EDUARDO MACHADO SOARES CAPANEMA Regras de proteção à empresa e o Código de Defesa do Consumidor Artigo apresentado à Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima/MG, para conclusão do curso de PósGraduação stricto sensu - Mestrado em Direito Empresarial. FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS NOVA LIMA - MG 2012 2 RESUMO O presente artigo pretende uma análise sobre a legalidade de manutenção de barreiras alfandegárias, em demasiado rígidas, em face do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque a rigidez imposta pela tributação, em sede de importação, criou uma zona de conforto às empresas, que não sofrem, em parte dos produtos, ameaça dos importados, que adentram no território brasileiro a preços extremamente desinteressantes. Isso faz com que o consumidor brasileiro acabe se utilizando de um produto com qualidade e segurança inferiores, em comparação àqueles existentes no mercado estrangeiro. Mais ainda, a indústria nacional não precisa guardar grandes esforços em igualar seu produto ao importado, vez que o preço será determinante para a decisão do consumidor, em boa parte dos casos. Nesta senda, o que se busca analisar é a legalidade da manutenção das barreiras alfandegárias tributárias em patamares rígidos, em face do direito à utilização de um bem, com qualidade e segurança superiores ao que é disponibilizado pelas fábricas brasileiras, sem que esta tenha qualquer obrigação de se tornar competitiva com a indústria estrangeira. Palavras-chaves: barreiras alfandegárias tributárias, código de defesa do consumidor, indústria nacional, autonomia privada, qualidade e segurança dos produtos. 3 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 4 2. DA EXTRAFISCALIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA ......................................................................... 4 3. DO PROTECIONISMO ÀS EMPRESAS BRASILEIRAS ........................................................................ 6 4. DA CONSTITUCIONALIDADE DAS REGRAS DE DEFESA DO CONSUMIDOR ..................................... 8 5. DA OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DEFESA DO CONSUMIDOR ........................ 11 6. CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 15 7. REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 16 4 1- INTRODUÇÃO Da mesma forma como ocorre em grande parte dos países do mundo, o Brasil também detém regras de proteção à indústria nacional, face aos produtos vindos do exterior. E não poderia ser diferente, vez que acaso fossem extintas essas proteções, haveria grande aumento de circulação de riquezas para fora do país, o que acabaria por prejudicar o mercado interno. Entretanto, o que se busca observar neste artigo é que a proteção ao mercado nacional que vem sendo imposta ofende a princípios basilares do Direito do Consumidor, conforme será explicado a seguir. 2- DA EXTRAFISCALIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA A norma tributária detém diversas funções na vida de determinada sociedade. A mais óbvia delas é servir como fonte de arrecadação para o Estado, permitindo seu desenvolvimento, bem como o desenvolvimento de suas políticas. Entretanto, existem outras finalidades que não detém cunho arrecadatório, mas sim regulatório, com vistas à manutenção da ordem social e econômica de determinada sociedade. Essa é uma das hipóteses de extrafiscalidade da norma tributária, e será explorada no presente trabalho. De acordo com Luciano Amaro1, o que distingue os tributos com finalidade fiscal daqueles com finalidade extrafiscal é, especificamente, o objetivo visado pela lei de incidência. Portanto, é clara a possibilidade de inserção no ordenamento jurídico, pelo legislador, de normas de cunho extrafiscal, com finalidade de proteger situações econômico-sociais. E, através dos efeitos extrafiscais da norma tributária, realiza-se a provocação de certos resultados, sempre econômicos-sociais, com a finalidade de promover objetivos básicos do Estado, como o desenvolvimento econômico. 1 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2. ed. Revisada. São Paulo: Saraiva, 1998. 5 Neste sentido, vale transcrever trecho da obra de Hely Lopes Meirelles: A extrafiscalidade é a utilização do tributo como meio de fomento ou de desestímulo a atividades reputadas convenientes ou inconvenientes à comunidade. É ato de polícia fiscal, isto é, de ação de governo para o atingimento de fins sociais através da maior ou menos imposição tributária. (...) Modernamente, os tributos são usados como instrumento auxiliar do poder regulatório do Estado sobre a propriedade particular e as atividades privadas que tenham implicações com o bem-estar social. Até mesmo o Direito norte-americano, tão cioso das liberdades individuais, admite essa função extrafiscal dos tributos, para o incentivo ou repressão da conduta do particular. (...) Com efeito, através da agravação do imposto podem-se se afastar certas atividades ou modificar-se a atitude dos particulares reputadas contrárias ao interesse público, como pelo abrandamento da tributação pode-se incentivar a conduta individual conveniente à comunidade.2 Seguindo essa linha de raciocínio, extrai-se que os impostos fiscais são aqueles que se destinam, de forma exclusiva, à obtenção de receitas para o Estado, enquanto aqueles extrafiscais se prestam para viabilizar mais uma forma de intervenção em políticas de caráter, por exemplo, econômicas e sociais. Em suma, constituem uma eficiente forma de intervenção do Estado, com fincas à manutenção de seus preceitos básicos. De se destacar que a Constituição Federal de 1988 adotou a extrafiscalidade como instrumento regular do procedimento tributário, principalmente para implementação de políticas públicas. Neste sentido, de acordo com Hugo de Brito Machado: O objetivo do tributo sempre foi o de carrear recursos financeiros para o Estado. No mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 6. ed. Atualizada por Izabel C. L. Monteiro e Yara D. P. Monteiro. São Paulo: Editora Malheiros, 1993, p. 151. 6 efeitos mais diversos na economia. A esta função moderna do tributo se denomina função extrafiscal3. Não restam dúvidas, portanto, que a legislação pátria permite a utilização de tributos como forma de intervenção do Estado em políticas sócio-econômicas. Através desta função, consoante acima já mencionado, pode o Estado intervir em decisões extremamente íntimas de seus tutelados, como por exemplo, qual o produto a consumir. E é exatamente neste ponto que reside o escopo do presente estudo. 3- DO PROTECIONISMO ÀS EMPRESAS BRASILEIRAS Os tributos inerentes à importação de mercadorias são de competência da União, vez que detém implicações de relação com o mercado estrangeiro. Entretanto, com a expansão do comércio, todos os tipos de barreiras alfandegárias passaram a receber especial atenção, por serem consideradas armas que podem ser utilizadas pelos países em negociações internacionais. Exatamente por este motivo é que se verifica uma crescente busca por tratados que visam à colaboração e cooperação internacional entre países, por meio da integração entre eles, criando zonas de livre trânsito de bens e serviços. Visando a criação de mecanismos de proteção à indústria brasileira, inseriu-se, quando da edição da Constituição Federal de 1988, hipóteses para a criação de mecanismos para tanto. Senão veja-se: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 3 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2003. pág. 130. 7 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; A fim de garantir a aplicabilidade desses preceitos constitucionais, regulamentou-se a questão através do artigo 21, do Código Tributário Nacional: Art. 21. O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política cambial e do comércio exterior. Ocorre que a edição do Código Tributário Nacional precede à da Constituição Federal de 1988. E o artigo acima transcrito não foi integralmente recepcionado por ela: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer natureza; IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar. § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. (...) Tem-se, portanto, que com a Constituição Federal de 1988 houve a limitação dos poderes do Estado, que se restringem atualmente, somente, à alíquota do imposto. 8 Resta claro, portanto, que o Estado brasileiro dispõe de mecanismos que servem à garantia do desenvolvimento nacional. Um deles, consoante se demonstra neste artigo, é o Direito Tributário, como forma de barreira alfandegária e consequente proteção à indústria brasileira. É exatamente nesse ponto que reside a extrafiscalidade da norma tributária, já mencionado acima. Novamente citando Hugo de Brito Machado, salienta-se a importância dos impostos de importação para o Brasil: Se não existisse imposto de importação, a maioria dos produtos industrializados no Brasil não teria condições de competir no mercado com seus similares produzidos em países economicamente mais desenvolvidos, onde o custo industrial é reduzido graças aos processos de racionalização da produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral. Além disso, vários países subsidiam as exportações de produtos industrializados, de sorte que seus preços ficam consideravelmente reduzidos. Assim, o imposto funciona como valioso instrumento de política econômica4. Os impostos de importação e exportação detém, portanto, características de instrumento de política econômica, com fundamental importância para a indústria nacional. Isso porque, através desses impostos garante-se que os produtos industrializados dentro do território brasileiro tenham competitividade no mercado com seus similares produzidos no exterior. 4- DA CONSTITUCIONALIDADE DAS REGRAS DE DEFESA DO CONSUMIDOR Nos termos do que ljá foi acima mencionado, tem-se como claro que não é somente uma possibilidade jurídica, mas sim efetiva obrigação do Estado realizar a defesa das empresas que exercem suas atividades dentro de seu território. Mesmo porque, através do desenvolvimento destas empresas, ou mesmo através da criação de novas, há o implemento na arrecadação, 4 MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 272. 9 viabilizando a realização de novos investimentos, com o consequente desenvolvimento de toda aquela região. Mas existem outras questões que não pode ser olvidadas. Ao mesmo tempo que o Estado não pode se descuidar de suas politicas macroeconômicas, atenção também deve ser dada às suas questões interiores. A vida em sociedade pressupõe a existência e aceitação, por seus membros, do conjunto de regras que nortearão suas condutas. Dentre essas regras, encontra-se no ordenamento jurídico brasileiro o Código de Defesa do Consumidor, editado com base em previsão constitucional, senão veja-se: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Mais adiante, ainda no mesmo diploma legal, definiu-se a competência para legislar acerca da matéria: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) 10 V - produção e consumo; Por fim, no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, fixou-se prazo para edição das normas consumeristas: Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. Com a edição dessas normas, no ano de 1990, objetivou-se realizar o equilíbrio da balança existente entre os prestadores e fornecedores de serviços e o consumidor, permitindo que este passasse a realizar o questionamento de seus direitos, com possibilidades de êxito. Vale mencionar que, em momento anterior à edição da legislação consumerista, acaso se entendesse por realizar questionamentos em face do prestador ou fornecedor de serviços, estar-se-ia diante de situação em que o êxito era condicionado à boa fé da parte adversa. Isso porque raramente o consumidor dispunha de meios para a obtenção de elementos suficientes à demonstração da existência de seu direito, vez que todos os dados estavam em poder da parte adversa. Após o início da vigência do Código de Defesa do Consumidor, a defesa de seus direitos tornou-se mais fácil e efetiva, diante da inserção, no ordenamento jurídico pátrio, de elementos como a inversão do ônus da prova, por exemplo. Em suma, com a edição do Código de Defesa do Consumidor, deu-se tratamento desigual aos desiguais, equilibrando a balança processual e fazendo com que todos os envolvidos em determinada lide possam efetivamente debater para fins de realizar a defesa de seus interesses, sendo que o trabalho de julgar os fatos exercido pelo Juiz passou a ser realizado com mais fundamentos, sempre em busca da verdade real. E é exatamente esse o racionício que interessa para fins do estudo ora proposto. O Código de Defesa do Consumidor, através do oferecimento de tratamento desigual a partes com possibilidades processuais manifestamente desiguais, visando possibilitar o cumprimento do preceito constitucional da isonomia processual. 11 5- DA OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DEFESA DO CONSUMIDOR Conforme restou acima demonstrado, existem no ordenamento jurídico brasileiro elementos que determinam tanto a proteção das empresas brasileiras, quanto do consumidor. Essas regras, acaso aplicadas em consonância com a previsão existente, no momento de sua edição, não são incompatíveis entre si. De se mencionar que, as regras de proteção à indústria nacional servem como forma de manutenção do Estado visando garantir a permanência de valores dentro da economia local. Entretanto, a utilização dessas regras de forma muito rígida atenta contra os princípios constitucionais de defesa do consumidor. E é exatamente esse quadro que se observa atualmente, no Brasil. A extrafiscalidade da norma tributária surge para criar barreiras de proteção às empresas situadas em território nacional. Ocorre que essas barreiras somente podem existir para manter a competitividade do produto brasileiro, em face daqueles importados de países mais desenvolvidos. Para fins de demonstração da questão ora apresentada, deve se esclarecer que as barreiras alfandegárias servem a garantir a comercialização do produto nacional similar àquele importado, fazendo com que aquele se torne mais interessante que este. O debate ora trazido diz respeito exatamente à similaridade entre os produtos. Isso porque a indústria nacional, em parte dos casos, não oferece produtos com a mesma qualidade, ou que ofereçam a mesma segurança, dos importados. Isso faz com que, acaso um consumidor brasileiro tenha interesse na aquisição de um produto superior, deva recorrer ao produto importado. Portanto, a imposição das barreiras alfandegárias deixou de se tornar somente uma forma de proteção à indústria brasileira, mas também gerou uma situação confortável para fins de investimento: o produto nacional não precisa mais ter a mesma qualidade daquele oferecido no mercado nacional, vez que o preço garantirá que ele será mais atrativo. 12 Neste caso, resta a dúvida acerca da abrangência do termo “similar”, utilizado para fins de manutenção dessas barreiras alfandegárias. Até que ponto um produto que não guarda as mesmas características de qualidade e segurança de outro se enquadra na categoria de “similar”? Um exemplo claro disso se tem através da indústria automobilística, onde se verifica a existência de modelos teoricamente iguais no mercado nacional e estrangeiro. Entretanto aqueles destinados ao mercado nacional não dispõem de inúmeros itens de segurança como ocorre com seu equivalente, em outros países. Diversos desses itens sequer estão disponíveis para o consumidor brasileiro, e quando há disponibilidade elevam, e muito, o valor de mercado do bem. O mesmo ocorre, por exemplo, nas áreas de tecnologia e vestuário. Em outras palavras, o que se observa é que as barreiras alfandegárias extrapolaram a função para a qual foram inicialmente impostas, e se tornaram forma de manutenção da esfera de conforto da indústria nacional, que não necessita se preocupar em realizar investimentos para se equiparar ao mercado estrangeiro. Também pode realizar a cobrança de itens de qualidade superior, ou mesmo que ofereçam qualidade superior, majorando assim sua margem de lucro. Claro que essa questão se ancora também em aspectos comportamentais do mercado, o que se comprova pela ausência de questionamento dos consumidores com relação ao fato. Mas isso abrangeria aspecto que ultrapassa a esfera jurídica, ora analisada. Portanto, o que se observa é que existe no Brasil um mercado com grande potencial, fato que se comprova pela simples observância acerca da quantidade de itens importados que são utilizados por todos. Entretanto, não existe, por parte do governo brasileiro, qualquer tipo imposição efetiva para fins de realização de melhorias tecnológicas, de qualidade ou de segurança nos produtos oferecidos pela indústria nacional, com redução de preços para o consumidor. E é exatamente neste ponto que reside a controvérsia apontada neste artigo: até que ponto existe o respeito à legislação consumerista ao se permitir considerar como “similar” um produto que não oferece as mesmas especificações de qualidade, tecnologia e segurança daquele oferecido em outros países do mundo? Salienta-se, não se questiona a existência de barreiras alfandegárias, o que é, de fato, essencial ao desenvolvimento do país. Entretanto se essas barreiras são muito rígidas, elas ultrapassam 13 o preceito constitucional para o qual foram criadas, e adentram na esfera de proteção ao consumidor, contrariando essa norma. A ofensa aos direitos consumeristas resta clara nesta situação, quando observado que o consumidor brasileiro não tem acesso, ou quando tem isso ocorre a preço que o torna desinteressante, a produtos com qualidade e segurança superiores. Não se diz aqui que o consumidor é colocado em risco por este fato, mas ele poderia se beneficiar de produtos que permitiram maior respeito à norma consumerista. Logo, há ofensa a esses ditames. A redução das barreiras alfandegárias determinadas pelos impostos de importação serviria, inclusive, como forma de incentivo tanto ao desenvolvimento da indústria nacional, que passaria a ser obrigada a investir na qualidade e segurança de seus produtos, como também ao consumo. Isso porque o produto nacional, de qualidade e segurança efetivamente similares ao importado, garantiria sua competitividade através do preço. Resta claro, portanto, que existe a possibilidade de se dar ao consumidor nacional produto com qualidade e segurança melhores. Deixar de atuar nessa área gera incontroversa afronta aos ditames básicos consumeristas, o que chega a ofender, inclusive o princípio da autonomia privada. Senão veja-se: Em se considerando que existem no mercado produtos nacionais com preço e qualidades prédefinidos, e que existem outros, importados, muito mais caros, em muitas vezes não pode o consumidor optar entre eles, em razão de sua própria capacidade aquisitiva. Em contrapartida, o consumidor que tem interesse em um produto “similar”, mas com qualidade e segurança superior, em grande parte dos casos não pode optar por aqueles oferecidos pela indústria nacional. Novamente retomando à indústria automotiva, existem diversos veículos que são produzidos no Brasil e em outros países do mundo. Os exemplos que serão utilizados são o Volkswagen Fox e Peugeot 207. O primeiro dos exemplos, qual seja, do VW Fox é produzido no Brasil e em diversos países da Europa 5, por exemplo. Entretanto, as versões para exportação dispõem de Air Bags e ABS de 5 http://www.swissinfo.ch/por/Capa/Archive/TV_Suica_denuncia_carro_da_Volkswagen_do_Brasil.html? cid=5761928 14 série em seus modelos mais básicos, o que não ocorre nas mesmas versões do mercado nacional. Já o segundo exemplo, do Peugeot 207, recentemente realizou-se testes de segurança na versão nacional e da produzida na Europa, sendo que os resultados foram alarmantes 6. Versões similares vendidas em países europeus detêm características extremamente diferentes daqueles vendidos no Brasil. E, acaso o consumidor brasileiro tenha interesse em adquirir um produto com a qualidade daqueles oferecidos no mercado estrangeiro, somente lhe resta o pagamento de um preço absurdo, o que já foi questionado, até mesmo, por repórter da revista Forbes 7. Ou seja, há a limitação do consumo de determinados produtos em razão do elevado poder aquisitivo, sendo que o bem in casu, um carro, continua sendo comercializado. Quem quer comprar um carro acaba ponderando a viabilidade de aquisição de um modelo nacional, em razão da grande diferença entre os custos destes e de outros, importados, com mais qualidade e mais seguros. Claro que não se fala aqui na interferência do Estado na autonomia privada para fins de proibir a negociação, mas sim em tornar o produto estrangeiro extremamente mais oneroso para o consumidor final do que outro, produzido no Brasil. Em razão dos impostos cobrados para a importação de produtos, aqueles que não são produzidos em território nacional chegam às lojas com preço elevado, o que faz com o que o produto nacional se torne mais interessante. Em contrapartida, consoante acima já mencionado, não se verifica a existência de incentivos hábeis ao desenvolvimento de tecnologia e qualidade do produto nacional para acompanhar aquele produzido no mercado externo. 6 http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&ved=0CCQQFjAA& url=http%3A%2F%2Fquatrorodas.abril.com.br%2Fnoticias%2Fseguranca%2Fcrash-test-comparapeugeot-207-brasileiro-europeu699510.shtml&ei=L9COUOXDHoXU9ASqgoHwAg&usg=AFQjCNEZuzLKTmvFqW97BW_rLUB9fj57ow 7 http://www.forbes.com/sites/kenrapoza/2012/08/11/brazils-ridiculous-80000-jeep-grand-cherokee/ 15 6- CONCLUSÃO Nos termos do que foi acima mencionado, o debate ora trazido atinge, de forma exclusiva, a forma como são impostas as barreiras alfandegárias para importação, Brasil. O se se questiona é a existência de tributos extremamente elevados, visando a proteção da indústria nacional, sem a contraprestação esperada, qual seja, a busca de equiparação do produto brasileiro com aquele produzido no exterior. Com a imposição dessas barreiras, criou-se uma zona de conforto muito grande para a indústria nacional, vez que seus produtos encontram amplo mercado no Brasil, uma vez que a concorrência exterior praticamente não existe, fato que decorre do preço que os produtos importados chegam ao consumidor final brasileiro. Essa questão não abrange a totalidade dos produtos, claro, mas é muito evidente principalmente na indústria automobilística e têxtil. Com o grande crescimento no mercado dos produtos de origem chinesa, a regra acima mencionada deixou de ser absoluta, vez que, mesmo através das altas taxas de importação, atinge ele preço extremamente competitivo. Mas ele não se enquadra no objeto do presente estudo vez que nem sempre detém a qualidade ou a segurança almejadas. Ainda assim o exemplo serve de base, pois em todos os setores em que há a utilização de produtos chineses, como em equipamentos de áudio e vídeo, teve a indústria nacional que se equiparar ao resto do mundo, para manter sua subsistência. Portanto, é incontestável a necessidade de manutenção das barreiras alfandegárias. Mas a revisão nos patamares impostos poderia trazer grandes benefícios ao consumidor brasileiro. 16 7- REFERÊNCIAS AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2. ed. Revisada. São Paulo: Saraiva, 1998. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 6. ed. Atualizada por Izabel C. L. Monteiro e Yara D. P. Monteiro. São Paulo: Editora Malheiros, 1993, p. 151. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2003. pág. 130. http://www.swissinfo.ch/por/Capa/Archive/TV_Suica_denuncia_carro_da_Volkswage n_do_Brasil.html?cid=5761928. Acesso em 28/10/2012. http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&v ed=0CCQQFjAA&url=http%3A%2F%2Fquatrorodas.abril.com.br%2Fnoticias%2Fsegura nca%2Fcrash-test-compara-peugeot-207-brasileiro-europeu699510.shtml&ei=L9COUOXDHoXU9ASqgoHwAg&usg=AFQjCNEZuzLKTmvFqW97BW_r LUB9fj57ow. Acesso em 28/10/2012. http://www.forbes.com/sites/kenrapoza/2012/08/11/brazils-ridiculous-80000-jeepgrand-cherokee/. Acesso em 28/10/2012.