OS VALORES SOCIAIS DOS COMERCIÁRIOS E A SUA FAMÍLIA NO ÂMBITO DO SESC Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
OS VALORES SOCIAIS DOS
COMERCIÁRIOS E A SUA FAMÍLIA
NO ÂMBITO DO SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa
no SESC Madureira
ISBN 978-85-89336-25-3
Serviço Social do Comércio
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788589
336253
Departamento Nacional | Divisão de Planejamento e Desenvolvimento | 2004
OS VALORES SOCIAIS DOS
COMERCIÁRIOS E A SUA FAMÍLIA
NO ÂMBITO DO SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa
no SESC Madureira
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OS VALORES SOCIAIS DOS
COMERCIÁRIOS E A SUA FAMÍLIA
NO ÂMBITO DO SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa
no SESC Madureira
Realização:
Érica Amorin
Mauricio Blanco
João Paulo Fortuna
(Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade - Iets)
Serviço Social do Comércio - Departamento Nacional
DIVISÃO DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
GERÊNCIA DE ESTUDOS E PESQUISAS
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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
PUBLICAÇÃO
Presidente do Conselho Nacional do SESC
Antonio Oliveira Santos
Coordenação
Sebastião Henriques Chaves
Gerência de Estudos e Pesquisas / DPD
Diretor Geral do Departamento Nacional do SESC
Maron Emile Abi-Abib
Consultoria da Direção Geral
Juvenal Ferreira Fortes Filho
Divisão Administrativa e Financeira
João Carlos Gomes Roldão
Divisão de Planejamento e Desenvolvimento
Luís Fernando de Mello Costa
Divisão de Programas Sociais
Álvaro de Melo Salmito
Assessoria
Andrea Reza
Gerência de Estudos e Pesquisas / DPD
Realização
Érica Amorim
Mauricio Blanco
João Paulo Fortuna
Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade - Iets
Edição
Assessoria de Divulgação e Promoção / DG
Projeto Gráfico
Julio Cesar Carvalho
Assessoria de Divulgação e Promoção / DG
Revisão de Texto
Rosane Carneiro
FICHA CATALOGRÁFICA
SESC. DN. DPD. GEP
Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC – Um estudo de caso de pesquisa
qualitativa no SESC Madureira / realização Érica Amorim; Mauricio Blanco. -- Rio de Janeiro : SESC,
Departamento Nacional, 2007.
78p. ; 25cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-89336-25-3
1. Valores sociais. 2. Comerciário. 3. SESC Madureira. I. Amorim, Érica. II. Blanco, Mauricio. III. Título.
CDD 361.763
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Sumário
Apresentação
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1. Introdução
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2. Fatores determinantes na formação de valores
individuais
O contexto social e a formação de valores: a ênfase
contemporânea na materialidade como norma do
comportamento individual
O Estado e a formação de valores sociais
Instituições da sociedade civil e a formação de valores
A modernidade em transição: o Brasil e o conflito
de valores
3. Um estudo de caso: características pessoais e
institucionais
Sobre o SESC Madureira
Informações metodológicas
Características pessoais dos entrevistados
4. Grupos de discussão: demanda por maior interação
social perante a redução dos espaços coletivos
O contexto social da cidade como determinante
da formação de valores dos entrevistados
Os valores sociais dominantes dos entrevistados
(parte espontânea)
Valores individuais (pesquisa induzida)
A formação de valores e o papel do SESC
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5. O
SESC e a demanda por maior interação social
como forma de contribuição do aumento do
capital social. Conclusões e recomendações
A presença de “contravalores” como mecanismo
privilegiado de absorção de valores sociais e individuais
O SESC e a formação do capital social
6. Bibliografia
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Apresentação
Entre as características que marcam o SESC, sem dúvida, sua ação educativa
é a que mais o notabiliza. Este fato, em si, não o distingue, fundamentalmente, de outras entidades que atuam no campo social. Isto se deve a um fato
muito simples. A ação educativa de uma entidade de caráter social independe
de sua vontade própria. É algo que se dá naturalmente. O que faz o SESC ter
na ação educativa seu traço marcante e que o diferencia das demais entidades
de caráter social está na compreensão de uma ação educativa intencionada que
permite ao SESC ir além da simples prestação de serviços àqueles que a ele
recorrem como resposta às suas necessidades nos campos da educação, saúde,
cultura e lazer. Estes serviços prestados tornam-se meios através dos quais a
Entidade procura alcançar as três dimensões que devem caracterizar sua ação
educativa: informação, capacitação e transmissão de valores.
Este trabalho de caráter educativo está voltado, segundo as Diretrizes Gerais
de Ação do SESC, “para o desenvolvimento integral dos indivíduos, mediante
sua melhor compreensão do meio em que vivem, maior compreensão de si
mesmos, elevação sociocultural das suas condições de vida e desenvolvimento
de valores próprios de uma sociedade em mudança, e que os façam partícipes
ativos desse processo”.
Com vistas a permitir que esta determinação das Diretrizes Gerais de Ação
ganhe maior efetividade na ação programática do SESC, foi realizada a presente pesquisa, com o objetivo de captar os valores orientadores dos comerciários e seus dependentes em suas circunstâncias de vida.
Este estudo realizado no Centro de Atividades do SESC Madureira, na cidade do Rio de Janeiro, oferece material bastante elucidativo sobre a questão
posta como objeto de conhecimento.
Dele pode se depreender o conjunto de valores que orientam os comerciários e seus dependentes em suas relações sociais, como agem perante situações
que a vida lhes oferece e o que consideram relevante ter como parâmetros para
o seu estar no mundo.
Temos a consciência de que este estudo é um instrumento útil para se pensar melhor como o SESC, em sua ação programática, deve se planejar para
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ser mais eficiente na passagem de valores compatíveis com uma sociedade
em processo acelerado de mudança e transformação, dotando nossa clientela,
portanto, de um pensar, agir e sentir mais consentâneo com o momento histórico que vive.
Finalizando esta breve apresentação, queremos aqui registrar a importante
participação do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade -IETS, a quem
recorremos para a realização deste estudo. Louve-se a competência, a seriedade e o senso de responsabilidade profissional com que levaram a cabo o serviço
a eles contratado.
Antonio Oliveira Santos
Presidente da Administração Nacional do SESC
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
1.
Introdução
Valores, crenças, atitudes, costumes, tradições ou padrões de conduta são
conceitos amplamente usados na psicologia social para entender tanto o comportamento individual das pessoas quanto uma visão em sociedade. Estes
conceitos têm sido objeto de amplo debate, gerando grande polêmica em
torno do significado de cada um deles.
No presente trabalho de pesquisa, assumem-se significados do conceito
“valores” em relação ao nosso objeto e ao contexto no qual se pretende
trabalhar.
Nesse sentido, valores são conceitos que regulam nossa vida tanto pessoal
quanto social. As pessoas não nascem com valores; eles são adquiridos ao longo de suas vidas e na interação com a sociedade.
Existem vários tipos de valores e os estudiosos que se dedicam ao tema classificam-os adotando diversos tipos de critérios que, por sua vez, são criados
para responder a uma ou mais questões centrais. Assim, existem valores éticos,
sociais, individuais, religiosos. Cada uma dessas categorias responde a uma
esfera específica da ação humana.
No entanto, existem outras classificações completamente diferentes, como
as propostas por Everett, que classifica os valores em oito categorias: econômicas, corpóreas, recreativas, associativas, comportamentais, estéticas, intelectuais e religiosas. A este grupo pode-se agregar um outro conjunto de valores de
caráter coletivo, como os valores políticos, sociais, legalistas, culturais, morais
e outros.
Por outro lado, os valores podem ser classificados por suas qualidades, como
mostra Tong-Keun Min. De acordo com o autor, os valores estão distribuídos
em 12 categorias que revelam dicotomias em cada uma delas, com o propósito de atingir uma hierarquização:
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•
•
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Valores individuais e sociais;
Valores naturais e artificiais;
Valores mentais e físicos;
Valores intrínsecos e instrumentais;
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•
•
Valores superiores e inferiores;
Valores produtivos e não-produtivos;
Valores ativos e passivos;
Valores pessoais e impessoais;
Valores práticos e teóricos;
Valores relativos e absolutos.
Em síntese, a enumeração dos valores pode ser infinita em número e nas
formas de classificação. Não se deve esquecer que também esses valores são
estreitamente inter-relacionados. Por exemplo, os valores éticos dependem
muito de valores sociais e econômicos, e, por sua vez, estes últimos podem
ser determinados por valores religiosos e até mesmo por valores estéticos. O
presente estudo não pretende realizar uma ampla análise sobre a origem e os
significados dos valores na contemporaneidade. Seu objetivo é adotar conceitos que possam ser utilizados na interpretação dos resultados extraídos nos
grupos de discussão: os comerciários e as suas famílias no âmbito institucional
do SESC.
Este segmento da população (assim como outros segmentos) responde ao
mundo contemporâneo com valores individuais que pretendem guiar os seus
comportamentos e cujo objetivo é o de se inserir na sociedade de forma positiva. O desafio dessas pessoas consiste em se adaptar da melhor forma possível a
um mundo em constante mudança. Relações de trabalho, relações familiares,
relações com diversos grupos sociais e até com o mundo da política têm mudado de forma dramática no Brasil contemporâneo.
O fenômeno de grandes mudanças exige do indivíduo a interpretação constante do papel tanto individual quanto coletivo da sua realidade, com o propósito de adquirir e assimilar padrões de comportamento que viabilizem sua
vida e de sua família. O grande desafio do presente estudo consiste em tornar
inteligíveis os valores individuais à luz das novas características da sociedade
brasileira, para entender e contribuir às necessidades desse segmento da população.
De forma alguma, o presente Relatório pretende abranger a população em
sua totalidade, levando-se em conta as próprias características adotadas para
a coleta de informações. Dado que o objetivo consiste na identificação de
valores do segmento dos comerciários, a única metodologia viável é a pesquisa
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qualitativa. Este tipo de pesquisa não pode e nem aspira ser representativa de
todo o segmento sob análise; portanto, as conclusões do Relatório se limitam,
simplesmente, ao grupo de pessoas que participaram e se expressaram nas
discussões em torno do tema.
Na próxima seção (Seção 2), procura-se definir um marco conceitual aproximativo para “ler” e/ou “decodificar” as informações obtidas da interação
dos grupos de discussão, que abarcou um total de 45 pessoas. Estas últimas
encontravam-se divididas em sete grupos de discussão no âmbito institucional do SESC, em uma de suas unidades de atendimento: o SESC Madureira,
no Rio de Janeiro. Na Seção 3, será realizada uma breve descrição das características pessoais dos participantes, em termos de nível educacional, nível
de renda, idade, trabalho e posição no núcleo familiar. A descrição pretende
simplesmente chamar atenção sobre as diferentes percepções das pessoas entrevistadas, a partir das diversas características das mesmas. No entanto, devese sublinhar que a posição socioeconômica não é o determinante principal
que explica a diferença de opiniões, mas sim contribui para a leitura dessas
divergências.
A decodificação ou leitura, anteriormente mencionada, dos valores expressos pelos entrevistados, terá que responder a dois objetivos desenvolvidos nas seções subseqüentes. Em primeiro lugar, auxiliará para descobrir quais os valores sociais vigentes nesse grupo de pessoas e se existe
uma hierarquização desses valores (Seção 4). Em segundo lugar, traçará
uma matriz dos diversos modos como os valores encontrados se formaram e se cristalizaram de maneira efetiva no grupo sob estudo (Seção 5).
Finalmente, também na Seção 5, apresentar-se-ão as principais conclusões e sugestões para uma intervenção mais efetiva do SESC na promoção
de valores e no atendimento às demandas provenientes de sua clientela
em área tão sensível.
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2.Fatores determinantes na formação de valores
individuais
Todo processo de formação de valores é resultado da interação entre as esferas coletiva e individual. Outros termos são utilizados com freqüência como
sinônimo dessa interação e apresentam, ainda que de forma aproximada, o
mesmo significado, como: Estado e sociedade civil, economia e política, entre
outros.
Conforme foi mencionado anteriormente, o indivíduo não nasce com valores, ele os adquire, nas etapas iniciais da vida, na sua formação educacional,
na convivência familiar e, posteriormente, na sua interação com o mundo
externo. Neste último caso, intervêm principalmente o mundo do trabalho, a
economia, a religião, o Estado (política) e outros tipos de inter-relações sociais
(associativas, de cooperação ou de identidade).
A questão principal é que todas essas esferas interagem de forma bidirecional, ou seja, os primeiros valores adquiridos por uma criança na família
serão previamente influenciados pela forma como os pais interagiram no
passado com o mundo externo. Simultaneamente, essa mesma criança,
na fase adulta, pode influenciar de forma ativa o seu mundo do trabalho, a economia, a religião e o Estado – sendo que no caso deste último,
principalmente, por meio da participação política, em que a educação é
fundamental.
O exemplo anterior revela o alto grau de complexidade dos diversos determinantes que influenciam a formação dos valores.
2.1 O contexto social e a formação de valores: a ênfase contemporânea
na materialidade como norma do comportamento individual
Filósofos, intelectuais e estudiosos das diversas ciências sociais têm refletido sobre a relação entre o comportamento individual e a vida em sociedade
para alcançar os mais diversos objetivos. Qual o papel do comportamento
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individual na estruturação e promoção de uma sociedade estável? Qual a relação entre o fenômeno da mudança social e o seu impacto na mudança do
comportamento individual? Estas e outras questões têm pautado por séculos
as reflexões.
Os valores individuais são objeto de análise e controvérsia no que diz respeito à interação entre comportamentos individuais e os resultados coletivos
entendidos como funcionamento adequado no nível coletivo.
Uma primeira referência pode ser encontrada nas propostas de Edmund
Burke no que tange ao papel das tradições e dos costumes como elementos
estabilizadores e fundamentais da sociedade. Para Burke, as tradições funcionam como parâmetros cognitivos que as pessoas devem assimilar com o
objetivo de manter a ordem e alcançar resultados coletivos que contribuam no
desenvolvimento social. Nesse sentido, se os valores fossem assumidos como
sinônimos de costumes e tradições, ter-se-ia que os mesmos se transformassem
em poderosos instrumentos que orientariam o comportamento individual, e
conseqüentemente, o bom andamento da sociedade.
Um elemento importante que Burke introduz para os objetivos do presente estudo consiste na forma pela qual esses costumes e tradições se difundem na sociedade. Para Burke, a difusão das tradições ocorre de forma
concêntrica, do centro para a periferia, ou seja, valores sociais são exercidos, em primeiro lugar, nos círculos mais próximos ao indivíduo – como a
família, a vizinhança e no ambiente de trabalho. Posteriormente, o mesmo
indivíduo levará consigo esses valores e os difundirá em círculos mais distantes, como, por exemplo, nas cidades, e, finalmente, na sociedade como
um todo.
Exemplificando, pode se dizer que, segundo Burke, a solidariedade é efetivamente exercida e assimilada quando aplicada dentro da família, e, somente
depois, esse exercício será expandido a outros segmentos sociais mais distantes
do indivíduo. A implicação conceitual dessa forma de funcionamento leva a
afirmar que o exercício efetivo dos valores somente será bem-sucedido quando
aplicado na prática cotidiana, e não como princípio abstrato imposto a partir
de uma instituição como o Estado.
Como prova da validade desse argumento no mundo contemporâneo, devese citar a opinião de um entrevistado:
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“Não é muito fácil ficar ajudando os outros. Eu não vou sair do meu
caminho para procurar alguém que esteja precisando de ajuda... Ouvir
um desconhecido é muito difícil. O cara está lá, debaixo de uma marquise... Você vai parar para ouvir? É muito difícil!”
(Comerciários, 25/40 anos)
Já nos círculos mais íntimos, o exercício de um valor como a solidariedade é
mais intenso, e, portanto, a relação entre solidariedade e amizade assume uma
influência real como código de comportamento:
“O amor ao próximo se pode sentir por várias pessoas; é ajudar uns
aos outros. A amizade já é mais específica... A amizade verdadeira é
sem interesse. Um amigo sabe ajudar na hora que você precisa dele,
te apóia na hora triste, te ensina o que sabe de bom... Se o amigo
fizer alguma coisa errada, você tem que chegar, conversar, mostrar
o que está errado.”
(Jovens)
Uma segunda função importante dos valores individuais diz respeito não
somente à dimensão cognitiva, mas também ao estabelecimento de um conjunto de regras morais que orientam a boa convivência em sociedade. Possivelmente, o valor individual e social da religião e da família tem exercido um
papel fundamental na preservação do código de conduta ético para regrar a
convivência social, assim como tem sido um veículo indispensável na caracterização dos diversos tipos de sociedade, como, por exemplo, a feudalista e a
capitalista.
Muitos pensadores têm se concentrado na relação entre os preceitos religiosos e seu impacto na mudança social. O exemplo mais paradigmático
desses estudos encontra-se na Ética protestante e o espírito do capitalismo, de
Max Weber. Entre as muitas virtudes da contribuição weberiana ao pensamento contemporâneo, deve-se citar duas de particular interesse para a
presente pesquisa.
A primeira delas diz respeito a que a ascensão do capitalismo como sistema econômico predominante não teria sido possível sem uma substituição
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da ética católica-ortodoxa pela ética protestante promovida por Lutero.
Weber mostrou que os países com maior desenvolvimento capitalista possuíam uma população predominantemente protestante, ao passo que, nos
países menos desenvolvidos nesse sistema, a população era, em sua maioria, católica.
Por outro lado, no interior de uma sociedade, Weber também constatou que
existia uma maior proporção de protestantes entre os proprietários do capital
do que entre os assalariados. Nestes últimos, existia uma forte influência da
religião católica.
A segunda virtude da obra de Weber consiste em chamar atenção para o
fato de que o capitalismo e a sua evolução não podem ser apenas entendidos como um fenômeno estritamente econômico e material, mas também
como um fenômeno cultural, um padrão de conduta e de comportamento
cujos fundamentos morais podem ser encontrados na dimensão religiosa
dos povos.
Em síntese, Weber está enfatizando que uma teoria de desenvolvimento
socioeconômico deveria se focalizar também nos processos subjacentes das
atitudes, padrões de comportamento, aspirações e valores, e não unicamente
em atividades políticas e estratégias de governo. Uma análise do desenvolvimento socioeconômico deve reconhecer o papel inerente da criatividade dos
indivíduos como uma função da consciência humana, das diversas aspirações,
atitudes e valores éticos e morais que levam ao próprio autoconhecimento do
indivíduo.
Dar ênfase a políticas, programas e estratégias como únicos determinantes
do grau de desenvolvimento social é reconhecer somente os fatores externos
que desenvolvem uma sociedade. No entanto, com respeito a esta última, não
se pode deixar de lado sua aspiração e consciência coletiva. A sociedade é um
organismo vivo e subconsciente que luta por sobreviver, crescer e se desenvolver. Os membros individuais de uma sociedade expressam continuamente
intenções conscientes por meio de suas palavras e atos, o que implica reconhecer o papel central da criação e formação de valores no desenvolvimento
socioeconômico.
Apesar da relevância dessa criação e formação, durante praticamente todo
o século XX os estudiosos dão ênfase aos aspectos quantitativos, materiais e
formais do desenvolvimento. O fato implicou a restrição da análise ao papel
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do Estado e das condições materiais para se atingir o desenvolvimento, deixando de lado a dimensão intangível, mas não menos importante, da criação
e formação de valores.
No entanto, durante o Encontro Mundial da Academia de Artes e Ciências, gerou-se um amplo consenso entre seus participantes sobre a formação
de valores como um aspecto crítico do processo de desenvolvimento. Todo
processo criativo está determinado pela formação de capacidades: as atitudes
vitais, os processos mentais e os valores cristalizados que organizam as energias
humanas para uma determinada meta.
Da mesma forma, os comportamentos sociais dos indivíduos são determinados pelos elementos citados no parágrafo anterior. Cada comportamento
social não é somente o resultado de condições externas e materiais, mas também é conseqüência das atitudes e intenções de uma pessoa. A assimilação de
certos comportamentos sociais requer um controle sobre energias psicológicas
que são canalizadas em formas aceitáveis de comportamento social. Portanto,
mudanças de atitudes e valores implicam também mudanças no comportamento social das pessoas.
Os valores individuais são formados também por um processo semelhante. Ainda que os “valores” refiram-se comumente a princípios éticos e
culturais, eles podem ser de outro tipo. Algumas vezes, podem denotar características pessoais como pontualidade ou higiene; outras vezes, aspectos
organizacionais como comunicação e coordenação. E ainda características
psicológicas como coragem ou generosidade; mentais como objetividade
e sinceridade; e espirituais como o amor ou fé (religiosidade). Todo este
conjunto de valores constitui princípios que organizam e orientam o comportamento humano.
Ao longo dos séculos, a experiência da humanidade mostra que as sociedades configuram-se a partir desses princípios essenciais. Valores como trabalho,
senso de responsabilidade, integridade e honestidade, tolerância e respeito ao
próximo não são somente idéias nobres ou ideais, mas sim princípios pragmáticos para atingir estágios de desenvolvimento que a sociedade aprende e
transmite através das gerações, e se revelam como fundamentos psicológicos
profundos do desenvolvimento. Os valores de uma sociedade constituem os
aspectos cruciais de autoconhecimento de um povo que permitirá a ele transformar-se no que deseja.
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Para ilustrar os argumentos desenvolvidos ao longo dos últimos parágrafos,
sobre a relação entre a formação de valores e seu impacto no desenvolvimento
socioeconômico de um país, descreve-se brevemente a seguir a experiência
sobre a independência da Índia.
O modelo de desenvolvimento da Índia antes da independência, em 1947,
tinha como característica principal a relação de dependência colonial com a
Grã-Bretanha. Séculos de estagnação social e submissão a um governo estrangeiro foram elementos fundamentais que moldaram os padrões de comportamento da população. Durante o período conhecido como Raj Britânico, os
valores predominantes eram a submissão à autoridade, o respeito pelo antigo
e o tradicional e a aceitação passiva de um papel social assinado desde fora por
um governo estrangeiro. Em compensação, a segurança era um dos valores
mais almejados e de grande demanda em troca da submissão à autoridade.
Na dimensão econômica, significava que as atividades comerciais e industriais eram restritas, unicamente, aos ingleses; poucos indianos tinham os
meios e as oportunidades de adquirir educação. Os empregos que requeriam
alto nível de qualificação na atividade produtiva eram preenchidos pelos colonizadores, ao passo que empregos de baixa qualificação eram ocupados por
indianos.
A independência da Índia foi longamente almejada por setores minoritários
e altamente educados da população indiana que, por algum motivo, tiveram
a oportunidade de serem educados na Grã-Bretanha. Ela trouxe consigo a
necessidade urgente de substituir esses valores tradicionais por outros capazes
de construir uma nova sociedade com base em formas inéditas de relacionamento social.
Após muitos anos da independência, os valores de submissão e obediência
persistiram na Índia, apesar de ser evidente que não eram mais adequados
para a nova realidade socioeconômica do país. Nas décadas de 50 e 60, a
juventude indiana educada começa a dar ênfase à iniciativa empresarial e à
concorrência, deixando de lado a visão tradicional, muito difundida na Índia no período pré-independência, sobre a segurança no emprego e o respeito às castas. No entanto, os novos valores ainda não haviam sido difundidos,
amplamente, pela maior parte da população.
É possível compreender os primeiros fracassos da Índia livre com base na
falta de consciência e responsabilidade da maior parte do povo indiano. Com
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a independência conquistada, um novo sistema político de governo foi instaurado: a democracia.
O exercício da democracia requeria não simplesmente o estabelecimento
de uma institucionalização por parte do novo Estado, mas também a necessidade de abandonar valores tradicionais que promoviam a estabilidade de um
Estado não-democrático. Os valores tradicionais precisavam ser substituídos
por outros que privilegiassem a educação, a participação política, a responsabilidade social e a igualdade entre os cidadãos.
Em síntese, um sistema político baseado em castas, submissão à autoridade
e pouca participação política não poderia ser substituído, de um dia para o
outro, por meio de um conjunto de decretos e normas elaborado pelo Estado.
Era necessário mais do que isso. Tornava-se imprescindível um processo de
substituição de valores tradicionais por outros que respondessem aos desafios
que a independência trouxera consigo.
A partir da década de 80, o progresso econômico da Índia é o resultado de
um efeito combinado da superação das condições materiais coloniais (economia extrativista, tamanho superdimensionado do Estado e pouco espaço para
atividade privada e produtiva) e a difusão generalizada de novos padrões de
comportamento que quebraram barreiras tradicionais. Isso gerou um orgulho
nacional, renovando a energia da sociedade, principalmente por meio da mobilidade social, buscando o sucesso na grande realização das pessoas, baseado
na concorrência, educação, iniciativa privada e alto grau de responsabilidade
do indivíduo. Todos esses elementos possibilitaram a famosa Revolução Verde, tão admirada no mundo todo.
Este processo subjacente de formação de valores na sociedade indiana não
exclui a importância do papel do Estado. Na próxima seção, serão analisadas,
brevemente, as formas pelas quais o Estado pode influenciar na formação de
valores.
2.2
O Estado e a formação de valores sociais
Para entender como o Estado possui um papel muito importante na formação de valores sociais e nos padrões de comportamento individuais deve-se
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adotar uma ótica abrangente que incorpore a dimensão ideológica, além da
dimensão estritamente econômica.
No início do século XX, Antonio Gramsci, na sua análise sobre a evolução
das sociedades e a luta de classes, incorpora dois conceitos que, de uma forma
ou de outra, dão um primeiro indício do papel do Estado na formação de
valores sociais. Estes conceitos são: “hegemonia da ideologia” e “o papel orgânico dos intelectuais”.
Segundo Gramsci, o Estado não somente regula e administra o conflito de
classes desde uma ótica material, mas também precisa difundir um conjunto
de idéias, comportamentos ou valores de uma forma hegemônica que permita
o melhor funcionamento do modo de produção dominante.
Conforme observado na seção 2.1, é preciso adequar os valores vigentes de
maneira harmônica com um modelo socioeconômico específico, da mesma
forma que as características principais do modelo em questão promovam
a formação de valores, estabelecendo assim uma relação bidirecional. O
Estado, no sentido de Gramsci, influencia na determinação de valores não
somente por meio do estabelecimento de leis e normas que configuram o
comportamento social das pessoas, mas, também, mediante a influência na
educação e, principalmente, do modelo político adotado.
A literatura atual – sobre a constituição e difusão de valores sociais – afirma que o Estado contribui na formação destes valores a partir de uma ótica,
principalmente, “formal”. Esta literatura assume o papel de formadora de
todo o arcabouço institucional necessário a um Estado, de modo que o
mesmo possa funcionar e responder aos desafios de uma realidade. Leis e
normas configuram não apenas a estrutura das relações de convivência em
sociedade, mas, também, estabelecem previamente parâmetros de comportamentos individuais justamente para que os indivíduos possam adaptar-se
às mesmas, previamente estabelecidas.
Da mesma forma que a sociedade configura as aspirações sociais, a autoridade do Estado possui a enorme capacidade de direcionar o fluxo de energias
sociais, não somente por meio dos instrumentos da lei, mas, também, mediante as políticas públicas, os procedimentos administrativos, os controles
e os incentivos e castigos aos indivíduos. Um Estado pode promover uma
revolução no aumento das expectativas de vários segmentos da população, por
meio de um programa específico, uma política econômica definida ou me-
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diante uma lei, como, por exemplo, de ação afirmativa para um determinado
setor da população.
A natureza da influência do Estado na formação de valores é amplamente
diversificada, variando de acordo com o sistema de governo vigente. Tradicionalmente, nas monarquias, a administração e a organização do governo
são altamente centralizadas, com alto poder de restringir liberdades e proibir
atividades não desejadas. Por outro lado, sua aptidão para promover o desenvolvimento social é muito restrita, devido à baixa capacidade para motivar de
uma forma direta a iniciativa individual. No entanto, tais características são
contestadas por Alexis de Tocqueville, que atribuía as mesmas não à monarquia, mas à democracia.
O Estados autoritários modernos – tanto no início do século XX (principalmente na Europa) quanto na segunda metade do mesmo século (principalmente na América Latina) – aprofundaram e aumentaram o poder
governamental para controlar os indivíduos, desenhando e desenvolvendo
mecanismos organizacionais muito complexos, com o propósito de alcançar
quase todas as esferas da atividade humana e social. Os maiores argumentos teóricos deste tipo de Estado podem ser encontrados na obra de Carl
Schmitt, que radicaliza os argumentos do Estado totalitário para defender
a necessidade de um Estado forte na Alemanha. A iniciativa individual, o
autoconhecimento e a superação individual não possuem um ambiente institucional adequado nos regimes totalitários modernos.
Finalmente, as formas modernas de democracia permitem, de uma
forma nunca antes vista, o desenvolvimento de capacidades individuais, o autoconhecimento da sociedade e a participação política. Os regimes democráticos conseguem, institucionalmente, atingir objetivos de
construção de um verdadeiro tecido social de interações não somente
individuais, mas, também, entre os diferentes setores da população. As
diversas formas democráticas de governo criam um contexto adequado
que promove um conjunto de valores ativos, por meio do incentivo da
responsabilidade das pessoas, educação e participação política.
Nos regimes democráticos, o Estado participa da vida dos indivíduos, mediante a promulgação de normas geradas e aceitas pela própria população. Em
Os países com regimes autoritários que foram bem sucedidos na promoção da iniciativa social e dos valores anteriormente
mencionados, como China, Taiwan e Coréia do Sul, devem o seu sucesso ao relaxamento do controle social sobre a população e as
atividades econômicas, enquanto as restrições políticas se mantêm até hoje.
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
algumas sociedades, os regimes democráticos promovem processos de descentralização política e administrativa, criando assim estruturas autogovernadas
que aproximam os indivíduos dos centros de poder, aumentando a atividade
social em torno de objetivos de caráter coletivo.
Tais impactos aumentam a criatividade e o espírito inovador das pessoas,
que podem ser ainda mais reforçados se a estrutura econômica acompanha
as mudanças da estrutura sociopolítica. A análise da relação entre o desenvolvimento humano, social e econômico em sociedades democráticas que promovem o aumento de diversos tipos de capacidades tem produzido nas três
últimas décadas uma vasta literatura, sendo seu principal expositor o Prêmio
Nobel Amartya Sen.
2.3
Instituições da sociedade civil e a formação de valores
Existem diversas instituições não-estatais, no sentido mais amplo da
palavra instituição, como, por exemplo, o mundo do trabalho, movimentos sociais, iniciativa privada, mercados, entre outros, que exercem um
papel fundamental na geração e na formação de valores tanto individuais
quanto coletivos.
Diferentemente da maneira pela qual o Estado influencia a vida dos indivíduos de um modo “formal”, as instituições da sociedade civil atuam no dia-adia das pessoas e de suas famílias. Estas instituições influenciam de forma mais
direta, funcionando como uma camada subjacente da sociedade, exercendo
uma influência mais duradoura e aprofundada na formação de valores e na
percepção das pessoas.
O mundo do trabalho, por exemplo, se constitui em um ambiente propício para o fortalecimento das relações interpessoais, para o estabelecimento
de metas individuais e, muitas vezes, para a formação de valores morais que
orientam o comportamento ético-individual. Portanto, as condições de trabalho tornam-se cruciais na formação e disseminação de valores e padrões de
comportamento.
Dessa forma, a estabilidade do emprego, as condições salariais e do próprio
ambiente do trabalho afetam não apenas variáveis materiais do desempenho
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como a produtividade e a iniciativa própria, mas, também, incidem nas condições sócio-psicológicas do indivíduo.
Por outro lado, o mercado, entendido como uma instituição, cumpre um
papel fundamental no padrão de comportamento individual. A hegemonia
do mercado tem produzido dois fenômenos importantes. O primeiro deles
consiste na introdução do conceito de concorrência e competitividade das
pessoas.
Com a hegemonia da instituição do mercado, a concorrência se dá praticamente em todos os âmbitos da ação humana onde existe a troca. No mercado
de trabalho, na procura por bens e alimentos, na educação e até na estrutura
familiar, a mesma se faz presente. A concorrência norteia um espírito competitivo que fragmenta as interações sociais baseadas principalmente na solidariedade. Concorrência e solidariedade, freqüentemente, são colocadas como
termos excludentes, mas, no entanto, o desafio da modernidade é encontrar
uma forma de compatibilizar ambos os conceitos, sem ter que desagregar as
inter-relações pessoais e de grupo.
Talvez cooperação e competitividade sejam valores que conseguem estabelecer uma relação reforçadora entre concorrência e solidariedade, como
mostra a percepção sobre o tema de dois entrevistados de diferentes grupos
de discussão:
“No esporte existe competição e colaboração. Você coopera com os companheiros porque faz parte de uma equipe. Mas você e os companheiros
vão querer dar o melhor de si, cada um querendo ser o melhor do time.
Isso é normal, desde que não seja doentio.”
(Cônjuges)
“No trabalho, tem que existir a cooperação. Se não tiver cooperação,
nada vai funcionar direito. Eu posso querer ser melhor do que os outros
e luto para isso, mas todo mundo ajuda todo mundo, para poder fazer
as coisas direito.”
(Comerciários, 40 anos e mais)
O mundo contemporâneo e o funcionamento do mercado levam ao conhecimento, muito cedo na vida das pessoas, do valor concorrência. As crianças,
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
durante o período escolar, já vivenciam e aprendem formas de concorrência
e desenvolvimento individual que preparam-nas para a vida adulta.
O segundo fenômeno que acompanha a predominância do mercado, no
sentido de instituição, diz respeito ao que Marx chamou de “fetichismo da
mercadoria”. Este último, no linguajar moderno, pode se denominar como
“materialismo exacerbado”.
O “materialismo exacerbado” consiste em uma mudança de valores que vem
acompanhando o novo mundo globalizado. Atualmente, as pessoas estão mais
preocupadas em adquirir bens materiais e dando menor importância a valores
como a família. Alguns autores, como, por exemplo, Charles Handy, compreendem que as pessoas estão muito melhores em termos materiais. Porém,
a grande maioria sente que perdeu alguma oportunidade. No caso dos mais
jovens, temem nunca ter uma oportunidade.
Segundo Charles Handy, a vida, para quase todas as pessoas, está mais confortável atualmente. No entanto, existe entre elas uma aspiração cada vez mais
crescente por obter maiores bens materiais:
“A economia oferece a prosperidade material como o objetivo único
universal e, se aceitarmos esta premissa, todo o restante seguirá inevitavelmente de acordo com as leis do marketing e com as normas da
eficiência” (Handy, 2000, página 7).
Por outro lado, Frei Betto nos adverte: “Nossas concepções éticas são
forjadas por um processo social onde o capital, um bem finito, tem mais
prioridade do que os bens infinitos – a dignidade, a ética, a liberdade,
a paz e a experiência espiritual.” (Betto, 2000, página 10)
Como mencionado anteriormente, apesar do visível progresso material dos
indivíduos e dos diversos grupos sociais, cada vez mais as exigências da modernidade e o progresso da ciência requerem o aumento do consumo de bens
materiais. Um elemento fundamental dessa crescente aspiração diz respeito ao
fenômeno da comunicação.
Com efeito, a universalização da televisão amplificou de uma forma nunca
antes vista os ideais de consumo, mediante a exposição pública de estereótipos
de vida das classes mais favorecidas. Da mesma forma que a televisão, o rádio
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e a imprensa escrita se constituem em veículos de massa que contribuem para
um processo de consumismo exacerbado.
O processo influencia os indivíduos desde a infância. Segundo Frei Betto:
“Acontece que o mercado infantil é o filé mignon do consumismo. Porque a criança tem duas vantagens: falta de discernimento frente ao valor do produto, valor de compra e valor de uso, e capacidade de insistir
tanto, que os pais acabam comprando para se verem livres da chateação,
mesmo sabendo que aquilo vai ser encostado em uma semana.” (Betto,
2000, página 7).
Finalmente, não se deve esquecer o papel das instituições no sentido restrito
da palavra. Uma das características das sociedades democráticas modernas é
a inserção do indivíduo nas mais diversas instituições, além das estatais e da
esfera do trabalho. Associações, organizações religiosas, clubes de beneficência,
estabelecimentos dedicados ao voluntariado, sociedades de proteção ao consumidor, ao meio ambiente, entre outros, fazem parte da vida dos indivíduos.
Desde os anos 50, esses tipos de instituições têm crescido em número e em
importância, principalmente nos países desenvolvidos. Há pouco mais de dois
séculos, Alexis de Tocqueville, em seu livro A democracia na América, sentiu-se
completamente surpreendido ao verificar que um país que acabava de se formar,
os Estados Unidos, possuía como traço social fundamental o enorme poder
associativo. O autor encontrou um país onde as pessoas formavam associações e
instituições de voluntariado de uma forma nunca antes vista na história.
Atualmente, os Estados Unidos apresentam duas características importantes
em relação ao tema. A primeira delas diz respeito ao número de voluntários.
Os Estados Unidos da América apresentam cerca de 40% de seus jovens participando de algum tipo de atividade voluntária, ao passo que na Alemanha esta
porcentagem é de aproximadamente 10%. A segunda característica consiste
no fato de que neste país se verifica o maior número de associações e instituições de voluntariado em todo o mundo.
Esta característica, a relevância do papel das instituições de caráter privado na formação de valores a partir de ações que integram os indivíduos a
diversos ambientes de convivência, é crucial em vários sentidos. As instituições promovem entre as pessoas espaços onde se torna possível a diversifi-
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
cação das relações interpessoais, constituindo-se em pequenos laboratórios
(microssociedades). Esses pequenos laboratórios são os locais onde se torna
possível a expansão e o exercício de valores, padrões de comportamento e
aspirações sociais.
Um segundo sentido da relevância das instituições não-estatais verificouse por meio de um amplo estudo comparativo que englobou praticamente
todos os países da Europa Ocidental e os Estados Unidos. Segundo Robert
D. Putnam, em seu livro Making Democracy Work: Civic Traditions in Modern
Italy, pode se explicar, mediante um abrangente exercício empírico, o maior
ou menor desenvolvimento socioeconômico em termos do grau de evolução
das instituições associativas e cívicas.
A clássica diferença de desenvolvimento socioeconômico entre a região
norte e a região sul da Itália, não se deve, segundo Putnam, a diferenças
econômicas, de gestão administrativa ou de ideologia, mas sim ao grau de
civismo público, de associativismo e de participação cidadã. O exemplo
mais paradigmático colocado por Putnam diz respeito a dois terremotos
ocorridos tanto no sul quanto no norte da Itália na mesma época. No caso
do Norte, depois de vinte anos, não existia nem um único vestígio ou seqüela do terremoto, ao passo que no Sul as pessoas continuam morando em
acampamentos.
Putnam se pergunta: como é possível que no interior do mesmo país desenvolvido e com a mesma ajuda governamental, existam duas realidades tão
diferentes? A resposta do autor à questão encontra-se na maior densidade do
tecido social, que somente poderá ser alcançada devido a maior prevalência
dos valores acima citados.
A riqueza dessa linha de pesquisa tem provocado uma enorme quantidade
de publicações que exploram diversas dimensões na área. O último artigo revelador de Putnam mostra que, em várias cidades norte-americanas, quando o
maior tempo é dedicado à televisão, menores serão as capacidades associativas
e cívicas das pessoas, e, portanto, estas últimas apresentarão um efeito negativo em seu desenvolvimento.
Em síntese, as instituições de natureza privada podem exercer um papel
transcendental na formação de valores que incentivem valores cívicos, participação cidadã, assim como formas de socialização nos diversos segmentos
sociais.
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2.4
A modernidade em transição: o Brasil e o conflito de valores
A exposição realizada na seção anterior apresentou como objetivo colocar
os aspectos centrais que envolvem a temática da formação de valores. Em
momento algum se pretendeu elaborar uma classificação abrangente ou lista
exaustiva dos valores vigentes ou passados.
Por outro lado, a discussão anterior pretendeu, simplesmente, estabelecer os
macrofatores que influenciam a formação de valores de uma sociedade, assim
como dos próprios indivíduos. Em primeiro lugar, identificou-se a própria
interação individual no contexto social como um dos fatores que formam
e estruturam um conjunto de valores. Em segundo lugar, o Estado cumpre
um papel fundamental por meio de modos formais, mas também de maneira
ideológica na formação de valores.
Em terceiro lugar, estabeleceram-se algumas formas de interação entre os
fatores econômicos, principalmente o mercado e o desenvolvimento econômico, e a formação de valores sociais. Por fim, também se revisou o papel
das instituições não-estatais, principalmente na formação de valores cívicos,
associativos e de participação dos cidadãos.
Com efeito, esta pesquisa não se propõe a elaborar uma hierarquização detalhada dos valores, mas sim uma análise das diversas dicotomias existentes na
vida dos indivíduos, dado que existem contradições em cada um dos contextos em que os mesmos interagem.
No dias de hoje, o Brasil experimenta uma fase de transição ainda não completa de profundas mudanças econômicas e sociais que, aparentemente, segundo alguns autores, caracterizam um período de crise. A proposta central
do presente trabalho é que essa crise pode ser encarada mais como um período
de transição, em que as dicotomias e contradições de valores guardam relação
com a necessidade de finalizar um processo de mudança, e não simplesmente
como um juízo negativo sobre os valores vigentes no mundo contemporâneo
brasileiro.
A maior parte do século XX se caracteriza por um descompasso entre as
mudanças do sistema político e do sistema econômico. Ao longo do século
XX, o processo político brasileiro sofreu uma crescente democratização. Tal
processo foi interrompido, algumas vezes, por ditaduras de caráter totalitário
que afetaram as percepções, valores e aspirações sociais dos indivíduos.
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
Por outro lado, na esfera econômica, grande parte do século foi marcada
por um modelo econômico baseado principalmente na atividade do Estado,
formas corporativas de relação entre as classes sociais, como, por exemplo, a
Era Vargas, e o intenso processo de industrialização. Esse modelo mostrou
evidências de estar saturado na década de 80, levando a um padrão de livre
mercado e redução da presença do Estado no âmbito econômico.
Similar ao processo que foi descrito para a Índia, o Brasil enfrenta o dilema
de permanecer hoje com valores sociais tradicionais – adequados a sistemas
políticos e econômicos anteriores – ou de encarar valores completamente diferentes que sejam adequados aos novos desafios.
No entanto, tal processo não é linear. Por muitos anos, ainda deverão coexistir
sistemas de valores diferentes que deixarão o indivíduo fragmentado. Fragmentação esta que, muitas vezes, pode ser encarada como uma crise existencial.
A análise das contradições dos valores derivadas das diversas esferas da ação
humana não é inovadora, porém não menos importante. No entanto, um
fator muitas vezes ignorado, mas de um enorme poder heurístico, diz respeito
a uma dicotomia provavelmente mais significativa do que as dicotomias entre
as diversas esferas. Esta dicotomia particular diz respeito aos valores sociais e
aos antivalores originados a partir dos primeiros.
Com efeito, explorar esta dicotomia, valores/antivalores, fornece uma possibilidade muito rica para entender os padrões de comportamento e as atitudes
individuais. Praticamente ao longo de toda a dinâmica dos grupos de discussão realizados no SESC Madureira, mostrou-se que tal dicotomia pode ajudar
no melhor entendimento dos mecanismos pelos quais se cristaliza o processo
de formação de valores.
Na seção 4, a leitura dos principais depoimentos dos entrevistados a enfatizará, mostrando que, por exemplo, os valores possuem uma característica
muito mais abrangente e de caráter universal, porém mais diluídos do que os
antivalores. Estes últimos se revelam de caráter tópico e muito menos abrangente, porém com uma importância significativamente maior para guiar e
orientar os padrões de comportamento.
Tomando-se como exemplo a prostituição, todos os participantes, sob
um ponto de vista abstrato, condenaram a atividade. Mas quando consultados sobre quem deveria ser punido, a prostituta ou o político, a resposta foi unânime: o político era o merecedor de punição, ao passo que
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a prostituta utilizava seu corpo como forma de conseguir dinheiro para a
sobrevivência.
“Se é a única coisa que sobra... fazer o quê.”
(Jovens)
Outra forma de equacionar o dilema anterior é que os antivalores são superiores pelo fato de não incorporarem danos e prejuízos a terceiros:
”A garota de programa não está fazendo mal a ninguém. É um problema dela, que a gente tem que respeitar... O político corrupto está
roubando os pobres. Está prejudicando o país, enriquecendo à custa da
miséria dos outros.”
(Jovens)
Na seguinte seção, realiza-se uma descrição dos principais dados quantitativos das pessoas que participaram dos grupos de discussão.
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
3.Um estudo de caso: características pessoais e
institucionais
3.1
Sobre o SESC Madureira
O SESC unidade Madureira está localizado na zona norte do município
do Rio de Janeiro. A infra-estrutura disponível na unidade possui em suas
dependências: biblioteca, biblioteca infantil, teatro (com capacidade para 216
lugares), sala de música, salas de recreação infantil, salas de cursos, cozinha
experimental, sala de ginástica, quadras de futsal, vôlei e vôlei de areia, ginásio
poliesportivo, parque aquático (com duas piscinas: uma infantil e outra para
adultos, aquecida), gabinetes odontológicos, gabinetes de prótese, gabinetes
de endodontia, lanchonete, restaurante (para 200 pessoas), sala de ciências,
academia de musculação, uma churrasqueira, sala de vídeo, sala de lutas e sala
de exposições e acesso livre à internet.
Os serviços oferecidos pelo SESC Madureira se concentram nas seguintes
áreas:
• Odontologia
Tratamento clínico e cirúrgico em endodontia (canal), periodontia (gengiva), odontopediatria (crianças), próteses e rádio-diagnóstico. Exclusivo
para trabalhadores do comércio/serviços.
• Cultura
Espetáculos teatrais, musicais e de dança, exposições, aulas abertas e
oficinas.
• Esporte
Aulas abertas, torneios e campeonatos, aluguel de quadra, piscina, práticas desportivas e recreação.
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• Turismo
Hospedagem, passeios e excursões.
• Projetos sociais
Palestras, valorização social, voluntariado, projetos integrados, exposições, aulas abertas, oficinas e workshops.
• Terceira idade
Atividades de corpo, espetáculos, passeios, oficinas, aulas abertas e
eventos.
• Educação Infantil
Para crianças de 3 a 6 anos.
• Sala de ciências
Oficinas, experimentos e workshops.
• Biblioteca
Empréstimos de livros e revistas. Jornais diários, oficinas e workshops.
• Empresas Realização de matrícula e divulgação dos serviços do SESC.
• Saúde
Palestras.
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
3.2
Informações metodológicas
A pesquisa abordou comerciários, titulares do SESC e seus cônjuges, além
de adolescentes e pessoas da terceira idade que regularmente freqüentam
as suas dependências ou participam das atividades do SESC.
O método utilizado foi o das discussões em grupo, escolhido por permitir
um aprofundamento das questões investigadas, dada a natureza dos temas
abordados e o caráter exploratório do estudo.
Os grupos realizados tiveram a seguinte composição:
•Comerciários, titulares do SESC, do sexo masculino, com idade entre
25 e 40 anos.
•Comerciários, titulares do SESC, do sexo masculino, com idade de 40
anos e mais.
•Comerciários, titulares do SESC, do sexo feminino, com idade entre
25 e 40 anos.
•Comerciários, titulares do SESC, do sexo feminino, com idade de 40
anos e mais.
•Adolescentes, filhos de comerciários titulares do SESC, de ambos os
sexos, com idade entre 14 e 24 anos.
•Pais de comerciários titulares do SESC, aposentados, de ambos os
sexos, com mais de 60 anos de idade.
•Cônjuges de comerciários titulares do SESC, de ambos os sexos, com
idade entre 25 e 40 anos.
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As reuniões de discussões em grupo foram realizadas durante o mês
de março de 2004, em dependências do SESC Madureira, na cidade
do Rio de Janeiro.
3.3
Características pessoais dos entrevistados
Na Tabela 1, apresenta-se a composição dos grupos de discussão realizados, assim como a sua distribuição por gênero e as atividades realizadas
pelos mesmos, no SESC unidade Madureira.
Das 45 pessoas entrevistadas, 20 são do sexo masculino e 25 do sexo
feminino. Em termos relativos, significa que 43% dos entrevistados são
do sexo masculino, ao passo que 57% são do sexo feminino.
O número total de pessoas em cada grupo é diferente, devido à taxa de
desistência. O objetivo original consistia em que cada grupo de discussão fosse composto por 8 a 10 membros. Portanto, as menores taxas de
desistência foram dos adolescentes (9 pessoas) e dos idosos (8 pessoas). A
maior taxa de desistência se verificou entre os cônjuges dos comerciários,
pois somente participaram 4 pessoas.
Quanto às atividades realizadas pelos entrevistados, na sua ampla maioria eles utilizam os serviços de atividades de esporte, entretenimento e
atividades profissionalizantes como artesanato, percussão, jazz e dança
sênior.
Da análise da Tabela 1, pode se concluir que as faixas etárias mais jovens utilizam muito mais os serviços de esportes do que as faixas etárias
superiores.
. Os trabalhos contaram com amplo apoio da Gerência do SESC Madureira e de seus funcionários, que auxiliaram a equipe
de pesquisadores em todas as suas necessidades, prestando um tratamento eficiente, gentil e agradável. Um agradecimento particular
deve ser feito a Moacyr di Palma, Gerente do SESC unidade Madureira: a sua colaboração foi essencial para a viabilização dos grupos
de discussão, além de disponibilizar as informações para o melhor desempenho do trabalho.
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
Tabela 1: Distribuição por gênero e atividades realizadas dos entrevistados
No que diz respeito ao grau de escolaridade dos indivíduos (Gráfico 1), 27%
completaram a 3a Série do Segundo Grau (Ensino Médio); 16% possuem Terceiro Grau completo e 11% possuem o Ensino Fundamental completo. No
extremo inferior do processo educacional tem-se que 5% dos entrevistados
concluíram apenas a 2a Série do Segundo Grau.
Gráfico 1: Distribuição dos entrevistados segundo o grau de escolaridade
Fonte: Iets.
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Serviço Social do Comércio
Nos Gráficos 2 e 3 apresentam-se resultados sobre estimativas da renda das
pessoas entrevistadas. A dificuldade metodológica da aferição é que a renda
declarada, normalmente, é subestimada pelos entrevistados. Essa é a razão
principal de incluir no questionário preenchido pelos entrevistados questões
sobre alguns bens duráveis. Assim, obtém-se um quadro mais acurado da situação econômica dos participantes dos grupos de discussão.
A maior renda, como era esperado, encontra-se entre o grupo de comerciários do sexo masculino com idade entre 25 e 40 anos (R$ 1.075,00). Deve-se
chamar atenção para o fato de que as comerciárias na mesma faixa etária possuem em média apenas 1/3 da renda apresentada pelos comerciários do sexo
masculino nesta mesma faixa (R$ 457,90). (ver Gráfico 2)
Em segundo lugar, em termos da renda média, estão os comerciários do sexo
masculino com idade superior a 40 anos de idade (R$ 1.000,00). Finalmente,
o grupo de entrevistados com a menor renda média é constituído pelas pessoas com mais de 60 anos (terceira idade).
Tal estrutura da renda, apresentada pelos entrevistados, corresponde de alguma forma à estrutura da renda do país como um todo, verificando-se assim
duas conclusões principais. Em primeiro lugar, as mulheres apresentam em
média uma renda inferior à verificada entre os homens na mesma faixa etária
e ocupando a mesma posição.
Em segundo lugar, a renda das pessoas com mais de 60 anos de idade é menor quando comparada à renda das faixas etárias inferiores.
Gráfico 2: Renda Média, segundo os Grupos de Discussão
Fonte: Iets.
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
No Gráfico 3, 100% dos entrevistados possuem rádio, geladeira ou freezer,
ao passo que 91% dos mesmos possuem linha telefônica fixa instalada. Já
85% dos entrevistados possuem máquina de lavar roupa. Um dado muito
interessante é que 71% dos entrevistados possuem videocassete e celular e
apenas 30% possuem microcomputadores.
Quando comparado o grupo de entrevistados com a população em geral,
para alguns dados disponíveis pode se afirmar que o grupo encontra-se
muito acima da média brasileira em relação ao acesso de bens duráveis. No
caso da telefonia fixa, apenas 53% da população do país possui acesso ao
serviço, enquanto o acesso à telefonia celular é de cerca de 20% da população brasileira.
Gráfico 3: Acesso a bens duráveis
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Fonte: Iets.
Na próxima seção serão descritos os resultados sobre as opiniões vertidas pelos participantes em torno de alguns temas-chave que nortearam a dinâmica
dos grupos de discussão.
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Serviço Social do Comércio
4.Grupos de discussão: demanda por maior interação
social perante a redução dos espaços coletivos
Na presente seção, apresentam-se os principais resultados extraídos da dinâmica de grupo dos entrevistados na unidade do SESC Madureira sobre
valores e atitudes que, na atualidade, norteiam os padrões de comportamento
dos entrevistados.
Para alcançar o objetivo, foi escolhido um conjunto de “temas-chave” que
contribuíssem para o melhor desenvolvimento e estruturação da dinâmica
dos grupos. Temas como família, o mundo do trabalho, o sucesso, o fracasso, a ética, a concorrência, a solidariedade, o respeito (a si mesmo e aos
outros) e o papel do SESC foram colocados na mesa de discussão pelo moderador (parte induzida).
No entanto, na dinâmica de grupo surgiram outros temas que se mostraram tão importantes para os entrevistados quanto os temas propostos (parte
espontânea): violência, religião e política, principalmente.
O contexto social provou ser um fator de relevância fundamental na formação de valores e nos padrões de comportamento individual. Principalmente,
os fatores externos associados ao próprio funcionamento da cidade do Rio de
Janeiro. Em segundo lugar, as condições econômicas (emprego e renda entre
os mais importantes) são elementos explicativos das atitudes, valores e padrões
de comportamento.
4.1 O contexto social da cidade como determinante da formação de
valores dos entrevistados
4.1.1 A violência como fator fundamental que reduz os espaços de
interação social
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
a)
A violência na cidade e as mudanças de hábitos
Os elevados níveis de violência que caracterizam o presente estágio da vida
na cidade do Rio de Janeiro são responsáveis pelas principais preocupações da
clientela do SESC.
Mais do que as sérias dificuldades materiais produzidas pela prolongada crise econômica do país – desemprego, queda dos níveis de renda, incertezas
quanto ao futuro etc., predominam entre os freqüentadores da unidade de
Madureira o temor de se tornarem alvos de bandidos, os riscos e os perigos
causados pelas atividades dos criminosos e pela pouca eficiência dos órgãos
responsáveis pela segurança pública.
A grande maioria, se não a totalidade dos participantes dos grupos de discussão, além de seus parentes próximos, já foi vítima de algum tipo de violência por parte de criminosos ou, o que é pior, por parte da própria polícia.
Todos têm alguma história para contar.
O medo e a insegurança resultantes desse crescente processo de expansão
das atividades dos criminosos têm, entre suas diversas conseqüências, uma
significativa mudança nos hábitos e no comportamento da clientela do SESC
Madureira.
“Tenho medo de sair à rua. É muita violência. A gente sai de casa e não
sabe se vai voltar.”
(Idosos)
“A gente já não tem liberdade para fazer as coisas. Atualmente, a
gente trabalha menos, estuda menos, se diverte menos... sempre com
medo.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
“Eu vivo assustada. Não quero nenhum estranho perto de mim. Qualquer pessoa que chega perto, eu já acho que é bandido. É horrível viver
assim.”
(Comerciárias, 40 anos e mais)
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Serviço Social do Comércio
Em todos os grupos pesquisados, as alterações de hábitos são os recursos
utilizados para se expor o mínimo possível aos perigos da cidade: andar nas
ruas só o estritamente necessário para se locomover de um ponto a outro;
evitar programas noturnos; procurar locais fechados e mais protegidos – os
shoppings centers, por exemplo – para as atividades de lazer e diversão.
“Eu só saio para ir ao shopping ou para vir aqui no SESC. De vez em
quando eu vou a um baile, de noite. Mas nunca vou sozinho, vou sempre com um grupo de amigos.”
(Adolescentes)
Entretanto, a permanência por um maior período dentro de casa, ao mesmo
tempo em que funciona como defesa contra os perigos de fora, abre um flanco
para as influências nem sempre positivas da televisão, importante instrumento
de lazer e poderoso agente de propagação de estilos de vida, nem sempre considerados pelos pais como os mais adequados para seus filhos.
“Eles ficam muito tempo em casa, vendo televisão. E a televisão mostra
muita coisa que não presta. Muito sexo, muito materialismo nas novelas, muito crime. Em qualquer horário é assim. Isso acaba influenciando as crianças e os jovens.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
“A televisão mostra muita violência, fica fazendo propaganda dos bandidos. No meu tempo, Beira-Mar era só o nome de uma avenida. Agora, o Beira-Mar é um bandido famoso.”
(Comerciários, 40 anos e mais)
Nesse quadro, a unidade do SESC Madureira representa um oásis de paz,
uma ilha de tranqüilidade e segurança em meio à violência das ruas. Essa
importante função desempenhada pela unidade, e seguramente pelas demais
que se situam na cidade do Rio de Janeiro, será comentada mais adiante, na
parte que trata do relacionamento entre o Serviço Social do Comércio e sua
clientela.
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
b)
As causas da violência – A ausência de valores
As primeiras explicações para o generalizado e, aparentemente, incontrolável processo de expansão da criminalidade encontram-se nos produtos da crise
econômica.
Com poucas perspectivas de um futuro materialmente digno, sem oportunidades de emprego ou de exercício de uma atividade lícita capaz de lhes
proporcionar um padrão de vida minimamente compatível com suas necessidades, anseios e desejos, muitos estariam cedendo às tentações do dinheiro
fácil proporcionado pelas atividades marginais.
“O sujeito está sem trabalho, tem a família para alimentar, aí ele vê
uma oportunidade de ganhar um dinheiro, acaba entrando para o crime. E não é só gente pobre, não. Você vê na televisão, nos jornais, que já
tem muito jovem de classe média, da Zona Sul, fazendo assalto.”
(Cônjuges)
“Está muito difícil. As pessoas ficam desesperadas e vão para a marginalidade.”
(Comerciários, 25/40 anos)
“A ocasião faz o ladrão. Às vezes a pessoa está contra a parede, desesperada, é capaz de fazer qualquer coisa.”
(Adolescentes)
Porém, um aprofundamento da discussão em torno do tema, com estímulos
por parte do moderador, traz novos elementos para a compreensão da questão.
Perguntados do porquê de alguns cederem aos apelos da criminalidade enquanto outros permanecem lutando contra as dificuldades dentro dos limites
da lei e das normas, os clientes do SESC, de todos os segmentos abordados
pela pesquisa, chegam à mesma explicação: o que diferencia umas pessoas das
outras, o que faz com que alguns sigam o “caminho do bem”, ainda que à custa de muitos sacrifícios, de muita luta e das limitadas perspectivas de sucesso
material, é o “caráter”, a “personalidade” de cada um.
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“Depende da formação, da educação que as pessoas recebem. Quem tem
uma boa base, um bom caráter, não vai para o crime, mesmo que tenha
uma vida de sacrifícios.”
(Diversos grupos)
A etapa seguinte – a da discussão dos elementos responsáveis pela formação de caracteres e personalidades tão distintos entre si – chega ao ponto
objetivado pela pesquisa: o caráter e a personalidade são constituídos pelo
tipo de educação recebida ou, no dizer dos clientes do SESC Madureira, pela
absorção de princípios, padrões ou de alicerces que constituem os pilares de um
comportamento digno, de uma vida em conformidade com as normas tradicionalmente estabelecidas e respeitadas pela sociedade.
Para os mais velhos, a perda de autoridade dos pais, incapazes de controlar
os efeitos das mudanças sociais e a maior liberdade conquistada por seus filhos; a menor dedicação paterna à formação dos filhos, em decorrência da preocupação em prover os meios de subsistência da família ou do envolvimento
demasiado com problemas pessoais; e, por último, a decadência da escola que,
gradativamente, vem perdendo sua função de colaborar de maneira efetiva na
construção da personalidade dos alunos – todos esses fatores estariam na raiz
do enfraquecimento dos alicerces, dos valores que formam o bom caráter.
“Hoje em dia, as crianças mentem para os pais... A criança não tem
educação nem no colégio nem em casa... Minha mãe falava sem precisar
bater. Nós respeitávamos nossos pais. Agora, a liberdade está comendo
solta nas meninas... Pobreza não tem nada a ver com educação. O que
falta é moral, é educação.”
(Idosos)
Para os mais jovens, o mau exemplo dos dirigentes do país e a degradação
dos valores tradicionais e sua substituição por outros, vendidos pela televisão
e pela propaganda – que colocam o consumismo e a fama como máximos
objetivos da vida –, estariam corroendo a sociedade, banalizando o crime e a
violência nos diversos segmentos de sua estrutura. Seriam os grandes inimigos
na constituição do bom caráter.
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
“Tenho uma filha adolescente. Ela tem boa formação moral, mas é
muito influenciada pela mídia. A televisão usa um excesso de sensualidade. É o caso do Tchan, por exemplo. Quando eu era criança, eu via a Vila Sésamo... Nós fomos formados com direções mais
seguras.”
(Comerciários, 25/40 anos)
“O exemplo vem de cima. Os políticos têm condições de ter o que quiserem e ficam roubando de quem não tem. A gente paga os impostos e
eles ficam roubando.”
(Adolescentes)
“Está ficando muito difícil para os pais impor limites aos seus filhos. Eles
querem tudo, mas a gente não pode ficar dando tudo o que eles querem.
Não é assim que se educa os filhos. Tem gente que pensa que isso é amor,
mas não é. A gente tem que mostrar o que pode e o que não pode. E dar
para eles educação, ensinar a respeitar...”
(Cônjuges)
“Eu uso as porcarias que vêm lá de cima como exemplo. Para mostrar
como não deve ser, como não se deve agir.”
(Comerciários, 40 anos e mais)
4.2
Os valores sociais dominantes dos entrevistados (parte espontânea)
Os valores mais importantes para a clientela do SESC Madureira, aqueles
que apareceram espontaneamente no maior número dos grupos considerados
como fundamentais e imprescindíveis, foram:
1. A família.
2. A solidariedade ou o amor ao próximo.
3. O respeito ao próximo.
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Por um número menor de grupos foram citados:
4. A auto-estima ou o respeito a si mesmo.
5. A religião ou o amor a Deus.
Família
A família é unanimemente reconhecida como o maior valor universal, por
ser a instituição que tem como principal função reter os demais valores e
transmiti-los de geração para geração.
A família é considerada como a grande responsável pela educação de seus
membros, entendendo-se a educação em seu sentido mais amplo, de principal
instrumento de formação de caráter, transmissora de valores e conhecimentos,
definidora de uma correta trajetória de vida.
Seu papel na formação da personalidade dos membros mais jovens se dá
mais pelo exemplo de vida dos mais velhos – pais, avós, irmãos mais velhos
– do que por conselhos ou regras teóricas por eles ditados.
“A família é fundamental, tem que ser preservada. É ela que vai dar a
noção do certo e do errado, que vai dizer que só se deve ir aonde a mão
alcançar, que se deve procurar viver com o que se tem.”
(Comerciários, 40 anos e mais)
“A família é a base de tudo. É quem dá o amor, quem educa, quem dá
a noção de dignidade. É ela que dá o abrigo e que dá as condições para
que os filhos possam crescer.”
(Comerciários, 25/40 anos)
“O exemplo dos pais é o mais importante na transmissão dos valores.
Não adianta falar uma coisa e fazer outra. Não dá certo.”
(Comerciários, 40 anos e mais)
Dentre suas funções principais está “a administração dos conflitos familiares”, tendo que
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
“saber a hora de proibir e a hora de passar a mão na cabeça, perdoando quem
errou”, sempre “impondo a autoridade, para manter a estrutura familiar”.
(Comerciárias, 25/40 anos)
“Estrutura familiar” foi uma expressão utilizada por praticamente todos os
grupos para se referir às famílias bem formadas e que se esforçam para cumprir bem seus papéis. O arcabouço da estrutura familiar deve estar cimentado
pelo diálogo, pelo amor entre seus membros, pela sensação de segurança, pela
confiança recíproca e pela certeza de que cada um sempre poderá contar com
o apoio e a ajuda dos demais.
O exercício da autoridade é visto como necessário mesmo pelos jovens, que
o encaram como sinal de cuidado e atestado de amor. Cabe à família definir
os limites que não devem ser ultrapassados, reprimir os comportamentos que
destoem das normas por ela estabelecidas.
“A família tem que assumir seu papel na educação ou a criança vai
aprender na rua. Tem que dar segurança material e afetiva. Dar amor,
carinho. É fundamental a criança se sentir amparada, saber que ela
tem onde se apoiar.”
(Cônjuges)
“Meu pai não gosta de conversar sobre drogas. Minha mãe já fala. Ela
tem uma cabeça mais aberta. Isso é uma coisa importante para mim,
importante para formar o caráter.”
(Jovens)
“Meus pais não deixam eu chegar tarde em casa. Eu acho que é o papel
deles. Se não, eu ia me sentir largada.”
(Jovens)
As ameaças de ruptura da estrutura familiar, originadas por brigas ou cisões
internas ou pela falta de um de seus membros, têm que ser enfrentadas com
coragem e dedicação, sob pena de desmoronamento do conjunto e de descaminho dos indivíduos.
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A falta de um dos chefes da família, pai ou mãe, por morte ou por separação do casal, acarreta um esforço redobrado por parte de quem permanece,
sempre que este se sinta obrigado a preencher a ausência do outro como uma
necessidade para manter o equilíbrio familiar.
“Eu fiquei viúvo muito cedo, com uma filha pequena para criar. Sou
pai e mãe, sacrifico muita coisa para me dedicar à minha filha, mas
acho que valeu a pena.”
(Comerciários, 25/40 anos)
As cisões mais sérias acontecem, quase sempre, por questões financeiras,
por desentendimentos originados em interesses materiais conflitantes. Nesses
casos, se a família não tiver uma base sólida que seja capaz de manter seus
membros unidos apesar das divergências, a estrutura é destruída, com perdas
para todos.
“A família vai indo certinha, até que acontece um falecimento e surge
uma briga pela divisão da herança, mesmo que a herança não seja
grande. Aí entra a ganância, um acha que tem mais direitos que o outro
e as brigas acabam com a família.”
(Cônjuges)
“As pessoas dão muita importância ao que é material. A crise financeira
cria muitos conflitos. Mas se houver amor, mesmo que a crise seja longa, a família não se separa. Pode até haver um desgaste, mas a união
continua.”
(Jovens)
É interessante notar que, apesar da importância dada às questões materiais
nas relações intrafamiliares, as funções de sustento material que cabem à família não foram comentadas espontaneamente pelos grupos, só sendo discutidas, e ainda assim, superficialmente, após estímulo do moderador.
Aparentemente, essas tarefas – alimentar, vestir, cuidar da saúde etc. – são
vistas como obrigações “naturais” ou “básicas” e corriqueiras da família e que
poderiam, talvez, ser de responsabilidade de uma outra instituição. Já a edu-
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cação, a formação do caráter, a transmissão de valores, estas sim, são funções
primordiais e exclusivas da família.
A solidariedade ou o amor ao próximo
O amor ao próximo, que se exprime por meio da solidariedade, é um valor
que os clientes do SESC Madureira situam em um patamar imediatamente
abaixo do valor “família”.
O amor ao próximo é visto como essencial para que se possa conviver em
harmonia com os demais. Quando falam em amor ao próximo, os participantes dos diversos grupos utilizam-se de palavras como solidariedade, cooperação
e colaboração, ao mesmo tempo em que deixam transparecer que há um fundo
de religiosidade nesse valor.
O amor ao próximo se exerce por meio de ajuda material ou de conforto
moral e espiritual para os que dele necessitam. Com o aprofundamento da
discussão em torno do tema, os diversos grupos concluem que a ajuda material é muito importante, mas a ajuda moral, mais difícil de ser prestada, é mais
valorizada pelos que a recebem.
“É sempre bom ajudar as pessoas que precisarem. Tenho o meu grupo na
igreja, de ajuda aos outros.”
(Idosos)
“Se eu puder ajudar, eu ajudo... Às vezes uma palavra ameniza muita
coisa. Uma mão, uma palavra, um gesto.”
(Comerciárias, 40 anos e mais)
“Ajudar é ter amor no coração... Devemos ter paciência, ter uma palavra amiga, saber ouvir a pessoa... Eu já passei por isso. Precisei e encontrei quem me ajudasse, me desse forças.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
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Os entendimentos do significado e da importância do amor ao próximo são
muito semelhantes entre os grupos de ambos os sexos. As definições, percepções e comentários ouvidos nos grupos masculinos são semelhantes aos dos
grupos femininos.
“É uma condição do ser humano, um sentimento interno. A pessoa
até pode ter feito algum mal para mim, mas, se estiver precisando,
eu sou obrigado a ajudar... O amor ao próximo é como se fosse o
seu corpo. Tem que ser exercitado para ficar forte e tomar conta de
você.”
(Comerciários, 25/40 anos)
Os clientes do SESC Madureira ouvidos pela pesquisa reconhecem que a
solidariedade, a cooperação, a ajuda ao próximo são vias de mão dupla, que
trazem benefícios tanto para quem recebe quanto para quem doa. Ajudar os
outros, demonstrar seu amor ao próximo parece ter um significado de reconhecimento de sua capacidade de amar, seu poder de doar e de ser tão bom
quanto pensa que as pessoas deveriam ser.
“Para mim, me engrandece, me satisfaz, me faz sentir melhor.”
(Idosos)
“Adoro ajudar os outros... Uma pessoa cair e você ajudar, ajudar um cego...
Acaba fazendo mais bem para a gente do que para o outro.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
O grupo de jovens, embora compartilhe dos mesmos sentimentos expressos
pelos adultos e idosos, prefere abordar o tema sob um ângulo mais específico
e que lhe diz respeito, e encaminha a discussão para a amizade, como foi observado na seção anterior.
“O amor ao próximo se pode sentir por várias pessoas, é ajudar uns
aos outros. A amizade já é mais específica... A amizade verdadeira é
sem interesse. Um amigo sabe ajudar na hora que você precisa dele,
te apóia na hora triste, te ensina o que sabe de bom... Se o amigo
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
fizer alguma coisa errada, você tem que chegar, conversar, mostrar
o que está errado.”
(Jovens)
Os entrevistados acreditam que nos dias de hoje é mais difícil encontrar
essas demonstrações de amor aos outros. O acelerado ritmo de vida, as preocupações com seus próprios problemas, o dispêndio de tempo e de energia
para suprir as próprias necessidades conduzem a um maior individualismo,
levam as pessoas a adotarem uma atitude mais “egoísta”.
Embora muitos atribuam esse individualismo aos outros, alguns dos
participantes das reuniões reconheceram encontrar dificuldades em prestar ajuda a desconhecidos ou mesmo a pessoas com quem tenham algum
relacionamento.
“Hoje as pessoas estão muito ocupadas, estão mais gananciosas, pensam
mais em si mesmas. As mulheres têm que trabalhar, todo mundo está na
luta, não têm muito tempo para pensar nos outros.”
(Cônjuges)
“Não é muito fácil ficar ajudando os outros. Eu não vou sair do meu
caminho para procurar alguém que esteja precisando de ajuda... Ouvir
um desconhecido é muito difícil. O cara está lá, debaixo de uma marquise... você vai parar para ouvir? É muito difícil!”
(Comerciários, 25/40 anos)
O clima de insegurança e de desconfiança que paira sobre a cidade é outro
fator que dificulta o exercício da solidariedade.
“Outro dia fui ajudar uma senhora, que estava carregando umas sacolas de compras, muito pesadas. Ela fez cara feia, não deixou que eu
ajudasse. Pensou que eu fosse roubar.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
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O respeito ao próximo
O respeito ao próximo se situa, no quadro de referências da clientela do SESC
Madureira, no mesmo plano do amor ao próximo. E, assim como aquele, é um
valor indispensável ao bom convívio entre as pessoas e entre os segmentos da
sociedade.
As definições do que seja respeitar o próximo são um pouco diferentes entre
os grupos, variando segundo a idade dos entrevistados. Para os mais velhos, o
conceito é mais tradicional e se baseia principalmente no respeito dos filhos
pelos pais e dos mais novos pelos de mais idade.
“É o respeito que eu tinha pelos meus pais... Nunca disse um palavrão
na frente deles... Para eu obedecer, nem precisava eles falarem. Era só
um olhar e a gente já sabia o que era para fazer.”
(Idosos)
Para os grupos de 40 anos e mais, predomina no conceito sua face legal, em
que o princípio fundamental é o de que “o meu direito termina onde começa
o direito dos outros”.
“Respeitar as pessoas, os espaços delas, seus direitos. Às vezes, as pessoas
gostam do que eu não gosto. Eu tenho que respeitar... Existem regras que
regem as relações na sociedade. Se as regras forem infringidas, alguém
está sendo desrespeitado.”
(Comerciários, 40 anos e mais)
Os grupos concordam que nem sempre as pessoas respeitam o direito alheio, o
que causa desentendimentos, podendo levar até a conseqüências mais graves.
“Tem gente que não respeita o outro. Um quer o azul, o outro quer o
vermelho. Aí, acabam brigando.”
(Comerciárias, 40 anos e mais)
Entre os mais jovens, o respeito ao próximo tem um sentido mais amplo e
mais moderno. Inclui a questão do respeito pelas minorias e pelos desiguais e,
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ainda, o modo como as pessoas se relacionam, incluindo os gestos de gentileza
e a maneira de se relacionar com os estranhos.
Nesses grupos, as discussões sobre esse tema são mais francas e mais abertas,
com muitos dos entrevistados admitindo que, apesar dos avanços, o preconceito ainda tem presença muito forte em nossa cultura.
“Pedir licença para passar, ceder o lugar em um ônibus... A gente
está perdendo esses valores, esses hábitos... Os jovens olham para os
idosos com cara de nojo. É triste, porque todos vamos chegar lá...”
(Cônjuges)
“O ser humano está sempre julgando os outros, se achando superior...
Algumas coisas são fáceis na teoria, mas na prática ficam mais difíceis.
Acho que o racismo é assim. Na prática, as pessoas acham difícil aceitar
uma filha sua namorando um negro...”
(Comerciárias, 25/40 anos)
“O preconceito é muito forte em nossa cultura. O preconceito de cor ou
contra as preferências sexuais, ou o preconceito com os deficientes... Hoje
em dia já se conversa abertamente sobre isso, mas ainda é uma luta pessoal para aceitar e conviver com as diferenças.”
(Comerciários, 25/40 anos)
A auto-estima ou o respeito a si mesmo
Este valor foi mencionado apenas pelos grupos de jovens, os dois grupos de
comerciários de 25/40 anos e o de comerciários do sexo masculino de 40 anos
e mais.
O respeito a si mesmo guarda estreita relação com o respeito ao próximo. Ambos são entendidos como expressões da dignidade do ser humano.
O respeito a si mesmo é condição decisiva para que se respeite o outro, a
partir da própria valorização individual como ser humano e da observância do
seguinte princípio: cada um deve ter entre seus objetivos de vida o constante
auto-aperfeiçoamento.
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Implica a permanente preocupação de se impor limites e de não ceder às
tentações de ganhos fáceis ou moralmente condenáveis. Respeitar o próprio
corpo e respeitar suas próprias convicções. Valorizar suas qualidades e lutar
contra seus defeitos. Desenvolver a auto-estima.
“A auto-estima é muito importante. A pessoa tem que gostar de si mesma. Assim como você quer o melhor para seus filhos, deve querer o melhor para si mesmo... Ser melhor só depende de você... Se você às vezes se
sacrifica pelos outros, por que não pode se sacrificar por si mesmo?”
(Comerciários, 25/40 anos)
“Eu tenho respeito por mim mesma. Fico orgulhosa quando eu vejo
que consegui educar meus filhos sozinha, com todas as dificuldades
e sem perder a dignidade... Se você não se amar, não tem condições
de amar os outros, de passar o amor para os outros.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
O grupo de comerciários de 40 anos e mais realça a questão da dignidade,
que está envolvida com o respeito a si mesmo.
“O respeito começa pela própria pessoa. Cada um tem que manter a sua
dignidade, o seu valor moral. Não se pode querer isso dos outros, dos seus
filhos, dos seus parentes, se você não tiver em você mesmo.”
O grupo de jovens introduziu nas discussões a questão do direito de cada
um em determinadas situações, como, por exemplo, sacrificar sua auto-estima e adotar determinadas posturas, a princípio condenáveis, para atingir um
objetivo nobre.
“A auto-estima é respeitar a si mesmo, é não se vender, não vender o
próprio corpo... Mas se uma garota tem filhos para sustentar e se torna
uma garota de programa, a gente compreende e até aceita... É a única
maneira que ela conseguiu para poder criar os filhos.”
(Jovens)
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
Para os adolescentes uma garota de programa é mais digna e menos prejudicial à sociedade do que um político corrupto, como observado na seção
anterior.
“A garota de programa não está fazendo mal a ninguém. É um problema dela, que a gente tem que respeitar... O político corrupto está
roubando os pobres. Está prejudicando o país, enriquecendo à custa da
miséria dos outros.”
(Jovens)
Essa questão, levada para discussão nos grupos subseqüentes, obteve o mesmo tipo de avaliação por parte dos demais clientes do SESC, sinalizando mudanças que, provavelmente, estarão ocorrendo no quadro de valores morais e
éticos da sociedade brasileira.
A religião ou o temor a Deus
A religião, como valor determinante para a condução de uma vida ética e
moralmente correta, surgiu em apenas quatro grupos: dos idosos, dos comerciários de ambos os sexos com 40 anos e mais, e dos cônjuges de comerciários.
Os demais segmentos de clientes do SESC, compostos por pessoas mais jovens, não tocaram no assunto.
A religião desempenha um papel semelhante ao da família na definição de
regras de comportamento, no estabelecimento de valores, na fixação de normas de conduta. Mas, ao contrário da família, que atua e produz seus resultados no inter-relacionamento dos membros do grupo familiar, a ação da
religião parece se processar em termos individuais.
É dogmática e impositiva. Seus ensinamentos já estão prontos, enquanto
os da família são variáveis e se produzem através de um processo vivo e
dinâmico.
O temor a Deus é visto como elemento de grande importância para a formação do caráter e para o exercício do respeito ao próximo. Ao falarem do papel da religião, os entrevistados usam termos como bem, bondade, coisas boas.
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“Está faltando o temor a Deus, o respeito, o amor ao próximo.
As pessoas não têm mais a religião, a criação dos filhos é muito
errada... Deus traz tudo, me dá tudo. Com a religião, a pessoa se
transforma, é tocada no coração... A gente procura fazer as coisas
boas.”
(Idosos)
“A religião traz paz de espírito... Nos dá a consciência do que é certo e
do que é errado... Bota o nosso pensamento no bem, ensina a não desviar, fazer as coisas certas, como o Pai nos ensinou.”
(Cônjuges)
4.3
Valores individuais (pesquisa induzida)
Além dos valores surgidos espontaneamente durante as reuniões dos grupos,
a pesquisa propôs o exame de três outros valores, visando atender a objetivos
específicos do presente estudo:
1. Competitividade.
2. Sucesso.
3. Fracasso.
Competitividade
A competitividade é um valor de forte presença na vida da clientela do SESC
Madureira. Está presente em praticamente todas as atividades desempenhadas
no dia-a-dia dos entrevistados: no trabalho, na escola, no esporte, no relacionamento com vizinhos e amigos.
De acordo com os depoimentos e comentários colhidos durante as discussões, a competitividade é elemento inerente à natureza humana, tão natural
quanto comer, dormir ou conversar.
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“As pessoas estão sempre olhando as outras, se comparando com as outras. Em todo lugar é assim... Tem sempre alguém querendo ser melhor
que você, alguém querendo ter mais que você.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
Para todos os grupos, a competitividade tem um lado bom e um lado ruim.
O lado bom é o estímulo ao aprimoramento quando se está competindo. Para
vencer o outro é preciso ser melhor, se superar para poder superar o concorrente. O lado ruim é dado pelo recurso a procedimentos ilícitos, à deslealdade, para conseguir vencer a qualquer custo.
Ambos os lados, o ruim e o bom, estão presentes quase sempre que há competição.
“A competitividade é terrível, mas é estimulante... Tem os dois lados:
a competição saudável estimula a pessoa a desenvolver seu potencial,
a querer ser o melhor. E tem o lado do jogo sujo, com um querendo
pisar no outro, querendo tirar o tapete do outro.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
No grupo de comerciárias de 25/40 anos surgiu a questão do medo da competição, que teria efeitos danosos.
“Se você não entra na competição, você se reprime, se desvaloriza. É
muito difícil aceitar o mau comportamento dos colegas. Mas se você
fugir da competição, quem é prejudicado é você.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
Os jovens encontram satisfação especial em ser os vencedores em uma competição. Mas ressalvam que a vitória só deve ser alcançada através de meios
lícitos. Essa observação apareceu em todos os grupos, denunciando que a deslealdade é muito comum na competitividade, embora “nunca” seja praticada
pelos entrevistados.
“A gente quer ganhar, quer ser melhor que os outros... Quem ganha fica
feliz... O melhor é saber tirar proveito, quando a gente perde. Saber por
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que eu perdi e saber o que devo fazer para ganhar, da próxima vez...
Mas sem queimar o filme de ninguém... Subir na vida sem usar ninguém como escada.”
(Jovens)
Nas relações de trabalho, a competitividade é um fato corriqueiro e estimulado pelo patrão, que procura mais produtividade. Por outro lado,
também é buscada pelos profissionais, que querem sobressair aos colegas e
competidores.
“A competitividade é boa. Ajuda no meu desenvolvimento. Cada um
querendo fazer melhor que o outro... A gente procura aprender mais,
compra revistas, livros, para poder fazer o trabalho melhor... No meu
ramo de trabalho, eu tenho que ser o melhor, me atualizar. Se não,
acabo ficando para trás.”
(Comerciários, 25/40 anos)
“Tem cara que faz qualquer coisa, te atropela para ganhar, para passar
a tua frente.”
(Comerciários, 25/40 anos)
Os grupos concordam em que a cooperação e a competitividade podem
conviver em uma mesma situação. Entendem que, apesar de cada indivíduo
querer se destacar em determinado grupo que busque um objetivo comum, o
sucesso de cada um só é conseguido se o grupo alcançar a meta proposta. Em
casos como esse, a cooperação é elemento imprescindível, mas não elimina a
competitividade.
“No esporte existe competição e colaboração. Você coopera com os companheiros porque faz parte de uma equipe. Mas você e os companheiros
vão querer dar o melhor de si, cada um querendo ser o melhor do time.
Isso é normal, desde que não seja doentio.”
(Cônjuges)
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
“No trabalho, tem que existir a cooperação. Se não tiver cooperação,
nada vai funcionar direito. Eu posso querer ser melhor do que os outros
e luto para isso, mas todo mundo ajuda todo mundo, para poder fazer
as coisas direito.”
(Comerciários, 40 anos e mais)
O sucesso
O sucesso encontra uma definição relativamente simples em todos os grupos
pesquisados. Sucesso é alcançar um objetivo, é realizar um sonho.
De acordo com a clientela do SESC Madureira, o caminho em direção ao
sucesso tem duas vertentes: o sucesso material, obtido por meio da posse e
aquisição de bens materiais; e o sucesso espiritual, o qual se atinge por meio
da realização de objetivos não-materiais.
Para o grupo da terceira idade, o sucesso nunca deve ter objetivos materiais.
Como estes são difíceis de serem conseguidos, quem tem como meta chegar à
posse de bens materiais corre o grande risco de se sentir frustrado e incapaz.
“Tem gente que quer ter uma mansão, muitos carros, jóias, essas
coisas. Aí, não conseguem e ficam frustrados, amargurados... Sucesso
é ter uma família organizada, poder dar uma boa educação para
os filhos.”
(Idosos)
Já para o grupo de jovens, o componente material do sucesso é bem mais forte,
ainda que as realizações pessoais também sejam destacadas pelos adolescentes.
“Sucesso é subir na vida... Aparecer na televisão... Ter sucesso no
skate...”
Mas é também:
“Realizar os sonhos, sentir-se completo, satisfeito consigo mesmo,
se destacar por seus méritos e não por oportunismo... Não ser uma
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Darlene (personagem da novela Celebridades), que quer aparecer
de qualquer forma.”
(Jovens)
A referência à família organizada e à boa educação dos filhos é um fator
constante nos grupos de adultos. O sucesso, assim, é projetado nos filhos e
se autojustifica pela constatação da capacidade de formar boas pessoas, tarefa
difícil em um mundo cheio de problemas como é o de nossos dias. Mas o
sucesso material também tem seu espaço nesses grupos de adultos.
“Ter um ideal, vencer na vida... Adquirir os bens materiais que
deseja... Eu comecei a trabalhar com 14 anos de idade. Meu sonho
era ter uma casa própria, e eu consegui. Para mim, eu tive sucesso...
Eu acho que é ver seus filhos com saúde, bem formados, subindo
na vida.”
(Comerciárias, 40 anos e mais)
“Sucesso é ter minha geladeira cheia. Fico feliz, porque minha filha tem
o que comer, porque eu consegui isso com o meu trabalho.”
(Comerciárias, 25/40 anos)
Os comerciários de 25/40 anos acrescentam mais um item, o da realização
profissional, o reconhecimento pelos outros de sua capacidade e de suas qualidades pessoais.
“Os elogios, ser reconhecido por muita gente como sendo uma boa
pessoa... Ter sucesso profissional e amoroso... Alcançar a parte financeira... Minha família, minha mãe, meus filhos, meus irmãos. Todos
unidos, dando suporte uns aos outros. Se eu tivesse muita grana e
não tivesse minha família, não teria alcançado o sucesso.”
(Comerciários, 25/40 anos)
O sintoma de que o sucesso foi alcançado é uma sensação de paz interior, de
tranqüilidade, o sentimento de ter cumprido sua missão.
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
“Tranqüilidade. Cada objetivo que se consegue é um prazer que se tem
na vida.”
(Cônjuges)
“A paz, a tranqüilidade... A certeza de que você fez o que deveria ter
feito... Que você cumpriu suas responsabilidades com a família, com o
trabalho.”
(Vários grupos)
O fracasso
Para a clientela do SESC Madureira, o fracasso não é apenas uma antítese
do sucesso. O conceito de fracasso tem uma parte que corresponde à não-obtenção do sucesso, mas é mais do que isso.
Para os comerciários ouvidos pela pesquisa, se chega ao fracasso quando se
perde a capacidade de lutar, quando se desiste de brigar pelos objetivos, quando não restam mais perspectivas nem esperanças na vida.
“Tirar nota baixa na prova não é fracasso, é um erro. Fracasso é coisa bem
mais séria... É quando a pessoa se acha impossibilitada de vencer desafios...
Quando desiste dos objetivos... Quando perde a capacidade de lutar.”
(Jovens)
“Fracasso é quando você não tem mais vontade de lutar... Quando você
perde a esperança.”
(Idosos)
Assim como acontece em relação ao sucesso, a família, mais especificamente
a desestruturação do grupo familiar e a perda do amor dos parentes mais próximos são referenciais expressivos para determinar ou não o fracasso.
“Se eu me separasse de minha família, de minhas filhas, se eu ficasse
sozinha, eu teria fracassado.”
(Comerciárias, 40 anos e mais)
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Serviço Social do Comércio
“Quando se perde a família e o emprego ao mesmo tempo é o fracasso.
Se perde a família, o emprego segura. E vice-versa. Mas se perder os
dois... Perdeu tudo... Mas não pode perder a auto-estima, a esperança,
a capacidade de sonhar.”
(Comerciários, 25/40 anos)
Os sentimentos produzidos pelo fracasso são a impotência, o vazio na alma
e a morte em vida.
“O sentimento é de vazio, uma sensação de morte... É a desistência da
vida.”
(Jovens)
“É o vazio... A desesperança... A morte... O sentimento de impotência,
de que não é mais capaz de viver.”
(Vários grupos)
4.4
A formação de valores e o papel do SESC
Na maioria dos grupos de entrevistados, o SESC é muito comumente descrito como sendo uma “extensão da família”.
Tal como o grupo familiar, oferece proteção física a seus membros e propicia
o estabelecimento de amizades profundas e um relacionamento de solidariedade entre seus freqüentadores.
“O nosso grupo de carteado é mais do que uma amizade. É uma extensão da família.”
(Comerciários, 40 anos e mais)
Nos dias de violência e insegurança em que vivemos, o SESC Madureira
aparece como um lugar seguro onde os pais podem deixar seus filhos, que
pode ser freqüentado em um ambiente de paz, segurança e tranqüilidade.
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
Um elemento central é que, no entender de alguns entrevistados, o SESC
desempenha um importante papel na diminuição das desigualdades sociais e
de renda que se encontram na sociedade, proporcionando acesso a determinados bens e serviços: hidroginástica, musculação, cursos, shows etc. Estes
últimos, de outra maneira, seriam proibitivos a muitos de seus clientes. Na
provisão destes serviços, tomados como fator de redução de desigualdades,
os entrevistados identificam a vocação do SESC como um “serviço social”
com função clara.
“Tem gente que aqui, no SESC, consegue fazer coisas que só sabia que
existiam porque viam na televisão. Mesmo cobrando, os preços são baixos, estão ao alcance de qualquer pessoa.”
(Comerciários, 25/40 anos)
O SESC é reconhecido por seus clientes por oferecer uma vasta gama de
atividades, todas úteis e adequadas às diferentes faixas etárias e aos distintos
interesses.
Os clientes do SESC afirmam, de modo geral, receber dos funcionários e
prestadores de serviços um atendimento educado e respeitoso, não tendo sido
registradas queixas mais sérias a respeito desse item.
Em relação aos valores abordados pela pesquisa, os entrevistados dizem perceber no desempenho das atividades da entidade elementos que, de alguma forma,
contribuem para fortalecer alguns desses valores junto a seus freqüentadores.
Foram mencionados os valores família, solidariedade, respeito ao próximo
e competitividade.
O valor família está presente no próprio ambiente do SESC Madureira,
que propicia relações interpessoais que se aproximam das existentes no grupo
familiar.
O ambiente é notado, principalmente, pelos freqüentadores de mais idade e
que dispõem de mais tempo para freqüentar a entidade. Eles possuem, assim,
maiores oportunidades para estabelecer laços mais fortes com outros freqüentadores de igual condição.
Porém, essas pessoas assinalam que o SESC, nesse sentido, não toma atualmente iniciativas, ao contrário do que acontecia no passado, quando assistentes sociais promoviam o entrosamento entre os diversos públicos.
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Hoje, a iniciativa cabe aos próprios freqüentadores que se organizam em
“grupinhos”, com relativamente poucos contatos com as demais pessoas.
“Antigamente, quando você chegava pela primeira vez, era recebido pela
assistente social que te mostrava tudo, te apresentava às outras pessoas.
Você ficava logo enturmado. Hoje, cada um que trate de si... Chegou
uma senhora, ela nem sabia onde trocar a roupa. Quem é da hidroginástica chega, faz sua aula e vai embora.”
(Idosos)
Outras medidas, mais ou menos recentes, também contribuíram para diminuir o relacionamento entre pessoas de diferentes idades.
“Nós tínhamos a sala de jogos, que era freqüentada por gente de todas
as idades. Tinha pingue-pongue, sinuca, carteado. Todo mundo se conhecia. Tudo isso acabou. Nosso grupo de carteado tem que chegar cedo
e conseguir uma mesa na lanchonete, para poder jogar.”
(Comerciários, 40 anos e mais)
A solidariedade também é estimulada, mas por iniciativas particulares. Algumas pessoas se organizam para promover grupos de ajuda a terceiros, dando
continuidade ao que antes era promovido pela direção do SESC.
“Nós tínhamos um ‘Grupo de Solidariedade’ todas as quintas-feiras.
Comprávamos coisas, íamos ao asilo, levávamos o nosso coral. Era a
maior festa. Agora, mudou a estrutura, isso se acabou.”
(Idosos)
A competitividade, exercida em suas formas mais sadias, é praticada naturalmente nas diversas modalidades esportivas postas à disposição dos freqüentadores. Os professores e monitores dão boa orientação e estimulam a
colaboração ao lado da competição própria do esporte.
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
“A gente joga futebol de salão, o ambiente é muito bom. É claro que
tem competição, todo mundo quer ganhar. Mas é tudo na amizade, sem
brigas, sem problemas.”
(Comerciários, 25/40 anos)
Do mesmo modo, o respeito ao próximo é passado pelo comportamento de
funcionários e prestadores de serviços, sempre com atitudes respeitosas para
com todos os freqüentadores.
4.4.1 Decodificando as demandas dos entrevistados em relação aos
serviços ofertados pela unidade de Madureira
Apesar de não constar entre os seus objetivos centrais, a presente pesquisa
registrou opiniões e manifestações sobre o atual sistema de prestação de serviços da unidade em Madureira. Deve-se lembrar que, em termos metodológicos, o desenvolvimento do presente estudo não indagou sobre as percepções
dos clientes sobre a qualidade dos serviços ofertados pela unidade.
No entanto, foi a partir de opiniões dos participantes sobre a qualidade
dos serviços que se tornou possível extrair elementos que permitem decodificar alguns determinantes sobre o papel do SESC na formação de valores dos
entrevistados. Portanto, as citações de algumas opiniões não implicam necessariamente um juízo de valor sobre os serviços, e, sim, como eles podem ser
interpretados à luz do objeto da pesquisa: a formação de valores da clientela
do SESC.
Do lado dos benefícios está principalmente a profissionalização dos professores, instrutores e monitores. Segundo as opiniões de um grupo de discussão,
são profissionais capacitados, que prestam não somente serviços de boa qualidade, mas também influenciam no processo educacional.
“Alguns professores são maravilhosos. O Nei é mais que um professor;
é uma lição de vida.”
(Comerciárias, 40 anos e mais.)
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Serviço Social do Comércio
Nesse sentido, o SESC é considerado como uma extensão familiar e da escola na sua função educacional.
Um segundo fator relevante, anteriormente mencionado, é a redução de
desigualdades sociais no país, no que tange ao acesso a certos serviços, como:
saúde, cultura, lazer ou a própria educação.
“O dentista é muito bom e é barato. É o único lugar em que eu posso
pagar um tratamento dentário.”
(Cônjuge)
Porém, a percepção dos entrevistados apresenta elementos heterogêneos: de
um lado, a redução de desigualdades e o acesso a serviços básicos; do outro,
um efeito “demonstração de consumo”. No SESC, muitos entrevistados encontram bens de consumo que somente podiam observar na televisão e em
revistas das classes privilegiadas.
Dessa forma, o SESC contribui, ainda que parcialmente, na satisfação de aspirações individuais que respondem a padrões de consumo amplamente disseminados pelos meios de comunicação de massa e que configuram estereótipos
de “estilos de vida”.
Em geral, com exceção de alguns casos muito isolados, existe um amplo reconhecimento da qualidade dos profissionais, do nível de segurança oferecida
nas instalações, e dos próprios serviços, no que diz respeito à variedade e à
qualidade.
No entanto, uma leitura atenta revela algumas insatisfações dos entrevistados com o papel do SESC na formação de valores sociais a partir, principalmente, de duas matrizes estreitamente inter-relacionadas: a percepção de um
processo de terceirização dos serviços e a redução do espaço público.
Sob a ótica do papel do SESC na formação de valores sociais, os clientes
pensam que a terceirização dos serviços, ao lado de alguns benefícios, trouxe desvantagens para a clientela. Algumas opiniões proporcionam conceitos
muito importantes na relação entre a terceirização e a redução “do público”.
Em primeiro lugar, “tudo agora é pago”. Embora alguns serviços sejam mais
baratos do que outros cobrados “lá fora”, determinadas atividades ficam fora
do alcance das pessoas de menor renda.
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
“Tinha hidromassagem, sauna. Agora está para o lado financeiro. Terceirizaram a musculação, tiraram a sauna, acabaram com os bailes,
que eram de graça.”
(Comerciários, 25/40 anos)
“A refeição era muita barata e a comida era boa. Antigamente, o pessoal
do comércio do bairro vinha comer aqui. O restaurante tinha nutricionistas competentes. Mandaram embora, eu fiquei decepcionada.”
(Vários grupos)
A última citação é crucial para entender:
a) a percepção de que, com o processo de terceirização, verifica-se um
processo de privatização de um espaço tradicionalmente considerado público porque o acesso a ele era gratuito ou muito barato;
b)a percepção de que, com a introdução de uma lógica mercantil (constatada no aumento de preços), a qualidade do serviço piorou em vez de
melhorar; e
c) o efeito pernicioso de todo este processo, que consiste na redução do
restaurante como espaço público: “o pessoal do bairro vinha comer aqui”
– agora não vem mais.
Em segundo lugar, outro problema é o da ausência de um serviço de emergência que atenda os freqüentadores do SESC em eventuais situações de risco.
Nesta percepção existe mais uma vez justaposição entre os objetivos do SESC
e a necessidade de um espaço público com a função de reduzir vulnerabilidades – redução que é função do Estado. Por exemplo, o serviço de médico para
atender a acidentes e a casos de urgência, por órgãos públicos.
“Não tem médico para os casos de emergência. Se acontecer um acidente, quem é que vai se responsabilizar?”
(Vários grupos)
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A percepção do SESC como espaço público e, mais do que isso, como
espaço estatal, é tão aprofundada que, em um dos grupos de discussão,
uma entrevistada chegou a afirmar: “antes era o Estado, mas agora é um tal
de SESC”.
Finalmente, o processo de terceirização é acusado, ainda, de ter tornado
impessoais as relações entre o SESC e sua clientela. E de estar discriminando
os freqüentadores, agindo em sentido contrário ao da diminuição das desigualdades em seu interior, o que sempre caracterizou a entidade.
“Com a terceirização, os professores são eficientes, mas o tratamento
mudou. Chegou, faz a aula; acabou, vai embora.”
(Cônjuges)
Também se verifica um maior aprofundamento de desigualdades com a cristalização de fragmentações sociais:
“Meu filho foi para a colônia de férias. Cada atividade era paga separadamente. Então algumas crianças podiam fazer algumas coisas e outras
mais pobres ficavam olhando.”
(Comerciários, 25/40 anos)
A erosão de um ambiente adequado para o aumento de relações interpessoais entre clientes e funcionários – atribuída ao processo de terceirização e à redução do espaço público (conseqüência desse processo) – faz
com que algumas pessoas percebam o SESC como um mero “balcão de
serviços”.
A presente subseção mostrou, a partir das demandas dos entrevistados, que
a expectativa da clientela é que o SESC ajude na formação de valores sociais e
individuais em praticamente todas as áreas: na educação, nos esportes, na cultura e na diminuição de desigualdades sociais e vulnerabilidades constatadas
na sociedade em geral.
Como pano de fundo, o que a clientela do SESC pretende é a promoção
de um espaço público e maior interação social, ambos os elementos dramaticamente reduzidos ou transformados pelas novas condições socioeconômicas
ainda em fase de transição da sociedade brasileira.
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
A próxima seção concentrará os esforços para estabelecer alguns critérios
que podem ser úteis na interpretação das formas pelas quais se absorvem e
funcionam efetivamente esses valores, além de apresentar as principais conclusões e sugestões derivadas da presente pesquisa.
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Serviço Social do Comércio
5. O SESC e a demanda por maior interação social como
forma de contribuição do aumento do capital social.
Conclusões e recomendações
A seção anterior mapeou as principais conclusões dos participantes dos grupos de discussão. Como pôde ser observado, foram levantadas diversas questões sobre três aspectos principais: valores sociais, individuais e o papel do
SESC na formação desses valores.
Nas últimas páginas, pretende-se levantar algumas questões heurísticas derivadas das discussões dos grupos e descritas na seção anterior, com o objetivo
de compreender o papel que o SESC – instituição cujo interesse é oferecer um
conjunto de serviços na área social para os trabalhadores do comércio – pode
desempenhar na formação e estruturação de valores sociais e individuais. Esta
interpretação não pode ser feita ignorando-se as condições socioeconômicas
do Brasil, assim como as mudanças experimentadas pelo país desde o retorno
do sistema democrático.
Uma primeira conclusão consiste em que os entrevistados enfrentam atitudes, aspirações sociais e valores individuais, na maior parte das vezes, contraditórios. Contradições entre valores tradicionais longamente sedimentados e
valores que começam a emergir das novas condições socioeconômicas que o
país enfrenta.
Em termos materiais, as pessoas se deparam com uma realidade econômica
difícil, que provoca um conjunto de incertezas. Elas dizem respeito ao trabalho, à família e ao conjunto de acessos a serviços que ajudem a expandir possibilidades e alternativas de desenvolvimento pessoal e de inserção na sociedade
à qual os indivíduos pertencem.
Em termos culturais, também existem grandes mudanças. Com efeito, a
globalização das sociedades e das economias produziu enormes conseqüências no campo da cultura, com a crescente influência da mídia e de outros
meios de comunicação. O acúmulo de informações e a disseminação de
padrões de vida muitas vezes inatingíveis por grandes segmentos da população são percebidos como elementos que introduzem conflitos no ambiente
familiar.
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
Conflitos que em alguns casos são gerados pela impossibilidade material de
alcançar certos padrões de vida e de consumo e, em outros casos, pelo próprio
processo de mudança de valores contemporâneos, em substituição aos valores
tradicionais. Os conflitos operam de forma eficaz na alteração de comportamentos individuais e nas relações interpessoais no interior do núcleo familiar
e nas próprias relações sociais dos indivíduos.
Em termos sociais, sem dúvida nenhuma, a mudança mais relevante é a
redução dos espaços públicos ou, no mínimo, na redefinição da natureza dos
mesmos. Anteriormente, a percepção das pessoas sobre os espaços públicos
sofria uma forte influência da presença do Estado.
O “público” e o “estatal” se confundiam como espaços de interação
social onde demandas individuais e tópicas de toda espécie eram satisfeitas ou, pelo menos, intermediadas. Somente dessa maneira pode-se
entender o tão disseminado “paternalismo” de Estado, que nada mais é
do que a ampla intervenção estatal nas mais diversas esferas da interação
individual.
A redefinição do espaço público não é uma tarefa intelectual restrita a
alguns círculos, mas, principalmente, uma tarefa coletiva em que o processo de formação de valores sociais é gradativo e exige comportamentos
individuais adaptáveis à nova realidade socioeconômica e cultural. No entanto, esses comportamentos adaptáveis não podem ser passivos ou, simplesmente, reativos.
Qualquer processo de adaptação bem-sucedido requer assimilação e absorção crítica das novas condições que uma sociedade enfrenta. Somente
assim é possível, em um primeiro momento, decodificar de forma inteligente as novas condições para, em um segundo instante, alcançar uma
efetiva capacidade transformadora da aparente redução dos espaços públicos. Nesse sentido reside a importância crucial da educação e de seus
conteúdos.
Finalmente, em termos políticos, o desencanto cada vez maior com os
incipientes regimes democráticos em nossa região guarda estreita relação com as transformações, ainda em fase de transição, mencionadas nos
âmbitos econômico, cultural e social. Insegurança econômica, influência
exacerbada da mídia, desestruturação de valores sociais tradicionais e redefinição/redução dos espaços públicos para uma maior interação social
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levam as pessoas a um maior ceticismo com o mundo da política e de seus
agentes: os políticos.
Ironicamente, os regimes democráticos estão em questão. De forma irônica porque justamente é na democracia que as possibilidades de participação cidadã são bem maiores. No entanto, parece existir um descompasso
entre as possibilidades oferecidas pela democracia, por um lado, e a esfera
econômica, as aspirações sociais e os valores, por outro.
Sob esse aspecto, é possível existir ainda um forte conflito entre os
valores que o “paternalismo do Estado” incentiva e a necessidade de
“participação” que a democracia requer. A resolução do conflito pode
se converter em um fator de solução para o descompasso anteriormente
mencionado.
A recuperação do espaço público, sob a ótica da nova realidade socioeconômica em que vive o país, implica, como afirmado anteriormente, a
redefinição deste espaço a partir das funções que a nova realidade exige.
A afirmação é válida não apenas para os âmbitos estatais e políticos, mas
também para o papel do SESC e de outras instituições semelhantes nesta
redefinição.
As funções e os requisitos desse novo conceito do espaço público, que
vai de encontro aos novos valores sociais e individuais que emergem, precisam articular entre si os contextos econômico e social. Em síntese, os
valores sociais tradicionais podem estar criando obstáculos à percepção
de novas alternativas de rearticulações sociais que permitam a redefinição
dos diversos espaços públicos, ao invés de predominar a percepção de
redução e erosão inevitáveis de um espaço público entendido de forma
tradicional. Para atingir uma nova percepção desses espaços é de vital
importância entender a forma pela qual os indivíduos – neste caso específico, os entrevistados dos grupos de discussão – estão assimilando os
novos recortes da realidade e processando em conseqüência novos valores
sociais e individuais em formação.
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5.1 A presença de ‘contravalores’ como mecanismo privilegiado de
absorção de valores sociais e individuais
Ao longo da realização da dinâmica de, absolutamente, todos os grupos
de discussão, os conceitos de família, solidariedade, respeito por si mesmo
e pelos outros, superação profissional, sucesso, fracasso, amor e fé religiosa,
e, até, a competitividade e a concorrência foram reafirmados como princípios abstratos que orientam e balizam as vidas dos entrevistados.
Todos os conceitos estão presentes na vida das pessoas, como regras gerais
de validação social a longo prazo, e, não necessariamente, como valores que
operam de imediato. A família, por exemplo, é reconhecida como núcleo
fundamental e alicerce da sociedade. Mas quando incentivados a emitir
opinião sobre as funções centrais da família, os entrevistados preocupam-se
com as agressões cotidianas do mundo “de fora”, principalmente com os
efeitos nocivos da mídia que provocam conflitos intrafamiliares. Assim,
mais do que o ensino e a transferência de valores aos filhos, a família precisa administrar os conflitos derivados do mundo “de fora”, cada vez mais
agressivo.
Novamente, no mundo do trabalho aparece a dicotomia entre valores abstratos e contravalores específicos. A competitividade e a concorrência aparecem ao longo dos grupos de discussão como valores abstratos que servem
não somente como regras de superação pessoal, mas também como reconhecimento da cooperação entre as pessoas para que as tarefas sejam mais bem
desempenhadas. No entanto, a deslealdade no trabalho, ou, como se diz, “puxar o tapete”, influencia de forma mais agressiva do que os princípios gerais
acima citados.
Com efeito, as pessoas entrevistadas estão mais preocupadas com formas de
competição e concorrência desleais que trazem maiores níveis de incerteza no
que diz respeito à perda do emprego.
Uma segunda questão importante no quesito competição/concorrência
pode funcionar como uma perda de liberdade para o indivíduo, se os valores
forem exclusivamente identificados a partir de uma ótica estática. Diversos
autores chamam a atenção para o aumento do estresse dos indivíduos como
uma das principais conseqüências de se assumir a concorrência, simplesmente
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com o objetivo único de aumentar a produtividade. É preciso adotar uma
ótica dinâmica e de longo prazo, onde concorrência e competitividade sejam
associadas a valores tais como superação profissional e desenvolvimento de
capacidades individuais no posto de trabalho.
O desenvolvimento dessas capacidades fará com que os indivíduos adquiram, ao longo do tempo, um grau maior de autonomia e, portanto, de mais
domínio das diversas funções a serem desempenhadas no trabalho. Autonomia não vinculada somente ao mundo do trabalho, mas que se estenderá por
todas as esferas da vida dos seres humanos.
A associação mencionada no parágrafo anterior apenas será alcançada se for
criado um ambiente de certeza e de longo prazo. É preciso separar a competitividade e a concorrência, sob risco de instabilidade ou perda do emprego
– ou seja, transformar esses valores que constituem uma ameaça constante e
permanente aos indivíduos.
Finalmente, os valores como solidariedade e respeito ao próximo, amplamente aceitos pelos entrevistados, são também obscurecidos pelos contravalores cujas origens podem ser encontradas na violência das grandes cidades
brasileiras, nas diferenças entre os cidadãos. Por exemplo, existem pessoas que
não praticam a solidariedade com outras pessoas por medo de algum tipo de
violência.
5.2
O SESC e a formação do capital social
Conforme as seções anteriores, os entrevistados demandam do SESC a necessidade de construção de um espaço público onde a interação social, seriamente restrita nos últimos anos a determinados ambientes institucionais, seja
restabelecida. No entanto, também se observou que grande parte das tarefas
não mais desempenhadas pelo Estado são confundidas, muitas vezes, com o
papel e a vocação do SESC.
O presente trabalho – a partir de uma análise das principais conclusões
extraídas dos grupos de discussão e das principais características socioeconômicas da nova realidade brasileira – pretende propor a reavaliação do papel
do SESC, levando em consideração a necessidade de reestruturar um espaço
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
público e a forte influência da instituição na formação e divulgação de valores
sociais.
Em primeiro lugar, dada a nossa compreensão do que hoje, no mundo contemporâneo, se entende por espaço público, não faz mais sentido visualizar
o SESC como uma instituição provedora de serviços públicos, tais como:
saúde, educação e até segurança pública. As atividades culturais do SESC,
em conjunto com a área de educação, permitem afirmar a necessidade de
contribuir com o que o Banco Mundial denominou “capital social para o
desenvolvimento”.
“Capital social para o desenvolvimento” é entendido como o conjunto de
valores socioculturais orientados à inovação, com o propósito de alcançar
efeitos sobre o desenvolvimento econômico e político de uma sociedade. A
relevância da cultura sobre valores sociais específicos que permitam atingir
o desenvolvimento deixou de ser um tema controvertido nas últimas duas
décadas. A questão principal consiste em determinar os modos pelos quais a
cultura aumenta o capital social de uma sociedade e, portanto, é capaz de ser
um elemento fundamental no desenvolvimento econômico, social e político.
Segundo Rimac e Stulhofer (2003), existem três modelos teóricos para entender a relação e a influência do capital social. Cada modelo constitui um
conjunto inter-relacionado de valores políticos, econômicos e socioculturais.
O primeiro modelo, chamado de “modelo da mudança pós-materialista”,
postula que o desenvolvimento social não é um processo caótico e acidental,
mas sim o resultado de uma estrutura de valores específicos (Inglehart, 1995).
Inglehart propõe uma matriz baseada em três sistemas de valores orientados
para três dimensões fundamentais da vida social. Os três sistemas de valores
são: os tradicionais, os modernos e os pós-modernos. As três dimensões fundamentais são: as metas sociais fundamentais, os objetivos pessoais e o respeito à autoridade central (ver Tabela 2).
Conforme pode ser observado na Tabela 2, as sociedades modernas enfatizam a prosperidade econômica como meta social global e como um objetivo
pessoal. No entanto, o mundo pós-moderno, segundo Inglehart, prioriza a
autonomia individual das pessoas usando como principal mecanismo o desenvolvimento dos direitos e liberdades humanas.
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Tabela 2: Sistemas de Valores Sociais
O problema deste modelo é que os conjuntos de valores precisam ser agrupados em sistemas coerentes, capazes de explicar as mudanças sociais. Portanto, não existe espaço para valores conflitantes entre si, a não ser como parte
de uma transição social. Um segundo problema é que no modelo de Inglehart
os valores sociais são simultaneamente causa e efeito do desenvolvimento econômico e político. Em conseqüência, a relação entre os valores sociais e o
desenvolvimento de uma sociedade é um problema ainda não resolvido pela
proposta de Inglehart.
Finalmente, um terceiro problema consiste na ênfase da proposta nas sociedades mais desenvolvidas, deixando de lado a análise de países em vias de
desenvolvimento como o Brasil.
O segundo modelo, denominado “modelo de reação situacional”, postula
que as especificidades socioculturais são secundárias para explicar a relação
entre valores sociais e o desenvolvimento. Neste modelo, os traços socioculturais somente adquirem um papel relevante em termos quantitativos: quanto
maior a quantidade de valores sociais coerentes e compatíveis com a realidade
socioeconômica, maior será o avanço de uma sociedade.
Nesse arcabouço teórico, não interessam as especificidades próprias do capital social, mas sim a percepção de que as condições econômicas, políticas
e sociais (contexto ou situação) determinam os padrões de comportamento e
a formação de valores das pessoas. Por exemplo, a conivência com um grande número de injustiças, abusos e irregularidades derivados de um processo
econômico mal regulado poderá gerar somente a formação de valores como
cinismo e oportunismo, que são amplamente dominantes.
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Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC
Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
Finalmente, o “modelo do capital social” propriamente dito, cujo principal
defensor é Robert Putnam (1994), representa o modelo mais popular das Ciências Sociais nos últimos dez anos. O surgimento desse arcabouço teórico reside na grande insatisfação da capacidade preditiva (seria produtiva?) dos dois
modelos anteriores. Uma série de pesquisas mostra o papel intermediador da
cultura no desenvolvimento de uma sociedade. Cultura vista, por um lado,
como eixo propulsor do desenvolvimento e, por outro, como uma espécie de
trava para o mesmo princípio.
Além das instituições formais, é preciso considerar normas e hábitos coletivos específicos que podem ser elementos fundamentais para se entender
o processo de desenvolvimento. Por exemplo, instituições formais como a
democracia e o mercado podem se transformar em instituições promotoras
do atraso, caso as normas e os hábitos coletivos sejam incompatíveis com essas
instituições, gerando instabilidade política e econômica.
Putnam mostra que, possivelmente, uma matriz cultural propícia é o principal elemento para o aumento do capital social. Confiança mútua, cooperação, respeito, entre outros, são os elos de ligação entre os membros de uma
comunidade, que permitem o funcionamento melhor da democracia e da
própria economia. Hábitos culturais podem produzir riqueza econômica,
que, por sua vez, converte-se em mais um fator para o aumento do capital
social (ver Figura 1).
Figura 1: Estrutura do Capital Social em Sociedades Democráticas
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O primeiro elemento, confiança, denota a predisposição inicial para a cooperação entre as pessoas, não somente entre membros da família e conhecidos,
mas também entre os colegas de trabalho e outras pessoas mais afastadas do
seu círculo social. O segundo elemento, associação/cooperação, torna possível
realizar ações coletivas com base em experiências diretas, a partir das vantagens da cooperação e do cumprimento de interesses que vão além da ação
individual. Finalmente, os padrões de civilidade são os elementos principais
do respeito entre as pessoas, do funcionamento da sociedade e da eficácia do
sistema de punições e incentivos necessários para regular a ordem social.
A união dos três elementos estruturais do capital social permite dar uma
estabilidade maior ao sistema político e uma reinterpretação da imagem da
política, tão mal vista pelos entrevistados dos grupos de discussão.
O presente Relatório propõe o modelo do capital social para compreender
melhor o novo papel do SESC na formação de valores da sua clientela. Conforme foi mencionado anteriormente, o contexto socioeconômico do Brasil contemporâneo exige a reformulação não apenas do papel de instituições
como o SESC, mas também do papel do Estado e do espaço público, reconfigurado e adaptado à nova realidade social.
Três grandes tarefas ou objetivos precisam ser enfrentados por todos os setores sociais, com o propósito de aumentar o capital social da sociedade brasileira. Em primeiro lugar, aumentar o controle social sobre as esferas públicas e
de poder. Este controle social, para ser efetivo, depende de uma compreensão
adequada do papel do indivíduo na esfera política, do que se entende por
participação política e de uma maior interação social entre os indivíduos participantes, com o objetivo de discutir e refletir sobre os problemas enfrentados
pelo país e suas soluções.
Nesse sentido, o papel do SESC pode ser um fator relevante no aumento da
eficácia do controle social, mediante seus programas de educação e cultura.
Alguns pontos seriam fundamentais, como, por exemplo, cursos de moral e
cívica para crianças e jovens, com o objetivo de ensiná-las a importância das
leis. Além do conhecimento da Constituição e da importância do voto, não se
deveria esquecer o papel das associações, com o propósito de defender direitos
coletivos, entre outros.
Em segundo lugar, o mundo contemporâneo exige uma visão autônoma
e de expansão das liberdades do indivíduo, com o objetivo de aumentar o
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Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira
capital social. Muitas das atividades do SESC devem ser orientadas para o
desenvolvimento das capacidades autônomas nas mais diversas áreas da ação
humana. Capacidades entendidas no sentido positivo da palavra, e não no
sentido egoísta, ensinando assim que a cooperação não é um valor alternativo
ou concorrente da “autonomia”, mas parte integrante da mesma. E, portanto,
um fator fundamental para a expansão das liberdades no mundo do trabalho,
da família e da vida em sociedade.
Finalmente, em terceiro lugar, o fator mais importante do capital social diz
respeito ao aumento do nível educacional da população. Mais uma vez, o
SESC pode contribuir para a superação da preocupante situação educacional
do país. Como muitos trabalhos demonstram, as pessoas que terminam o
Ensino Fundamental saem com muitas deficiências. Falhas que refletem em
baixos níveis de produtividade no posto de trabalho, os quais, por sua vez,
constituem fator determinante para o baixo nível salarial não somente da população em geral, mas também dos trabalhadores do comércio.
É importante ressaltar que esta pesquisa não propõe de forma alguma cursos
profissionalizantes, já que tal papel é desenvolvido pelo SENAC. A questão
suscitada por este trabalho é que o SESC pode contribuir para uma visão
mais integral e humanista da educação, difundindo o conceito de que esta
não é o acúmulo desintegrado de conhecimento. O SESC deve demonstrar
que a educação é uma ferramenta poderosa para entender melhor o mundo,
adaptar-se de forma positiva a ele e adquirir uma visão crítica dos principais
problemas que enfrenta a sociedade.
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6.
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