilizar mais horas a internet fora da escola do que as raparigas. Durante a semana e o fim-de-semana, a percentagem de rapazes a utilizar a internet 5 horas ou mais é de 19,2% e 22,8% respectivamente, enquanto que a das raparigas é de 11,2% e 16,3%, respectivamente. Por outro lado, os inquiridos do sexo masculino tendem a ter começado a utilizar a internet pela primeira vez um pouco mais novos do que os do sexo feminino. Por seu turno, existe uma percentagem maior de rapazes (51,4%) a admitir que tem amigos que vêem sites destinados a adultos na internet contra 29,4% das raparigas, contudo a percentagem de não respostas nos rapazes (32,1%) é menor do que nas raparigas (48%). Existem mais raparigas a admitir que às vezes fingem ou que fingem sempre ser outro tipo de pessoa (33,4% e 9,2% respectivamente) do que rapazes (22,9% e 6,5% respectivamente). Por outro lado, existem mais rapazes que já conheceram alguns ou quase todos os amigos virtuais (27% e 4,6% respectivamente), enquanto que nas raparigas essas percentagens são 21,1% e 1,5% respectivamente. Quadro 4 – Comparação entre os sexos em relação a práticas na internet (%) Sexo dos inquiridos Masculino Feminino Tem amigos que vêem sites destinados a adultos na internet Sim Não Não sabe/não responde 51,4 16,5 32,1 29,4 22,6 48,0 Num chat, costuma aparecer tal como é ou finge ser outro tipo de pessoa Mostra-se sempre como é Às vezes finge Finge sempre 70,5 22,9 6,5 57,4 33,4 9,2 Conhece os amigos virtuais Não tem nenhum Tem mas não os conhece Tem e já conheceu alguns Tem e conheceu quase todos 41,4 27,1 27,0 4,6 41,4 36,0 21,1 1,5 Se tivessem que optar entre a internet e televisão, 77,5% dos rapazes escolheria a internet, enquanto que essa percentagem desce para 63,2% para as raparigas. Quanto à escolha entre internet e telemóvel, os internautas do sexo masculino continuam claramente a preferir a internet (60,5%) ao telemóvel (33,1%). Todavia, no que respeita às internautas do sexo feminino, os números invertem-se, visto que apenas 36,3% têm preferência pela internet enquanto que 54,8% optaria pelo telemóvel. Por outro lado, 37,2% das raparigas acha que a sua vida mudaria para pior se ficassem duas semanas sem telemóvel contra 23,4% dos rapazes. Quanto aos rapazes também há uma clara preferência dos jogos de consola ou computador (71,7%) sobre a televisão (22%). Apenas 40,4% das raparigas prefere os jogos de consola ou computador à televisão (51,1%). Também há mais rapazes que costumam jogar (87,8%) do que raparigas (67,1%) e são os rapazes que tendem a passar mais horas a jogar, durante a semana e ao fim-de-semana. Por outro lado, as raparigas parecem ser menos “piratas” que os rapazes visto que 81,5% disseram que não tinham jogos pirateados contra 56,3% dos rapazes. Quanto à escolha entre telemóvel e televisão, metade dos rapazes e 59,8% das raparigas prefere o telemóvel à televisão (44,9% e 32,6%) respectivamente. Porém, parece haver um tendência de as raparigas ficarem um pouco mais de tempo à frente do televisor que os rapazes e há mais raparigas (35%) do que rapazes (26,3%) a admitirem que são elas quem mais vê televisão em casa. Quadro 5 – Comparação entre os sexos quanto às preferências em relação aos media (%) Sexo dos inquiridos Masculino Feminino Internet vs Televisão Internet Televisão Não sabe/Não responde 77,6 15,7 6,7 63,2 26,8 10,0 Internet Telemóvel Não sabe/Não responde 60,7 32,7 6,5 36,5 54,8 8,7 Jogos de consola ou computador vs Televisão Jogos Televisão Não sabe/Não responde 71,7 22,0 6,3 40,4 51,1 8,5 Telemóvel vs Televisão Telemóvel Televisão Não sabe/Não responde 50,0 44,9 5,1 59,8 32,6 7,6 Internet vs Telemóvel Aparentemente, no que diz respeito ao uso de conteúdos pirateados, o predomínio dos jogos de computador e consola parece ser evidente. Se tal se fica a dever ao custo mais elevado dos jogos, à maior visibilidade dada à pirataria de música e filmes ou a uma maior tradição de cópia de jogos na internet é algo que os resultados do próximo estudo E-Generation (CIES-Fundação PT), poderão clarificar. A conclusão geral parece apontar para a importância dos novos media em relação à televisão. Porém, quando consideramos o sexo dos jovens inquiridos verificamos diferenças de género quanto ao uso dos novos media. O telemóvel assume claramente uma maior importância para as raparigas do que para os rapazes visto que são elas que gostam mais de enviar Sms’s depois do jantar, há mais raparigas que rapazes a preferir o telemóvel à televisão e, ao contrário dos inquiridos do sexo masculino, na sua maioria preferem o telemóvel à internet. Para além disso, há uma maior percentagem de raparigas do que de rapazes a achar que a sua vida mudaria para pior se ficassem duas semanas sem telemóvel. Quanto às preferências dos jovens inquiridos do sexo masculino, a internet assume claramente um lugar prioritário em relação aos outros media. No meio de práticas diversificadas de media, o telemóvel parece assumir maior importância na vida das raparigas e a internet ter conquistado as preferências dos rapazes que responderam ao questionário.