Gravidade: energia potencial
Michael Fowler
Energia Potencial perto da Terra
Primeiro vamos fazer uma breve revisão da energia potencial gravítica junto à superfície da Terra, numa
sala por exemplo. A força gravítica é obviamente 𝐹𝐹 = π‘šπ‘šπ‘šπ‘š apontando verticalmente para baixo.
Para levantar uma massa π‘šπ‘š, temos de aplicar uma força ascendente – 𝐹𝐹, que compense a gravidade de
modo a que a força total seja zero e o corpo posso mover-se a uma velocidade constante (ignorando a
resistência do ar, claro, e assumindo que lhe demos um pequeno impulso para iniciar o movimento). A
aplicação de uma força constante – 𝐹𝐹 enquanto a massa percorra uma distância Ξ”π‘Ÿπ‘Ÿ requer um trabalho
βˆ’πΉπΉβˆ†π‘Ÿπ‘Ÿ, e para elevar a massa π‘šπ‘š de uma altura β„Ž requer trabalho π’Žπ’Žπ’Žπ’Žπ’Žπ’Ž. Esta energia é armazenada e, é
chamada energia potencial, sendo β€œenergia cinética potencial”, e escreve-se
π‘ˆπ‘ˆ = π‘ˆπ‘ˆ(β„Ž) = π‘šπ‘šπ‘šπ‘šβ„Ž.
Repara na óbvia ambiguidade presente nesta definição de energia potencial: medimos β„Ž a partir do chão,
a partir da mesa de trabalho ou o quê? Isso depende de quanto é que vamos elevar o nosso objecto antes de
o deixar cair e converter a energia potencial em cinética – mas o importante é que não interessa onde se
coloca o zero, a quantidade física de interesse é sempre a diferença entre as energias potenciais de duas
altitudes – é essa a energia cinética libertada quando o corpo cai entre uma e outra. (Talvez devêssemos
mencionar que alguma desta energia potencial poderá ir para outra forma de energia quando o corpo cai –
se a resistência do ar for apreciável, por exemplo, alguma poderá transformar-se em calor. Ignoraremos
essa possibilidade por agora.)
Para cima e para diante
Consideremos agora o trabalho involvido na elevação de algo até uma altura tão alta que o campo
gravítico da Terra se torna mensuravelmente mais fraco.
Ainda será verdade que a elevação de uma distância βˆ†π‘Ÿπ‘Ÿ requer um trabalho – πΉπΉΞ”π‘Ÿπ‘Ÿ, mas agora 𝐹𝐹(π‘Ÿπ‘Ÿ) =
𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺/π‘Ÿπ‘Ÿ 2 (para baixo). Portanto
𝑑𝑑𝑑𝑑 = βˆ’πΉπΉπΉπΉπΉπΉ =
𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺
𝑑𝑑𝑑𝑑
π‘Ÿπ‘Ÿ 2
e para acharmos o trabalho total necessário para elevar a massa π‘šπ‘š da superfície da Terra (π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ desde o
centro da Terra) até um ponto à distância π‘Ÿπ‘Ÿ do centro temos de fazer um integral:
π‘Ÿπ‘Ÿ
𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺 β€²
1 1
π‘‘π‘‘π‘Ÿπ‘Ÿ
=
𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺
οΏ½
+ οΏ½.
β€²2
π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ π‘Ÿπ‘Ÿ
π‘Ÿπ‘Ÿ 𝑇𝑇 π‘Ÿπ‘Ÿ
π‘ˆπ‘ˆ(π‘Ÿπ‘Ÿ) βˆ’ π‘ˆπ‘ˆ(π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ ) = οΏ½
Primeiro verifica que isto faz sentido nas proximadades da superfície da Terra, isto é, numa sala. Para esse
caso,
Portanto
π‘Ÿπ‘Ÿ = π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ + β„Ž, β„Ž β‰ͺ π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ .
1 1
π‘ˆπ‘ˆ(π‘Ÿπ‘Ÿ) βˆ’ π‘ˆπ‘ˆ(π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ ) = 𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺 οΏ½ + οΏ½
π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ π‘Ÿπ‘Ÿ
π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ + β„Ž βˆ’ π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡
= 𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺 �
οΏ½
π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ (π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ + β„Ž)
β„Ž
β‰… 𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺 οΏ½ 2 οΏ½
π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡
= π‘šπ‘šπ‘šπ‘šβ„Ž
onde a única aproximação foi substituir π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ + β„Ž por π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ no denominador, com um erro da ordem de β„Ž/π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡
partes por milhão para uma sala normal.
Para vermos como é que esta função potencial se parece em larga escala, longe da Terra, temos primeiro
de decidir onde é que é mais natural fixas o zero. A convenção usual é dizer que a energia potencial é nula
no infinito π‘Ÿπ‘Ÿ = ∞! A razão para isto é que se dois corpos estiverem muito longe um do outro, não têm
qualquer influência no movimento do outro, portanto não faz sentido incluir um termo na sua energia total
que inclua a sua interacção mútua.
Tomando a energia potencial nula no infinito dá uma forma mais simples
π‘ˆπ‘ˆ(π‘Ÿπ‘Ÿ) = βˆ’
𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺
.
π‘Ÿπ‘Ÿ
Representamos aqui esta função, em unidades de raios terrestres. A energia está em unidades de
𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺/π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ , sendo o -1 do lado esquerdo a superfície da Terra (π‘Ÿπ‘Ÿ = 1) e parte inicial quase linear
corresponde a π‘šπ‘šπ‘šπ‘šβ„Ž.
Esta imagem representa o β€œpoço” de potencial que é necessário subir à medida que nos afastamos da
Terra. Podemos imaginar que a Terra está no fundo desse poço de potencial tridimensional:
Ou, de uma perspectiva diferente:
Claro que isto é só a duas dimensões, mas é o suficiente para a maioria dos problemas gravitacionais: as
órbitas planetárias são bidimensionais. Um satélite numa órbita circular em torno da Terra pode ser
imaginado como uma partícula deslizando sem atrito dentro deste β€œcone” a uma altura fixa, numa órbita
elíptica a partícula deslizaria entre duas alturas diferentes.
Energia Potencial num sistema de dois corpos
O que eu quero dizer é, como é que generalizamos este modelo do β€œpoço” de potencial gravítico num
plano para, por exemplo, a energia potencial combinada de uma massa sujeito aos campos gravíticos da
Terra e da Lua, como aconteceria numa vôo para a Lua.
Vimos no início da secção anterior que a diferença de energia potencial entre quaisquer dois pontos é dada
pelo trabalho realizado pela força gravítica:
π‘Ÿπ‘Ÿ2
π‘ˆπ‘ˆ(π‘Ÿπ‘Ÿ2 ) βˆ’ π‘ˆπ‘ˆ(π‘Ÿπ‘Ÿ1 ) = βˆ’ οΏ½ 𝐹𝐹 𝑑𝑑𝑑𝑑.
π‘Ÿπ‘Ÿ1
Não interessa qual é o caminho entre π‘Ÿπ‘Ÿ1 e π‘Ÿπ‘Ÿ2 : se o trabalho fosse diferente em dois caminhos diferentes,
poderíamos ganhar energia colocando uma massa a percorre-los, e assim construindo uma máquina de
movimento perpétuo. O facto de que isto não é verdade significa que o campo gravítico é conservativo: a
energia potencial gravítica é um dos termos da equação de conservação da energia.
Recorda da aula anterior que o campo gravítico obedece ao Princípio da Sobreposição: para achar a força
gravítica total numa massa devida aos campos da Terra e da Lua, simplesmente adicionamos os vectores
que representam as forças individuais. Daqui resulta imediatamente que, escrevendo 𝐹𝐹⃗ = 𝐹𝐹⃗𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇𝑇 + 𝐹𝐹⃗𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿
, a diferença de energia potencial entre dois pontos é simplesmente a soma dos dois termos.
Então a energia potencial de uma massa algures entre a Terra e a Lua é dada por
π‘ˆπ‘ˆπ‘‘π‘‘π‘‘π‘‘π‘‘π‘‘π‘‘π‘‘π‘‘π‘‘ (π‘Ÿπ‘Ÿ) = βˆ’
𝐺𝐺𝑀𝑀𝑇𝑇 π‘šπ‘š
𝐺𝐺𝑀𝑀𝐿𝐿 π‘šπ‘š
βˆ’
|π‘Ÿπ‘Ÿ βˆ’ π‘Ÿπ‘ŸπΆπΆπΆπΆ | |π‘Ÿπ‘Ÿ βˆ’ π‘Ÿπ‘ŸπΆπΆπΆπΆ |
onde como é habitual π‘ˆπ‘ˆ(∞) = 0 e π‘Ÿπ‘ŸπΆπΆπΆπΆ , π‘Ÿπ‘ŸπΆπΆπΆπΆ são as coordenadas dos centros da Terra e Lua
respectivamente.
Vale a pena visualizar este potencial combinado: parecer-se-ia com dois daqueles poços cónicos, um
muito mais pequeno que o outros, inseridos numa superfície quase plana. Indo em linha recta de um posso
a outro é como subir e descer um monte. No ponto mais alto da jornada a energia potencial será plana,
significando que a atracção gravítica da Terra compensa a da Lua, de modo que não é necessário realizar
trabalho para mover desse ponto. A energia potencial total nesse ponto é ainda negativa, claro, isto é,
inferior ao valor da energia (zero) na zona plana.
Potencial Gravítico
O potencial gravítico é definido como a energia potencial por unidade de massa, e é frequentemente
escrito como πœ‘πœ‘(π‘Ÿπ‘Ÿ). Raramente o usaremos – os problemas que encontraremos involvem a energia
potencial de uma dada massa π‘šπ‘š. (Mas πœ‘πœ‘(π‘Ÿπ‘Ÿ) é um conceito valioso em tratamentos mais avançados. É
análogo ao potencial electrostático, e na ausência de massas obedece à mesma equação em derivadas
parciais βˆ‡2 πœ‘πœ‘(π‘Ÿπ‘Ÿ) = 0. )
Escape!
Quão rápido tem de se mover um projéctil assim que deixa a atmosfera para que consiga escapar ao campo
gravítico da Terra? Esta é a famosa velocidade de escape. Desprezando a espessura da atmosfera, o
projéctil precisa claramente de energia cinética suficiente para subir o poço,
1
𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺
2𝐺𝐺𝐺𝐺
2
π‘šπ‘šπ‘£π‘£π‘’π‘’π‘’π‘’π‘’π‘’π‘’π‘’π‘’π‘’π‘’π‘’
=
, 𝑣𝑣𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒 = οΏ½
.
2
π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡
π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡
Este valor é cerca de 11.2 km/s. Para a Lua, a velocidade de escape é apenas 2.3 km/s, e é por essa razão
que a Lua não tem atmosfera: se inicialmente tinha alguma, o radiação do Sol foi suficiente para dar às
moléculas uma energia cinética térmica tal que a velocidade típica era superior à velocidade de escapa.
Numa atmosfera em equilíbrio térmico, todas as moléculas têm a mesma energia cinética média. Isto
significa que as moléculas mais leves movem-se, em média, mais rapidamente. Na Terra, todo o
hidrogénio ou hélio presentes na atmosfera inicial terão eventualmente escapado pela mesma razão.
Exercício: A lua de Saturno, Titã, é do mesmo tamanho que a nossa Lua, mas Titã tem uma espessa
atmosfera. Porquê?
Exercício: Imagina um túnel escavado através do centro da Terra, reemergindo do lado oposto do globo.
A força gravítica no túnel é 𝐹𝐹 = π‘šπ‘šπ‘šπ‘šπ‘šπ‘š/π‘Ÿπ‘Ÿπ‘‡π‘‡ , como deduzido acima.
(a) Encontra uma expressão para a energia potencial gravítica dentro do túnel. Considera-a nula no centro
da Terra.
(b) Agora esboça o gráfico da energia potencial como função da distância ao centro da Terra, começando
no centro mas movendo-se até bem longo do raio da Terra. Esta curva tem de ser contínua. Por convenção,
a energia é definida requerendo que seja nula no infinito. Como é que ajustarias a tua resposta para obter
este resultado?
Energia cinética e potencial numa órbita circular
A equação do movimento de um satélite numa órbita circular é
É imediato concluir que a energia cinética é
π‘šπ‘šπ‘£π‘£ 2 𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺
= 2 .
π‘Ÿπ‘Ÿ
π‘Ÿπ‘Ÿ
1
𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺
1
1
= βˆ’ π‘ˆπ‘ˆ(π‘Ÿπ‘Ÿ),
𝐸𝐸𝑐𝑐 = π‘šπ‘šπ‘£π‘£ 2 = 2
2
2
π‘Ÿπ‘Ÿ
isto é, Energia Cinética = -1/2 Energia Potencial, pelo que a energia total numa órbita circular é metade
da energia potencial.
O movimento do satélite pode ser visualizado como andando à volta do poço de potencial circular que
vimos anteriormente. Quão rápido é que se move? É fácil verificar que para esta órbita circular
𝐺𝐺𝐺𝐺
π‘£π‘£π‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œ = οΏ½
.
π‘Ÿπ‘Ÿπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œ
Recordando que a velocidade de escape desta órbita é 𝑣𝑣𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒 = οΏ½π‘Ÿπ‘Ÿ
2𝐺𝐺𝐺𝐺
π‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œ
, temos que
𝑣𝑣𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒 = √2π‘£π‘£π‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œπ‘œ
Esta expressão relaciona a velocidade de um corpo numa órbita planetária circular com a velocidade
necessária para escapar à atracção gravítica do Sol, tendo essa órbita como ponto de partida.
Este resultado não é surpreendente: aumentando a velocidade por um factor de √2 duplica a energia
cinética, que seria então exactamente igual à energia potencial. O que significa que é exactamente a
energia cinética necessária para subir completamente até ao topo do β€œpoço” de potencial.
Conclusão: a energia total de um planeta de massa π‘šπ‘š numa órbita circular de raio π‘Ÿπ‘Ÿ em torno de um Sol
de massa 𝑀𝑀 é
𝐸𝐸𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑 = βˆ’
𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺𝐺
.
2π‘Ÿπ‘Ÿ
Tradução/Adaptação Casa das Ciências 2009
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