Associações entre as Unidades Geológicas Quaternárias de Planície Costeira e
Baixa-Média Encosta e a Vegetação Nativa em São Paulo
Quaternary Units and Native Vegetation Association in Coastal Plain and Low-Medium Slope
Environments for the State of São Paulo
Celia Regina de Gouveia Souza
Instituto Geológico-SMA/SP. [email protected]
Introdução
No Brasil o mosaico vegetacional da planície costeira (exceto manguezal) é genericamente denominado de
vegetação de ”restinga“, a qual é caracterizada como de clímax edáfico, guardando íntima relação com os
solos que as sustentam (Rizzini, 1963; Resolução CONAMA nº 07/1996). Entretanto, a utilização do termo
restinga para se referir à vegetação que recobre toda a planície costeira e parte da encosta, conforme a
Resolução CONAMA nº 07/1996, é equivocado em virtude da definição geológica-geomorfológica do
termo. Assim, Souza (2006) propõe a utilização do termo “vegetação de planície costeira (exceto
manguezal) e baixa-média encosta”. Outro aspecto contestável é o caráter edáfico dessas vegetações. A
palavra “édaphos”, do grego, significa solo, mas edafologia é o estudo do solo abordando seus aspectos
físicos, diferentemente da pedologia, que envolve aspectos físicos e químicos dos solos. Estudos recentes
realizados em Bertioga-SP (Lopes, 2007; Moreira, 2007) mostram que essas vegetações apresentam maior
relação com o substrato geológico e secundariamente com os solos, sugerindo que elas apresentem mais um
caráter geo-pedológico.
Tanto no Brasil quanto em São Paulo, a grande maioria dos trabalhos sobre essas vegetações se atém a
estudos botânicos, sendo poucos aqueles que tentaram relacioná-las com os solos, e mais raros ainda aqueles
que estabeleceram associações com o substrato geológico (Lopes, 2007).
O objetivo deste trabalho é apresentar um panorama de cerca de 10 anos de estudos realizados em São Paulo
com o enfoque de estabelecer associações entre as unidades geológicas quaternárias de planície costeira e
baixa-média encosta e as vegetações que as recobrem.
Resultados e Discussões
São analisados aqui os trabalhos de Souza et al. (1997a), Souza (1996), Lopes (1997) e Moreira (2007).
O primeiro trabalho apresenta uma proposta de associação entre as Unidades Quaternárias (UQ) e as
Vegetações (Figura 1), baseada em levantamentos expeditos realizados em todo o litoral paulista, e que
subsidiaram a elaboração da Resolução CONAMA nº 07/1996.
Figura 1. Seção geológica esquemática mostrando a associação entre o substrato geológico e as fisionomias
de vegetação de planície costeira e baixa-média encosta em São Paulo (Souza et al., 1997).
Souza (2006) apresenta os
mapeamentos das UQ e da
Vegetação Nativa e Estados de
Alteração realizados no Litoral
Norte (LN) (Ilhabela, São
Sebastião, Caraguatatuba e
Ubatuba), no âmbito do Projeto
SIIGAL - Sistema Integrador
de Informações Geoambientais
para o Litoral de São Paulo,
Aplicado ao Gerenciamento
Costeiro. A partir desses
mapeamentos, disponibilizados
em ambiente digital e com base
em imagens de satélite Landsat
7 ETM+ de escala 1:50.000 e trabalhos de campo, foi possível estabelecer associações importantes entre
esses dois elementos da paisagem, conforme mostra a Tabela 1. As vegetações foram mapeadas com base
nas fitofisionomias descritas na Resolução CONAMA nº 07/1996.
Tabela 1. Associação entre o substrato sedimentar quaternário e a vegetação de planície costeira e baixamédia encosta no Litoral Norte de São Paulo (modificado de Souza, 2006).
COMPARTIMENTOS FISIOGRÁFICOS DE PLANÍCIE COSTEIRA
E BAIXA-MÉDIA ENCOSTA
Depósitos de encosta (LCR)
Depósitos de paleolagunas holocênicas rasas (LCD)
VEGETAÇÃO DE PLANÍCIE COSTEIRA
E BAIXA-MÉDIA ENCOSTA
Floresta de Transição Restinga-Encosta
Floresta de Transição Restinga-Encosta;
Floresta Paludosa (antrópica)
Floresta Alta de Restinga Úmida
Depósitos de paleolagunas holocênicas (LCD) mais profundas
Floresta Paludosa
Depósitos mistos indivisos (fluviais e colúvios de baixada) (LMP)
Depósitos marinhos pleistocênicos (LPT)
Floresta Alta de Restinga
Depósitos marinhos holocênicos (LHT) mais antigos
Floresta Alta de Restinga
Depósitos marinhos holocênicos (LHT) mais jovens
Floresta Baixa de Restinga
Depósitos fluviais holocênicos a atuais de planície de inundação (LFT)
Brejo de Restinga
Planícies de maré atuais (LOL)
Manguezal
Depósitos marinhos holocênicos (LHT) frontais e praias atuais (Pr)
Vegetação sobre Praias, Escrube e Dunas
Os trabalhos de Lopes (2007) e Moreira (2007), realizados nas bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba, no
município de Bertioga (sul de São Sebastião), compreendem estudos sobre as fitofisionomias e os solos que
ocorrem sobre as UQ, previamente mapeadas (Souza, 2007). Esses levantamentos foram realizados com base
em fotografias aéreas de escala 1:35.000 (2001) e 1:25.000 (1962, 1994) e trabalhos de campo. Bertioga
destaca-se por apresentar, em pequenas planícies costeiras, toda a estratigrafia do Quaternário observada
somente nas extensas planícies costeiras do sul do Estado, bem como outros tipos de UQ ainda não descritas
na literatura. A Tabela 2 mostra as descrição das UQ e suas associações com solos e vegetações.
Comparando as tabelas 1 e 2 verifica-se que em geral ocorrem os mesmos tipos de UQ, com algumas
variações: LPTa não está presente no LN, mas ocorrem LPTb (= LPT) e LHTa e LHTb (= LHT, não sendo
possível discriminar ambos em imagens de satélite); os depósitos fluviais são restritos no LN (LFP) e se
apresentam de maneira distinta em Bertioga, como LHF e LPF, este último ainda não descrito no litoral
paulista. As fitofisionomias são as mesmas, exceto pela ocorrência da Floresta Aluvial sobre LPF e pelo fato
de que nos depósitos fluviais do LN ocorrem somente brejos de restinga, enquanto que em Bertioga
aparecem vários tipos de formações florestais, conforme a UQ mais próxima cortada por esses rios. A
Floresta Alta de Restinga Úmida e a Floresta Aluvial (encontrada somente em Bertioga) são fitofisionomias
novas. As relações entre solos e vegetações não se mostraram muito claras; em geral, para uma mesma UQ
foram encontradas duas ou mais classes de solo, devido às variações litológicas e geomorfológicas dos
depósitos. Os resultados mostrados em 1997 estão bastante próximos dos obtidos com estudos mais
detalhados, tanto em termos dos tipos de fitofisionomias apontados para esse trecho do litoral, quanto das
associações esperadas entre o substrato geológico e a vegetação (Figura 1). Em resumo, a vegetação de
praias e dunas, o escrube e as florestas de restinga ocorrem sobre os depósitos marinhos; as florestas
paludosa e alta de restinga úmida estão sobre as depressões paleolagunares; a floresta de transição restingaencosta recobre os depósitos de origem continental; e o manguezal desenvolve-se sobre as planícies de maré.
Referências Bibliográficas
Lopes, E.A. 2007. Formações Florestais de Planície Costeira e Baixa Encosta e sua Relação com o Substrato Geológico
nas Bacias dos Rios Itaguaré e Guaratuba (Bertioga - SP). Dissertação de Mestrado, Instituto de Botânica, São Paulo.
Moreira, M.G. 2007. Associações entre Solos, Ambientes Sedimentares Quaternários e as Fitofisionomias de Planície
Costeira e Baixa Encosta nas Bacias dos Rios Itaguaré e Guaratuba (Bertioga/SP). Dissertação de Mestrado, Instituto
de Botânica, São Paulo.
Rizzini, C.T. 1963. Nota prévia sobre a divisão fitogeográfica do Brasil. Revista Brasileira de Geografia, 25 (1): 3-64.
Souza, C. R. de G. 2006. Mapeamento de compartimentos fisiográficos de planície costeira e baixa encosta e da
vegetação associada no Litoral Norte de São Paulo. VI Simpósio Nacional de Geomorfologia, Goiânia (GO). Anais,
CD-Rom.
Souza, C. R. de G. 2007. Ambientes sedimentares de planície costeira e baixa-média encosta em Bertioga (SP). XI
Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário (ABEQUA), Belém (PA). Anais, CD-Rom.
Souza, C.R. de G.; Bendazoli, A.; Sugiyama, M.; Lopes, E.A. & Kirizawa, M. 1997a. A relação entre o meio físico e a
biota no estudo da "restinga" do Estado de São Paulo. VI Congresso da Associação Brasileira de Estudos do
Quaternário (ABEQUA), Curitiba (PR). Anais, p. 367-372.
Tabela 2. Associações entre o substrato geológico, os solos e as formações vegetais em Bertioga (SP) (baseado em Souza, 2007; Moreira, 2007; Lopes, 2007).
UQ
Pr
LOL
LHF
CARACTERÍSTICAS LITOLÓGICAS
Depósitos de praias atuais; NA: sub-aflorante.
Depósitos flúvio-lagunares (estuarinos) atuais.
Depósitos fluviais holocênicos a atuais constituídos de
sedimentos arenosos, síltico-arenosos e cascalhos; NA: 0,50–
1,20 m (estação seca).
CARACTERÍSTICAS GEOMORFOLÓGICAS
Praias de estado morfodinâmico intermediário
com tendências dissipativas de alta energia
Planícies de maré
Planícies de inundação, depósitos de leito e
terraços fluviais baixos.
CARACTERÍSTICAS
PEDOLÓGICAS
Neossolos Quartzarênicos (póspraia, quando presente)
Neossolos Quartzarênicos
Gleissolos Háplicos e
Melânicos
VEGETAÇÃO (classificação segundo a
Resolução CONAMA 07/1996 e Souza, 2006)
Vegetação de Praias e Escrube
Manguezal
Floresta Alta de Restinga; Floresta de
Transição Restinga-Encosta; Floresta Alta
de Restinga Úmida; Floresta Paludosa
LMP
Depósitos mistos não individualizados formados por
sedimentos aluviais e colúvios de baixada, de idade
holocênica a atual; NA: 0,20–1,10 m (estação seca).
Planície sedimentar de muito baixa declividade
localizada ao fundo da planície costeira.
Neossolos Flúvicos; Gleissolos
Háplicos e Melânicos
(localmente); Cambissolos
Flúvicos e Háplicos
Floresta de Transição Restinga-Encosta;
Floresta Paludosa (antrópica)
LCD
Depósitos paleolagunares a lacustres pelíticos (podendo estar
recobertos por colúvios de baixada e depósitos aluviais),
constituídos de sedimentos pelítico-orgânicos a areno-sílticoargilosos, de idade holocênica a atual; NA: aflorante - 0,20m
(estação seca).
Depressões paleolagunares holocênicas amplas e
colmatadas localizadas no centro das planícies
costeiras; pequenas depressões paleolagunares
entremeando restos de terraços marinhos
pleistocênicos mais altos (LPTa), formando um
complexo (Cx-LPTa/LCD) não individualizável
na escala de mapeamento.
Organossolos Sápricos e
Fíbricos; Gleissolos Melânicos
e Háplicos (localmente)
Floresta Paludosa
(paleolagunas mais profundas);
Floresta Alta de Restinga Úmida
(paleolagunas mais rasas)
LHTb
LHTa
LPTb
LPTa
LPF
LCR
Depósitos marinhos constituídos de areias muito finas a finas
de idade holocênica, às vezes recobertos por depósitos
dunares holocênicos a atuais; NA: 0,40-1,20 m (estação
seca).
Depósitos marinhos constituídos de areias muito finas a finas
de idade holocênica, às vezes recobertos por depósitos
dunares holocênicos; NA: 0,50-1,50 m (estação seca).
Depósitos marinhos constituídos de areias muito finas a finas,
de idade pleistocênica mais jovem, podendo estar recobertos
por depósitos dunares holocênicos; NA: 0,70-2,70 m (estação
seca).
Cordões litorâneos (bastante ondulados).
Neossolos Quartzarênicos;
Espodossolos Humilúvicos
Floresta Baixa de Restinga (neossolos);
Floresta Alta de Restinga (espodossolos)
Terraços marinhos mais baixos e mais próximos
à linha de costa (suavemente ondulados).
Espodossolos Humilúvicos
Floresta Alta de Restinga
Neossolos Quartzarênicos;
Espodossolos Humilúvicos e
Ferri-Humilúvicos
Floresta Alta de Restinga
Depósitos marinhos constituídos de areias muito finas a finas
de idade pleistocênica mais antiga, podendo estar recobertos
por depósitos dunares; NA: 1,0 - >3,0 m (estação seca).
Terraços marinhos mais elevados e mais distais
da linha de costa, formando montículos isolados,
planos e pouco extensos; em geral entremeados
por pequenas depressões paleolagunares,
formando um complexo (Cx-LPTa/LCD) não
individualizável na escala de mapeamento.
Neossolos Quartzarênicos;
Espodossolos Ferrilúvicos
Floresta Alta de Restinga
Terraços fluviais alçados (planos e amplos) e
sempre em associação com LPTa.
Gleissolos Háplicos;
Cambissolos Flúvicos;
Neossolos Flúvicos
Floresta Aluvial
Rampas de baixa declividade localizadas na
baixa encosta, às vezes adentrando a planície
costeira (leques aluviais).
Neossolos Regolíticos;
Cambissolos Háplicos;
Latossolos Amarelos
Floresta de Transição Restinga-Encosta
Depósitos fluviais constituídos de sedimentos arenosos,
síltico-arenosos e cascalhos, de idade pleistocênica; NA:
0,50-1,50 m (estação seca).
Depósitos de encosta com sedimentos coluviais, de tálus e de
leques aluviais, de idade pleistocênica a atual, constituídos de
sedimentos de matriz areno-síltico-argilosa com grânulos
dispersos até matacões; NA: ≥2,0 m (estação seca).
Terraços marinhos intermediários (planos,
localmente ondulados).
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