CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. MIGRAÇÃO E DESIGUALDADE SOCIOECONÔMICA1 Madson Gonçalves da Silva Resumo: Objetiva descrever o “Plano de Valorização Econômica do Espírito Santo”, desenvolvido no governo de Jones dos Santos Neves (1951-1954) como gênese do desenvolvimento urbano-industrial verificado a partir dos “Grandes Projetos industriais”. Descreve ainda o processo migratório e a desigualdade socioeconômica como efeitos desse crescimento. Descreve, ainda, o acentuado crescimento econômico, urbano-industrial na Região Metropolitana da Grande Vitória, no período 1950-1980, ressaltando a crise de superprodução do café no estado, que culminou com a “Erradicação dos cafezais”. Pretende correlacionar a desigualdade socioeconômica, do período 1970-1977, como um dos efeitos da política de erradicação dos cafezais, abarcando dentro do grupo dos segregados e marginalizados a classe dos trabalhadores desempregados oriundos do interior e de outros estados. Ainda, citar o “Plano de Valorização do Estado do Espírito Santo”, durante o governo de Jones dos Santos Neves (1951-1954), também os “Grandes Projetos Industriais” e a política de “Erradicação dos cafezais” como fatores preponderantes do desenvolvimento urbano-industrial. Aponta indicadores de desigualdade socioeconômicos a partir da do aumento de trabalhadores por setor e participação na renda interna do estado 1970-77. Busca relacionar no contexto específico a interação entre migração, desenvolvimento urbanoindustrial e desigualdade socioeconômica, no período 1950-1980, na Região Metropolitana da Grande Vitória, Espírito Santo. Palavras-chave: Migração; Industrialização; desigualdade socioeconômica. Resumen: Tiene como objetivo describir el "Plano de Valorização Econômica do Espirito Santo" , desarrollado en el gobierno Jones dos Santos Neves (1951-1954) como la génesis de la urbano-industrial verificado de "Grandes Projetos Industriais". También se describe el proceso de migración y los efectos de la desigualdad y el crecimiento socioeconómico. También se describe el fuerte crecimiento económico, urbano e industrial de la región metropolitana de Vitória, en el período 1950-1980, destacando la crisis de sobreproducción de café en el estado, que culminó con la "Erradicação dos cafezais". Tiene la intención de relacionar la desigualdad socioeconómica, el período 1970-1977, como efecto de la política de erradicación de las plantaciones de café, que abarca dentro del grupo de clase segregada y marginada de trabajadores desempleados del campo y de otros estados. Sin embargo, al citar el "Plano de Valorização Econômica do Espírito Santo", durante el gobierno de Jones dos Santos Neves (1951-1954), también "Grandes Projetos Industriais” y la política de "Erradicação dos cafezais" como factores importantes del desarrollo urbano -industrial. Puntos indicadores de desigualdad socioeconómica del aumento de los trabajadores por sector y participación en el ingreso del estado interno de 1970 a 1977. Trata de relacionar el contexto específico de la interacción entre la migración, el desarrollo urbano-industrial y la desigualdad 1 Este trabalho é reflexão do projeto de mestrado “Fluxo migratório e criminalidade: entrecruzamento e desdobramentos nos municípios de Vitória e Serra (1970-2010), realizado no Programa de Pós-Graduação em História, UFES. O trabalho está vinculado à linha de pesquisa “Estado e políticas públicas”. Mestrando em História Social das Relações Políticas – UFES. Pesquisador do Laboratório de Estudos dos Movimentos Migratórios e do Núcleo de Estudos Indiciários. CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. socio-económica en el período 1950-1980, en la Región Metropolitana de Vitória, Espírito Santo. Palabras-clave: Migración, Industrialización, Desigualdad socioeconómica. Situado na região Sudeste, o Estado do Espírito Santo possui uma das menores áreas dentre os estados brasileiros – 46.077,5 km² – e faz divisa com Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Privilegiado pelo litoral, possui grande infraestrutura portuária, que fomentou o desenvolvimento econômico e urbano-industrial ao longo do século XX. Vale ressaltar que ao longo da sua história, o estado, desde o século XVI viu-se com pequena ocupação populacional do portugueses e consequentemente pequeno investimento de mão-de-obra escrava. Já no Ciclo do ouro o estado serviu como “barreira natural” para o acesso à minas de ouro na região interiorana do Brasil, portanto, impedido de ter suas terras exploradas (BITTENCOURT, 2006, p. 64). É só em fins do século XIX que o Espírito Santo apresenta expressivo desenvolvimento, tanto pelo contingente populacional recém-chegado ao estado, fomentado pela política de imigração européia2, como pelo desenvolvimento da produção cafeeira como a principal atividade econômica. É na primeira metade do século XX que o Espírito Santo alcança seu ápice na produção cafeeira. Tendo expressiva participação na economia estadual, o café atinge seu auge de produção no final da década de 1940 até a metade da década de 1950, entrando em crise posteriormente. O “boom” cafeeiro no período circunscrito 1945-1955 se deu segundo Rocha e Morandi (2012, p. 73) “devido ao extraordinário crescimento dos preços internacionais e do plantio do produto”. É dentro desse período do auge da produção cafeeira que se inscreve o governo de Jones dos Santos Neves (1951-1954). Precedido por Carlos Monteiro Fernando Lindemberg (19471951), herdou a administração do estado em ascensão. Foi reconhecido pela inovação de ser o primeiro governador no país a estabelecer um planejamento para a administração: “O Plano de Valorização Econômica do Espírito Santo”. 2 Conforme Fortunato (2011, p. 41) principalmente italianos e alemães, mas também austríacos, poloneses e espanhóis. CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Segundo Oliveira (2008, p. 476) a assessoria promovida por uma “equipe de ponta”, desenvolveu muitas frentes de atividades no estado: aparelhamento do porto da capital com a finalidade de construção e de reparo de embarcações, dragagem do canal da baía de Vitória a uma profundidade de quinze metros, construção do cais de carvão, realizou aterramentos e enrocamento de mais de quatro quilômetros de extensão do cais do porto até Bento Ferreira. Ainda, intensa pavimentação, com mais de setecentos e cinqüenta quilômetros de vias asfálticas, percorrendo todo o estado, construção de diversas pontes de concreto, com destaque para a do Rio Doce, em Linhares. Destaca-se também o desenvolvimento no setor de energia hidrelétrica, aproveitando o rio Santa Maria, concluindo quase todo o primeiro dos três estágios programados. A criação do Instituto de Bem Estar Social, como plano de habitação, antes mesmo do plano federal, com o Banco Nacional de Habitação. Por último, sua gestão que impactou a administração no setor econômico, com dois investimentos de peso: o moinho de trigo e a Companhia Ferro e Aço de Vitória. Os investimentos do Plano de Valorização Econômica foram possíveis e sustentadas, segundo Santos, pela “melhoria dos preços do café e pelo aumento da arrecadação estadual” (2011, p. 130). No entanto, já na segunda metade da década de 1950 observa-se acentuada queda dos preços do café tendo seu momento mais crítico no biênio 1962/63. Em uma economia “tipicamente capitalista”, o evento como de uma crise deveria promover substituição da cultura, quando essa atingisse baixo nível de produtividade, tornando-se antieconômica. Não foi o caso do Espírito Santo, conforme afirma Rocha e Morandi (2012, p. 76), a queda dos preços do café afetou de forma particular a economia capixaba, uma vez que se tratava de uma estrutura produtiva fundamentada na pequena produção familiar (...) a tendência era que se preservasse a capacidade produtiva do café, uma vez que, apesar do baixo preço, esse produto representava para os cafeicultores quase que a única fonte de renda. Analisando por outro lado, a subsistência dessas unidades produtivas pouco dependia do café. Boa parte dos produtos essenciais para subsistência eram produzidos de forma autônoma. Os que não eram produzidos poderiam ser adquiridos no mercado comprados por produtos da própria produção. Tal circunstância apresentava oportunidade de alteração nos hábitos de consumo; mais: mostrou a resistência econômica diante da crise, expansão de outros produtos agrícolas tradicionais e preservação da produção cafeeira e da pequena propriedade familiar. CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Tal comportamento, juntamente com a crise, repercutiu de maneira grave na economia estadual, necessitando, portanto, de intervenção. No inicio dos anos 1960 foi criado o Grupo Executivo de Recuperação Econômica da Cafeicultura (Gerca), com a tarefa de executar o planejamento da produção cafeeira. Três diretrizes básicas foram elaboradas pelo Gerca: diversificação das áreas plantadas com outras culturas, renovação de parcelas dos cafezais e, promoção da erradicação dos cafezais antieconômicos. A última foi a mais bem-sucedida, tornando-se o “carro-chefe” da nova política cafeeira. Segundo Rocha e Morandi (2012, p. 77), “tornou-se um instrumento de grande importância na intervenção do Estado no setor cafeeiro. Essa interferência, de caráter exógeno, veio modificar tanto os efeitos da crise quanto a própria estrutura produtiva da economia capixaba”. Os efeitos das duas fases da Erradicação dos cafezais foram logo sentidos. Rocha e Morandi afirmam que o resultado foi que a política de erradicação implementada com o objetivo de controlar a crise cafeeira de superprodução afetou de forma profunda a economia capixaba num duplo sentido. Por um lado, criou uma crise social de grandes proporções, e, por outro, veio “libertar” ou “desimobilizar” os ativos representados pelos cafeeiros, que assumiram forma líquida, mediante a indenização financeira do GERCA (2012, p. 81). No final da década de 1960 o saldo de desempregados era por volta de 60 mil. Se na região interiorana do Estado eram esses os eventos, na Região Metropolitana – privilegiada geopoliticamente – os “Grandes Projetos Industriais” eram desenvolvidos. E foi ao longo dos anos 1960 e inicio dos 1970 que os projetos e investimentos de base iniciados no Plano de Valorização Econômica do Espírito Santo ganharam mais infraestruturas. A companhia de Desenvolvimento Econômico do Espírito Santo (Codes), transformada no inicio dos anos 1970 em Banco do Desenvolvimento do Estado do Espírito Santo (Bandes) “financiou um total de 37 projetos industriais, sendo que 26 eram projetos de ampliação de fábricas já existentes, e 11 eram de instalação de novas plantas industriais” (ROCHA; MORANDI, 2012, p. 104). É no governo do Cristiano Dias Lopes Filho (1967-1971) que observa-se, conforme Bittencourt e Neto (2002) uma gestão que administrava visando o aperfeiçoamento e ampliação sustentadas pelo dirigismo econômico. Ao longo dos anos 1960 e 1970 vários investimentos foram realizados podendo-se ressaltar os CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. projetos da Realcafé Solúvel do Brasil S.A e Frigorífico Rio Doce S.A (FRISA). Destaca-se também, segundo Fortunato (2011, p. 49) o surgimento do “aparato desenvolvimentista [que] contribuiu de forma decisiva para impulsionar o desenvolvimento industrial no estado, mediante a atração de investimentos privados nacionais e internacionais”, dentre os quais: Bandes, Fundo de Recuperação Econômica do Espírito Santo (Funres), Sistema de Crédito para o Desenvolvimento, Fundo de Desenvolvimento Agrícola e Industrial (Fundai), Conselho de Desenvolvimento Econômico, Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap) e Grupo Executivo de Recuperação Econômica do Espírito Santo (Geres). Ainda deve-se ressaltar que no governo de Cristiano Dias Lopes ocorreu melhorias na infraestrutura do estado através da criação da Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. (Escelsa), ampliação da rede da Telecomunicações do Espírito Santo S.A. (Telest) e Companhia Espirito-Santense de Saneamento (Cesan) (FORTUNATO, 2011). No plano industrial destaca-se a construção do Porto de Tubarão, finalizada em 1966, bem como a construção de duas usinas de pelotização de minério de ferro da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1969 e 1973. Tais investimentos da administração forneceram subsídios para a industrialização e atração de recursos para investimentos. Assim, conforme Rocha e Morandi (2012, p. 111), em meados da década de 1970, a economia capixaba havia atingido um nível de maturidade que a qualificava para receber grandes investimentos produtivos. Por um lado, dispunha de uma facilidade natural, que era sua posição geográfica estratégica, e encontrava-se muito bem dotada em termos de infraestrutura portuária, de transportes e de abastecimento energético. Por outro lado, as transformações econômicas recentes haviam constituído um mercado consumidor urbano e um parque industrial de significativas proporções, que, concentrados na Grande Vitória, conferiam a essa região um papel de destaque na economia capixaba, principalmente em termos de atração de novos investimentos. CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. FIGURA 1 Quadro “Grandes Projetos Industriais” Fonte: Oliveira, 2008, p. 491. Fortunato (2011, p. 50) observa que o intenso processo de modernização que a economia capixaba vivenciou no período 1960-1975, fundamentado nos Grandes Projetos Industriais e Projetos de Impacto promoveu profunda alteração no padrão de desenvolvimento econômico do estado. Verifica-se também alterações na estrutura do mercado de trabalho, bem como CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. certa liquidez e mobilidade na mão-de-obra disponível. No entanto, mesmo acompanhando o constante crescimento econômico, estiveram excluídos dos “principais benefícios”. O quadro do Espírito Santo ao longo dos anos 1960 e 1970 assim se apresenta: se por um lado verifica-se constante aperfeiçoamento de seu aparato industrial, portuário e de infraestrutura, com subsidios para outros investimentos de plantas industriais, apresentando forte chegada de capital externo, principalmente na Região Metropolitana, por outro lado verifica-se os efeitos da crise do preço do café e a consequente política de Erradicação dos cafezais antieconômicos que proporcionou expressiva liquidez financeira para os indenizados e grande saldo de mãode-obra dos desempregados. Embora se admita estreita relação entre o processo e efeitos da Erradicação dos cafezais, industrialização e migração, tais eventos não devem ser pautados simplesmente sob uma ótica de causa e efeito. A migração se tornou importante objeto de estudo na área das Ciências Humanas, não cabendo, ainda, no bojo das explicações proporcionadas pelos estudos nessas áreas. Embora o fenômeno seja demasiadamente complexo, depreende-se que em contexto específico, seja permitida alguma análise. Lee (1980) elaborou estudos sobre migração sob a perspectiva da modernização. Dessa forma, em uma abordagem estritamente funcionalista, o migrante analisa de forma racional, e após análise de custo-benefício do processo de migração, decide se permanece ou desloca. Tal argumento se baseia primariamente no desenvolvimento econômico. É evidente que a questão econômica deve ser apontada como fator para a complexidade migratória, no entanto está longe de ser o único fator. Já Singer (1980) sustenta que o fenômeno migratório é social. Logo, responde à processos sociais, econômicos e políticos. Tais eventos são historicamente condicionados. Para ele ainda devem ser levados em conta os fatores de atração e de expulsão. Fatores de expulsão podem ser subdivididos em fatores de estagnação e mudança. Segundo Oliveira (2011) de estagnação podem ser relacionados à incapacidade de aumento da produtividade da terra, seja por insuficiência física das áreas produtivas, seja por monopolização da áreas por grandes proprietários. De mudança depreende-se a inserção das relações de produção capitalista, que frequentemente aumenta a produtividade do trabalho reduzindo o nível de emprego. Tais fatores podem ser apontados como causa da emigração de parte do excedente populacional. Sassen (2010) traz também importantes considerações. Ao tratar do fenômeno migratório, CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. aponta para além de fatores de repulsão e atração. Fatores de repulsão e atração podem indicar o motivo pelo qual ocorre certa mobilidade social, mas não explicação o porquê da permanência de certas pessoas sob as mesmas condições das que migraram. Sassen caminha, certa maneira, sob a mesma perspectiva de Singer, eliminando fatores que mantem o foco no indivíduo, como escolha racional, e define categoricamente que “a opção de migrar é produzida socialmente” (p. 115). Expõe o caráter subjetivo que envolve o complexo fenômeno da mobilidade social, remontando inclusive a herança neocolonial como fator a ser observado no fenômeno. Uma vez posto alguns conceitos teóricos sobre migração, deve-se observar o contexto histórico, político e socioeconômico para correlacioná-los à dinâmica migratória. Primeiramente cabe apontar o processo de inversão da característica populacional, que era majoritariamente rural, para urbana, ao longo do período 1950-1980: TABELA 1 População Urbana e Rural do Estado do Espírito Santo no período 1950-1980 Década População Urbana % População Rural % População Absoluta 1950 199.186 20,8 758.052 79,2 957.238 1960 403.461 28,4 1.014.923 71,6 1.418.385 1970 734.756 45,4 883.101 54,6 1.617.857 1980 1.324.701 64,2 738.978 35,8 2.063.679 Fonte: IBGE, Sinopse preliminar do Censo demográfico, 2001. O crescimento da população absoluta do estado apresentou um crescimento de mais de 115% ao longo do período 1950-1980. A população Urbana um crescimento de mais de 560% enquanto a população Rural um decréscimo de 2,5%. Tal quadro mostra o vertiginoso crescimento populacional urbano, concentrado principalmente na Região Metropolitana da Grande Vitória. Dentre os fatores, inclui-se a migração. A próxima tabela apresenta a distribuição da População Economicamente Ativa (PEA) distribuída por setores, no período de 1970-1977, posterior à Erradicação dos cafezais e no CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. período de grande desenvolvimento industrial do Espírito Santo: TABELA 2 Distribuição da População Economicamente Ativa e participação na Renda Interna do Espírito Santo por setor nos anos 1970-1977 % Emprego % Renda Interna 1970 1977 1970 1977 Setor Primário 52,51 38,67 22,57 11,18 Setor Secundário 13,60 11,35 18,25 27,24 Setor Terciário 33,89 49,98 59,18 61,58 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: Espírito Santo, 1979, p. 41 Observa-se a partir de dados do período 1970-77, que, embora a renda interna proporcionada pela atividade industrial (setor secundário) tenha aumentado de 18,25% para 27,24% (+8,99%), a participação desse setor na geração de empregos caiu de 13,6% para 11,35%. Segundo Fortunato (2011, p. 53), “esses dados retratam que o modelo de industrialização local, consubstanciado na indústria de transformação altamente especializada e voltada para o mercado externo, absorve pouca mão de obra, uma vez que é intensiva em capital”. Ainda nessa perspectiva, ao analisar o setor primário, observa-se a queda de 52,51% para 38,67% (-13,84%) da PEA. Tal fato permite uma relação direta com a erradicação dos cafezais, que proporcionou imenso êxodo rural. Concomitante a isso, nota-se que o setor de serviços agregou expressiva quantidade de mão-de-obra, passando de 33,89% para 49,98% (+16,09) (1970-77). No entanto, o percentual da atividade na renda interna estadual apresentou apenas um aumento de 2,4%. Fortunato (2011, p. 54) afirma que esse grande aumento da participação da mão de obra nesse setor se deve, principalmente, a pouca qualificação da força de trabalho proveniente da zona rural, para atuar na nova vertente econômica adotada pelo estado. Além disso, esse setor apresenta um índice de informalidade de 41% da PEA nele ocupado, o que comprova a inabilidade do mercado de trabalho estadual, CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. nesse período, em alocar a mão de obra disponível. Dessa forma torna-se indispensável a apresentação dos dados que indicam o percentual de migrantes enfileirados no setor informal, inserido no setor de serviços, no ano de 1977: TABELA 3 Pessoas com 10 anos ou mais inseridas em atividade de setor informal do Espírito Santo no ano de 1977 Total Não Migrante % Migrante % 103.704 44.861 43,26 58.843 56,74 Fonte: Espírito Santo, 1979, p. 45. Um diagnóstico realizado pelo Sistema Nacional de Emprego do Espírito Santo em 1977 menciona que a inexistência de alternativas no meio rural provocou uma maior concentração das atividades econômicas no seu principal pólo (Vitória), engrossando os contingentes marginalizados das cidades, agravando o problema de desemprego aberto e subocupação, e exercendo acentuada pressão na infra-estrutura existente, incapaz de acompanhar esta demanda em expansão contínua (ESPÍRITO SANTO, 1977, p. 12). Nesse sentido pode-se inferir relação direta entre o crescimento urbano-industrial e a migração, como efeitos dos Grandes Projetos e da Erradicação dos Cafezais. Fortunato (2011, p. 59) menciona que “esse processo de marginalização da população proveniente dos fluxos migratórios pode ser observado pela variação dos rendimentos mensais por estrato social”. Nota-se que apenas 12,88% da População Economicamente Ativa do estado possuíam renda mensal superior a cinco salários mínimos. Já 60,53% da PEA não apresentavam nenhum rendimento mensal ou abaixo de dois salários mínimos. Apenas 21,41% apresentavam um rendimento mediano, de dois a cinco salários mínimos por mês. A partir da Tabela 4 observase elevado grau de precarização das relações de trabalho, respaldada principalmente no setor terciário, que apresenta baixo nível de rendimento (conforme Tabela 2) e alto índice de CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. informalidade. TABELA 4 Distribuição da População Economicamente Ativa por grupo de rendimento mensal ESPÍRITO SANTO Absoluto Relativo Sem renda 43.105 8,04 Até ½ Salário 46.595 8,69 Mais de ½ a 1 Salário 86.917 16,21 Mais de 1 a 2 Salários 147.976 27,59 Mais de 2 a 5 Salários 114.789 21,41 Mais de 5 Salários 69.087 12,88 Sem declaração 27.792 5,18 Total 536.261 100,00 Fonte: Espírito Santo, 1979, p. 51. Outro fator que corrobora a questão da desigualdade socioeconômica são os indicadores de Subemprego no Espírito Santo no ano de 19723. Nesses dados extrai-se que 0,74% do pessoal ocupado trabalhavam menos de 15 horas semanais. Os que trabalhavam menos de 39 horas, 17,86%. Outro dado indica que 27,4% do pessoal ocupado possuíam renda inferior ou igual a um salário mínimo. Tais dados se apresentam como indicadores de pobreza mostrando a condição precária de boa parte dos moradores do Espírito Santo. Tal situação ainda é agravada quando associamos o setor de destino da mão-de-obra migrante. 54% encerraram fileiras no setor terciário, enquanto 14% no setor secundário. Infere ainda, ao olharmos para a informalidade, 56,74% provem de mão-de-obra migrante. Conforme Fortunato (2011, p. 60), “grande parte dos trabalhadores provenientes do campo e de outros estados não encontrou condições adequadas de subsistência na Região Metropolitana do 3 Espírito Santo, 1977 apud Fortunato, 2011, p. 60. CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Espírito Santo”. A Secretaria de Estado do Planejamento emitiu um relatório que apontava que o formato do crescimento econômico do Espírito Santo possuía a mesma tônica do crescimento em toda a América Latina, ou seja, as limitações para se gerar empregos nos setores formais eram “equilibradas” pelas oportunidades de trabalho no setor informal. Dessa maneira a “modernidade” anda ao lado do tradicional, aqui visto como informal. Miséria, segregação e marginalidade são concomitantes aos modelos de desenvolvimento capitalista, proporcionando que riqueza e pobreza venham a conviver (ESPÍRITO SANTO, 1979). Tais elementos são apontados como fatores de desigualdade social. Embora seja perceptível um acentuado crescimento urbano-industrial, ocorreu visível piora nas relações de trabalho. O constante crescimento econômico não foi associado às demandas sociais dos trabalhadores do Espírito Santo, especialmente da Região Metropolitana. Este evento fomentou a desigualdade socioeconômica, principalmente direcionada aos migrantes, que encerraram as fileiras dos segregados socialmente. REFERÊNCIAS BITTENCOURT, G. A formação econômica do Espírito Santo: o roteiro da industrialização – do engenho às grandes indústrias (1535-1980). Rio de Janeiro: Cátedra, 1987. ESPÍRITO SANTO (Estado). Secretaria da Cultura e do Bem Estar Social. 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