Influência dos valores extremos da TSM do Atlântico Norte nos
anos de 1974 e 2005 sobre o regime de precipitação das cidades do
Estado do Amazonas
Sidney Figueiredo de Abreu1, Edmundo Wallace Monteiro Lucas1
1
Meteorologista, Instituto Nacional de Meteorologia – INMET, Brasília/DF,
[email protected], [email protected]
ABSTRACT: This work aims to study the influence of extreme values of North Atlantic SST
in the years 1974 and 2005 on the rainfall regime of the cities of Amazonas State, Analyses
showed that the anomaly of SST in the North Atlantic in 1974 and the anomaly positive
occurred in 2005, influenced the precipitation regime of Amazonas State. However, this
response does not occur immediately, during the cold phase of the SST in 1974 showed that
the effect on precipitation in the state occurred around 3-5 months later, while in the warm
phase of SST in 2005 effect is observed around 5-6 later.
Palavras-chave: rios amazônicos, cheias e estiagem.
INTRODUÇÃO
A Amazônia possui um clima equatorial predominante, quente e úmido, com um dos
maiores índices pluviométricos do globo terrestre podendo variar entre 3500 a 6000 mm ao
longo do ano, contribuindo desta forma, para vazão dos rios e conseqüentemente eventos de
pico (cheias e secas) e também na transformação das paisagens amazônicas no meio tempo
entre a estiagem e o período de chuvas.
As variações na precipitação da Amazônia são também conhecidas por estarem
relacionadas à Temperatura da Superfície do Mar (TSM) no Atlântico Tropical (Liebmann
and Marengo, 2001). Um aquecimento do Atlântico Tropical Norte relativo ao Sul leva a uma
mudança para o norte e oeste da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e subsidência
compensatória sobre a Amazônia (Fu et al., 2001). As TSM no Atlântico também exercem
uma grande influência na precipitação da estação seca (julho a outubro) no oeste da Amazônia
pelo atraso no início da Monção da América do Sul (Marengo et al., 2001; Harris et al., 2006).
Análises observacionais e estatísticas realizadas por Hastenrath e Heller(1977) e simulações
numéricas por Moura e Shukla(1981), Servaim(1991), Nobre e Shukla(1995), mostram um
padrão de anomalias da TSM sobre o oceano atlântico tropical, comumente chamado de
padrão de Dipolo do Atlântico, estando associados anomalias de precipitação sobre a região
Nordeste e Norte do Brasil.
Com base nos estudos acima relacionados, este trabalho, tem como objetivo estudar a
influência dos valores extremos da TSM do Atlântico Norte nos anos de 1974 e 2005 sobre o
regime de precipitação das cidades do Estado do Amazonas, nos anos estudados os rios da
Amazônia passou por um período de cheia e estiagem respectivamente.
MATERIAL E MÉTODOS
Neste trabalho, foram utilizados dados mensais de precipitação pluviométrica para as
localidades do Estado do Amazonas, conforme mostrado na Tabela 01, para o período de
1971 à 2008, cedidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Foi utilizado os
dados de Temperatura da Superfície do Mar do Atlântico Norte (Lat: 5º-20°N e Long: 60º30ºW) de 1950 a 2006, compiladas do site do NOAA (National Oceanic and Atmospheric
Administration).
A precipitação das localidades e a TSM foram padronizadas em 1974 e 2005 para
melhor verificar a resposta ocasionada pelas anomalias de TSM do Atlântico Norte durante
esses dois períodos, através da equação (1):
Z(i) = (P(i) – Pm) / Dp
(1)
onde: Z(i) - Precipitação ou TSM padronizada; P(i) - Precipitação total ou TSM do ano; Pm Precipitação ou TSM média do período; Dp - Desvio Padrão.
As anomalias de precipitação e TSM foram estimadas pelas equações (2) e (3),
respectivamente.
AP = P – (Pm + DP), se P > Pm + DP
(2)
AN = (Pm - DP) – P, se P < Pm – DP
(3)
onde: AP - Anomalia Positiva; AN - Anomalia Negativa; P - Precipitação ou TSM
observada; Pm – Média da Precipitação ou TSM e DP - Desvio Padrão.
Tabela 01. Localização das estações utilizadas no Estado do Amazonas.
Estações
Barcelos
Benjamin Constant
Manaus
Coari
Codajás
Eirunepe
Fonte Boa
Iauerete
Labrea
Parintins
Itacoatiara
Manicoré
Tefé
S. G. da Cschoeira
Lat.
00°58'S
04°23'S
03°07'S
04°05'S
03°50'S
06°40'S
02°32'S
00°37'N
07°15'S
02°38'S
03°08'S
05°49'S
03°50'S
00°07'S
Lon.
62°55'W
70°02'W
59°57'W
63°08'W
62°05'W
69°52'W
66°10'W
69°12'S
64°50'W
56°44'W
58°26'W
61°18'W
64°42'W
67°00'W
Alt.
40,00
65,00
67,00
46,00
48,00
104,00
55,57
120,00
61,00
29,00
40,00
50,00
47,00
90,00
Foram feitas correlações entre a precipitação e a TSM mensal em EXCEL através da
função RQUAD ocorrida nos dois períodos para analisar o lag com uma defasagem de até 6
meses de antecedência.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A anomalia de Temperatura da Superfície do Mar no Atlântico Norte (TSM)
influência fortemente no padrão da circulação atmosférica sobre a Amazônia ocasionando
chuvas acima ou abaixo da média. A ocorrência de anomalia positiva de TSM do Atlântico
Norte inibe a convecção e assim a formação de nuvens convectivas sobre a Amazônia,
enquanto que o padrão de anomalia negativa favorece o aumento da convecção e das
condições necessárias a formação de trovoadas contribuindo para existência de altos índices
pluviométricos em grande Amazônia brasileira. De acordo com a Figura 2 onde mostra o
comportamento da série de Temperatura da Superfície do Mar padronizada no Atlântico Norte
no período de 1950 a 2006, podemos verificar que a ciclicidade da série não apresenta um
padrão definido, porém observa-se um extremo de anomalia negativas significante no ano de
1974 e positiva em 2005, com valores aproximados de -2 e +3, respectivamente.
3,5
3,0
2,5
TSM Padronizada
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
-0,5
-1,0
-1,5
-2,0
-2,5
2006
2004
2002
2000
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
1968
1966
1964
1962
1960
1958
1956
1954
1952
1950
Pe riodo
Figura 01. Temperatura da Superfície do Mar padronizada do Atlântico Norte no período de
1950-2006.
A TSM do Atlântico Norte em 1974 e 2005, comparados com a média climatológica
da série em estudo, é mostrada na Figura 2, onde ficou em torno de 0,5°C abaixo da média no
ano de 1974 e 1ºC acima da média no ano de 2005, o que explica as fortes anomalias
observadas na Figura 1.
30,0
29,0
Temperatura (°C)
28,0
27,0
M é dia
26,0
2005
25,0
1974
24,0
23,0
22,0
Dez
Nov
Out
Set
Ago
Jul
Jun
Mai
Abr
Mar
Fev
Jan
Figura 02. Temperatura da Superfície do Mar (TSM) do Atlântico Tropical Norte.
O comportamento da precipitação na Amazônia, conseqüentemente no Estado do
Amazonas depende de certa forma da variabilidade do espaço-temporal da TSM do Atlântico
Norte que influenciou nos valores observados no ano de 1974 e 2005, existindo assim uma
defasagem para que o efeito seja sentido sobre o Estado estudado. Em 1974, de acordo com a
Tabela 02, os melhores resultados da correlação entre a precipitação no Estado do Amazonas
e a TSM do Atlântico Norte mostram que os melhores resultados foram obtidos para os lag’s
3 e 5, ficando claro que o efeito não é simultâneo ao resfriamento anômalo da TSM do
oceano, sendo o efeito sentido com uma defasagem em torno de 3 e 5 meses.
Tabela 02. Correlação do tempo de resposta da TSM do Atlântico Norte sobre a precipitação
do Amazonas em 1974.
L a g 's d a T S M d o A t lâ
Lag 0
B a r c e lo s
0 ,0 5 3
B e n ja m in C o n s t a n t
0 ,3 0 1
M anaus
0 ,5 7 2
C o a ri
0 ,0 4 0
C o d a já s
0 ,2 7 7
E ir u n e p e
0 ,2 2 5
F o n te B o a
0 ,0 6 8
Ia u e re te
0 ,0 1 0
L a b re a
0 ,0 4 4
0 ,5 3 2
P a r in t in s
I t a c o a t ia r a
0 ,8 5 1
M a n ic o r é
0 ,3 4 1
T e fé
0 ,0 1 9
S . G . d a C s c h o e ir a
0 ,0 0 1
n tic o
Lag
0 ,2 5
0 ,0 2
0 ,2 5
0 ,0 3
0 ,0 2
0 ,0 0
0 ,1 9
0 ,2 6
0 ,0 7
0 ,2 7
0 ,3 6
0 ,0 8
0 ,1 6
0 ,0 0
N o rte
1
4
5
4
7
3
1
3
1
1
9
1
9
6
5
e
L
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
P R P e m 1 9 7 4 n o E s ta d o d o A m a z ô n a s
ag 2
Lag 3
Lag 4
Lag 5
,3 7 3
0 ,2 9 2
0 ,1 4 1
0 ,0 0 6
0 ,6 1 0
,0 6 3
0 ,3 8 5
0 ,5 4 6
0 ,5 8 7
,0 2 1
0 ,0 5 6
0 ,3 3 1
0 ,4 2 7
,2 3 9
0 ,4 0 5
0 ,2 3 5
0 ,4 7 2
,0 4 4
0 ,2 5 4
0 ,4 3 9
0 ,8 8 3
,2 4 7
0 ,7 1 6
0 ,6 3 8
,1 9 6
0 ,1 2 9
0 ,0 2 1
0 ,0 0 8
0 ,5 6 0
,5 5 2
0 ,2 9 3
0 ,0 6 7
0 ,6 7 6
,3 8 3
0 ,6 3 2
0 ,3 3 0
,0 2 9
0 ,0 6 1
0 ,2 8 2
0 ,5 1 9
0 ,9 2 8
,0 1 4
0 ,1 4 7
0 ,5 9 4
0 ,3 7 1
,0 0 0
0 ,0 9 0
0 ,2 2 9
,2 6 0
0 ,2 1 0
0 ,0 7 3
0 ,0 0 5
0 ,0 1 0
,0 0 9
0 ,0 1 0
0 ,0 0 5
L
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
ag
,0 3
,3 1
,5 5
,0 4
,2 5
,2 3
,0 7
,0 1
,0 4
,4 8
,8 4
,2 8
,0 3
,0 0
6
9
2
5
0
9
5
9
7
4
8
7
4
4
2
Para o evento de 2005, conforme Tabela 03 os melhores valores foram verificados
para os lag’s 5 e 6, mostrando que para o efeito do aquecimento anômalo da TSM do
Atlântico Norte influenciar sobre a precipitação leva um período de defasagem de 5 a 6
meses.
Tabela 03. Correlação do tempo de resposta da TSM do Atlântico Norte sobre a precipitação
do Amazonas em 2005.
L a g 's d a T S M d o A t lâ
Lag 0
B a r c e lo s
0 ,4 3 0
B e n ja m in C o n s t a n t
0 ,3 5 0
M anaus
0 ,7 2 9
C o a ri
0 ,5 6 0
C o d a já s
0 ,6 0 8
E ir u n e p e
0 ,5 9 6
F o n te B o a
0 ,5 0 6
Ia u e re te
0 ,2 8 0
L a b re a
0 ,1 9 1
P a r in t in s
0 ,4 6 4
I t a c o a t ia r a
0 ,7 5 5
M a n ic o r é
0 ,4 8 0
T e fé
0 ,4 1 6
S . G . d a C s c h o e ir a
0 ,0 6 4
n tic o
Lag
0 ,6 1
0 ,0 6
0 ,4 9
0 ,3 9
0 ,4 3
0 ,3 4
0 ,4 3
0 ,5 7
0 ,0 0
0 ,2 4
0 ,6 0
0 ,2 4
0 ,3 8
0 ,0 2
N o rte
1
0
4
2
0
5
4
5
7
1
7
2
4
0
6
e
L
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
P R P e m 2 0 0 5 n o E s ta d o d o A m a z ô n a s
ag 2
Lag 3
Lag 4
Lag 5
,4 4 7
0 ,1 4 9
0 ,0 0 0
0 ,2 1 7
0 ,7 4 0
,0 1 8
0 ,2 3 9
0 ,6 3 8
,1 0 5
0 ,0 2 0
0 ,3 4 6
0 ,8 0 8
,0 5 7
0 ,0 4 1
0 ,3 4 3
0 ,7 0 9
0 ,6 8 4
,0 8 5
0 ,0 4 3
0 ,3 7 5
0 ,7 8 2
,0 3 0
0 ,0 8 8
0 ,4 8 0
,1 2 1
0 ,0 0 2
0 ,2 0 3
0 ,6 1 2
,4 7 3
0 ,1 6 7
0 ,0 0 0
0 ,2 0 1
0 ,6 5 1
,2 3 3
0 ,5 5 5
0 ,4 8 9
,0 1 3
0 ,0 6 3
0 ,2 4 8
0 ,5 1 8
,1 8 2
0 ,0 0 3
0 ,2 6 5
0 ,6 8 1
0 ,6 5 6
,0 1 3
0 ,0 7 0
0 ,3 7 0
,1 1 7
0 ,0 1 6
0 ,2 4 2
0 ,5 1 3
,0 0 1
0 ,0 4 2
0 ,0 6 8
0 ,1 3 2
L
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
ag
,7 2
,3 1
,8 5
,7 5
,5 9
,5 4
,6 9
,4 9
,1 5
,5 7
,8 2
,6 0
,5 9
,1 9
6
6
0
0
0
5
6
5
7
3
9
9
1
5
8
Como resposta aos casos de resfriamento e aquecimento da TSM do Atlântico Norte,
podemos verificar a influência da circulação atmosférica na precipitação do Estado do
Amazonas. Em 1974, em que a TSM do Atlântico Norte estava mais fria, as localidades
apresentaram, devido as condições dinâmica e termodinâmicas favoráveis a formação de
tempestades, um padrão pluviométrico acima da média em todo o Estado, principalmente na
faixa mais ao Norte (Noroeste a Leste), conforme a Figura 3. Em 2005, ano de uma das
maiores secas dos últimos quarenta anos, a anomalia de precipitação apresentou valores
negativas associado a fase de aquecimento da TSM do Atlântico Norte, afetando
principalmente o Estado mais ao Sul (Leste a Sudoeste), especificamente as cidades de
Eirunepe, Labrea, Parintins, Itacoatiara e Manicoré prejudicando a navegação devido o
impacto causado nos principais rios da região.
Figura 03. Precipitação padronizada das estações do Estado do Amazonas no ano de 1974 e
2005.
CONCLUSÃO
As análises realizadas neste estudo mostraram que a anomalia negativa da TSM do
Atlântico Norte em 1974 foi menos intensa (aproximadamente 0,5°C abaixo da média no ano)
que a anomalia positiva ocorrida em 2005 (aproximadamente 1ºC acima da média no ano)
influenciando no regime de precipitação do Estado Amazonas. No entanto, essa resposta não
ocorre de imediato. Durante a fase fria da TSM em 1974 observou-se que o efeito sobre a
precipitação no Estado ocorreu em torno de 3 a 5 meses mais tarde, enquanto que, na fase
quente da TSM em 2005 o efeito é observado em torno de 5 a 6 meses mais tarde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fu, R.; Dickinson, R. E.; Chen, M. and Wang, H. "How do tropical sea surface temperatures
influence the seasonal distribution of precipitation in the equatorial Amazon?", J. Clim., 14,
4003–4026. 2001.
Marengo, J. A.; Liebmann,B.; Kousky,V. E.; Filizola,N. P. and Wainer, I. C. "Onset and end
of the rainy season in the Brazilian Amazon Basin", J. Clim., 14, 833– 852. 2001.
Harris P.P; Huntingford, C.; Cox, P.M. "Influence of Atlantic and Pacific SST on Amazon basin future
climate change." Geophysical Research Letters, submitted.
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