UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Instituto de Psicologia e Ciências da Educação Mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário Consequências da tecnologia no ensino das artes visuais Realizado por: José Manuel Mendonça Naves Pinto Supervisionado por: Prof.ª Doutora Maria Adelaide Gregório dos Santos da Fonseca Pires Orientado por: Dr.ª Carla Marina Fernandes Gil Constituição do Júri: Presidente: Arguente: Vogal: Prof. Doutor Carlos César Lima da Silva Motta Prof. Doutor Célio Gonçalo Cardoso Marques Prof.ª Doutora Maria Adelaide Gregório dos Santos da Fonseca Pires Dissertação aprovada em: 18 de Julho de 2014 Lisboa 2014 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Instituto de Psicologia e Ciências da Educação Mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário Consequências da tecnologia no ensino das artes visuais José Manuel Mendonça Naves Pinto Lisboa Julho 2013 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Instituto de Psicologia e Ciências da Educação Mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário Consequências da tecnologia no ensino das artes visuais José Manuel Mendonça Naves Pinto Lisboa Julho 2013 José Manuel Mendonça Naves Pinto Consequências da tecnologia no ensino das artes visuais Relatório de estágio apresentado ao Instituto de Psicologia e Ciências da Educação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Ensino de Artes Visuais no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário. Coordenador de mestrado: Prof. Doutor Carlos César Lima da Silva Motta Supervisora de estágio: Prof.ª Doutora Maria Adelaide Gregório dos Santos da Fonseca Pires Orientadora de estágio: Dr.ª Carla Marina Fernandes Gil Lisboa Julho 2013 Ficha Técnica Autor Coordenador de mestrado José Manuel Mendonça Naves Pinto Prof. Doutor Carlos César Lima da Silva Motta Supervisora de estágio Prof.ª Doutora Maria Adelaide Gregório dos Santos da Fonseca Pires Orientadora de estágio Dr.ª Carla Marina Fernandes Gil Título Consequências da tecnologia no ensino das artes visuais Local Lisboa Ano 2013 Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação PINTO, José Manuel Mendonça Naves, 1974Consequências da tecnologia no ensino das artes visuais / José Manuel Mendonça Naves Pinto ; coordenado por Carlos César Lima da Silva Motta ; supervisionado por Maria Adelaide Gregório dos Santos da Fonseca Pires ; orientado por Carla Marina Fernandes Gil. - Lisboa : [s.n.], 2013. Relatório de estágio do Mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, Instituto de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade Lusíada de Lisboa. I - GIL, Carla Marina Fernandes, 1963II - PIRES, Maria Adelaide Gregório dos Santos da Fonseca, 1939IV - MOTA, Carlos César Lima da Silva, 1948LCSH 1. Arte - Ensino e estudo 2. Arte - Inovações tecnológicas 3. Escola Secundária Quinta do Marquês (Oeiras, Portugal) - Ensino e estudo (Estágio) 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Instituto de Psicologia e Ciências da Educação - Teses 5. Teses - Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4. 5. Art - Study and teaching Art - Technological innovations Escola Secundária Quinta do Marquês (Oeiras, Portugal) - Study and teaching (Internship) Universidade Lusíada de Lisboa. Instituto de Psicologia e Ciências da Educação - Dissertations Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon LCC 1. N85.P56 2013 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais José Manuel Mendonça Naves Pinto 1 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais José Manuel Mendonça Naves Pinto 2 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais José Manuel Mendonça Naves Pinto 3 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais AGRADECIMENTOS À Sandra e ao Manuel. José Manuel Mendonça Naves Pinto 4 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais APRESENTAÇÃO Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais José Manuel Mendonça Naves Pinto Foi intenção do autor desenvolver um trabalho centrado em aspectos práticos do computador e da tecnologia digital, quando aplicados ao universo do design e da arquitectura. Isto aconteceu para compensar a tendência inicial de falar em termos gerais o que acontece como consequência da inclusão destas tecnologias no nosso quotidiano em tantas e variadas actividades (incluindo no ensino). Tentou-se evitar dispersão e focar o trabalho naquilo que influencia, em termos práticos, a vida profissional e académica na área de estudo do design. O ponto de partida da pesquisa bibliográfica foi o desenvolvimento do design de acordo com o modelo da escola da Bauhaus e, graças à pesquisa encontrada de investigadores académicos do MIT, perceber as evoluções que prometem mudanças práticas no panorama tecnológico e na sociedade actual. O objectivo era testar algumas das questões práticas e possíveis mudanças sociais durante o estágio e estabelecer algumas conclusões básicas. Mais do que apresentar resultados definitivos, a virtude deste trabalho será o conjunto bibliográfico encontrado e sintetizado, na certeza de que desenvolvimentos importantes poderão surgir no futuro. Finalmente foram incluídas duas componentes axiológicas: em primeiro lugar referentes à importância de compreender o contexto social do autor como parte integrante da expressão artística, o que pode ajudar a compreender a filtragem do panorama tecnológico actual para a realidade portuguesa de acordo com realidades culturais e económicas; em segundo lugar também foi incluída uma referência ao desenho como método intemporal para registar o pensamento conceptual. Palavras-chave: Tecnologia, Ensino, Artes José Manuel Mendonça Naves Pinto 5 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais PRESENTATION Technological changes to Visual Arts Teaching José Manuel Mendonça Naves Pinto It was the author’s intention to develop a work centered in practical issues of today’s digital technologies when applied to general design (including architecture). This happened to compensate the initial tendency for speaking in general terms because we are confronted with so many consequences in our daily life (teaching included) and, to avoid dispersion, we focused on what did in fact change in practical terms that can give us clues about the importance of such technologies and how they might change our professional and academic life. This work started from the example of the importance of art studies towards the development of contemporary design according to the model of the Bauhaus school and then evolved thanks to the research of the MIT investigators that defined some practical changes of today’s technology and society. The objective was to test some of these practical questions and possible social changes during his internship and establish some basic conclusions. More than definitive results, the virtue of such work will be the study itself and its bibliographic research, with the certainty that important developments might be achieved in the future from this point. Finally, it were included two axiological components: first regarding the importance of understanding social context as part of the artistic expression which will help to understand the selection methods regarding the full technological panorama and the concrete application in Portuguese reality according to cultural and economic realities; also a reference to drawing as timeless method for conceptual thought and expression was incorporated on the work. Keywords: Technology, Teaching, Arts José Manuel Mendonça Naves Pinto 6 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais SUMÁRIO 1º CAPÍTULO: INTRODUÇÃO ...................................................................................... 9 Tema ........................................................................................................................ 9 Introdução justificativa............................................................................................... 9 Objectivos ............................................................................................................... 12 Finalidade ........................................................................................................... 12 Objectivos gerais ................................................................................................ 12 Objectivos específicos ........................................................................................ 12 Objectivos específicos em currículo oculto .......................................................... 13 Problema ................................................................................................................ 13 Hipótese.................................................................................................................. 13 Metodologia ............................................................................................................ 13 Estudo de caso ................................................................................................... 14 População ............................................................................................................... 15 Síntese dos Capítulos Seguintes ............................................................................ 15 2º CAPÍTULO: ENQUADRAMENTO TEÓRICO .......................................................... 17 Bauhaus.................................................................................................................. 17 Enquadramento histórico-social .............................................................................. 22 Três paradigmas básicos da cultura visual.............................................................. 23 A tecno-cultura e a história...................................................................................... 27 O autor de Alberti .................................................................................................... 29 As limitações do projecto de Alberti ........................................................................ 31 As novas possibilidades do projecto na era digital .................................................. 32 Teoria da variabilidade digital.................................................................................. 33 O objectile ............................................................................................................... 42 Nota sobre o Objectivo 1 ..................................................................................... 43 O autor colectivo ..................................................................................................... 44 Nota sobre o Objectivo 2 ..................................................................................... 47 Sociedade Digital e nova progressão na aprendizagem.......................................... 48 Nota sobre o Objectivo 3 ..................................................................................... 49 Rizoma ................................................................................................................... 49 Princípio da multiplicidade................................................................................... 50 Princípio da ruptura assignificante ...................................................................... 51 Princípio da Cartografia e da Decalcomania ....................................................... 52 A importância do contexto social na Arte ................................................................ 54 O desenho enquanto processo ............................................................................... 74 Breve resumo dos objectivos a verificar em aula .................................................... 81 3º CAPÍTULO: RECOLHA E ANÁLISE DE DADOS ................................................... 82 Análise da concretização dos objectivos: ................................................................ 82 José Manuel Mendonça Naves Pinto 7 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Objectivo1: perceber as novas possibilidades de projecto e produção de objectos de design ............................................................................................................ 82 Objectivo 2: actuar como um autor colectivo ....................................................... 87 Objectivo 3: Identificar as novas possibilidades de estudo em contexto digital.... 91 4º CAPÍTULO: CONCLUSÕES ................................................................................... 93 Desenvolvimento da virtualização dos projectos ..................................................... 93 Um novo grau de aproximação ao objecto final................................................... 95 Formação do professor ....................................................................................... 95 Objectivo 1: novas possibilidades de projecto e produção de design ...................... 96 Filtragem dialógica da tecnologia para o contexto português .............................. 96 Novo repertório formal e inclusão do cliente no processo de design ................... 98 Objectivo 2: actuar como um autor colectivo ........................................................... 99 Objectivo 3: identificar as novas possibilidades de estudo em contexto digital ...... 100 Disposição da sala de aula ............................................................................... 100 O problema do copy/paste ................................................................................ 101 Referências........................................................................................................... 103 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 106 Anexo A– Pedido de autorização à Direcção da escola para o desenvolvimento da pesquisa....................................................................................................... 110 Anexo B – Pedido de autorização aos encarregados de educação para o desenvolvimento da pesquisa ........................................................................... 112 Anexo C – Questionários sobre as modificações feitas ao design das peças de alunos seleccionados como casos de estudo.................................................... 115 Anexo D - Pauta de avaliação do professor estagiário ..................................... 124 Anexo E – Planificação das aulas ..................................................................... 129 Anexo F - Caracterização da escola ................................................................ 132 José Manuel Mendonça Naves Pinto 8 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais 1º CAPÍTULO: INTRODUÇÃO TEMA Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais INTRODUÇÃO JUSTIFICATIVA Este trabalho estará direccionado para o campo do design por vocação do seu autor e pela convicção de que as questões a estudar terão influencia em todos os campos da expressão artística pela relação da arte com o contexto social (1). O design e a arquitectura assumem um lugar natural no grupo disciplinar das Artes Visuais e recordo-me da disciplina de Teoria do Design que integrava o currículo do ensino secundário quando frequentei este nível de ensino. É uma área que requer constante actualização pelo modo como a sociedade desafia, constantemente, o designer e o arquitecto pois as evoluções técnicas tendem a ser rapidamente integradas nestas formas de expressão. Neste sentido será referido o exemplo da escola da Bauhaus, caso fundamental da relação entre ensino, arte e produção que ajuda a ilustrar como a arte pode mudar o quotidiano das pessoas de um modo generalizado. Estando a sua actividade situada na primeira metade do século XX , importa perceber o que mudou em tempos mais recentes com a chamada digital turn, ou seja, a introdução dos meios digitais no controlo dos processos de produção. Segundo a bibliografia estudada, a lógica do design tem-se mantido relativamente estável desde a Bauhaus até aos nossos dias pois o designer produz um protótipo que origina uma matriz constante cujo preço de produção é amortizado pelo número de cópias produzidas embora as últimas décadas prometam alterar esta noção. Outra mudança no horizonte promete incidir sobre o estatuto do autor de Alberti, caracterizado pela total propriedade intelectual sobre a peça projectada assim como o paradigma visual da igualdade que marca a era moderna substituindo o da semelhança tão presente nos períodos Românico e Gótico. Esboçado por Alberti no renascimento, este modelo de autor vai influenciar os meios de produção ainda artesanais do Renascimento até à sua plena implementação na época industrial. José Manuel Mendonça Naves Pinto 9 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Na fase pre-Albertiana a autoria tinha um carácter de partilha entre vários intervenientes provocado por factores socioculturais. No caso da arquitectura, a longa duração do trabalho a desenvolver e a forte componente escultórica da Igreja ou Catedral, para além das tradições sociais da construção civil, provocavam a dissolução do autor num grupo colectivo. Seria mais natural, perante a substituição de um arquitecto que o seu sucessor fizesse uma série de modificações ao projecto inicial. As aspirações de reconhecimento intelectual renascentistas depressa encontraram nas peças desenhadas segundo a geometria descritiva, meios de estabelecer uma matriz fixa à qual todos os intervenientes da construção do edifício ou do objecto tinham de cumprir. O repertório formal e o estatuto do autor eram definidos por essa matriz fixa: o projecto e a sua exacta reprodução garantia a relação entre o que era intelectualmente idealizado e o resultado final. Todo o processo tinha as suas restrições, quer ao nível da intervenção de terceiros, quer ao nível da variação das formas. Lembramos que em edifícios do período gótico como igrejas, o escultor tinha alguma margem de reajustar a imagem do conjunto através do desenvolvimento das suas peças e, ainda no inicio do século XX, Antoní Gaudi desafiava as convenções Albertianas com uma arquitectura em constante evolução escultórica de difícil representação pelo desenho técnico. Surgem agora nas últimas duas décadas as novas possibilidades do projecto nesta era digital com indicadores de que prometem uma boa receptividade por parte da generalidade das pessoas. Os sistemas de produção de controlo digital permitem registar e armazenar a matriz base do projecto Albertiano mas também abrem novas possibilidades que inquietam o processo de design se tivermos em conta as exigências individuais dos utilizadores. Neste momento, em objectos de design, as formas projectadas podem ultrapassar a matriz de projecto inicialmente definida pelo autor, ou seja, uma forma pode variar durante uma sequência de peças e essa variabilidade pode ser estabelecida pelo projectista mas também ser o próprio utilizador final a customizar o design inicialmente estabelecido. Estas consequências da evolução tecnológica prometem abalar as fundações do projecto Albertiano se forem acolhidas com receptividade por parte da população José Manuel Mendonça Naves Pinto 10 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais geral. Algumas empresas multinacionais prometem estudar estas novas vias e as razões são evidentes: no caso de um fabricante de mobiliário poderá ser necessário responder às necessidades de clientes que pretendem ajustar os móveis ao espaço onde ficarão colocados. Num mundo em constante crescimento, o espaço promete ser um dos luxos do século XXI, e porque razão não haveriam os cidadãos de optimizar este recurso precioso? Mesmo no campo do design gráfico existem já, na europa, jornais que são impressos com os assuntos filtrados segundo o cliente e depois entregues num quiosque junto à sua casa. A informação customizada reage à torrente dos media e centra o utilizador nos seus temas prioritários. Estas questões têm uma aparência que poderia parecer secundária numa primeira análise mas, se tivermos em conta o enquadramento teórico que apresentamos no Capítulo II, prometem alterar dois pilares do design contemporâneo com consequências ao nível dos aspectos psicológicos e das competências dos alunos que pretendem desempenhar estas profissões. • Estará o aluno e futuro autor preparado para lidar com um projecto que pode variar ao longo da sua produção? • E do ponto de vista do estatuto do autor, como será aceite a participação de outros intervenientes no processo de projecto e produção? Estas são as duas questões principais que norteiam este trabalho e se aliam a um terceiro facto que surge pela obra de Gilles Deleuze, uma referência teórica no campo da filosofia aplicada aos meios digitais e à sociedade da informação. O seu conceito de progressão rizomática implica que, para os novos alunos, a componente vocacional ganha terreno na construção de um corpo de conhecimento que tira proveito das ligações que surgem entre plataformas de interesse na internet. Este corpo de conhecimento destaca-se da anterior estrutura arborescente que era veiculada pelos meios convencionais de ensino onde existia um tronco comum de temas impostos ao aluno a partir do qual eram fornecidas ligações para diferentes ramos. A progressão actual será mais um entrelaçar de possibilidades que depende cada vez mais da vocação do aluno mas que importa orientar segundo um processo educativo para que seja um meio de enriquecimento e não de dispersão. José Manuel Mendonça Naves Pinto 11 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Mencionamos finalmente o currículo oculto a desenvolver em aula: O dialogismo é apresentado no Capítulo II como uma estratégia de ensino que importa manter ao longo de todos os temas que estudamos. Ensina ao aluno que existe uma relação entre aquilo que fazemos e a sociedade à qual pertencemos e ajuda a perceber como surgiram muitas das obras que nos servem agora como moldura contextual para as nossas expressões. O desenho, enquanto processo, destina-se a constatar que conquistou um estatuto de etapa clássica no percurso conceptual não sendo de todo uma hipótese dispensar este meio de síntese do pensamento de projecto. Sendo este o resumo deste trabalho gostaria de salientar que se pretende que sejam abertas novas janelas de investigação para o futuro com este contributo inicial pois pretendeu-se dar resposta às questões : o que traria este estudo de novo para o ensino? Em que se aplicaria na prática? OBJECTIVOS FINALIDADE Desenvolver no aluno capacidades de estudo e trabalho, no campo das artes visuais, em ambiente digital. OBJECTIVOS GERAIS Conhecer uma nova área de possibilidades no projecto e expressão artística e definir possíveis novas respostas. Analisar qualitativamente o seu próprio método de estudo e sistema de trabalho. OBJECTIVOS ESPECÍFICOS Objectivo 1: Perceber as novas possibilidades de projecto e produção de objectos de design Objectivo 2: Actuar como um autor colectivo José Manuel Mendonça Naves Pinto 12 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Objectivo 3: Identificar novas possibilidades de estudo em contexto digital OBJECTIVOS ESPECÍFICOS EM CURRÍCULO OCULTO Aplicar o dialogismo no ensino Acreditar que o desenho será um meio clássico de representação que acompanhará os meios digitais PROBLEMA Consideramos que o problema, neste campo de ensino, se tornará mais compreensível se o introduzirmos do seguinte modo: O sistema de ensino não está a compreender os novos campos abertos pela digital turn, nos meios de projecto e nas expressões visuais, assim como as novas competências a desenvolver para responder aos desafios actuais. HIPÓTESE Uma vez conscientes dos novos campos de estudo, os alunos interessados podem ganhar competência para uma nova área de trabalho, uma vez que os processos digitais tendem a ser comuns na arquitectura e no design. METODOLOGIA a) Investigação bibliográfica b) Estudo de caso de uma turma do 12º ano de uma escola secundária do Concelho de Oeiras usando: - Questionários dirigidos aos mesmos alunos - Exercícios práticos de avaliação José Manuel Mendonça Naves Pinto 13 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais - Trabalho desenvolvido ao longo das aulas de estágio ESTUDO DE CASO O estudo de caso consiste numa análise detalhada de um único fenómeno ou sujeito. Num estudo desta natureza a escolha da entidade a investigar não necessita de obedecer a critérios de representatividade para se proceder a generalizações de carácter estatístico. Salientando a dependência do trabalho do aluno pelo contexto social que o rodeia, sublinhamos Yin quando refere que o estudo de caso deve ser aplicado quando se pretende dar resposta a “questões acerca de um conjunto contemporâneo de acontecimentos, sobre o qual o pesquisador tem pouco ou nenhum controle” (Yin,2008, Case study research: design and methods, p.28). É uma visão que ajuda a perceber como o próprio professor procura adaptar-se a mudanças de contexto provocadas por meios de produção industrial ou outros movimentos sociais que este não pode controlar sozinho. Este tipo de estudo tem em conta uma série de variáveis referentes a um único acontecimento ao longo de um período de tempo e contexto comuns. Apesar da escolha da amostra ser crucial não podemos falar de uma investigação por amostragem segundo uma definição estatística. Coutinho (2) considera que quase tudo pode ser um caso: um indivíduo, um pequeno grupo, uma organização, uma comunidade ou mesmo uma nação. Podemos considerar que o estudo de caso se debruça sobre uma situação específica que considera adequada para os objectivos a concretizar procurando compreender os seus aspectos essenciais e característicos e, desse modo, contribuir para a compreensão global de um certo fenómeno de interesse. De acordo com Rodriguez Gómez (3) o estudo de caso tentou respeitar os critérios para a sua validade que podem ser sintetizados em: a acessibilidade à informação pretendida ser viável; existência de uma boa relação com os informantes; a informação recolhida ser passível de revelar qualidade e credibilidade; facilidade em estabelecer interacções com pessoas e na consulta de documentos. José Manuel Mendonça Naves Pinto 14 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Depois da definição da unidade de análise, foram efectuadas todas as diligências numa investigação deste tipo de acordo com as referências bibliográficas acima mencionadas. POPULAÇÃO Aulas: observação in loco de uma turma do 12º ano da área de Artes Visuais Responderam ao questionário 22 alunos Realizaram exercícios práticos 22 alunos SÍNTESE DOS CAPÍTULOS SEGUINTES Para além da formalização inicial do trabalho, pretendeu-se no Capítulo II fazer uma síntese estruturada da pesquisa bibliográfica de modo a que seja perceptível a sequência lógica do pensamento justificativo. Começa-se por uma analogia histórica sobre a aplicação da arte ao design e depois tenta-se perceber o que pode ter mudado no contexto da procura e produção de objectos durante as décadas recentes, recorrendo a fontes que se procuraram fidedignas. Durante esta descrição são incluídas referências aos objectivos nos pontos do texto onde são mais pertinentes. A componente teórica inclui uma vertente filosófica pois pareceu-nos importante manter o alinhamento com a teoria do ensino em meios digitais aos mais diversos níveis e em particular no caso da comunicação e expressão visual. A obra de Gilles Deleuze, referência internacional nesta matéria, surge em forma simplificada para nortear as averiguações que foram feitas quando se investigava a progressão do aluno em assuntos de estudo do seu interesse num meio digital de múltiplas possibilidades como a internet. Ainda no Capítulo II optou-se por apresentar, na parte final desta sequência de pesquisa, a componente do ensino segundo um método Dialógico que deve muito às aulas do Prof. Ricardo Zúquete durante o primeiro ano do mestrado. De um modo muito simplificado, o dialogismo procura alertar o aluno para o carácter social da sua José Manuel Mendonça Naves Pinto 15 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais expressão e o trabalho ganha significativamente do ponto de vista cultural com este esclarecimento e participação por parte do professor e dos alunos. Pareceu adequado incluir este tema sob a forma de um currículo oculto o qual se vai desenvolvendo paralelamente aos objectivos do programa a leccionar tal como foi verificado nas aulas da Prof. Adelaide Pires igualmente no primeiro ano do mestrado. Finalmente descreve-se o desenho enquanto processo pois, sendo este trabalho direccionado para uma vertente tecnológica, importa sublinhar que o desenho faz já parte de um repertório clássico que não me parece ser algum dia substituível por qualquer tecnologia. Este enquadramento teórico estabelece o porquê dos objectivos específicos que serão averiguados no Capítulo III através dos métodos descritos e finalmente serão estabelecidas conclusões práticas e sugestões no Capítulo IV. José Manuel Mendonça Naves Pinto 16 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais 2º CAPÍTULO: ENQUADRAMENTO TEÓRICO BAUHAUS A componente teórica estudada neste trabalho resulta do exemplo de sucesso para o enquadramento da arte na sociedade: a escola da Bauhaus. Através do exemplo desta incontornável escola pretendeu-se rever e actualizar os princípios conceptuais de aliança entre arte e meios de produção para incluírem os futuros processos de projecto e fabrico através de meios digitais. A inclusão destes princípios no sistema de ensino apresentam inúmeras possibilidades a estudar com os alunos em ambiente de aula, pois como a história demonstra o meio académico pode ser um laboratório de experimentação no campo do design e também da arquitectura e artes, este foi o exemplo da Bauhaus. Como será inevitável, a natureza das expressões em estudo terá um núcleo significativo no campo do design pois esta actividade é a que mais rapidamente transporta a criatividade e intencionalidade conceptual à generalidade da população através de diversos objectos que são também o ponto de partida para consequências ao nível de actividades de maiores meios como a arquitectura. Apesar disso as expressões do aluno podem influenciar campos de maior liberdade como a pintura e a escultura pois todo o enquadramento socioeducativo é importante na manifestação artística segundo uma perspectiva dialógica (1). A escola da Bauhaus será referida aqui de forma sintética pois é sobejamente conhecida no campo das Artes Visuais e, devido ao vasto campo de assuntos a desenvolver, o Capítulo II ficou centrado em aspectos aplicados no domínio desta tese que prometem influenciar a curto prazo o design e seu processo de ensino. A importância pedagógica fica demonstrada fazendo a necessária analogia com os processos correspondentes da Bauhaus e tentaremos determinar alguns dos aspectos mais importantes que serão novidade no ensino do design contemporâneo. Apenas a título de recapitulação ficam aqui alguns dos aspectos fundamentais da Bauhaus que darão algum enquadramento ao que pretenderemos estudar ao longo deste capítulo. José Manuel Mendonça Naves Pinto 17 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Síntese dos aspectos fundamentais da Bauhaus A Bauhaus foi criada pelo arquitecto alemão Walter Gropius, o qual após a segunda guerra mundial, proclamou que a máquina (a produção industrial) precisava de ser humanizada pela Ilustração 1 – “As peças de Design de Marianne Brendt espelham o sociedade. espírito da Bauhaus” (Bauhaus Archives,2010,Berlim) Nas suas palavras: “Elos mais próximos precisavam de ser forjados entre a máquina e o indivíduo criativo, por isso estabeleci oficinas que treinavam alunos em dois modos – como artistas e como artesãos. Frequentemente pensa-se que era tudo baseado em trabalho artesanal, mas de facto era um local de preparação. Não se pode compreender uma máquina até se ter compreendido as ferramentas do nosso trabalho”. Gropius usava as oficinas da Bauhaus como analogia preparatória para a aplicação do trabalho dos alunos aos meios de produção industrial, algo que aconteceu exemplarmente naquela escola. Nas suas oficinas artistas e artesãos preparavam os alunos a trabalharem de forma criativa e inovadora. A arte enaltecia o lado humano e criativo do indivíduo enquanto a oficina simbolizava o lado racional da produção industrial. Gropius acreditava que, nos primeiros momentos de aprendizagem, o aluno se devia concentrar nas possibilidades técnicas da sua época em vez de ficar preso a referências historicistas. Desta forma canaliza-se a criatividade para os aspectos essenciais da produção contemporânea e salienta-se a lógica dos processos abrindo caminho para formas novas, libertas de preconceitos estéticos mas lógicas na resposta aos meios de produção que precisam de ser humanizados. Podemos estabelecer uma analogia completa deste pensamento de Gropius com o momento actual que se avizinha a produção industrial de controlo digital já implementada no campo das artes gráficas e a começar a ocupar terreno Ilustração 2 – “Cadeira Wassily” , (Bauhaus Archives,2010,Berlim) José Manuel Mendonça Naves Pinto 18 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais no design de equipamento e na arquitectura. A arte funciona como elemento catalisador da criatividade e inovação em todo o processo sendo introduzidos no seu ensino métodos inspirados no lado científico e racional que envolve harmonizando-os com a os produção e processos criativos. Esta foi a função conceptual desempenhada pela formação no trabalho Ilustração 3 – “Círculo cromático de Itten” (Bauhaus oficinal. Archives,2010,Berlim) No curso inicial da Bauhaus tentava-se sujeitar forma e cor a leis científicas. Kandinsky ensinava que as formas primárias (triângulo, círculo e quadrado) representam qualidades análogas às encontradas nas cores primárias e Joahannes Itten explorava a cor de forma científica no seu círculo cromático. As preocupações sociais estavam igualmente presentes sendo manifestadas na arquitectura onde a casa Am Horn pretendia ser acessível a qualquer trabalhador e os seus interiores tiravam partido do design Bauhaus para complementar os espaços a um preço acessível mas com qualidade no seu uso; a filosofia de Gropius era uma consequência das aspirações sociais da época. Quando a Bauhaus se mudou para Dessau por motivos políticos estava já a produzir plenamente para a indústria e a escolha daquela cidade estava relacionada com a dinâmica industrial existente. O novo edifício da escola desenhado por Gropius era construído em betão armado e com recurso a amplas superfícies de vidro. Devido à tecnologia usada demorou apenas um ano a ser construído; o seu programa unificava os espaços onde estudantes viviam e trabalhavam sendo apontado Ilustração 4 - Casa Am Horn (Bauhaus Archives,2010,Berlim) José Manuel Mendonça Naves Pinto como um exemplo daquilo que mais 19 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais tarde seria o estilo internacional. O edifício exemplificava o desejo pelo directo e pelo simples que existia na arquitectura europeia, fundia o lado técnico das oficinas e laboratórios da época com a arte e afastava-se da visão tradicional da escola de artes. O Ilustração 5 - Edifício de Dessau, (Bauhaus Archives,2010,Berlim) objectivo de conciliar arte e ciência tornava-se evidente no projecto de Gropius. A Bauhaus fechou em 1933 mas os seus professores espalharam-se pelo mundo livre, sobretudo em Chicago onde os edifícios projectados pela Escola de Chicago, sob a influência de Mies Van de Rohe, demonstram, ainda hoje, a validade dos conceitos ensaiados. Quais os novos factos que este trabalho pode estudar? Os resultados obtidos pela Bauhaus baseavam-se nos paradigmas da produção da sua época que se têm mantido, relativamente constantes, até aos nossos dias. A síntese, tal como era entendida na Bauhaus, não faz sentido nesta lógica pois foi pensada para a repetição de peças com moldes fixos. As formas geométricas puras eram o resultado final para aplicação em moldes que eram usados na produção de peças segundo a sua repetição exaustiva. Assim conseguia-se economias de escala onde os custos de fabrico da matriz a repetir eram amortizados com o número de unidades produzidas. Aquilo que pretendemos estudar é a alteração destes pressupostos e as suas consequências. Em primeiro lugar os sistemas de produção de controlo digital não têm de funcionar necessariamente segundo uma lógica de um molde de produção dispendiosa a amortizar pelo número de peças produzidas. Pelo contrário, as peças podem ser adaptadas em cada unidade produzida de acordo com os objectivos de cada cliente. José Manuel Mendonça Naves Pinto 20 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Os novos sistemas digitais armazenam uma determinada configuração de base que existe sob uma forma virtualizada na memória do computador do sistema havendo a possibilidade de alterar essa forma em cada unidade produzida pois as máquinas de produção têm flexibilidade e adaptabilidade. Do ponto de vista da composição da peça a produzir, o autor deixa de ter a certeza que está perante o objecto final quando conclui o seu protótipo e passa a ter, como possibilidade, a intervenção à posteriori do cliente. Se nos aspectos formais isto é importante, apresenta-se como revolucionário se considerarmos o estatuto do autor. A existência dos open ends vai provocar uma mudança no modo como o aluno encara o seu trabalho. O estatuto do designer/projectista como único responsável intelectual das peças começa a ser questionado e orientado no sentido de um agenciamento onde surge como gestor de um processo de um ou vários intervenientes em vez de ser protagonista único. O que acontece do ponto de vista psicológico e humano relativamente a estes campos? • motivação para desempenhar o seu trabalho • capacidade de integrar a intervenção de outras pessoas • interesse pelo novo repertório formal • interesse por novas lógicas compositivas Estes são alguns factores que motivaram a nossa pesquisa, mas recapitulemos do ponto de vista teórico no número seguinte a razão destas afirmações finais. José Manuel Mendonça Naves Pinto 21 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais ENQUADRAMENTO HISTÓRICO-SOCIAL O presente estudo deve muito ao trabalho dos investigadores de Massachusetts Institute of Technology (MIT) e respectivas publicações, sobre temas contemporâneos que careciam de enquadramento teórico geral. Muito se especulou sobre o suposto isolamento que as novas tecnologias podiam trazer mas como conclui Peter Hall em Cities of Tomorrow, a nova urbanidade das cidades principais dos países mais desenvolvidos é composta por toda uma rede de novas profissões que se interligam no espaço dependentes da proximidade e do contacto pessoal. Aquilo que se pensava ser um factor de isolamento tornou-se num factor de aglomeração segundo relações humanas a nível pessoal e laboral que urge estudar (4). A produção em meios digitais que muito cedo se manifestou na minha profissão específica (arquitectura) envolve todos os meios tradicionais acrescidos de novas tarefas num processo de constante revisão de conjunto e aprendizagem, e a suposta distância que separaria os intervenientes revelou-se numa crença que subestimava o poder insubstituível das relações humanas directas na resolução de problemas. […] though these new industrial sectors might develop anywhere, in the mid-1990s the evidence was that they were growing in traditional urban places […] The reason was clear enough: like all creative activities, they depended on interaction, on networking […] which was more likely to be found in such places than anywhere else. Further, they related to other more traditional live performing arts which had always been here; and these in turn related to urban tourism, one of the great growth industries [...] In other words, there was a paradox. These new activities were supposed to substitute for faceto-face communication, but actually they depended on it, and in turn fortified the need for it […] (HALL, 2002,Cities of tomorrow, p.408) No contexto desta nova realidade de relações humanas tentou-se fazer o enquadramento com o campo específico da arte e arquitectura, área deste mestrado sendo de destacar o trabalho de Mario Carpo que auxiliou algumas das linhas orientadoras que se seguem (5). Portugal teve um período histórico de primeiro plano a nível mundial no passado porque os seus líderes decidiram enfrentar questões tecnológicas, pois, num país condicionado há que inventar o futuro. José Manuel Mendonça Naves Pinto 22 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Refira-se o papel das artes gráficas, como área vanguardista para o estudo da produção. No período renascentista foram aplicados os princípios da produção em série à reprodução de textos e imagens (Gutenberg cerca de 1440) e aqui surgiram os paradigmas subsequentes ligados à produção repetitiva e estética da igualdade e a possibilidade de um único autor por oposição ao agenciamento medieval , onde manuscritos eram frequentemente alterados pelos copistas (que haviam inclusivamente desenvolvido uma cultura na qual a obra literária era passível de sofrer adições e alterações no processo de reprodução). Podemos encontrar na exacta repetição de textos e imagens pela imprensa renascentista o contexto criativo que viria a manifestar-se para os outros sectores de produção apenas na revolução industrial do século XVIII. Se analisarmos as últimas duas décadas ao nível dos meios de projecto e produção podemos encontrar algumas analogias com o carácter vanguardista das artes gráficas no renascimento: o período que atravessamos pode igualmente ser considerado como revolucionário, tendo surgido o controle digital que ultrapassa as limitações das matrizes fixas que obrigavam à repetição pela igualdade ad infinitum, com a salvaguarda de que as máquinas desenvolvidas já conseguem produzir mobiliário e objectos segundo o novo paradigma digital, como se poderá constatar. O presente estudo pretende ainda contribuir para a reflexão crítica e revisão do enquadramento social do uso dos meios tecnológicos no domínio do projecto de arquitectura, dos vários campos de expressão artística e na prática de ensino correspondente. TRÊS PARADIGMAS BÁSICOS DA CULTURA VISUAL Ao longo da história, a cultura visual acompanhou o contexto tecnológico das diversas épocas. Apresentam-se, nas próximas páginas, três paradigmas típicos de diferentes épocas históricas. José Manuel Mendonça Naves Pinto 23 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Começamos pelo fabrico artesanal da época préindustrial. O carácter único de cada objecto produzido por este meio destaca o aspecto visual semelhança. constantes da Existem e variáveis visuais, logo o observador Ilustração 6 - A igualdade e a sociedade moderna: linha de montagem do Ford Model T tem de desenvolver a capacidade para identificar quais as peças que foram produzidas de forma análoga apesar de variações e metamorfoses, sendo o conceito de semelhança uma noção complexa que depende essencialmente da percepção humana. Segue-se o paradigma da igualdade na comunicação visual que caracteriza a era industrial. Este tipo de produção não surge em simultâneo em todos os sectores da sociedade, antes se manifesta por conceitos intelectuais de racionalidade e produção que surgem já durante o renascimento e que são aplicados a alguns sectores mais vanguardistas ao nível de possibilidades de aplicação, campos de ensaio para o que mais tarde virá atingir toda a produção humana, sendo a imprensa e as artes gráficas o melhor exemplo. Já em meados do século XV, a impressão por tipos móveis por Gutenberg dava origem à palavra tipografia e fazia germinar o período moderno que iria levar à racionalidade produtiva generalizada, então adiantada em relação ao seu tempo. O homem moderno caminhava para a sociedade antevista nos ideais renascentistas, materializada gradualmente ao longo dos séculos que culminaram com a industrialização generalizada, processo gradual e secular, com experiências pioneiras então como hoje. Para o ideal moderno o paradigma da igualdade na expressão visual transmite segurança ao cidadão, da mesma forma que o comportamento de um produto é assegurado pela sua exacta repetição visual. Podemos falar em três paradigmas da linguagem visual, relacionados com iguais modos diferentes de fazer: José Manuel Mendonça Naves Pinto 24 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Objectos artesanais: a variabilidade implícita nos processos gera elementos constantes e variações entre cópias; a identificação é baseada na semelhança visual, podendo ser distinguidas com mais facilidade as épocas de produção. Objectos produzidos mecanicamente: a produção mecânica exacta gera objectos standartizados e a identificação visual é baseada na igualdade. Objectos produzidos digitalmente: a identificação é baseada no reconhecimento de padrões (derivados dos algoritmos na produção digital) mais ou menos evidentes do ponto de vista visual, havendo novamente elementos constantes e variações entre cópias, num processo que volta a equacionar a deriva provocada pela manualidade, agora numa fase diferente da artesanal. A lógica técnica da produção digital difere da produção mecânica tradicional nalguns aspectos chave. Enquanto esta última é resultante de uma matriz fixa que tem de ser rentabilizada por um grande número de repetições, a produção industrial de controlo digital utiliza um mediador sob a forma de um script digital que pode ter origem num simples computador pessoal sendo depois aplicado a diversas outras possíveis máquinas. Existe, assim, uma divisão no tempo entre o autor do script e a produção do objecto, surgindo também, a possibilidade de intervenção, por terceiros, a meio do processo, pelo que podemos falar em autores de segunda ordem que intervêm dentro de limites estabelecidos pelo autor principal, o qual deixa em aberto algumas características intencionais do projecto. Na produção industrial tradicional existem apenas variações acidentais a partir da matriz fixa, que inclusivamente se podem tornar em objecto de apreciação por coleccionadores, já que o resultado esperado é sempre o mesmo, mas na produção digital a variabilidade torna-se um meio fundamental do processo. Os objectos artesanais são feitos por medida, normalmente mais caros do que os objectos produzidos em série mas têm maior adaptabilidade ao utilizador. Na produção digital podemos não saber por completo as características das máquinas que vão concretizar a matriz, existindo também a possibilidade de autores de segunda ordem intervirem no processo de produção segundo as suas idiossincrasias. Quanto à variabilidade: nos processos artesanais cada caso era discutido de forma individual, devidamente negociado a priori; na produção digital o mesmo processo de José Manuel Mendonça Naves Pinto 25 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais negociação pode agora ser estabelecido digitalmente e a variabilidade integrar um processo criativo de préestabelecido pelo autor. Existe assim uma deriva específica artesanal da e da cultura cultura contemporânea digital. Ilustração 7 - Nova Iorque e a nova estética digital baseada na semelhança e A variação conteúdos variáveis como um considerada problema na produção mecânica anterior é agora, no contexto digital, uma mais-valia do ponto de vista económico que podemos ver em ambientes urbanos onde se substituem os cartazes outdoor tradicionais por sistemas digitais que adaptam os conteúdos em função de público e produtos. Um leitor pode receber um jornal customizado sendo importante compreender este novo contexto cultural, pois existia anteriormente uma certa previsibilidade visual. Também no design começa a ser estudada, por autores como Bernard Cache, a hipótese de customização a partir de matrizes digitais, não sendo de espantar que empresas de mobiliário pré-fabricado permitam, no futuro próximo, a intervenção no desenho das peças pelo cliente a partir de software próprio. A estabilidade visual dependia da produção em massa e os padrões de reconhecimento gráfico ainda estão na base de muitas práticas culturais e sociais da nossa vida contemporânea. Temos o hábito de procurar informação idêntica em locais idênticos, mas isso não é obrigatório no contexto digital. A criação pela Adobe Systems do formato de ficheiros digitais PDF (portable document format) denota a dependência que a sociedade ainda mantém na organização fixa da era industrial, tal não sendo necessariamente um aspecto negativo. A imprensa clássica é tão importante para a sociedade moderna que mesmo depois da tecnologia digital perpetuamos a sua mimesis. Podemos considerar a produção mecânica de cópias idênticas como um período histórico delimitado, inicialmente, pela produção artesanal e, actualmente, pela produção digital. Existe variabilidade na arquitectura durante o primeiro e último períodos mas a capacidade de estabelecer um design com variações de segunda ordem na produção é específico da época digital. José Manuel Mendonça Naves Pinto 26 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais As variabilidades, caso da no sociedade artesanal denotam uma degradação da fidelidade dos conteúdos dificulta que o reconhecimento, seu e no caso da sociedade digital existe um potencial excesso de informação variável e, não podendo falar numa degradação Ilustração 8 - Andrea Palladio: Palazzo Chiericati, Vicenza. A arquitectura renascentista e o espírito moderno da sistematização de conteúdos, podem no entanto surgir novas dificuldades ao seu reconhecimento. A TECNO-CULTURA E A HISTÓRIA Se reflectirmos sobre o caso específico da arquitectura verificamos que esta se encontra ligada à cronologia tradicional da revolução industrial do século XVIII no seu conceito de modernidade pois a sua materialização depende da produção de diversos objectos, por outro lado, o seu projecto depende das tecnologias da informação e já havia sido influenciado pelo espírito racional da imprensa renascentista que produzia os livros que divulgavam a arquitectura. Mesmo assim houve uma grande inércia do ponto de vista sociológico em acompanhar a revolução industrial com os arquitectos divididos no século XIX quanto à sociedade industrial e à herança cultural do romantismo nos projectos que invocavam o passado. Durante a segunda década do século XX, Le Corbusier argumentava que a mecanização não podia voltar a ser contornada e os seguidores do movimento moderno fariam finalmente a sua aplicação plena na arquitectura, com a estética a reflectir os novos meios de produção. Forma e função ganhavam na racionalidade e harmonização a produção. Como foi mencionado anteriormente, existe um ponto anterior no tempo onde a modernidade germina no campo do projecto, que é o renascimento. Graças à José Manuel Mendonça Naves Pinto 27 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais imprensa, os novos livros e tratados de arquitectura transmitiam informação rigorosa e a cultura da reprodução idêntica das imagens influenciou a consciência do valor da repetição contribuindo para uma nova mentalidade de pensamento sistémico. Dentro do espírito desta época de racionalidade valorizam-se e divulgam-se as ordens arquitectónicas clássicas, baseadas na repetição de componentes construídos demonstrada pelos modelos da arquitectura dos períodos Grego e Romano. As únicas partes do processo arquitectónico que eram produzidas em série eram os livros mas a valorização do racional produziu uma cultura de cópias idênticas começando os diversos componentes de uma obra (colunas, capitéis, guarnições, etc.) a serem produzidos por processos manuais sistematizados de modo a serem o mais normalizados possível numa verdadeira antecipação da lógica mecanicista. A repetição das imagens precedeu a repetição dos gestos do artesão demonstrando que, como afirma Bakhtin (1) , para compreendermos uma expressão arquitectónica devemos compreender o contexto da sua época. A classe dos desenhos de arquitectura assim como das maquetes estava em expansão no renascimento. Os desenhos eram enviados para obras cada vez mais distantes, contribuindo para o aumento do distanciamento intelectual entre arquitecto e construtor. Se considerarmos que todas as artes visuais nascem pelo trabalho manual dos seus autores e que há formas artísticas que evoluem para um estado que implica transmissão de informação para ser executada materialmente por terceiros, tal será o caso da arquitectura. A sua evolução de ofício ligado ao desempenho manual para actividade artística e intelectual que se manifesta pelo projecto é um caso de estudo sobre a importância dos contextos de produção. Do ponto de vista histórico podemos dizer que anotações de algum género sempre existiram. Desenhos do período helenístico sugerem que os arquitectos se guiavam de um modo geral por referências a partir das quais estabeleciam proporção em obra. A ambiguidade deste assunto é demonstrada por Vitrúvio que no seu tratado refere três tipos de desenhos arquitectónicos: ichonographia, orthographia e scaenographia. Apesar destes desenhos estarem relacionados com o método de projecto de arquitectura de Vitrúvio e terem obviamente proporção, não há referência à escala, o que exige a presença do arquitecto na obra para os descodificar, não dando uma relação directa entre desenho e medida pensada para o construtor. José Manuel Mendonça Naves Pinto 28 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais No final do período medieval surgem alguns desenhos à escala o que leva a supor que a construção à distância podia ser uma realidade entre os mestres construtores do gótico. Os arquitectos medievais tardios e renascentistas dependiam de conjuntos simples de desenhos ortogonais sem no entanto haver uma teoria formalizada devido à falta de definição sobre o infinito geométrico. As projecções paralelas foram, durante séculos, uma prática sem teoria, apesar de Piero Della Francesca ter desenhado um retrato de uma cabeça humana em planta e alçado, ligados por linhas paralelas cerca de 1480,ou seja, três séculos antes de Gaspar Monge ter publicado "Geometria Descritiva". De grande importância para este estudo, no capítulo das cópias idênticas, salienta-se o trabalho de Alberti durante o período renascentista. De acordo com o seu contexto não conseguiu uma teoria para as projecções paralelas mas estabeleceu uma definição para a projecção cónica (perspectiva) primeiro no seu tratado de pintura e posteriormente no de arquitectura. Podia assim estabelecer uma definição daquilo que os arquitectos não deviam fazer: a perspectiva, cujas linhas não são passíveis de medição directa no desenho. Tal como escreve no segundo livro De Re Aedificatoria, os desenhos dos arquitectos, ao contrário dos pintores, requerem linhas e ângulos em verdadeira grandeza, passíveis de medição directa. Alberti contribui de forma decisiva para acentuar a diferença entre projecto e construção e os princípios geométricos que estabeleceu permitiram um conjunto de ferramentas consistentes com a construção de uma obra à distância, sem a presença constante do arquitecto. O AUTOR DE ALBERTI Para além da sua importância conceptual, o sistema de projecto de Alberti contribui para a noção actual do autor. Os projectistas precisam, segundo ele de explorar e desenvolver a ideia do edifício através de desenhos e maquetes num trabalho mental aperfeiçoado pelo intelecto e educado pela imaginação. Existe a necessidade de rever e aperfeiçoar o projecto até ser obtida a versão final, que uma vez entregue ao construtor não pode ser alterada sendo esperado que todos os intervenientes cumpram o projecto. Independentemente da evolução relativamente à tradição medieval de projecto, estava em jogo um novo estatuto do autor, até então sem precedentes. José Manuel Mendonça Naves Pinto 29 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Neste novo método de construir o trabalho específico do autor centra-se no projecto, sendo o modo de reclamar a autoria baseado no facto de projecto e edifício serem vistos como idênticos. A igualdade entre ambos depende de um sistema de anotações e desenho rigoroso que tornam a autoria do projecto extensível à obra construída. A propriedade intelectual foi uma mudança de paradigma da autoria artesanal de Brunelleschi para a autoria intelectual de Alberti. Apesar de em 1450 esta técnica de construção poder ser potencialmente pior do que a anterior, a ambição da autoria era comum entre escritores e académicos do contexto de Alberti que conviviam com o facto da maior parte das reproduções dos textos clássicos serem um mosaico entre trechos fiéis mas também adições e subtracções. A moderna Filologia surgiu graças a este facto e sugere a existência de uma cultura da variabilidade durante o final da idade média que dificultava as noções de original e autor. Assim se explica a cronologia paralela entre o desenvolvimento da imprensa e a procura da igualdade por Alberti que no tratado De Re Aedificatoria afirma que o projecto é o original e o edifício a sua cópia. A nova lógica cultural e técnica da repetição permitia aplicar os direitos de autor desde o original até todas as cópias idênticas. Apesar dos desenhos arquitectónicos de Alberti não estarem relacionados com nenhuma tecnologia de impressão o esprito do projecto transmitia procedimentos sistémicos que se foram manifestando ao longo dos séculos posteriores. Podemos dizer que Alberti estabeleceu uma matriz que não era física como na imprensa mas usava desenho e anotação rigorosos e contribuiu para a criação de uma tecno-cultura que mais tarde se estenderia à própria construção do edifício. Os seus meios principais são desenhos à escala e anotações definidos no segundo livro do seu tratado de arquitectura que antecipavam a teoria das projecções ortogonais, contribuindo para o aumento das ferramentas matemáticas do arquitecto que, em Vitrúvio, dependia de um sistema de módulos proporcionais correspondentes a diversas partes do edifício, verdadeiras sequências modulares determinadas em obra com diversos instrumentos sem que houvesse propriamente uma medição por unidade abstracta (percursora do sistema métrico). A expansão da numeração árabe no ocidente contribuiu para a adopção gradual do novo formato de desenho anotado de Alberti em detrimento da proporção Vitruviana, tornando-se norma o cálculo e anotação das dimensões no projecto. José Manuel Mendonça Naves Pinto 30 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Os estatutos de autor ao longo da história.: Actualmente vivemos influenciados pelo sistema social implementado, na crença de que o autor é o principal e único responsável pela concretização das obras artísticas de diversas áreas. Se não fizermos um estudo histórico podemos até pensar que sempre assim foi e que existe a obrigação de continuidade absoluta nesta matéria. Devemos ter a consciência que a obra é uma consequência do contexto social que determina a vida do autor (1) e existem épocas históricas onde este tem de saber partilhar o sentido de autoria, por força do paradigma que a sociedade implementa. AS LIMITAÇÕES DO PROJECTO DE ALBERTI Nesta nova técnica tornava-se necessário ampliar homoteticamente o projecto para a realidade e um segmento que não está cotado pode ser medido e ampliado segundo a escala, mas a operação complica-se quando o segmento não é paralelo aos planos de projecção. Um objecto que não consiga a medição no desenho (ou num rebatimento) é de difícil construção, logo as ferramentas geométricas de representação ganham relevância ao potenciarem o universo de formas que podem ser construídas, de um ponto de vista prático. Refiram-se dois exemplos: durante a segunda metade do século XIX Antoni Gaudi abandonou o projecto por anotação para construir a Sagrada Família de forma préAlbertiana e, durante meados do século XX, Le Corbusier tinha no projecto da igreja de Ronchamp (maquete e esquissos) uma manualidade escultórica, sobretudo na cobertura em betão, que foi posteriormente racionalizada segundo superfícies geométricas passíveis de desenho e medição. José Manuel Mendonça Naves Pinto 31 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais AS NOVAS POSSIBILIDADES DO PROJECTO NA ERA DIGITAL Desde a técnica Albertiana surgiu a figura de um mediador entre projecto e construção séculos, que, consistiu desenhos Ilustração 9 – “Corbusier: Igreja de Ronchamp e a dificuldade de representar a cobertura em projecção ortogonal” , (Fondation Le Corbusier, 2013,Paris) durante representativos em geométricos da tridimensionalidade com as convenções e constrangimentos respectivos. Na última década do século XX, quando a revolução digital atingiu o projecto de arquitectura, os arquitectos apercebem-se que, apesar de ser prático interagir com o computador segundo uma projecção, as formas podem existir num espaço tridimensional virtual. Todos os pontos do objecto são controlados neste espaço virtual estando o objecto em 3D, surgindo novas possibilidades de representação e medição (inclusivamente a possibilidade de fabricação directa, nalguns casos específicos, se houver uma máquina para tal finalidade). Este novo ambiente virtual de trabalho torna possível antever um processo contínuo entre projecto e produção onde podem ter lugar autores de primeira e segunda ordem. O novo método de projecto da era digital pode ter analogia a um estado ideal de produção artesanal se considerarmos apenas o elemento mediador digital. No imediato é difícil fabricar directamente os elementos projectados, mas reduzem-se os limites de projecto derivados à geometria descritiva, permitindo um maior repertório formal. O regime imposto pela geometria descritiva ganhava funcionalidade com variações de temas baseados em sólidos simples, mas agora o repertório inclui até formas livres que podem ser adquiridas digitalmente por scanner 3D. Objectos que anteriormente eram apenas possíveis pela construção artesanal podem agora ser projectados e construídos digitalmente e geometrias complexas impossíveis de serem representadas durante o século XX começaram a surgir. Durante a década de 90, um dos arquitectos mais aclamados a este nível foi Frank Ghery; os seus edifícios, em particular o museu Guggenheim de Bilbao, trouxeram a revolução digital na José Manuel Mendonça Naves Pinto 32 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais arquitectura para a ordem do dia. O seu processo de projecto tinha, como base, maquetes que eram convertidas digitalmente num modelo tridimensional e as superfícies livres tridimensionais que constituem o museu, foram construídas segundo métodos industriais de controlo digital. Podemos considerar que Ghery manteve, por agora, o paradigma do autor tradicional mas os seus edifícios marcam uma nova forma de construir. TEORIA DA VARIABILIDADE DIGITAL Durante a década de noventa surge a teoria sobre processos algorítmicos de projecto oferecerem possibilidades inéditas fase da materialização dos objectos pretendidos. A teoria da variabilidade digital surge numa convergência de pensadores e suas ideias, dos quais se destaca Gilles Deleuze com o seu livro sobre a Matemática de Leibniz e a sua relação com o período Barroco (6), referência importante para os arquitectos pois as regras matemáticas são igualmente usadas nos meios de produção; do mesmo autor destaca-se também o conceito de Rizoma, expresso no livro com o mesmo título (7) que reflecte sobre o novo enquadramento social e possibilidades de progressão e aprendizagem pessoal. Do ponto de vista da arquitectura houve muitas razões para confirmarem a importância da matemática da continuidade de Leibniz para o projecto, durante década de noventa. Os softwares de cálculo podiam facilmente manipular funções contínuas colocando o cálculo diferencial ao alcance da maior parte dos arquitectos independentemente de terem de desenvolver longas horas de cálculo matemático. Os mecanismos de produção de controlo digital podiam construir ou imprimir uma série de elementos curvos contínuos, tendo o termo “dobra” origem no ponto de inflexão do gráfico de uma função contínua sendo o cálculo diferencial uma gestão deste universo de continuidade e inflexões tantas vezes com analogia ao crescimento das formas orgânicas na natureza. A interpretação de Deleuze sobre a obra de Leibniz enaltece o espírito de uma (nova) matemática da continuidade onde inflexões evitam fracturas e ultrapassam lacunas. As formas podem mudar e terem metamorfoses que definem uma nova categoria de objectos marcados não pelo que são , mas pelo que podem vir a ser e pelas leis que descrevem a sua variação contínua (o objectile). José Manuel Mendonça Naves Pinto 33 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Existe outro conceito no livro A dobra: Leibniz e o Barroco que será marcante na teoria da variabilidade: o objectile. A definição de Deleuze representa habilmente o novo objecto da era digital que deixa a materialidade fixa para segundo plano. Um função algoritmo paramétrica) (uma pode determinar uma infinidade de Ilustração 10 – “Guggenheim de Bilbao. Frank Ghery” (Município de Bilbao, 2013) variações de objectos todos individualizados de acordo com os parâmetros variáveis mas mantendo um ADN comum na medida em que a função subjacente é a mesma para todos. O cálculo diferencial pela sua apetência para lidar com a continuidade e a variabilidade, tornou-se uma ferramenta de design valorizada nos anos noventa. O livro sobre Leibniz pode ser interpretado como uma vasta hermenêutica da continuidade que Deleuze aplicou à matemática de Leibniz, sobretudo ao cálculo diferencial, servindo-se da imagem ilustrativa do barroco nas artes: a inflexão como figura unificadora através da qual diferentes segmentos e planos são unidos em linhas e volumes contínuos. Este conceito pode manter-se puramente gerador, não tendo que se relacionar com o aspecto final do produto individual mas sim com a sequencialidade de evolução de um conjunto de objectos; as formas construídas podem induzir a percepção de continuidade sugerindo evolução contínua no desenvolvimento da forma. O desenvolvimento dos softwares de CAD transportou-nos rapidamente para a extrapolação de funções matemáticas a partir de linhas contínuas, pois dada uma função matemática o computador pode visualizar uma família de curvas que partilham o mesmo algoritmo e os seus parâmetros podem sofrer alterações criando variabilidade. Os arquitectos descobriram que a continuidade (inicialmente definida como uma categoria visual pelos teóricos do século XVIII) era também uma função matemática José Manuel Mendonça Naves Pinto 34 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais derivada do cálculo diferencial que podia dar origem a um novo repertório formal e também funcional como atestam obras como o Guggenheim de F. Ghery. No contexto da década de noventa podemos deduzir que a teoria de Deleuze, assim como a história da Ilustração 11 – “mobile arts pavillion.”,( Zaha Hadid,2013) continuidade como característica ontológica inspiraram uma mudança de paradigma na arquitectura. Os computadores não fazem as revoluções de forma gratuita mas, pelo contrário, dependem do contexto social que guia a sua própria evolução técnica. Assim, indiferentes a questões sobre a natureza do ser são ferramentas para a manipulação da continuidade matemática. No final dos anos noventa podemos considerar que a matemática se tornou num objecto de manufactura sendo as ferramentas digitais aplicadas na concepção, representação e produção de objectos. Em grande parte o cálculo ainda é o de Leibniz e a componente da leitura teórica de Deleuze tornou-se de primeira linha, com o facto de que o cálculo diferencial é a linguagem matemática que os computadores usam para visualizar e manipular formas contínuas. As novas possibilidades de progressão individual segundo uma filosofia rizomática estabeleciam analogia com o novo ambiente de vida da era digital onde os referenciais dos países dão lugar às possibilidades globais conectadas segundo múltiplas possibilidades, havia assim que procurar a resposta formal a este novo universo. As teorias morfogenéticas cruzavam caminhos com a matemática em novas ferramentas de projecto e a multiplicidade assinalava-se em edifícios como o museu Guggenheim de Bilbao na sua filosofia de continuidade e no seu novo proposta de estética adaptável. A continuidade entre Design digital e processos de fabrico produziu José Manuel Mendonça Naves Pinto 35 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais peças de grande virtuosismo e dificuldade formal e no início do Século XXI surgiram as implicações sociais deste novo processo global de projecto. A capacidade de produzir em massa séries de itens não idênticos conduziu a novos debates teóricos segundo o conceito de Objectile de Deleuze mas faltava estudar as Ilustração 12 – “99 teapots : série de produção digital”,(Greg Lynn,2013) implicações económicas. Na sua formulação teórica básica a antiga produção em série (molde fixo) depende de matrizes mecânicas cujo custo de produção tinha de ser amortizado através da sua utilização ad infinitum, mas a eliminação das matrizes mecânicas nos processos de produção digitais podem produzir variações sem custos extra ganhando espaço para competirem com a produção básica. Na produção digital a standartização já não representa um factor de economia e consequentemente a customização não implica despesa. Muitos dos princípios básicos da economia da produção industrial terão de ser revistos à luz deste novo paradigma. Voltando ao exemplo da imprensa que sabemos ser vanguardista do ponto de vista histórico refira-se o que acontece quando se tem em conta a produção digital: um feixe laser pode marcar individualmente cada pixel numa superfície de forma sempre nova e independente da impressão que o antecedeu. Por outro lado uma chapa de offset hipoteticamente usada apenas uma vez tornaria este processo extremamente dispendioso. Uma impressora laser pode imprimir centenas de cópias idênticas ou diferentes sendo o custo unitário igual em ambas as situações. O paradigma da produção (digital) variável já está em pleno funcionamento na imprensa e será certamente aplicado para os restantes tipos de produção onde a repetição de uma sequência de acções era usada para gerar economias de escala, seguindo-se a customização em massa que permite a adaptação de cada produto ao seu consumidor final. José Manuel Mendonça Naves Pinto 36 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Uma série digital variável é definida, não pela igualdade dos elementos produzidos, mas justamente pelas variações entre todos os elementos sequenciais de uma série. Cada elemento tem pelo menos um factor em comum com todos os outros. Em termos técnicos podemos mencionar que existe pelo menos um algoritmo comum a estes objectos. Em termos visuais a série digital partilha pelo menos uma projectista Ilustração 13 – “teapots, peça individual” , (Greg Lynn,2013) característica controla a comum. variabilidade O do conjunto. Ao longo da década de noventa e no início do novo século os projectistas concentraram-se nas possibilidades formais oferecidas pelas funções contínuas geradas de forma algorítmica que são facilmente manipuladas por computador. A sua matemática assenta no cálculo diferencial e, sem surpresas origina formas curvas, fluidas e contínuas. Como consequência num processo de produção digital deste tipo um algoritmo pode gerar uma infinidade de funções matemáticas e respectivas formas e superfícies correspondentes, todas as quais partilham um algoritmo “invisível” de origem que em muitos casos provoca atributos visuais que denunciam a sua matriz comum. Este é o caso das teapots de Greg Lynn. O conceito representa uma variabilidade contínua que tem se ser fixa em determinados momentos para a produção. De acordo com esta lógica cada produto é único e se produzirmos vários elementos , podemos falar numa lógica de produção em série onde cada peça é diferente. Isto é precisamente o oposto de uma lógica mecanicista onde a produção em série reproduz componentes todos idênticos. José Manuel Mendonça Naves Pinto 37 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Segundo a exposição “non-stadard architectures” no centro Pompidou em Paris em Dezembro de 2003 este novo modo de produção industrial é designado como “nonstandard” e ao falar em produção digital é a ele que nos referimos. Na produção digital, o que interessa não é a forma de cada produto mas sim as diferenças entre os vários elementos da série. Um dos mais eloquentes exemplos patentes na referida exposição de Paris foram as 99 teapots desenhadas por Greg Lynn para o fabricante Alessi que demonstram este novo modo de produção, todas diferentes, no entanto partilhando semelhantes no aspecto de partilharem a mesma Ilustração 14 – “Mesas definidas pelo comprador”, (Bernard Cache,2013) tecnologia e o mesmo algoritmo gerador. As variações numa série nonstandard são determinadas pelo tipo de ferramentas mecânicas que podem ser integradas numa linha de produção de controlo digital e podemos considerar que os limites físicos actuais são temporários pois as máquinas tendem a tornar-se maiores e mais versáteis. A programação em computador ganha destaque neste processo pois a série depende do algoritmo da matriz comum a todos os elementos produzidos. Actualmente a produção digital já pode ser plenamente aplicada à produção de mobiliário com parâmetros variáveis de acordo com cada cliente. De facto a “table projective” apresentada por Patrick Beaucé e Bernard Cache na exposição de Paris no centro Pompidou em 2004 é a demonstração prática deste princípio. Foi apresentada a mesa lado a lado com o processo de fabrico. O cliente pode definir as proporções da mesa sendo o ficheiro enviado para a fábrica que corta as peças e as envia para a casa do cliente no dia seguinte. José Manuel Mendonça Naves Pinto 38 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Os procedimentos produção digital da vão revolucionar o mundo dos tamanhos pré definidos até no vestuário tradicionais onde as medidas de S,M,L,XL deixam de fazer sentido. Apesar de serem todas potencialmente diferentes, Ilustração 15 – “Metropol Parasol, Sevilha 2012., (J.Mayer H./Jürgen Mayer H., 2013) as mesas de Cache são identificáveis pela semelhança ao invés da igualdade, razão pela qual este valor tende a impor-se nas discussões sobre direitos de autor. Esta mudança para a produção digital também promete afectar a cultura visual com o abandono de um universo determinado por formas derivadas de processos repetitivos para novos elementos variáveis. Podemos questionar se esta variabilidade é uma ameaça para uma sociedade teoricamente igualitária, mas devemos ter em consideração que o algoritmo subjacente será sempre um elemento comum numa série e as possibilidades também são comuns para todos os utilizadores. A nível do reconhecimento sabemos que tecnicamente os elementos da serie partilham um algoritmo matemático no processo gerador mas perceptualmente existe muito trabalho de estudo para ser desenvolvido. As máquinas não conseguem a semelhança entre elementos gerada no processo total, apenas o treino da percepção humana o consegue fazer. O novo ambiente humanizado pelo processo digital irá promover novos modos de reconhecimento baseados na semelhança ao inverso da igualdade. Vamos definir pattern recognition ou reconhecimento de padrões como o princípio operador que serviu de base à cultura visual ocidental desde a antiguidade clássica até à difusão em série de imagens pela imprensa. José Manuel Mendonça Naves Pinto 39 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais No mundo semelhanças estruturas algorítmico ou o invisíveis a procura de reconhecimento de permite-nos conferir significados análogos a objectos diferentes que partilham algo em comum. A produção digital vai provavelmente reestabelecer um universo análogo ao que antecedeu a difusão da imagem impressa e teremos de readquirir algumas competências básicas em reconhecimento de padrões que cinco séculos de cultura visual tipográfica quase nos fizeram esquecer. Uma vez mais vamos ter semelhanças, de aprender analogias e a reconhecer aproximações visuais. Ilustração 16 – “a secção das peças pode variar de acordo com o diagrama de momento flector poupando material” , (ISEL, 2013) As tecnologias que agora se ensaiam na produção de serviços de chá podem no futuro aplicar-se à generalidade da produção. Actualmente, no campo da construção, os componentes pré-fabricados de estruturas são sobredimensionados pois a pré-fabricação actual implica que todos os componentes têm de ser idênticos de acordo com um determinado molde. Consequentemente a secção sujeita ao maior esforço determina todas as outras, na peça pré-fabricada e muito material é desperdiçado. Graças à produção digital cada secção poderia ter apenas o material necessário, de acordo com o diagrama de momento flector dando origem a geometrias mais ricas do que a viga e pilar préesforçados de uso corrente. Estas novas possibilidades também podem incidir no campo da responsabilidade social se tivermos em conta novas formas de optimização dos recursos limitados do planeta que podem atenuar algumas questões técnicas, económicas e sociais que marcaram a produção mecânica dos últimos séculos. Impacto geral na sociedade Uma mudança social e tecnológica desta envergadura só pode ocorrer se os benefícios económicos e práticos forem acompanhados por um consenso ideológico e as novas formas resultantes da produção digital terão de ser culturalmente aceites. José Manuel Mendonça Naves Pinto 40 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Uma nova produção condição tem de de ser acompanhada por uma nova condição de percepção . No mundo da mecanicista valoriza-se capacidade formas de à a reconhecer idênticas correspondem Ilustração 17 - Piscina olímpica de Pequim: padrões orgânicos inspirados em água produção lógica que da reprodução exacta. No mundo da produção digital a capacidade para reconhecer semelhanças e lidar com a abstracção e o incompleto são qualidades que se valorizam segundo a produção variável. Os adultos de hoje foram criados no universo mecânico da reprodução idêntica estando logicamente mais treinados para reconhecerem formas idênticas . Em contraste as crianças de hoje são criadas em contacto com o universo algorítmico da internet e estão mais aptas a reconhecer semelhanças entre formas que mudam e metamorfoseiam e lidar com elementos incompletos. O futuro da produção digital vai depender dos avanços tecnológicos que irão gerar novos sistemas de produção a curto prazo mas também da ascensão do reconhecimento de padrões a partir de séries variáveis que vai originar um novo universo formal. Ao fim de cinco séculos de cultura tipográfica e produção em série de elementos idênticos o novo conhecimento onde impera o reconhecimento de padrões preparase para fazer reviver muitos aspectos da produção pré-industrial onde o gesto e o carácter único eram a regra. Existe, sem dúvida, uma ironia nesta cultura de “novas máquinas” -levar à reavaliação da percepção, na sociedade, de uma forma que fará reviver o gesto e afastar-nos do culto da máquina. A percepção afasta-se, assim, de ser encarada como uma operação mecânica e torna-se numa extensão orgânica da inteligência humana. José Manuel Mendonça Naves Pinto 41 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais O OBJECTILE Tal como Deleuze salientou, a matemática da continuidade de Leibniz introduziu uma nova ideia de objecto: o cálculo diferencial não descreve objectos mas sim as suas variações . No objectile uma função contém um número infinito de objectos e cada objecto individual faz parte de um algoritmo Ilustração 18 - “Protótipos das 99 teapots “, (Greg Lynn,2013) matemático, assumindo um papel dentro de uma série. O novo objecto da era digital que designamos por objectile tem o seu arquétipo na proveniência matemática de Leibniz e Deleuze. O objectile está para um objecto da mesma forma que uma função matemática pode gerar uma família de curvas. É um objecto genérico. O objecto específico e o seu acontecimento são encarados como entidades variáveis mas dentro da lógica do objectile. No domínio técnico é um algoritmo generativo com um open-end , uma possibilidade de intervenção de segunda ordem pelo autor principal ou até pelo cliente do objecto final. O designer do objectile é o autor das normas gerais que determinam os aspectos comuns de uma gama de objectos diversos. Através da sua aplicação à produção podemos conseguir que o conjunto geral tenha uma continuidade proporcionada pela variação das peças. O projecto ganhou uma dimensão para além do que é entrando no domínio daquilo que pode vir a ser. Um ambiente open-source (ou de múltiplas fontes) Ilustração 19 – “Curva de Koch: princípio matemático que gera várias sequências de formas distintas” , (ISEL, 2010) José Manuel Mendonça Naves Pinto pode estar aberto a variações aleatórias mas baseadas numa estrutura prédefinida. Em termos ontológicos o objectile 42 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais representa a categoria geral à qual os objectos pertencem. O designer do objectile é um autor “geral” ou até genérico que, sendo um modo de autoria aparentemente novo já existia no paradigma pré-Albertiano da produção artesanal. Um autor pode fixar parâmetros principais e deixar em aberto parâmetros secundários nos quais podem participar autores de segundo grau. A abertura de processos e a interactividade são questões inerentes à noção de variabilidade digital. NOTA SOBRE O OBJECTIVO 1 Neste ponto chama-se a atenção para o objectivo de perceber as novas possibilidades de projecto e produção de objectos de design. José Manuel Mendonça Naves Pinto 43 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais O AUTOR COLECTIVO O pós-modernismo na arquitectura é frequentemente associado com o revivalismo da iconografia, historicismo e simbolismo segundo a influência de Charles Jencks, em simultâneo com o que podemos chamar pós-modernismo filosófico de Ilustração 20 – “Software BIM Revit e a integração entre as várias especialidades no modelo virtual”, (Autodesk,2013) Jean François Lyotard que proclama narrativas a fragmentação obrigatórias e das dos grandes referenciais relativos a países que marcaram o século XX. À medida que a digital turn influenciava a arquitectura novos conceitos de fluidez e multiplicidade a nível social confirmavam a visão de Deleuze. No contexto pós-moderno de múltiplos referenciais é lógico que esta revolução tenha acontecido de modo muito discreto. Este ambiente de possível variabilidade foi frequentemente visto como uma libertação relativamente aos limites do modernismo, permitindo a expressão do indivíduo para além dos limites tecnológicos e sociais anteriores. O modelo “made on demand” é hoje visto como emergente e possivelmente restruturante do ponto de vista económico. Em todas estas questões as tecnologias digitais e os vários aspectos culturais da pósmodernidade interagiram demonstrando a importância do contexto social nas obras realizadas, no caso da arquitectura com as novas possibilidades formais a aliarem-se às programáticas. A tecnologia continuou a evoluir desde a década de noventa e hoje existem questões tecno-sociais relativamente às possibilidades participativas no processo de projecto. Estabelecido o paradigma da variabilidade, mencionado anteriormente, concentramonos agora na participação interactiva. No caso da arquitectura, o projecto sempre foi um acto de negociação entre muitos participantes inclusivamente com sessões de intervenção públicas. O processo digital de colaboração, aliado aos novos meios de produção pode chegar a formas surpreendentes que não dependem necessariamente de um consenso entre as partes, no verdadeiro sentido da conclusão de Robert Venturi sobre a complexidade e contradição em arquitectura (8). José Manuel Mendonça Naves Pinto 44 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Como é de esperar, o projecto deve ser construído num determinado momento, fixando a forma arquitectónica mas o processo participativo tem novas possibilidades. Modelos tridimensionais de edifícios podem ser usados no acto do projecto e também para a gestão do edifício durante o seu ciclo de vida, uma vez que ao longo da história foram usados para comunicar o projecto aos mais leigos, o complemento com informação específica de gestão pode ser um caminho a seguir. Questões relacionadas com a participação interactiva levam a temer o fim da autoria baseada no paradigma de Alberti, que nos transportaria para um novo estágio de múltiplos autores análogo ao do período gótico, por exemplo, onde vários mestres tinham participação no mesmo edifício. Na música, o século XX estabeleceu os direitos de autor para cada cópia em vinil e depois CD, mas Mozart e Beethoven nunca publicaram sons, escreviam partituras que tinham de ser interpretadas por músicos e cada actuação era única, mesmo quando era o próprio compositor a dirigir a orquestra. A noção da música enquanto reprodução idêntica é uma invenção da era industrial, pois durante séculos as interpretações eram profusas em variações e metamorfoses consoante cada acontecimento. A customização da era digital também atingiu parcialmente a música com a nova possibilidade de adquirir temas musicais sem depender do antigo formato em disco ou CD. O estatuto moderno do autor teve o seu início com a definição renascentista que podemos ver na arquitectura como “arte” de cópia idêntica ao projecto. O quadro legal dos direitos de autor funciona actualmente na base de que existe um autor e um arquétipo que os executantes devem reproduzir de forma exacta, e estão proibidos de alterar. Este é o paradigma que a digital turn vem questionar. Os novos meios digitais permitem o pensamento lateral de acordo com Edward de Bono (9) . Este vai questionar os padrões de informação rotineiros em que os agentes do projecto normalmente funcionam, provocando esses padrões com o input lateral de informação nova e possivelmente levando à criatividade de novas soluções. Esta, segundo ele vive da aglomeração de nova informação num processo inclusivo de várias fontes das quais o projectista não pode ter a leviandade de rejeitar, pois é a visão lateral de conjunto que pode questionar os padrões de informação com os quais nos movemos habitualmente dando origem a novas soluções. Como refere “With vertical thinking one concentrates and excludes what is irrelevant, with lateral thinking one welcomes chance intrusions.” (Bono, 1976, Lateral thinking,p.41). José Manuel Mendonça Naves Pinto 45 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Os múltiplos agentes que agora podem ter acesso ao processo de projecto podem chegar, no limite à participação anónima e colectiva com muitas analogias existentes entre a produção digital e a pré-industrial que esperemos contribua para uma nova sociedade orgânica e ecológica. Existem actualmente várias plataformas informáticas com robustez suficiente para o design colaborativo, a maior parte desenvolvidas para várias equipas de designers que trabalham no mesmo projecto. Para além disso podem-se também envolver na corrente de projecto o cliente, os utilizadores finais e o cidadão. A fotografia digital já não é a impressão da luz numa superfície e a manufactura digital já não representa a repetição de um molde. A variabilidade tende a destacar-se do paradigma autoral de Alberti que liga a descrição geométrica de um único autor à sua cópia idêntica obrigatória. A separação entre concepção e fabrico (ou construção) dá lugar a um novo processo com maior continuidade e fluidez, estendendo-se essa evolução aos conceitos de propriedade intelectual que estão actualmente em mutação. O argumento de que este método só pode ser aplicado a pequenos objectos de manufactura é teoricamente irrelevante uma vez que qualquer obra de grandes dimensões pode ser a reunião de componentes menores fabricados em produção digital. O novo paradigma visual ultrapassa a modernidade onde a igualdade era a norma; a semelhança e mimesis ganham rapidamente terreno no processo criativo apesar de poderem ser difíceis de defender num tribunal de direitos de autor. Erwin Panofsky afirmou (10) que a deriva das formas da alta idade média estava inscrita num conjunto de normas gerais fixas; o autor analisou este padrão de diferenças dentro da repetição da arquitectura gótica como baseada numa relação de géneros entre categorias gerais estáveis e acontecimentos particulares variáveis, algo que pode voltar a acontecer. Podemos estabelecer uma analogia com o meio digital onde cada objectile representa um conjunto de normas gerais fixas que podem originar objectos infinitamente variáveis. O projectista tem agora que reconhecer semelhanças e padrões identificativos entre as variáveis particulares e saber trabalhar colectivamente. José Manuel Mendonça Naves Pinto 46 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais NOTA SOBRE O OBJECTIVO 2 Neste ponto da pesquisa teórica salienta-se a importância de preparar o aluno para actuar como um autor colectivo. Do ponto de vista social existe uma preocupação por reacções adversas por parte dos arquitectos quanto à inclusão de terceiros no processo de projecto. Importa estudar as reacções ao novo paradigma do autor, no âmbito deste trabalho ao nível dos alunos José Manuel Mendonça Naves Pinto 47 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais SOCIEDADE DIGITAL E NOVA PROGRESSÃO NA APRENDIZAGEM Neste ponto impõe-se uma breve síntese da obra do teórico mais influente para compreender o novo sistema de conhecimento baseado no ambiente digital. Gilles Deleuze influenciou o sistema académico, inicialmente nos Estados Unidos, e desde a década de noventa a sua teoria ajudou a compreender as novas possibilidades de aprendizagem e produção. Através da internet o homem acede à informação segundo plataformas de interesse que dependem do seu contexto de vida. Os planaltos de estudo interligam-se e progridem entre si segundo uma fluidez rizomática de conhecimentos. Este modelo de continuidade substitui os princípios rígidos do modelo arborescente dos referenciais definidos pelo anterior paradigma cultural do século XX ainda muito influenciado pela limitação geográfica e cultural. Os estudos de Deleuze sobre Leibniz (6) e a sua matemática da continuidade tomam o cálculo como metáfora para acontecimentos contextualizados, assim como os conceitos expressos no Rizoma (7) são analogias para a época contemporânea de Deleuze. Devemos ter em conta que já existiam redes informáticas (por exemplo as universitárias) que já permitiam novas possibilidades de crescimento pela aprendizagem rizomática. Por exemplo no seu livro Rizoma, Deleuze toma como referência a obra literária para estabelecer uma série de princípios filosóficos de âmbito mais vasto (7). Tem uma visão que se aproxima de Ponty (11) ao afirmar a importância da ontologia na criação artística onde não podemos estabelecer uma diferença entre o discurso do livro e a maneira como ele foi escrito (o seu contexto) estando igualmente de acordo com M. Bakhtin que mais adiante será mencionado no sentido de compreender a importância do assunto desta tese na sociedade contemporânea (1). Fundamental para o paradigma digital é a visão da obra; esta deixa de ser um objecto isolado e passa a ser encarada como um agenciamento em conexão com outros agenciamentos. Entramos assim numa visão do autor colectivo do projecto pósAlbertiano. O ênfase vai para como a obra funciona, quais são as suas conexões e intensidades, que multiplicidades contribuem para a sua metamorfose. Deleuze manifesta uma oposição à racionalidade moderna que separa conceitos e ideais intelectuais da vivência social prática. José Manuel Mendonça Naves Pinto 48 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais O novo estatuto da obra surge em grande sintonia com as novas possibilidades da sociedade contemporânea onde Deleuze num percurso da pós-modernidade vai acompanhar a perda dos referenciais absolutos dos países e culturas tradicionais para darem origem a uma comunicação que tende para a troca global de conhecimentos. Nesta sociedade os interesses pessoais ganham protagonismo como bússola de progressão que na multiplicidade consegue gerir este universo gigantesco de informação. Consideremos o referencial anterior: o sistema arborescente; este sistema nunca compreendeu a multiplicidade como conceito, pois depende de uma unidade central que sustenta toda a lógica. As relações entre círculos sucessivos dependem sempre de um único sistema de valores que norteia a progressão, tendo o sistema uma lógica binária, sempre referenciada ao axioma central, ao qual o sujeito tem de submeter os seus interesses: o tronco da árvore. Sempre que através de uma ideologia dominante se impõe ao cidadão um conjunto de valores estamos perante este modelo que marcou a história ocidental do século XX. NOTA SOBRE O OBJECTIVO 3 Pelo que foi acima mencionado e será adiante desenvolvido acredito que será importante para o aluno Identificar os novos paradigmas de estudo em contexto digital. RIZOMA Deleuze questiona assim as verdades absolutas na vida em favor das relativas numa visão alinhada com o entendimento segundo Kant, para quem o conhecimento humano surge alicerçado na base relativista da percepção (12) tendo como consequência a possibilidade existirem múltiplas referências em múltiplos contextos. A compreensão da relação entre obra, autor e vivência exige assim uma unidade mais compreensiva e uma totalidade mais extensiva: o sujeito acede a uma unidade mais José Manuel Mendonça Naves Pinto 49 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais alta de ambivalência ou de sobredeterminação numa dimensão continuamente suplementar à do seu objecto. O múltiplo há que fazê-lo, não ao juntar-lhe sempre uma dimensão superior, mas, pelo contrário, o mais simplesmente à força da sobriedade, ao nível das dimensões de que se dispõe, sempre n-1 (é apenas deste modo que o um faz parte do múltiplo, sendo sempre subtraído). Subtrair o único da multiplicidade a construir, escrever a n-1.Um tal sistema podia ser chamado Rizoma.(DELEUZE, 2006, Rizoma, p. 14) A nova visão de referenciais culturais múltiplos permite, no limite, ultrapassar eventuais dogmas da nossa cultura para a visualizar-mos num mosaico de relações no novo contexto global da sociedade digital. Quanto ao Rizoma enquanto eventual sistema de trabalho e ensino, existem alguns princípios básicos de Deleuze que importa enumerar: Princípio da conexão e heterogeneidade: As linhas de um rizoma conectam elos semióticos, organizações de poder, ocorrências que apontam para as artes, para as ciências. O rizoma é multidisciplinar. Qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado com qualquer outro, e tem de sê-lo. É muito diferente da árvore e da raiz que fixam um ponto de ordem.[…] elos semióticos de qualquer natureza são conectados com modos de codificação muito diversos: elos biológicos, políticos, económicos, etc., pondo em jogo não só regimes de signos diferentes mas também estatutos de estados de coisas. (DELEUZE, 2006, Rizoma, p. 15,16) Tal como Mikhail Bakhtin (1) demonstra, uma obra tem conteúdos semânticos e pragmáticos dependentes de agenciamento colectivos de enunciação e todo um enquadramento social. A obra é a expressão de um contexto mais vasto que está implícito na sua forma. Uma obra aglomera actos muito diversos e não deve fechar-se sobre si mesma mas desdobrar-se nas suas múltiplas dimensões. PRINCÍPIO DA MULTIPLICIDADE O conceito de unidade a priori que se subdivide em tipos é muito limitativa das possibilidades na natureza. José Manuel Mendonça Naves Pinto 50 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Uma multiplicidade não tem sujeito nem objecto mas apenas determinações, grandezas, dimensões que ao crescerem fazem com que a multiplicidade possa mudar de natureza, mantendo leis que originam multiplicidade e crescem com ela. (DELEUZE, 2006, Rizoma, p.18) O Rizoma assume uma característica fundamental para o objecto digital: o facto de um agenciamento poder ter origem num autor que estabelece linhas de actuação a priori que terão depois a possibilidade de evoluir nas suas dimensões com flexibilidade e adaptabilidade à medida que aumentam as novas conexões. No novo objecto não importa somente o tempo presente, o mais importante podem ser as novas possibilidades das futuras evoluções. As considerações filosóficas de Deleuze ganharam inicialmente protagonismo nos estudos de teóricos universitários dos Estados Unidos, país com uma pressão de linhas orientadoras nos campos das tecnologias digitais. Os seus estudos foram fundamentais para a produção arquitectónica segundo filosofias de continuidade e adaptabilidade de autores bem conhecidos. Deleuze chega ao ponto de afirmar que “O número deixou de ser um conceito universal que tem referenciais fixos, e dimensões pré-estabelecidas para se tornar, ele mesmo, uma multiplicidade variável segundo as dimensões consideradas” (DELEUZE, 2006, p. 19) , ou seja, para compreender a unidade entre diversos objectos deve-se estudar a existência de sistemas suplementares aos mesmos. Fala-se sem dúvida em estruturas mentais a priori e procedimentos algorítmicos que originam agora conjuntos de objectos variáveis a partir dessa base inicial de instruções como foi mencionado acerca do objectile (o novo objecto genérico que origina séries ). Existe agora a possibilidade de deixar procedimentos estabelecidos que tornam o número dinâmico de acordo com a matemática da continuidade de Leibniz (6). PRINCÍPIO DA RUPTURA ASSIGNIFICANTE Ao contrário de estruturas dependentes de valores absolutos, um Rizoma pode ser interrompido num qualquer ponto e retomado segundo as suas linhas de fuga mais convenientes. As linhas de fuga são aqui entendidas como os potenciais desenvolvimentos futuros que a estrutura em rizoma permite, em complemento as linhas de segmentaridade segundo as quais foi definido. Estas novas ligações podem dar sempre lugar a novos crescimentos no interior da estrutura do rizoma, enriquecendo-o. José Manuel Mendonça Naves Pinto 51 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Este princípio vai de encontro ao novo sistema de produção digital onde passa a existir um elemento intermédio mediador que possibilita a intervenção de um número acrescido de agentes em vários pontos do processo e da sua cronologia de produção (5). PRINCÍPIO DA CARTOGRAFIA E DA DECALCOMANIA Deleuze considera o sistema em árvore como estando ligado ao conceito de decalque e o sistema em rizoma ligado ao mapa. Os modelos de valores absolutos impostos pelo sistema arborescente são indutores de comportamentos em decalque na sua reprodução. Ao estar livre de um modelo generativo absoluto o rizoma privilegia a experimentação directa sobre o real, tendo a possibilidade de ser aberto e sofrer ligações nas suas dimensões, susceptível de receber modificações constantes. O mapa tem entradas múltiplas de informação contrariamente ao decalque que volta sempre ao mesmo valor. Segundo Deleuze (2006, Rizoma, p. 38) “A árvore inspira uma triste imagem do pensamento, que não pára de imitar o múltiplo a partir de uma unidade superior de centro ou segmento.” Os sistemas arborescentes são dados à hierarquia, sendo como autómatos com memórias centrais organizadas que obrigam a respeitar significados sem possibilidade de adaptação. Podemos considerar esta visão como correspondente à produção industrial básica da era moderna, com a visão rizomática aplicada, está agora em questão a evolução para um novo estado a nível tecnológico social e produtivo. O sistema arborescente é muito limitativo pois só pode haver entrada de informação num único ponto segundo um sistema de progressão hierárquica. A actualmente reflecte-se sobre a possibilidade de projecto e produção segundo sistemas acentrados onde a comunicação se faz entre quaisquer pontos, aceitando evoluções no espaço e no tempo. As operações podem coordenar-se e sincronizar-se independentemente de uma instância central. José Manuel Mendonça Naves Pinto 52 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais No rizoma o grafo1 que regula a circulação de informação é, de certo modo, o oposto ao grafo hierárquico do sistema arborescente. Sistema arborescente e rizoma podem mesmo actuar de forma complementar sendo inegável a importância rizomática no percurso pessoal de aprendizagem. A economia global faz com que indivíduos ultrapassem os referenciais imediatos dos países de origem para desenvolverem as suas vidas segundo motivações pessoais que ultrapassam fronteiras. Este trabalho assume-se como alinhado nas investigações do MIT (5) sobre os novos paradigmas da sociedade digital, nomeadamente as novas possibilidades do projecto, a variabilidade, o autor colectivo, a progressão pelo universo da internet feita segundo um sistema rizomático. O filósofo de eleição do novo contexto é Deleuze, muito impulsionado pelas universidades Americanas e pelos arquitectos do final da década de noventa que desenvolveram conceitos de continuidade e fluidez nas suas obras. Quanto à real importância da tecnologia digital para tal concepção filosófica, Bakhtin dir-nos-ia que de uma forma ou de outra isso faz parte do contexto, logo acabaria por ficar impresso na obra (1), mas o que é certo é que Deleuze faz uma excelente correspondência entre a filosofia e o meio digital e isso foi-lhe fundamental. 1 dispositivo matemático destinado a estugar interligações José Manuel Mendonça Naves Pinto 53 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais A IMPORTÂNCIA DO CONTEXTO SOCIAL NA ARTE Origem do Dialogismo Este tópico está alicerçado na Teoria elaborada por dois autores: Mikhail Bakhtin pela obra teórica que desenvolveu sobre o fenómeno artístico/arquitectónico e Tzvetan Todorov pelo modo como sintetizou e estruturou toda a Teoria de Bakhtin. O trabalho de Todorov em “The Dialogical Principle” assenta em duas funções fundamentais: trazer para a luz do dia o princípio dialógico e estruturar uma série de conceitos fundamentais segundo uma hierarquia sequencial de capítulos, de modo que o leitor facilmente transporta os fundamentos da teoria de Bakhtin para o presente e o futuro. Os conceitos enumerados por Todorov são agora transportados para o campo do ensino, mantendo a coerência imprescindível para tal. Abordaremos os conceitos que o professor deve seguir no processo de ensinoaprendizagem para um ensino dialógico. Primeiro Conceito Dialogismo: a base do método Pensamentos sobre pensamentos, experiências sobre experiências, discursos sobre discursos, textos apoiados com base em textos, aqui se encontra a diferença fundamental das Ciências Humanas por oposição às Ciências Naturais. Os registos artísticos analisados segundo as ciências humanas são sempre registos dialógicos de uma determinada natureza: José Manuel Mendonça Naves Pinto 54 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Existe uma relação entre o texto (o objecto de estudo), o contexto que envolveu a sua produção e o receptor à medida que todas as reacções de resposta são levantadas; só assim se compreensão atinge da obra a de arte/arquitectura. Ilustração 21 – “Kandinsky: a expressão artística enquanto um texto ou conjunto de sinais coerentes”, (Bauhaus Archives,2013, Berlim) A arquitectura é o encontro de dois textos: o preexistente criado pelo artista/autor e o texto respondente criado pelo contemplador. O texto deve ser apreendido não apenas pelo estudo das formas produzidas, mas através do estudo das forças produtivas, que estão correlacionadas naquilo que Bakhtin conceptualiza como Horizonte. A tradução dessas forças vivas, que a natureza humana estabelece como sendo necessariamente de ordem social, em aspectos e marcas que se reflectem no formal e no material (que caracterizam o texto) no que podemos chamar uma tomada de vida por parte da obra, ocorre dentro de uma matriz de opções que representam a linguagem disponível pelo autor. Estamos assim perante o Horizonte da obra de arquitectura/arte, importante para compreender o Dialogismo. O Horizonte encontra-se, por sua vez, englobado no conceito de Contexto, pois este para além do referido, contempla todas as possíveis dimensões envolventes à criação do texto para além das forças vivas. O Contexto engloba todo o Horizonte da obra de arquitectura, e aspectos tão simples como a vivência do seu autor numa dada época, o círculo de amizades e debate intelectual, etc. A ideia de que se poderá compreender uma obra independentemente destes intervenientes, é uma ideia que nunca nos permitirá compreender a totalidade do processo artístico/arquitectónico. Chegamos assim a uma etapa fundamental para o segundo conceito ( a expressão), como adiante veremos; para já centremo-nos na compreensão (understanding). José Manuel Mendonça Naves Pinto 55 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais A compreensão da obra de arquitectura baseia-se na relação do texto original criado pelo autor com a reinterpretação feita pelo receptor num novo contexto. A compreensão da obra de arte/arquitectura é, de certa forma, um acontecimento no espaço e no tempo sempre único e pessoal. A compreensão não trata de decalcar a experiência do autor na minha pessoa mas sim de uma resposta dialógica, que pode provocar novas e diferentes perspectivas axiológicas sobre o texto. A compreensão toma assim a forma de uma resposta provocada pela obra de arquitectura, ou seja pelo objecto do conhecimento. Neste aspecto a dualidade entre aquele que se expressa e o receptor é um facto irredutível. A importância da compreensão para chegarmos ao conceito seguinte da expressão é tal que Bakhtin a sintetiza dizendo que toda a compreensão é activa e já representa o embrião de uma resposta. Só o conhecimento activo pode apreender o tema (o significado da expressão) e toda a compreensão é dialógica. Todo o acto de compreensão baseia-se assim na capacidade activa (por parte do receptor) em responder ao estímulo provocado pela obra de arte. A relação dialógica estabelecida no âmbito artístico/arquitectónico, e de forma mais generalizada no âmbito das Ciências Humanas, não é apenas um código inequívoco, mas uma constante relação dialógica entre texto e contexto ( a obra e todo o seu Horizonte) e o contemplador. A interpretação do texto é obrigada a penetrar na infinidade dos seus significados potenciais, razão pela qual dificilmente se poderá considerar científica, no sentido de absolutamente rigorosa nos termos de uma ciência exacta, além disso, a interpretação de um texto é uma experiência profundamente cognitiva. Salientamos o carácter único da experiência artística/arquitectónica e a importância da formação e maturidade cultural por parte do contemplador pois é neste fenómeno dialógico que a obra de arte encontra a sua realização. Neste ponto do estudo, apesar de termos tomado contacto com características cruciais ao fenómeno artístico/arquitectónico a compreensão por parte do receptor pode adquirir todo o tipo de equívocos e conduzir a respostas dialógicas de alguma forma absurdas sobre a intencionalidade da obra de arquitectura, o que não quer dizer que sejam desprovidas de originalidade. José Manuel Mendonça Naves Pinto 56 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Assim sendo podemos, para já, dizer que qualquer pessoa pode experimentar um dialogismo, mas nem todos conseguem uma expressão. Pressupõe esta frase que a expressão representa o atingir de um nível mais elevado de desempenho. Passemos pois à explicação que se impõe. Segundo Conceito A expressão Para começar recordemos o conceito de texto: Para o enquadramento do facto arquitectónico enquanto texto devemos considerar que todo o acto humano é potencialmente um texto. Tanto o meu espírito como o do outro não são um objecto , como nas Ciências Naturais e o acto humano surge através da sua expressão em sinais, numa realização através de textos que numa dada época são comuns ao próprio e ao outro, ou seja, têm um contexto próprio. Se o texto for entendido num sentido mais lato, como um complexo de signos coerente, poderemos postular que mesmo o estudo da arquitectura trata de textos, e assim definir a obra arquitectónica enquanto um texto. Esta é um bom exemplo pois o texto representa a parte realizada da obra no sentido em que perdura no espaço e no tempo, impressa na materialidade e na espacialidade que a caracterizam, no entanto existe uma nova dimensão fundamental: a unidade entre o texto e o seu contexto , que designamos por expressão. A expressão estabelece que: A componente material e formal da arquitectura estabelecida enquanto texto constitui apenas uma parte da expressão , mas existe outra parte fundamental que corresponde ao Contexto. Sem a compreensão da unidade de ambas as partes não compreenderemos a plenitude do fenómeno arquitectónico; a expressão unifica o texto e o contexto e restitui toda a intencionalidade , inteligência e erudição à Obra. O pleno conhecimento esclarecido eleva o arquitecto quando constrói a sua dialogia ao grau de expressão. José Manuel Mendonça Naves Pinto 57 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais O espaço, a matéria e as formas constituem apenas a parte material da expressão do texto, existindo outra parte que é conceptualizada como extratextual que corresponde ao contexto de enunciação ou simplesmente da obra, de um modo geral. A situação extratextual entra na expressão como uma constituinte necessária da sua estrutura semântica, neste aspecto a expressão pode ser comparada com um entimema2. A expressão contém: A parte realizada : o Texto A parte implícita ou extratextual : o Contexto com: O Horizonte Comum A Avaliação comum da situação Para além do Horizonte Comum, já abordado anteriormente surge agora a avaliação comum da situação que recai sobre o autor mas representa o seu enquadramento numa moldura sociocultural mais vasta, pois um dos postulados de ensinar dialogicamente é que nenhum acto criativo surge desprovido de um enquadramento que o antecede e lhe confere sentido. O “eu” apenas pode concretizar-se numa obra quando se apoia no “nós”. Desta forma toda a expressão se assemelha a um entimema social objectivo. É como um código conhecido por aqueles que pertencem ao mesmo horizonte social A expressão é construída num meio social, podemos conceber inclusivamente a expressão mínima como englobando apenas dois intervenientes socialmente organizados. Do ponto de vista do autor, mesmo quando não está na presença directa da sua comunidade sociocultural ele pressupõe como receptor da sua expressão uma imagem de um representante idealizado do grupo sociocultural ao qual pertence. 2 Entimema: Forma de silogismo em que uma das premissas não é expressa mas presumida. José Manuel Mendonça Naves Pinto 58 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais A expressão é determinada pelas condições reais que a envolvem (podemos considerar aqui as forças vivas), assim como pelo seu enquadramento social. As reacções da sua comunidade sociocultural são assim integradas antecipadamente na expressão do autor fazendo parte da sua própria génese. A partir deste ponto impõe-se uma reflexão estruturada no texto Naked; Arte e respondente/ Contexto que responde, do Prof. Ricardo Zúquete, sobre os Early philosophical essays de Mikhail Bakhtin (13). A compreensão das diversas áreas do conhecimento e cognição , seja arte ou estética, pode ser feita pela leitura e entendimento das suas fronteiras. Qualquer ponto de vista criativo, destas áreas, só terá correlação com outros pontos de vista de outras áreas. Surge assim a “distinção criativa” […] Um acto cultural, fora de uma participação neste processo cultural unitário , passa a considerar-se um “facto a nu”, (naked fact) cuja distinção, selecção ou hierarquia será a partir de condições e avaliações arbitrárias. (Zúquete,2003, Naked,p.1) Continuando a citar: Para além deste território de fronteira, ou espaço de limite das diversas áreas do conhecimento, quanto ao território interior ou corpo deste conhecimento, Bakhtin diz não existir como espaço neutral, de princípios ou conhecimentos determinados e estáveis, mas que todas essas áreas do conhecimento se constituem sobre um espaço de fronteira, local por onde perpassam tensões das indeterminadas possibilidades de relação e troca em termos cognitivos. Assim seria um corpo imaginável composto pelas incomensuráveis questões da epistemologia do conhecimento em constante equilíbrio referencial de balanço, troca e contaminações, avaliando uma espécie de prestação constante de todo o conhecimento, gerador de elementos transformadores, que dentro dessa cultura unitária seriam avaliados e justificados e também factor de desequilíbrio e descoberta de novas possibilidades ou outros equilíbrios possíveis. Por outras palavras o equilíbrio fundamenta e confere significado ao acto cultural, que fora desta sistematização unitária da cultura não é aferível e torna-se finito, impossibilitando continuação. (Zúquete,2003, Naked,p.2) Podemos constatar aqui a importância da comunidade sociocultural no artista, e, algo até agora ainda não mencionado: a transversalidade do conhecimento cultural entre as diversas áreas (arquitectura, literatura, escultura, pintura e mesmo áreas das ciências naturais); a importância do território de fronteira para a plena compreensão do Contexto da obra, continuando a citar: Só nesta concreta sistematização , ou seja, nesta responsabilização e orientação não mediata, e dentro da unidade cultural, esse fenómeno deixa de ser um simples facto que existe , facto nu (naked fact), adquirindo significado e validação, tornando-se uma José Manuel Mendonça Naves Pinto 59 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais espécie de mónade, ou seja, reflectindo tudo em si mesmo, e sendo reflectido em tudo. (Zúquete,2003, Naked,p.2) O acto cultural como mónade adquire o significado de uma substância que pertence e indica todas as outras partes. Esta passagem para as partes será a aquisição de significado e validação sobre uma linha de enunciado geradora de significado. Ou seja, o facto nuclear, na sua fundamentação gera um dispositivo como propunha Focault, sobre uma linha invisível e 3 indizível “estreitamente enredada nas outras é todavia desenredável” . Nenhum acto cultural , de acordo com Bakhtin, terá relação com matérias desordenadas indiferentes a valorações, sem pertença ao fio de um dispositivo e à sua enunciação. Ao contrário, este acto tem sempre uma qualquer relação com matérias já avaliadas e ordenadas de alguma maneira, e em relação às quais “tem que assumir, responsavelmente, a sua própria valoração”. (Zúquete,2003, Naked,p.2) Nesta última frase, sublinhada podíamos sintetizar a essência do dialogismo no ensino e a importância fundamental da expressão para conseguir o objectivo que caracteriza segundo Bakhtin o acto cultural. Neste ponto devemos considerar como parte da expressão a leitura e interpretação correcta de textos anteriores, restituindo-lhes o seu contexto de génese, que irá permitir compreender a sua dimensão cultural (dimensão que para quem apenas percepciona um naked fact permanece oculta). Podemos agora percepcionar esses textos anteriores como expressões. Do ponto de vista de Mikhail Bakhtin a expressão irá subsequentemente organizar a essência, dando-lhe forma e organizando o seu sentido, Bakhtin afirma mesmo que fora do domínio da expressão não existe qualquer essência, sendo a expressão o seu berço. Para terminar o tópico relativo ao conceito de expressão refiro resumidamente as noções de significação e tema, que compõem igualmente a expressão 3 refere-se Gilles Deleuze segundo os princípios filosóficos e epistemológicos como propõe Focault no seu “Dispositivo” José Manuel Mendonça Naves Pinto 60 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Expressão: Significação: Consideramos todos os momentos da expressão que são reiterativos entre si em todas as repetições, logo só ganhando sentido graças ao Tema. Desenvolve-se num plano abstracto. Tema: O tema, tal como a expressão da qual faz parte é sempre único, pois resulta do encontro da significação com um contexto único. O tema é individual e não-reiterativo e manifesta a situação histórica concreta que origina a expressão. O tema contém a morfologia da expressão e também os seus aspectos extravertais. Engloba uma série de valores axiológicos e sociais. Podemos ainda reflectir sobre a consideração de Bakhtin em que afirma que as expressões só são belas de acordo com a sua posição relativamente à unidade social da vida e especialmente à unidade do horizonte ideológico e axiológico. A expressão é apenas o cenário de um determinado evento, reproduzindo todo um contexto de relações sociais; autor e receptor não estão fora do evento arquitectónico mas no seu interior, sendo os seus constituintes necessários. Só podemos considerar o receptor/espectador da mesma forma que o próprio autor o considera: aquele para quem a obra é orientada e por essa mesma razão determina a sua estrutura. No primeiro livro assinado por Mikhail Bakhtin com o seu próprio nome surge a dimensão final da expressão, destinada a desempenhar um grande papel, afirma este que cada expressão está também relacionada com expressões anteriores, criando assim relações intertextuais. Nenhuma linguagem é neutra, contém sempre aspirações e avaliações de outros (é habitada pelo outro) e o autor intervém no seu próprio contexto a partir de outros contextos já impregnados da intencionalidade dos outros. A sua intencionalidade encontra um mundo já habitado. José Manuel Mendonça Naves Pinto 61 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais É dentro das pré-existências que o processo artístico se deve movimentar encontrando as suas opções de expressão. Avançamos assim para o terceiro conceito fundamental. Terceiro Conceito Intertextualidade De acordo com o mencionado: cada expressão tem sempre relações com outras expressões anteriores; chamemos-lhe Intertextualidade. A própria teoria da expressão é para Bakhtin um desvio inevitável para estudar finalmente esta faceta da questão. Bakhtin utilizou pela primeira vez o termo dialogismo para designar a relação entre expressões, no entanto como vimos no primeiro conceito, o dialogismo engloba uma grande multiplicidade de significados e Tzvetan Todorov, no alinhamento das próprias concepções de Bakhtin especifica a relação entre expressões com o termo Intertextualidade. Assim sendo o termo Intertextualidade serve para designar as relações entre expressões, com todas as implicações anteriormente constatadas, e salientando a relação que uma expressão constrói com outras anteriores. Duas obras, duas expressões. Estas quando justapostas entram numa espécie particular de relação semântica, que chamaremos dialogico-intertextutal. Estas relações são profundamente específicas devido ao facto da expressão ser única no espaço e no tempo. Para além disso as relações dialógico-intertextuais devem ser constituídas por expressões completas ou potencialmente completas através das quais encontraremos o seu autor. As relações dialógicas intertextuais são profundamente específicas e não podem ser reduzidas a relações do tipo lógico, psicológico ou mecânico. É um tipo particular de José Manuel Mendonça Naves Pinto 62 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais relação semântica , cujas partes devem ser constituídas por expressões completas (ou consideradas como potencialmente completas) atrás das quais figura o autor. A expressão é considerada como prova ou testemunho do autor. Para evidenciar aquilo que é importante na avaliação de uma intertextualidade Bakhtin afirma que quando duas expressões são provenientes de origens completamente distintas elas interagem intertextualmente. Esse contraste de proveniências objectiva a sua “concepção do mundo” assim como o sistema de valores axiológicos em questão. A intertextualidade representa pois, o diálogo do autor presente com o autor de base, sendo ambas as expressões absolutamente intencionais, responsáveis e aferíveis como acto cultural pleno. O aluno transpõe assim o dialogismo comum e entra no campo do conhecimento esclarecido e erudito da expressão respondendo ao primeiro autor num acto válido culturalmente a todos os níveis, que representa o objectivo principal do ensino dialógico. Só na plena compreensão do texto e do contexto que constituem a expressão base, pode o aluno responder a todos os textos que o precedem e que transformará em expressões suas. O sucesso na restituição do contexto é aqui considerado como fundamental para o sucesso do aluno, e pode proporcionar-lhe a experiência de reviver mentalmente épocas e personalidades de referência. Devo salientar que foi aqui depurada a visão de Todorov , fundamentada em Bakhtin sobre a intertextualidade, mas o importante não é o “decalcar” da intertextualidade no campo original da literatura, mas sim a fundação de um conceito equivalente no campo da educação. Nenhuma expressão é privada de dimensão intertextual. Numa das suas primeiras publicações Voloshinov/Bakhtin afirma que cada expressão é referente a pelo menos dois sujeitos, sendo um potencial dialogismo. José Manuel Mendonça Naves Pinto 63 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Pelo menos dois homens, ou, mais precisamente o homem e o seu grupo social, incarnado pelo seu representante ideal, que participa activamente a nível interno e externo na expressão do primeiro.4 Nos seus últimos escritos Bakhtin vai insistir particularmente na intertextualidade, referindo que qualquer tema de uma expressão, de uma forma ou de outra, já foi abordado no passado, sendo impossível não encontrar expressões anteriores. A orientação dialógico-intertextual é uma óbvia característica fenomenológica de toda a expressão. É o objectivo natural das forças vivas que a integram. A expressão alicerça-se na expressão do outro em todos os caminhos que conduzem à realização do seu tema, e inevitavelmente entram em interacção. Apenas o mítico e totalmente só Adão, querendo proferir uma palavra virgem para realizar a primeira expressão poderia evitar estas reorientações que expressões anteriores provocam no percurso para atingir o objecto da nossa própria expressão.5 As expressões que fazemos transportam dentro de si os traços de formulações anteriores. A realidade material da existência já foi “tocada” pelo menos uma vez em estados anteriores por outras expressões, que acabamos normalmente por encontrar. A única distinção que pode ser estabelecida a este respeito não diz respeito à falta de intertextualidade entre expressões, mas entre dois papéis :um fraco e outro forte, que a intertextualidade pode desempenhar na obra de arte/arquitectura. Aplicação do dialogismo no ensino 4 Voloshinov/ Bakhtin; Discurso na vida e discurso na arte 5 M. Bakhtin; Discurso no romançe em A imaginação dialógica José Manuel Mendonça Naves Pinto 64 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Uma vez definida a importância de cada um dos conceitos vou apenas sintetizar a sua aplicação no âmbito do ensino num exercício de arquitectura. Faço-o por ser a minha formação base, o campo do conhecimento onde considero ter mais bases teóricas e práticas. A transposição do exemplo mencionado poderá ser feita para o âmbito alargado do ensino das artes visuais. De forma sintética os objectivos intencionais são: .1 Definir a moldura contextual do projecto Vamos considerar a intervenção proposta no âmbito de um exercício de arquitectura num local predeterminado da cidade de Lisboa. O primeiro passo consiste na definição por parte do aluno da moldura contextual que o exercício específico impõe. Esta definição obriga a uma filtragem dos textos envolventes e a uma hierarquização, considerando os mais relevantes para o objectivo do projecto em causa. O texto pode ser completamente fornecido pelo professor libertando o aluno desta tarefa, mas dado o contexto sociocultural em que vivemos aconselho vivamente a responsabilização dos alunos pela definição de molduras contextuais, factor pedagógico compensador da ausência de limites e da não-linearidade que envolve a vivência de muitos , num mundo sobrecarregado de informação e dialogo não-linear. .2 Deduzir o significado das obras existentes (transformar o texto em expressão) O aluno deve restituir o contexto e intencionalidade do objecto arquitectónico de estudo: Voltemos agora ao exercício de arquitectura. Na posse do texto o aluno distingue-se no estudo da arquitectura pela visão responsável e culta que o arquitecto deve ter. O aluno que no início poderá ver no texto um naked fact, vai caminhar na direcção do encontro da arquitectura com a sua “dimensão oculta” de fenómeno de significação cultural profundo. Assim sendo terá de transformar o texto existente em expressão aprendendo o possível sobre o contexto que envolveu a sua produção. O contexto já foi desenvolvido nos capítulos anteriores (nomeadamente no tema subordinado à José Manuel Mendonça Naves Pinto 65 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais expressão), mas relembro que factores como as aspirações socioculturais, a arquitectura enquanto mónade que reflecte todas as áreas do conhecimento humano de uma dada época e o cunho pessoal do seu autor são temas que importa estudar, assim como a relação do autor da expressão base com outras expressões anteriores relevantes. Recordo a inteligente relação de Le Corbusier com os traçados reguladores de origem clássica; a proporção áurea representa um ideal transcendental humanista de uma poética profunda que revela a arquitectura na sua dimensão mais nobre: o conceito que tudo orienta e a tudo transcende. Ao englobar todo o contexto no texto, este último passará a fazer sentido de uma forma intencional e erudita para o aluno e eleva-o a um nível superior de quem apenas lida com naked facts (facto comum na construção em Portugal). A compreensão da intencionalidade que a expressão agora obtida revela permite também ao aluno começar o seu próprio processo de expressão e entrar na próxima fase. .3 Projectar com intencionalidade entendendo o contexto (expressar) Neste ponto o aluno que compreendeu a importância das fases anteriores está apto a projectar a um nível em que a arquitectura é um statment do ponto de vista cultural e ultrapassa a dimensão dos projectos feitos de forma gratuita, baseados em imagens que fazem parte de informação por vezes pouco culta, que os media associados à arquitectura entendem veicular. A arquitectura de revista produz miragens em muitos alunos que não conseguem na realidade entrar na dimensão cultural e perceber que a arquitectura não é apenas imagem mas algo mais profundo e estruturante: o seu conceito. Os exemplos de autores clássicos como Adolf Loos, Le Corbusier, Alvar Aalto, Louis I. Khan, Alvaro Siza e tantos outros , só podem contribuir no sentido de inspirar o aluno a entender o seu próprio contexto, como estes autores fizeram e fazem. O contexto contemporâneo como mónade do seu tempo reflectido as aspirações mais abrangentes da sociedade é o que se pretende. José Manuel Mendonça Naves Pinto 66 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais A capacidade do aluno em entender o seu próprio contexto é essencial nesta fase, assim como constituir uma relação com as expressões de base, ou seja, os textos a partir dos quais iniciou o seu exercício, empreendendo entre a expressão presente e a expressão base a intertextualidade. A intertextualidade é influenciada pelos aspectos comuns das expressões como o Tema, por exemplo, e será alvo da próxima fase. .4 Intertextualidade: revelar a aptidão em utilizar expressões de base para construir novas expressões A intertextualidade representa a relação entre expressões. Clarifiquemos do ponto de vista pedagógico este conceito. O termo original seria dialogico-intertextual segundo interpretação pessoal que fiz sobre os escritos de Bakhtin mas Tzvetan Todorov resolveu adoptar o termo lançado por Júlia Kristeva . Detenho-me no termo original: dialogia-intertextual, este denota que voltamos à génese de todo o método mas agora num nível superior. A intertextualidade pressupõe uma dialogia entre a expressão proposta e a expressão de base, sendo o Tema de cada uma das expressões um aspecto fundamental entre outros ; consonante, dissonante, contraste, harmonia, provocação, podem fazer parte das intenções do autor presente, no entanto não percamos de vista que a intertextualidade versa essencialmente sobre a dimensão comum e contínua em que o texto presente se alicerçou no texto base sendo este aspecto passível de avaliação pelo professor. A intertextualidade revela a aptidão em utilizar expressões de base para construir novas expressões por parte do aluno e quanto mais o projecto se situar na fronteira de trocas em que uma expressão contamina a outra mais interessante será. José Manuel Mendonça Naves Pinto 67 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Por uma Intertextualidade segundo Bakhtin A aplicação destes conceitos à totalidade das ciências humanas e expressões artísticas, (assim como à arquitectura) sempre foi o objectivo de Mikhail Bakhtin. Falamos agora dos seus conceitos no campo de estudos de base essencial para compreender o ser humano: a expressão verbal e posteriormente a literatura pois o seu estado original permitirá acompanhar melhor a dinâmica do debate teórico sobre a sua aplicação. Mikhail Bakhtin e o seu enquadramento teórico O termo intertextualidade surge nos escritos de Julia Kristeva da década de 60, ao basear-se nos trabalhos do até então desconhecido teórico Mikhail Bakhtin, o trabalho deste, hoje altamente influente a todos os níveis era à data desconhecido, muito do qual nem fora sequer publicado. O termo que Bakhtin sugerira dever destacar-se dentro do dialogismo surge assim pela mão de Kristeva, sendo adoptado por Todorov posteriormente na sua síntese sobre os escritos de Bakhtin intitulada “The Dialogical Principle”. O conceito de intertextualidade é fundamental e tendo sido aceite por todos os críticos e não pode ser dissociado do trabalho de Bakhtin. O Bakhtin de hoje não é o mesmo em que Kristeva se baseou, pois temos a plena visão da sua obra, no entanto convém relembrar o contributo da investigadora para iniciar a sua divulgação . Qualquer conceito de intertextualidade depende dos seus escritos como salienta Todorov. No seu próprio contexto Bakhtin ultrapassa tanto os formalistas russos como Saussure ao explicar que a linguagem existe em situações sociais específicas contendo uma série de avaliações implícitas, assim sendo a linguagem como Saussure propunha não passava de um “objectivismo abstracto”. O conceito chave para Bakhtin é “expressão”, uma palavra que captura o humanismo e especificidade social da linguagem. Tal como o próprio descreve “ a mera presença da expressão tem significado histórico e social” revelando a interacção de indivíduos em contextos socioculturais específicos. José Manuel Mendonça Naves Pinto 68 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais O aspecto mais crucial da linguagem nesta perspectiva é responder sempre a expressões anteriores e padrões pré-existentes de significado e avaliação, procurando também respostas futuras. Surge assim a intertextualidade, na procura de responder ao que foi dito anteriormente numa constante interacção. A linguagem para Bakhtin é relacionável não pelo seu posicionamento num sistema abstracto, mas devido à natureza concreta da sua situação social. A palavra tem duas faces : determinada por quem a pronuncia e pela pessoa a quem se dirige. A relação recíproca entre quem se expressa e quem recebe visa atingir o ponto de vista do outro e até da sociedade de ambos. A palavra é uma ponte lançada entre mim e o outro, dependendo de ambos num território partilhado por ambos. O dialogismo , para Bakhtin, é o elemento-chave constituinte de toda a linguagem, no entanto importa esclarecer um aspecto chave: Se estiverem envolvidos conflitos de ideologias (e classes sociais) pode haver repressão do dialogismo perpetrada pelo poder estabelecido. Bakhtin fala mesmo de como juízos de valor dialógicos podem ser alvo de repressão para serem convertidos, pelo poder estabelecido, em expressões monológicas. O teórico russo menciona mesmo uma tendência de luta pelo poder simbolizada em expressões dialógicas versus expressões monológicas. Esta é a prova do verdadeiro carácter democrático de Mikhail Bakhtin (censurado pelo regime soviético), esclarecendo qualquer dúvida que possa subsistir em teóricos que debatam o assunto. No que diz respeito ao autor Bakhtin nunca vai negar o seu papel, mantendo-o sempre standing behind the work of art. O autor não pertence à obra de arte como sendo uma voz autoritária, nem retira as personagens de uma imaginação completamente original. Ao explorar os possíveis significados de um texto Bakhtin surge perante a intertextualidade. Todas as expressões dependeriam de expressões anteriores, por vezes competindo entre si, nenhuma delas sendo um acto isolado. Daqui surge a noção de equilíbrio da expressão na fronteira das aspirações socio-culturais do seu contexto, assim como as interpretações possíveis na resposta a situações anteriores e José Manuel Mendonça Naves Pinto 69 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais aspiração a respostas futuras. Bakhtin já pretendia uma nova designação para esta especificidade do dialogismo tendo chegado a aparecer o termo “intertextual” nos seus escritos. Este foi definitivamente adoptado por Julia Kristeva e Tzvetan Todorov. A visão da intertextualidade de Bakhtin é essencialmente social, tal como a sua filosofia sobre o ser humano. As novas tecnologias: Hipertextualidade e Intertextualidade O romance “O Nome da Rosa” de Umberto Eco atinge o seu clímax apocalíptico quando a biblioteca que contém todo o conhecimento do mundo é destruída por um incêndio. Esta narração tem a sua intertextualidade histórica na destruição da biblioteca de Alexandria, ou da biblioteca medieval de Monte Cassino. As novas tecnologias apresentam-nos agora uma nova forma de textualidade muito mais flexível e prestável a manipulação, assim como mais acessível. Uma das características da World Wide Web é a sua maior capacidade para interconexão de textos do que os antigos livros impressos. A Web apresenta uma nova forma de intertextualidade que manifesta até em excesso alguns dos conceitos apresentados neste estudo. Este sistema de computadores parece até transportar-nos de novo para a ideia medieval da Biblioteca total, eventualmente correspondendo aos ideais de William of Baskerville em “O Nome da Rosa”. Podemos estabelecer uma biblioteca hipertextual como sendo aquela onde os leitores terão a possibilidade de escolher qualquer um dos caminhos existentes, ou definirem um caminho novo através de textos, deixando-o para outros leitores seguirem se assim o entenderem. O que obtemos desta especulação é a visão da biblioteca como um corpo hipertextual de conhecimento no qual podemos ler e adicionar os nossos textos. O Hipertexto é uma estrutura variável composta por blocos de texto , ou lexias, assim como os links que os unem. É um conceito diferente da simples digitalização de um livro, por exemplo. Podemos considerar o Hipertexto como sendo um único texto dividido em lexias, com os links correspondentes; pode igualmente ser um texto completo com uma sequência de outros textos completos embebida. José Manuel Mendonça Naves Pinto 70 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Os leitores do hipertexto têm uma rede de links que podem seguir na ordem que entenderem construindo várias correntes de lexias, segundo o contexto que os move. A possibilidade dos leitores adicionarem o seu próprio conteúdo ao texto desafia inclusivamente o conceito tradicional de leitura. A sequência de leitura de um texto ganha agora novas e inéditas possibilidades: a leitura não-linear. Devido ao facto do hipertexto “quebrar” a nossa maneira habitual de compreender a expressão dos textos, desafia estudantes, professores e teóricos da literatura: no entanto também podem ocorrer revelações, nomeadamente tornam-se visíveis processos de leitura que sempre fizeram parte das possibilidades que o texto oferece. O texto que está fixo materialmente no livro nunca teve de ser encarado pelo leitor como linear ou circunscrito ao seu suporte físico. Surgem assim novos conceitos nesta era da hipertextualidade: o texto não-linear, o diálogo não-linear e eventualmente a expressão não-linear, com todas as possibilidades que oferecem em novas descobertas teóricas. O sistema de hipertexto e a forma como lidamos com ele pode estar particularmente relacionado com as teorias da intertextualidade. Tal como Landow6 afirma , nenhum conceito é mais pertinente para esta nova tecnologia do que o da intertextualidade, sendo a textualidade gerada através da tecnologia fundamentalmente um fenómeno intertextual. Os sistemas hipertextuais permitem-nos ramificar um aparente texto-base em caminhos intertextuais, de tal forma que o texto-base se transforma em mais um texto numa cadeia intertextual. O hipertexto “quebra” a noção de linearidade num texto: já não o lemos do princípio para o fim como se a sequência fosse essencial para o seu significado. 6 Geprge P. Landow; Johns Hopkins University José Manuel Mendonça Naves Pinto 71 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais A expressão de um texto pode agora depender de um corpo de outros textos, que se tornam parte da experiência da leitura, renovando assim o conceito de fronteira do texto segundo esta nova leitura hipertextual. A importância de Bakhtin (e do seu conceito de intertextualidade) começa a revelar-se na capacidade do leitor “quebrar” a linearidade do texto ao activar links, adicionando comentários e outras lexias. Confirma-se assim o papel do leitor em conferir significado ao texto. O hipertexto salienta o papel do autor e do receptor como participantes conjuntos de uma intertextualidade plena de significados. A hipertextualidade engloba muitas das ideias e atitudes propostas por Focault, no que toca à troca de conhecimentos em territórios de fronteira, como já mencionamos. O leitor pode também consultar textos escritos por outros leitores (sobre o texto base) e contribuir para o debate adicionando os seus próprios comentários (textos). Estes sistemas transcendem a noção unidireccional (do texto para o leitor) para sistemas activos que transformem o leitor num interveniente dialógico que colabora na geração de significado do texto. Landow compara este leitor do universo hipertextual com os conceitos de Bakhtin, fundamentais na origem da teoria da intertextualidade; segundo Landow e Graham Allen (14), o dialogismo de Mikhail Bakhtin é uma das grandes esperanças na teorização da hipertextualidade que urge ser feita. Este sistema não é favorável à noção de que o texto seja de natureza monológica (como havíamos estudado no campo da Ciências Naturais). Sendo um sistema humanístico, o conceito de dialogismo adapta-se bem à sua natureza, para tal mencionamos o exemplo seguinte: O leitor do texto, se este for composto por várias lexias interligadas pode agora escolher um caminho de leitura onde no final de uma lexia decide qual a lexia seguinte, fazendo com que a leitura do texto seja um acontecimento único e possibilitando ao hipertexto gerar um texto diferente de cada vez que é lido. Esta interacção por módulos independentes de forma sempre pessoal e dialógica faz com que esta relação entre autor e leitor se torne na própria história. Se o computador é o ponto de intersecção entre o espaço físico e o cyberespaço, o texto é o portal para um novo espaço intertextual onde cada texto é a face exposta de José Manuel Mendonça Naves Pinto 72 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais uma rede ilimitada de outros textos que podem estar potencialmente contidos no textobase. Em resumo: A multiplicidade e multiculturalidade da internet apenas favorecem a teoria de Bakhtin. A teoria de intertextualidade profundamente democrática de Bakhtin emergem nesta pluralidade de dialogismo e nos diferentes intervenientes de cada texto. Neste momento está em aberto se a hipertextualidade vai incorporar tal papel dialógico na multiplicidade, ou pelo contrário, ser um meio de homogeneização. Poderá o hipertexto incorporar as diferenças entre géneros e nacionalidades? O tipo de resposta que a hipertextualidade dará a estas questões será o resultado de desenvolvimentos da própria tecnologia. José Manuel Mendonça Naves Pinto 73 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais O DESENHO ENQUANTO PROCESSO Este trabalho de investigação sobre temas que se pretendem inovadores para o ensino das artes visuais não poderia deixar de ter nos seus objectivos um capítulo sobre a importância do desenho neste novo contexto. O desenho é o modo de transportar uma ideia ou conceito do espaço mental para o espaço verdadeiro, podendo ser alvo de diversas abordagens. Partindo do princípio que a visão é o sentido mais importante a partir do qual se recolhem as informações sobre o meio ambiente, o principal dom a partir do qual nasce todo o conhecimento. Projectar é tirar conclusões daquilo que se vê, para conduzir a mente pelo tempo e pelo espaço reconhecendo o estado actual como um degrau para o futuro. De acordo com Ralph Judd Lee da Universidade de Oxford (15)o projecto precisa de um elemento com grande poder de antecipação que deve escolher meios de representação de fácil manuseamento e permitir avaliar rapidamente as implicações das propostas. O desenho tem estas qualidades e permite que os limites do imaginário visual (conceptual span) e do imaginário perceptual (perceptual span) sejam mais vastos do que seriam sem a sua existência. Embora reconhecendo que parte dos problemas a resolver não são de natureza visual se não houver desenho terá certamente de existir uma representação análoga, sendo que, pelo seu carácter de veículo directo do pensamento para a mão será difícil em opinião pessoal substituir o desenho por outro meio mais expedito de antecipação de propostas. Ainda de acordo com Lee, o papel do desenho torna-se mais evidente se analisarmos situações onde tem escassa ou nula utilização como no caso da arquitectura vernácula. Aqui não há expansão de imaginários, sendo os modelos sucessivamente repetidos com evoluções graduais a partir de experiências anteriores. Existem vantagens e desvantagens: no primeiro caso o facto de a solução ser muito experimentada, submetida a julgamento, respondendo melhor às necessidades de projecto se não houver mudanças programáticas e materiais em relação aos modelos testados. As limitações derivam da necessidade de recorrer a tentativas no caso de emprego de outros materiais ou mudanças programáticas e dificuldade em visualizar as soluções, ou seja, dificuldade em organizar a complexidade espacial. Este capítulo tem o objectivo de reconhecer a necessidade do desenho no percurso conceptual onde intervém em duas formas: como instrumento de concepção e suporte José Manuel Mendonça Naves Pinto 74 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais físico e exploratório imaginário para do explicitar do arquitecto as suas ideias, em segundo lugar como instrumento comunicação de formalizada até terceiros. Ver começa por ser uma recolha Ilustração 22 - Jose Naves Pinto: esquisso e selecção do real activa das do meio propriedades envolvente e o desenho começa por ser a reprodução de um olhar. Neste sentido, a tomada de consciência do espaço reflecte a própria formação intelectual do homem. A cada época corresponde uma determinada visão do espaço o que levanta várias questões de carácter cultural. Do ponto de vista da cultura ocidental o modo como representamos a profundidade assumiu importância preponderante. Esta noção implica um observador e a organização em função do seu campo visual. Os sinais visuais captados pela percepção têm de ser transformados em marcas gráficas estruturadas e significantes criando um espaço pictórico que permita organizar o ambiente percebido. De acordo com o contexto ideológico da sociedade a tridimensionalidade usa regras codificadas de modo a representar o real. No desenho intervém trabalho manual mas também intelectual, criamos uma realidade paralela no desenho, influenciada pelos nossos interesses num acto de selecção. Diferentes observadores podem fazer diferentes representações dos objectos que visualizam de acordo com os seus interesses. A luz reflectida pelos objectos atinge a retina dos olhos sensibilizando as células nervosas, que permitem ao cérebro compreender a localização, orientação, movimento, tamanho, cor e outras características dos objectos. Mas apenas uma reduzida parte da retina permite distinguir os pormenores dos objectos, o que obriga os olhos a um constante percurso de pesquisa para apreender a realidade global. O que vemos é a transformação dos estímulos visuais básicos em impressões significantes através de uma sucessão de imagens retínicas, submetidas a leis de constância mas diferentes para cada pessoa. No nosso pensamento visual comparamos as imagens que se nos apresentam com as que temos memorizadas. José Manuel Mendonça Naves Pinto 75 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Destaca-se no desenho a utilização da perspectiva para explorar a ponte entre o universo real e conceptual. Esta surge tipicamente no ocidente (no período clássico e a partir do final da idade média) num contexto marcado pela exploração da conceptualização racional do espaço de acordo com critérios análogos aos científicos, em liberdade teológica, transportando a medida humana para o espaço percepcionado. A base científica da perspectiva consiste no estudo da óptica de acordo com a geometria euclidiana, a qual pressupõe a propagação da luz em linha recta, a existência de um cone visual e a relação entre ângulos, dimensões e distâncias dos objectos. Com a perspectiva surge a noção de janela, uma das marcas das ilustrações que se integram no espírito ocidental. Os quadros passam a ser uma abertura para o mundo percepcionado onde o espaço está sujeito a uma estrutura geométrica. De acordo com Manuel Couceiro (16) o trabalho do arquitecto consiste na procura de soluções para determinados problemas que irão alterar certas dimensões da relação entre homem e espaço. Deve ser explícita a transformação do estado inicial de um objecto arquitectónico relativamente ao estado final em que falamos de uma viabilidade na materialização do novo objecto. A progressão entre estes estados é um acto intelectual que se exprime pelo desenho de forma sequencial com tratamento de informação e propostas de soluções para os problemas. Esse sistema tem duas componentes principais: Inteligência: é dinâmica, de acordo com interacções entre o sujeito e o seu meio, assim como consigo próprio. Procuramos incorporar objectos no sistema de representação e existe uma negociação entre a competência do arquitecto e o problema a resolver. Competência: representa o conhecimento específico que o arquitecto possui, com métodos, modelos e processos de trabalho. Exige inteligência estruturada de acordo com a disciplina da acção transformadora. Este sistema de trabalho articula o espaço mental e criatividade do arquitecto com o mundo exterior, ou espaço real. Existem dois níveis conceptuais correspondentes àquilo que se quer exprimir ou significado e ao meio de expressão que se usa nessa intenção, o significante. José Manuel Mendonça Naves Pinto 76 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais A resolução dos problemas implica a visualização das soluções: desenhos de imagens virtuais que serão sucessivamente renovadas de acordo com o imaginário do autor. Representam uma síntese das forças principais Ilustração 23 - José Naves Pinto: síntese e imaginário do projecto que são alvo de reflexão. Piaget estudou estas imagens mentais e concluiu que podem ser classificadas como reprodutoras se agem em relação a pré-existências ou antecipadoras se representam objectos ainda inexistentes. Estas últimas podem representar uma interacção de várias fases de objectos inexistentes no caminho para a proposta final do arquitecto num processo de visualização das etapas do imaginário. Esta é uma dimensão fundamental do desenho no processo de projecto que se mantém intemporal. Todas as imagens tendem a fazer uma síntese dos objectos pela escolha dos seus aspectos mais importantes a representar de acordo com os objectivos de projecto podendo enaltecer-se determinadas características para melhor comunicação. Este lado comunicativo do desenho é fundamental assumindo no projecto de arquitectura um carácter que o distingue: o valor da comunicação gera expressões muito próprias e subjacente está a possibilidade de o desenho ser entendido como um meio e não como um fim . Expressar ideias e comunica-las a terceiros é algo que em arquitectura se faz essencialmente através do desenho. A grande complexidade que as imagens mentais atingem obriga a torná-las exteriores à mente do autor, para serem tratadas sob a forma gráfica a qual, por sua vez, influenciará a criação de novas imagens mentais. Existe assim uma interacção entre imagens reais e virtuais no desenho, sendo a imagem de síntese chamada de operativa. Para serem eficazes devem traduzir as características mais importantes dos objectos e a capacidade do arquitecto inclui representar no espaço objectos que ainda não existem, usando as regras que estabeleceu no desenho assim como a sua gramática gráfica. José Manuel Mendonça Naves Pinto 77 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais As imagens operativas têm três tipos de relações espaciais equacionadas por Piaget e que hoje já se podem considerar como clássicas: as topológicas, as euclidianas e as projectivas. As topológicas são as mais Ilustração 24 - Rembrandt: gesto e sinais gráficos elementares na organização de um ambiente espacial no desenho e incluem relações de vizinhança, separação envolvimento e continuidade, e classes de objectos. Estes últimos podem situar-se em vários locais do espaço desenhado como por exemplo janelas ou colunas. As relações euclidianas têm como característica manterem a relação entre ângulos e distâncias na passagem do objecto para a sua representação, estabelecendo uma estrutura de referenciação geométrica no desenho. As relações projectivas não respeitam obrigatoriamente a estabilidade da distância entre as partes, mas conservam as posições reais relativas das várias figuras segundo um sistema projectivo. Aqui se incluem as relações de conjunto entre objectos que podem estar exagerados mas mantêm uma relação entre as partes. O aluno desenvolve a sua gramática de desenho que resulta do entendimento entre o significado , aquilo que se pretende desenhar e o significante, o desenho propriamente dito com resultado de um conjunto de meios. Essa gramática pode ser composta por diversos sinais gráficos que importa desenvolver que importa serem convencionados pelo aluno segundo uma tendência mais simbólica ou mais figurativa. A prática do desenho torna-se assim fundamental. Segundo Jean Charles Lebahar (17) as acções dos arquitectos progridem ao longo de três grandes fases no processo de desenho que passamos a desenvolver: O diagnóstico O contexto do projecto e seus agentes iniciais marca esta fase que delimita o campo de intervenção do arquitecto José Manuel Mendonça Naves Pinto 78 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Surgem os primeiros elementos gráficos que envolvem o desenho do lugar e suas preexistências a par dos desenhos correspondentes, topografia. incluindo O complementado técnicos a desenho, ou não por fotografia constitui uma primeira inclusão na gramática de representação do lugar de projecto que estabelece as regras para o Ilustração 25 - José Naves Pinto. Moradia na Aroeira desenvolvimento das propostas futuras segundo uma base gráfica de projecto. A simulação gráfica Sobre a base de imagens operativas da fase anterior uma fase experimentalista de propostas com o desenho a fazer a ponte entre o espaço mental do arquitecto e o espaço real . Funciona como uma informação organizada onde o raciocínio pode intervir e o desenho é um mediador que permite explorar modificações às propostas possíveis que surgem do imaginário do arquitecto. Estes objectos gráficos fazem a síntese de problemas muito complexos e o desenho é um acto de inteligência na procura de respostas ao problema a resolver. A simulação gráfica não contempla apenas desenhos baseados na percepção do autor, leia-se em perspectiva, podem incluir projecções mais geométricas onde se ensaiam as relações euclidianas do objecto. José Manuel Mendonça Naves Pinto 79 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Definição do modelo geométrico O objectivo desta fase é alcançar uma representação definitiva e rigorosa do objecto arquitectónico e a representação gráfica deve ser o menos ambígua possível. De acordo com o modelo de Alberti, a verdadeira grandeza das dimensões lineares e angulares é a prioridade mostrando a totalidade do objecto nas suas diversas facetas e permitindo as quantificações necessárias à sua materialização. O resultado é um modelo geométrico do objecto e dadas as características dos elementos gráficos é compreensível uma utilização mais intensa do computador nesta fase como auxiliar de definição do modelo geométrico final. Esta enumeração das três fases do processo de Jean Charles Lebahar que, por sua vez se apoia em bibliografia de Piaget serve para apoiar a convicção de que existem duas fases iniciais onde o desenho tem um papel fundamental na eficiência e clarividência de exploração do imaginário do arquitecto para a solução dos projectos. Mesmo com o actual recurso aos meios informáticos continuamos a defender que só na terceira fase o computador Ilustração 26 - Gustav Klimt . Esboço , (The Klimt tem o seu pleno desempenho. Collection,2013) O carácter de síntese e comunicação directa das duas fases iniciais com o imaginário do autor torna virtualmente impossível a substituição do desenho como meio mais eficaz de sintetizar as primeiras fases do imaginário e estaremos perante um processo clássico que se tenderá a manter com os novos meios digitais. José Manuel Mendonça Naves Pinto 80 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais BREVE RESUMO DOS OBJECTIVOS A VERIFICAR EM AULA Em conformidade com o que foi estudado no Capítulo II referem-se então os objectivos principais a verificar em aula de forma sucinta. Os objectivos situam-se no campo do design como já foi mencionado e a escola da Bauhaus é a referência pedagógica inicial que demonstra a importância da formação artística mas também técnica neste campo. Mantendo estes pressupostos importa no âmbito do estudo perceber o que pode ter evoluído no campo da técnica e quais os novos desafios para o designer e arquitecto enquanto aluno. De acordo com a digital turn e a bibliografia do MIT, apresentam-se como prioritárias o estudo da variabilidade das formas de um projecto e as questões sobre o estatuto do autor se for permitida a intervenção de terceiros no processo de produção. • Consegue o aluno lidar com projectos que se podem adaptar durante o processo de produção? • Consegue o aluno incorporar outros contributos no processo criativo para além do seu? Correspondem estas perguntas aos objectivos 1 e 2 respectivamente: • perceber as novas possibilidades de projecto e produção de objectos de design • actuar como um autor colectivo. São os dois eixos fundamentais do trabalho aos quais de juntaram as questões de observação da capacidade dos alunos em gerir o seu processo de aprendizagem e trabalho em ambiente digital através de: • observação em aula da sua progressão no ambiente rizomático de informação da internet. Serão apresentas as conclusões possíveis relativas a estes objectivos de acordo com a recolha e análise de dados do capítulo seguinte sendo que, existe num trabalho desta natureza mais uma esperança de desenvolver um determinado campo de estudos do que propriamente a convicção de que o rigor dos números apresentados será absoluto. José Manuel Mendonça Naves Pinto 81 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais 3º CAPÍTULO: RECOLHA E ANÁLISE DE DADOS ANÁLISE DA CONCRETIZAÇÃO DOS OBJECTIVOS: OBJECTIVO1: PERCEBER AS NOVAS POSSIBILIDADES DE PROJECTO E PRODUÇÃO DE OBJECTOS DE DESIGN Para este objectivo foram elaborados exercícios com os alunos utilizando o software 3D Studio Max. Pretendeu-se avaliar a capacidade de manipulação formal através de um programa de computador onde os objectos projectados passam a existir num espaço tridimensional virtual. Através de cada aula os objectos projectados pelos alunos eram sujeitos a alterações que o aluno respondia tentando equilibrar todo o conjunto compositivo. Foram igualmente dadas instruções ao aluno para que o objecto fosse composto por formas passíveis de sofrer alterações pelo cliente dentro de limites estabelecidos pelo aluno. Apesar da maior parte dos alunos conseguirem responder bem ao primeiro ponto, no segundo apenas uma percentagem conseguiu efectivamente apresentar objectos compostos por formas capazes de sofrerem metamorfoses. Já a maioria conseguiu dar resposta a uma customização final por parte do cliente (terceiro ponto). Manipulação de formas em aula Bem sucedidos Sucesso relativo Não conseguiram 9% 5% 86% Gráfico 1 – Capacidade dos alunos perceberem a resposta às alterações feitas ao seu projecto pelo professor, durante a aula No segundo ponto do objectivo 1 os resultados foram menos positivos José Manuel Mendonça Naves Pinto 82 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Formas passíveis de sofrer metamorfoses na produção Bem sucedidos Sucesso relativo Não conseguiram 41% 45% 14% Gráfico2 – Avaliação da capacidade de perceber as possíveis metamorfoses que tornam as formas mais adaptáveis A maior parte dos alunos ainda está referenciada ao repertório formal convencional sendo natural que estas novas solicitações não encontrem uma resposta em grande parte de alunos muito jovens que ainda não pesquisaram alternativas formais que possam responder ao que lhes foi pedido. No entanto, dentro dos alunos que foram bem sucedidos puderam ser encontrados exercícios com grande grau de maturidade no domínio formal. Por coincidência esses alunos manifestavam interesse pela área do design revelando curiosidade pelas inovações tecnológicas nesse campo, nas novas possibilidades de manipulação dos materiais que foram aprendendo ao longo do ano lectivo nas aulas da Prof. Carla Gil que complementavam as de Oficina de Multimédia. Apresenta-se seguidamente o trabalho da aluna Teresa G. que aplicou superfícies de vidro com um design intencional capaz de terem um grande grau de adaptabilidade a mudanças de configuração e dimensões. O centro da peça que é um conjunto de quatro garrafas em centro de mesa possui um ponto de convergência das peças que também pode ser customizado de acordo com o cliente final. José Manuel Mendonça Naves Pinto 83 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Ilustração 27 - Teresa G. Centro de mesa em madeira e vidro Como se pode observar na Fig. 27 é uma peça que já apresenta soluções muito coerentes o que atesta (em conjunto com outros resultados) que os alunos bem sucedidos tendem a apresentar um trabalho de boa qualidade o que parece compensar a expressão percentual deste tipo de resultados no contexto da turma. No que toca à capacidade de sofrer customização final os alunos apesar de estarem mais referenciados a formas convencionais conseguiram sucesso tendo o seu engenho compensado a questão formal como podemos observar na Fig. 28 onde a aluna Beatriz consegue um conjunto de peças adaptáveis com design coerente. Ilustração 28 - Beatriz : Joalharia com placa adaptável pelo cliente José Manuel Mendonça Naves Pinto 84 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais O trabalho da aluna apresenta uma série de peças de joalharia que podem ser customizadas através de peças de encaixa, apesar do repertório formal permitir pouca adaptabilidade se quisermos variar o seu processo de produção. O mesmo não acontece no trabalho da aluna Sara, na Fig. 29, que pode ser customizado a todos os níveis figurando no caso em que os alunos já exploram formas de maior complexidade quando comparadas com a sua vivência quotidiana. Estes três tópicos foram os seleccionados no âmbito do primeiro objectivo e a sua interacção permitirá concluir até que ponto os alunos estão bem preparados para lidar com formas capazes de se adaptarem durante o processo de produção de peças e pretendemos, nas conclusões, sugerir que medidas tomar para corrigir esta carência por parte dos estudantes. Não pretendemos ajuizar se uma customização de uma peça será positiva ou negativa do ponto de vista psicológico, isso é algo que deixamos para o objectivo 2, relacionado com o autor colectivo. O que parece prioritário neste momento é que os alunos sejam capazes de responder a solicitações que o mercado de trabalho tenha um grau de probabilidade de lhes fazer e por isso foi escolhida uma bibliografia baseada numa instituição de referência internacional, o MIT – Massachusetts Institute os Technology. Ilustração 29 - Sara : Jarra em formas orgânicas Resta apenas analisar o gráfico do terceiro ponto em que a turma manifesta capacidade para responder à customização do produto final por parte do cliente. José Manuel Mendonça Naves Pinto 85 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Formas capazes de serem customizadas pelo utilizador Bem sucedidos Sucesso relativo Não conseguiram 32% 68% 0% Gráfico 3 – Capacidade do aluno perceber e projectar de modo inclusivo para o cliente final Como já foi ilustrado pelo trabalho da Beatriz na Fig. 28, os alunos conseguem de um modo geral projectar peças que podem ser adaptadas pelo cliente apesar de recorrerem a formas convencionais. As três tabelas foram produzidas pela análise dos exercícios realizados em aula, funcionando a turma do 12ºF da área de Artes Visuais como estudo de caso nestas matérias. Os trabalhos podem ser todos consultados em anexo, através de imagens dos painéis que a turma apresentou no âmbito da exposição dos trabalhos de oficina de multimédia para a comunidade escolar. A avaliação formal dependerá sempre nalguma medida da experiência profissional (para além do ensino) do professor e autor deste trabalho, onde teve de ser contabilizado todo o contexto escolar que envolveu a produção das peças, para além do resultado formal em si. No capítulo seguinte procuraremos estabelecer algumas conclusões a partir dos dados agora mencionadas assim como sugerir algumas intervenções. José Manuel Mendonça Naves Pinto 86 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais OBJECTIVO 2: ACTUAR COMO UM AUTOR COLECTIVO Neste domínio procurou-se avaliar se os projectos realizados conseguem incluir a participação de outro interveniente, para além do seu autor, ou seja, se as formas projectadas são favoráveis a serem modificadas por outros. Para além disso deu-se especial ênfase à componente psicológica de averiguar se o aluno concorda com a inclusão de terceiros no processo de projecto e no caso de ser inevitável como se sente acerca disso, ou seja se considera essa facto desmotivador para o exercício da sua profissão no futuro; assim, foram alteradas as peças projectadas por alguns alunos e foram questionados sobre o que acharam da alteração feita aos seus projectos. Alguns projectos e respostas mais exemplares encontram-se no Anexo III do trabalho a título de exemplo. As respostas dadas foram analisadas segundo os critérios de: influência formal no processo de design; aceitação da intervenção de terceiros; receptividade a uma solução de compromisso; propostas para gestão do design da peça. Influência do cliente nas formas do design Influenciava o seu trabalho Não influenciava o trabalho 32% 68% Gráfico 4 – Influência da participação de terceiros nas formas do design Como podemos constatar a maioria dos alunos declarou não se sentir influenciado pelo facto de ter de adaptar o seu projecto às opiniões do cliente final , o que José Manuel Mendonça Naves Pinto 87 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais representa um facto extremamente positivo para a adaptabilidade a uma eventual mudança tecnológica e do estatuto do autor. Quanto à receptividade a uma solução de compromisso, parâmetro que mede a participação de terceiros já houve mais reservas por parte dos alunos , sendo de salientar algumas declarações prestadas em questionário. Receptividade a uma solução de compromisso Favoráveis não são favoráveis 45% 55% Gráfico 5 – Receptividade do autor a uma solução de compromisso com terceiros A aluna Catarina S. mencionou que “Em geral, acho que um artista tem que saber lidar com situações deste género. Acho que se deve fazer o projecto final como achamos e, se depois houver complicações com o cliente, tenta-se ajustar o projecto às ideias do mesmo.” A segurança dos alunos no seu estatuto de autor parece aumentar a predisposição para aceitar a intervenção de terceiros. Neste sentido a aluna Raquel A. respondeu: “Na minha opinião, sendo eu a artista penso que a maior parte do controlo deveria ser minha, pois a minha função é dar vida à ideia ou conceito do cliente. Assim explicaria ao cliente a minha visão do conceito e realizaria esboços e rascunhos para que ele José Manuel Mendonça Naves Pinto 88 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais percebesse visualmente o que eu idealizei; se o cliente não concordar pediria que este desse a sua opinião e que me indicasse as alterações que pretendia e eu teria de as realizar.” A generalidade dos alunos demonstrou aceitar estes novos aspectos como um desafio ,de certa forma estimulante, mas houve casos, como o da aluna Sara que manifestamente preferia ter o controlo total sobre a peça : “Gostando eu de manter sempre tudo sobre controlo, não me agrada particularmente que depois de tanto trabalho alguém possa alterar a minha peça mas, acredito que acaba por ser enriquecedor para mim, para a peça e para o cliente, pois "duas cabeças pensam melhor que uma" e o resultado final pode sair em muito beneficiado.” O factor aceitação da participação parece estar intimamente ligado com o controlo ser de alguma forma mantido pelo projectista, quase como uma contrapartida. O aluno está a manifestar que psicologicamente consegue trabalhar nessas condições mas tendo um controlo sobre aquilo que o cliente vai mudar e a forma como o vai fazer. Isso mesmo atesta o gráfico relativo às propostas para gestão do design da peça José Manuel Mendonça Naves Pinto 89 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais 14 12 12 10 8 6 6 3 4 1 2 0 Controlo total da intervenção do cliente Intervenção livre Intervenção livre e Intervenção livre e mas parâmetros parametros parciais parâmetros livres fixos à escolha Propostas para gestão do design Gráfico 6 – Propostas de controlo da peça por parte dos alunos Como se pode observar pela tabela 6 a maioria dos alunos pretende controlar todo o processo ou manter fixas as margens de intervenção por parte do cliente. Esta contrapartida parece estar ligada a factores psicológicos que será aconselhável respeitar sob pena de desmotivar o autor e perder qualidade no trabalho a desenvolver. José Manuel Mendonça Naves Pinto 90 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais OBJECTIVO 3: IDENTIFICAR AS NOVAS POSSIBILIDADES DE ESTUDO EM CONTEXTO DIGITAL Para averiguar este objectivo foi criado pelo professor um site na internet com conteúdo específico da disciplina que estava a leccionar mas também contendo vários links para funcionar como plataforma de partida para um percurso de aprendizagem em temas do design. Por exemplo: tal como foi mencionado no capítulo II, a escola da Bauhaus é uma referência importante sendo um dos links sobre documentários e material pedagógico online. Procurou-se avaliar se os alunos usaram a plataforma como ponto de partida para um percurso pessoal próprio e qual a adesão geral à plataforma de estudo. A avaliação foi feita por observação em aula tendo em conta a definição teórica do conhecimento rizomático de Gilles Deleuze (6). A observação dos alunos respondeu a parâmetros práticos para avaliar o sucesso dos gráficos que agora se apresentam. O contador de visitantes do site também mediu a adesão dos alunos uma vez que o mesmo tinha sido criado especificamente para a disciplina. Nos anexos encontra-se a impressão das páginas principais do site criado para o efeito. A componente qualitativa do sucesso dos alunos neste domínio está subentendida no gráfico que agora apresentamos tendo a grande maioria dos alunos sido bem sucedidos neste campo. Construção de uma pesquisa própria Bem sucedidos Sucesso relativo Não conseguiram 0% 9% 91% Gráfico 7 – Sucesso dos alunos na identificação de uma pesquisa própria de qualidade usando a internet José Manuel Mendonça Naves Pinto 91 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Os 9% de alunos que ficaram pelo sucesso relativo devem esse facto à dispersão provocada pela internet e representam igualmente uma franja de difícil controlo por parte do professor, uma vez que na aula estamos sujeitos a múltiplas solicitações por parte da turma sendo impossível controlar os alunos nesta matéria de modo completo. Ainda assim teve de ser considerado o sucesso total no que toca à adesão à plataforma de estudo pois todos os alunos visitaram o website. Adesão à plataforma de estudo Aderiram Não aderiram 0% 100% Gráfico 8 – Adesão dos alunos ao website criado José Manuel Mendonça Naves Pinto 92 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais 4º CAPÍTULO: CONCLUSÕES DESENVOLVIMENTO DA VIRTUALIZAÇÃO DOS PROJECTOS Por tudo o que foi escrito na investigação do Capítulo II e pela análise da importância do objecto digital para o aluno em todo o processo de estudo surge uma conclusão que acompanhou todo o trabalho como um currículo oculto: Existe efectivamente uma mudança na “localização” do objecto de design do espaço tridimensional real para o novo espaço virtual do meio digital, com argumentos como o objecto de design tornar-se adaptável ou ganhar-se rigor na descrição do objecto. Ao longo das últimas décadas o meio digital tem aperfeiçoado a capacidade de representações manter exactas de objectos num espaço [x,y,z] com todas as características do real excepto a existência de comportamentos segundo as leis da física, no entanto a componente do rigor de cálculo tridimensional apresenta já as qualidades que permitam falar de um espaço virtual. Poderia definir um espaço virtual Ilustração 30 – Simulação de alterações do cliente ao trabalho da aluna Teresa G. como possuindo todas as características do espaço real mas ficando localizado num ambiente gerado por uma simulação de base algorítmica e matemática assente em microprocessadores com capacidade para calcular as suas leis em fracções de segundo. Assim, o aluno pode rodar uma peça e observar todos os seus ângulos como se o fizesse segurando fisicamente o objecto. José Manuel Mendonça Naves Pinto 93 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Existem duas componentes: • espaço virtual onde a peça está construída • correspondência do espaço virtual à percepção sensorial do projectista Do ponto de vista da descrição geométrica da peça podemos falar de uma simulação virtualmente perfeita do universo físico, mas da correspondência à percepção sensorial do projectista existe sem dúvida espaço para evolução, sendo actualmente essa função desempenhada pelo ecrã dos computadores onde trabalhamos. As vantagens deste espaço virtual são muitas e de grande importância. Numa altura em que a conjuntura económica dificulta o exercício da arquitectura e pode inclusivamente diminuir a procura de peças de design, o aluno e futuro profissional pode manter uma produção de designs sob a forma virtual e a produção de tais peças torna-se numa possibilidade em qualquer momento futuro onde as condições o Ilustração 31 – máscara em metal feita pela aluna Raquel A. justifiquem pois ficam armazenadas em suporte digital. Apesar de não ter encontrado bibliografia que desenvolvesse especificamente o tema da crescente virtualização dos objectos de projecto, parece-me que neste momento as investigações disseram sobre aquilo que está efectivamente a acontecer do ponto de vista prático como argumentos que confirmam este facto. Este trabalho regista essa virtualização em duas componentes: nas consequências profissionais futuras a partir da evolução de aspectos práticos da produção e consumo de peças de design, leia-se a possibilidade de adaptação das peças e participação do cliente e, por outro lado, no trabalho de sala de aula os alunos demonstram de um modo empírico corresponder a este tipo de construção do projecto (e diz-se José Manuel Mendonça Naves Pinto 94 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais “construção” pois o termo pode tender a substituir “representação”) pois compreendem que apesar do objecto não ser construído ficam com uma construção virtual do mesmo. Essa construção virtual, para o aluno, fica a um passo do objecto real faltando introduzir a componente de comportamento físico que daria a simulação final quanto à materialidade das peças. Como já foi referido, na bibliografia que estudei, os autores preferem, de um modo geral explorar aspectos práticos ligados à utilização da tecnologia digital do que falar directamente na virtualização do projecto. Esta surge como somatório de consequências que estão ainda em estudo mas neste momento os indicadores são já significativos. UM NOVO GRAU DE APROXIMAÇÃO AO OBJECTO FINAL A maior parte dos alunos adaptou-se bem à manipulação de objectos num espaço tridimensional virtual. Mesmo sem abordar as questões relativas à possibilidade de formas evolutivas ou intervenção de terceiros , os alunos parecem entender o meio virtual como uma vantagem técnica e compositiva para o seu projecto. Tal conclusão foi sobretudo verificada por observação em sala de aula e a razão para este procedimento por parte dos alunos tem a ver com o desejo de materialização natural a qualquer autor. O ambiente virtual permite um novo grau de aproximação à materialização até agora inexistente e o instinto de autor encarrega-se de despertar a curiosidade do aluno. FORMAÇÃO DO PROFESSOR Pode-se assim concluir com bastante margem de segura que o professor terá de preparar-se para este novo campo de estudos através de formação a nível pessoal ou promovida pelas escolas e entidades responsáveis o que implica um investimento que importa acautelar. Felizmente, de acordo com o que foi mencionado no terceiro objectivo, os meios digitais de aprendizagem proporcionam uma alternativa de baixo custo se tivermos em José Manuel Mendonça Naves Pinto 95 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais conta o factor actualização e rigor, sendo o domínio do idioma inglês indispensável pois a maior parte dos fabricantes de software publicam os seus tutoriais nesta língua. OBJECTIVO 1: NOVAS PRODUÇÃO DE DESIGN POSSIBILIDADES DE PROJECTO E FILTRAGEM DIALÓGICA DA TECNOLOGIA PARA CONTEXTO PORTUGUÊS O Quanto às novas possibilidade de projecto, conclui-se que a maior parte dos alunos adere de forma entusiasta ao novo meio de representação dos objectos e consegue responder aos desafios de manipulação formal em tempo de aula, mas quando queremos maturidade do desenvolvimento Ilustração 32 – Matilde e Joana: Joalharia avaliar aluno de a no uma gramática formal que consiga tirar partido das novas possibilidades de produzir formas que podem evoluir em sequência durante a produção verificamos que é necessário desenvolver algum trabalho neste domínio. A pesquisa envolve o professor, em primeiro lugar, que deverá ficar ciente daquilo que está a acontecer neste domínio e fazer a necessária filtragem para o contexto português de modo a que os meios ensinados sejam pertinentes na prática profissional quotidiana e não excessivamente dispendiosos e o vocabulário ensinado José Manuel Mendonça Naves Pinto 96 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais tenha relevância cultura de um ponto de vista dialógico como foi mencionado no ponto quatro da pesquisa teórica. A inclusão desse ponto da pesquisa tem justamente o objectivo de manter o dialogismo como currículo oculto em todo o trabalho pois estamos a investigar uma inclusão de novas linguagens de expressão que terão de ajustar-se ao contexto cultural português que é a identidade histórica constante e preexistente. Este processo tem uma componente subjectiva que deriva necessidade de uma avaliação crítica que começa no professor mas é extensível ao próprio aluno. Ambos podem estudar e propor, baseando-se na realidade portuguesa, qual o repertório formal mais adequado e quais os processos de inclusão de participantes mais adequados e o resultado deverá contribuir para o aumento de qualidade do produto final. Existe um efeito potencialmente benéfico para a produção nacional. Se olharmos para a produção de mobiliário, por exemplo, podemos concluir que os novos processos da chamada técnica made on demand podem contribuir para aumentar a produção de peças no território nacional. Neste modo de produção a zona comercial tem a modalidade de venda directa mas também funciona Ilustração 33 – Inês: Joalharia como showroom onde o cliente pode customizar a sua peça, mas ao fazê-lo a informação tem de ser enviada para fábrica para produção. Neste caso convém que a zona de fabrico possibilite a entrega das peças no máximo de dois a três dias, período a partir do qual, segundo estudos, o cliente poderá perder o interesse no processo, ora a importação a partir de territórios de grande produção em países longínquos torna-se inviável pois o seu esquema de fornecimento ainda funciona pelos modelos de produção por matriz fixa. A inovação parece favorecer países que a resolvam acolher e contribuir para a sua produção. No caso português pode inclusivamente fornecer vantagens para a venda em todo o território europeu beneficiando da livre circulação de bens e tendo em José Manuel Mendonça Naves Pinto 97 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais contra que a produção de mobiliário sempre teve alguma expressão do ponto de vista da indústria portuguesa. NOVO REPERTÓRIO FORMAL E INCLUSÃO DO CLIENTE NO PROCESSO DE DESIGN Nesta caso falaremos sucintamente dos gráficos apresentados no capítulo anterior sobre o primeiro objectivo do trabalho. Como ficou demonstrado pelos trabalhos apresentados pelos alunos e pela observação em aula apesar da maior parte conseguir manipular os aspectos básicos da construção de uma peça em ambiente virtual, apenas ligeiramente menos de metade do grupo de trabalho conseguiu desenvolver um repertório formal com alguma qualidade. Apesar deste facto é manifestamente boa a capacidade de elaboração de Ilustração 34 – Joana: peça em vidro e metal peças que incluam a participação de terceiros, apesar da predisposição psicológica para que tal aconteça que analisaremos no objectivo seguinte. Os alunos demonstram apetência para desenvolver um objecto virtual, compreendem a importância deste novo passo no processo de produção e apenas precisam de apoio em termos de uma estratégia pedagógica no campo das possíveis novas formas e da inclusão do cliente. José Manuel Mendonça Naves Pinto 98 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais OBJECTIVO 2: ACTUAR COMO UM AUTOR COLECTIVO De acordo com os gráficos apresentados no Capítulo III, podemos estabelecer algumas conclusões que se configuram importantes para actuar perante o aluno em aula Se a maioria dos alunos afirma que a participação de terceiros não irá influenciar o seu processo de design, essa atitude é devida à convicção de que apesar da participação de terceiros o autor manterá o controlo do processo de materialização projecto controlando outras do seu limitando e todas as participações. Poderíamos pensar que caminhar para o controlo total representaria situação preferida a de todos, mas o facto é que existe uma percentagem significativa de alunos que não se incomoda com Ilustração 35 – Madalena: Frascos para perfume uma controlada participação através de parâmetros fixos e não sentiu necessidade de se deslocar para a opção do controlo total. Assim de acordo com esta leitura poderemos concluir que a participação não é um factor completamente indesejado, mas apenas na condição de ser profundamente controlado pelo autor inicial. José Manuel Mendonça Naves Pinto 99 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais OBJECTIVO 3: IDENTIFICAR AS NOVAS POSSIBILIDADES DE ESTUDO EM CONTEXTO DIGITAL Podemos concluir essencialmente por observação em aula que a grande maioria dos alunos do 12º ano que foram estudados conseguiram organizar com sucesso um conjunto bibliográfico coerente segundo o seu tema de interesse. Existe no entanto um factor de dispersão que só não foi maior devido à vigilância dos dois professores que estavam na sala (para além de mim próprio estava a professora orientadora Carla Gil). DISPOSIÇÃO DA SALA DE AULA O tema da vigilância da sala de aula configura-se como dos mais importantes no contexto prático da aula, tendo durante o ano lectivo ocorrido uma mudança de disposição de carteiras na sala devido a esse mesmo facto. De acordo com a minha experiência profissional a disposição de carteiras beneficia de um aspecto colateral se for feita de modo a tirar partido das calhas técnicas nas paredes como demonstra a figura. Ilustração 36 – disposição de carteiras aconselhada José Manuel Mendonça Naves Pinto 100 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Para além de ser financeiramente mais vantajosa pois dispensa mudanças no pavimento da sala de aula para passagem de cabos de rede esta disposição permite ao professor controlar visualmente o ecrã da maioria dos computadores. Os alunos que apresentam melhor historial de comportamento na sala de aula devem ser colocados no segmento que não pode ser controlado visualmente pelo professor. A imagem é meramente ilustrativa pois não podemos replicar este layout para todas as salas de aula mas podemos adoptar o princípio com as suas vantagens disciplinares e financeiras. Podem haver variantes, como os computadores formarem um “U” ao longo das paredes e no meio ficar uma “ilha”. Poderá parecer algo austero, fazer com que os alunos não estejam directamente voltados para o professor, mas essa será a pior opção, sobretudo em escolas com historial disciplinar difícil pois o aluno tende a sentir-se seguro para usar o computador para brincadeiras pois o ecrã fica de costas para o professor e os colegas que testemunham a brincadeira normalmente não denunciam o facto por considerarem tarefa do professor e diminuírem a sua popularidade na turma ao fazerem queixas dos colegas. Pela natureza excepcional destas aulas devem ser adoptadas medidas próprias a este nível. Quanto à capacidade dos alunos se adaptarem a um ambiente rizomático de aprendizagem podemos concluir que o seu sucesso é total tendo os trabalhos beneficiado destes novos recursos de pesquisa O PROBLEMA DO COPY/PASTE Para além das vantagens do acesso à informação existe um novo desafio para o professor que consiste em detectar quais os elementos dos trabalhos dos alunos que podem ter sido copiados digitalmente. Neste caso há que fazer uma distinção entre um elemento directamente copiado a partir do trabalho de outra pessoa e se o aluno pode usar esta lógica do copy/paste como um processo criativo genuíno. José Manuel Mendonça Naves Pinto 101 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Nos seus textos sobre o projecto da Casa da Música, localizada na cidade do Porto o arquitecto Rem Koolhaas confessa ter usado esta lógica para adaptar um conceito de um projecto seu preexistente que achava adaptar-se aquela situação e contribuía para resolver a questão dos prazos apertados do concurso (18). Ilustração 37 – Revista “Content” de e o processo criativo da casa da música no Porto (Rem Koolhaas, 2004) Actualmente o edifício é uma referência arquitectónica o que nos leva a questionar se não existe um lado criativo nesta lógica e desafia o professor a distinguir entre diferentes situações. Mais uma vez salientamos o papel do factor humano para que o sistema de trabalho funcione. Como será de esperar, a maioria das situações detectadas em aula ainda ficará aquém de usar uma característica técnica e até subverte-la para a tornar numa mais valia criativa. Será assim esperado que a maioria dos alunos use o processo de cópia digital para fins menos correctos do ponto de vista da avaliação, mas surpresas são uma possibilidade. A apreciação global deste meio de estudo é positiva, mas salienta-se a importância de capacitar o professor para desenvolver recursos de estudo através dos meios digitais. Para além de servir de exemplo ao aluno, servem como ponto de partida para orientar a sua progressão de estudo. A formação de professores a este nível será igualmente aconselhável para as entidades responsáveis pelas escolas. Conforme foi avaliado no capítulo anterior, os alunos estiveram bastante à vontade a realizar a sua pesquisa, não tendo registado nenhum caso de dificuldades ou incapacidade em fazê-lo por parte de nenhum aluno. As questões de dispersão no estudo tenderão a desaparecer com a maturidade do aluno, ao aperceber-se da importância da pesquisa para o seu trabalho e de rentabilizar o seu tempo de estudo. José Manuel Mendonça Naves Pinto 102 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Apesar deste facto pareceu-me aconselhável apresentar a sugestão de organização da sala de aula acima mencionada. Quanto ao facto da progressão rizomática poder sugerir alternativas ao chamado modelo arborescente, onde o tronco central de formação axiológica era simbolizado pela escola como única fonte de conhecimento e valores, segundo o que observei durante este ano lectivo e os vários anos em que leccionei , tudo aponta para as conclusões no alinhamento do enquadramento social mencionado por Mikhail Bakhtin onde o aluno depende do contexto vivencial para a formação desses valores e o enquadramento presencial do ambiente escolar será sempre a primeira fonte de desenvolvimento. O meio digital surge mais como fonte de correcção quando o aluno sente a necessidade de complementar a sua formação. Ilustração 38 – Captura de ecrã do site criado para as aulas de Oficina de Multimédia José Manuel Mendonça Naves Pinto 103 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais REFERÊNCIAS 1. Todorov, Tzvetan. Mikhail Bakhtin The Dialogical Principle. [trad.] Wlad Godzich. s.l. : University of Minnesota Press, 1994. ISBN 0-8166-1290-0. 2. Coutinho, C. P. O estudo de caso na investigação em tecnologia educativa em Portugal. Revista Portuguesa da Educação. Universidade do Minho, 2002, Vol. 15. 3. Rodriguéz Gómes, G, Gil Flores, J. e Garcia Jiménez, E. Metodologia de la investigación cualitativa. Málaga : Ediciones Aljibe, 1996. 4. Hall, Peter. Cities of tomorrow. Oxford, UK : Blackwell Publishers, 2002. ISBN: 0631232648 . 5. Carpo, Mario. The Alphabet and the algorithm. Cambridge, MA : The MIT Press, 2011. ISBN 978-0-262-51580-1. 6. Deleuze, Gilles. Leibniz, a dobra e o barroco. São Paulo : Papirus, 1991. ISBN 85308-0171-7. 7. —. Rizoma. Lisboa : Assírio e Alvim, 2004. ISBN 972-37-1108-7. 8. Venturi, Robert. Complexidade e contradição em arquitectura. São Paulo : Martins Fontes, 2004. ISBN 85-336-1957-X. 9. Bono, Edward de. Lateral thinking. London : Centre for Science Education Chelsea College, 1976. BLL01014068613. 10. Panofsky, Erwin. Gothic Architecture and Scholasticism. s.l. : Archabbey, 1951. NA440 .P23 1951. 11. Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo : Martins Fontes, 1999. ISBN 85-336-1033-5. 12. Kant, Immanuel. Crítica da razão pura. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. PT -- 30562/89. 13. Zúquete, Ricardo Moniz. Naked. Arte e respondente/Contexto que responde. Universidade Lusíada. 2011. José Manuel Mendonça Naves Pinto 104 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais 14. Allen, Graham. Intertextuality. New York : Routledge, 2000. ISBN 0-415-17474-0. 15. Lee, Ralph Judd. The implcations of drawing in architectural design. Oxford : Oxford Polytechnic, 1987. 16. Couceiro, Manuel. Perspectiva e Arquitectura. Faculdade de Arquitectura da U.T.L. 1992. Tese de Doutoramento. 17. Lebahar, Jean Charles. Le Dessin d'architecte: simulation graphique et réduction d'incertitude. Roquevaire : Éditions Parenthèses, 1983. ISBN 2-86364-022-4. 18. Koolhaas, Rem. Content. s.l. : Tashen, 2004. ISBN 3-8228-3070-4. 19. Ghyka, Matila. The Geometry of Art and Life. New York : Dover Publications, 1977. ISBN 0486235424 . 20. Braizinha, Joaquim. O pensamento da mão. Universidade Lusíada. 21. Deleuze, Gilles. Diferença e repetição. [trad.] Luis Orlandi. Lisboa : Relógio d'Água, 2000. ISBN:972-708-595-4. 22. Voloshinov, V. N./BAKHTIN M. O discurso na vida e o discurso na arte. [trad.] Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza. 23. Yin, R. K. Case study research: design and methods. 4th edition. Los Angeles : Sage, 2008. José Manuel Mendonça Naves Pinto 105 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais BIBLIOGRAFIA 1. Todorov, Tzvetan. Mikhail Bakhtin The Dialogical Principle. [trans.] Wlad Godzich. s.l. : University of Minnesota Press, 1994. ISBN 0-8166-1290-0. 2. Coutinho, C. P. O estudo de caso na investigação em tecnologia educativa em Portugal. Revista Portuguesa da Educação. Universidade do Minho, 2002, Vol. 15. 3. Rodriguéz Gómes, G, Gil Flores, J. and Garcia Jiménez, E. Metodologia de la investigación cualitativa. Málaga : Ediciones Aljibe, 1996. 4. Hall, Peter. Cities of tomorrow. Oxford, UK : Blackwell Publishers, 2002. ISBN: 0631232648 . 5. Carpo, Mario. The Alphabet and the algorithm. Cambridge, MA : The MIT Press, 2011. ISBN 978-0-262-51580-1. 6. Deleuze, Gilles. Leibniz, a dobra e o barroco. São Paulo : Papirus, 1991. ISBN 85308-0171-7. 7. —. Rizoma. Lisboa : Assírio e Alvim, 2004. ISBN 972-37-1108-7. 8. Venturi, Robert. Complexidade e contradição em arquitectura. São Paulo : Martins Fontes, 2004. ISBN 85-336-1957-X. 9. Bono, Edward de. Lateral thinking. London : Centre for Science Education Chelsea College, 1976. BLL01014068613. 10. Panofsky, Erwin. Gothic Architecture and Scholasticism. s.l. : Archabbey, 1951. NA440 .P23 1951. 11. Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo : Martins Fontes, 1999. ISBN 85-336-1033-5. 12. Kant, Immanuel. Crítica da razão pura. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. PT -- 30562/89. 13. Zúquete, Ricardo Moniz. Naked. Arte e respondente/Contexto que responde. Universidade Lusíada. 2011. José Manuel Mendonça Naves Pinto 106 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais 14. Allen, Graham. Intertextuality. New York : Routledge, 2000. ISBN 0-415-17474-0. 15. Lee, Ralph Judd. The implcations of drawing in architectural design. Oxford : Oxford Polytechnic, 1987. 16. Couceiro, Manuel. Perspectiva e Arquitectura. Faculdade de Arquitectura da U.T.L. 1992. Tese de Doutoramento. 17. Lebahar, Jean Charles. Le Dessin d'architecte: simulation graphique et réduction d'incertitude. Roquevaire : Éditions Parenthèses, 1983. ISBN 2-86364-022-4. 18. Koolhaas, Rem. Content. s.l. : Tashen, 2004. ISBN 3-8228-3070-4. 19. Ghyka, Matila. The Geometry of Art and Life. New York : Dover Publications, 1977. ISBN 0486235424 . 20. Braizinha, Joaquim. O pensamento da mão. Universidade Lusíada. 21. Deleuze, Gilles. Diferença e repetição. [trad.] Luis Orlandi. Lisboa : Relógio d'Água, 2000. ISBN:972-708-595-4. 22. Voloshinov, V. N./BAKHTIN M. O discurso na vida e o discurso na arte. [trans.] Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza. 23. Yin, R. K. Case study research: design and methods. 4th edition. Los Angeles : Sage, 2008. José Manuel Mendonça Naves Pinto 107 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais ANEXOS José Manuel Mendonça Naves Pinto 108 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais LISTA DE ANEXOS Anexo A Pedido de autorização à Direcção da escola para o desenvolvimento da pesquisa Anexo B Pedido de autorização aos encarregados de educação para o desenvolvimento da pesquisa Questionários sobre as modificações feitas ao design das Anexo C Anexo D Anexo E Anexo F peças de alunos seleccionados como casos de estudo. Pauta de avaliação do professor estagiário Planificação das aulas Caracterização da Escola José Manuel Mendonça Naves Pinto 109 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais ANEXO A– PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO À DIRECÇÃO DA ESCOLA PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA José Manuel Mendonça Naves Pinto 110 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Exma. Senhora Directora José Manuel Mendonça Naves Pinto, licenciado em Arquitectura pela Universidade Técnica de Lisboa encontra-se desde 2010/2011 a fazer o Mestrado em Ensino de Artes Visuais na Universidade Lusíada de Lisboa. Durante o presente ano lectivo e no âmbito do plano curricular previsto , desenvolverá a sua dissertação de Mestrado, que será orientada pela Professora Doutora Maria Adelaide Pires. A investigação que se propõe fazer tem como objectivo principal desenvolver capacidades de estudo e trabalho do aluno, no campo das artes visuais e arquitectura, em ambiente digital, que são de importância crucial para a integração dos alunos na sua futura vida académica e profissional no actual contexto da sociedade. É seu propósito desenvolver este estudo na escola da qual V. Exa. é Directora. Vem, então, por este meio, solicitar a autorização da direcção da Escola para proceder à referida investigação nesta Instituição, com uma turma do 12º ano. Os alunos foram já abordados e mostraram-se receptivos a este estudo. Previamente será solicitada autorização por escrito aos respectivos Encarregados de Educação, uma vez que se pretende fotocopiar e guardar algumas produções escritas dos alunos, assim como desenhos e esquemas técnicos elaborados pelos mesmos. Serão registadas observações sobre trabalho desenvolvido em aula. Será ainda dada a informação aos Encarregados de Educação de que se garantirá o anonimato dos seus educandos, não sendo divulgados os seus nomes, turma ou escola. Agradeço desde já a atenção dispensada. Com os melhores cumprimentos José Manuel Mendonça Naves Pinto José Manuel Mendonça Naves Pinto 111 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais ANEXO B – PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO ENCARREGADOS DE EDUCAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA José Manuel Mendonça Naves Pinto AOS O 112 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Exmo. Sr. Encarregado de Educação O professor de Artes Visuais, José Manuel Mendonça Naves Pinto, encontra-se no presente ano lectivo a fazer o Mestrado em Ensino de Artes Visuais, na Universidade Lusíada de Lisboa. No âmbito da Tese de Mestrado , propõe-se realizar uma investigação que tem por objectivo principal desenvolver capacidades de estudo e trabalho do aluno, no campo das artes visuais e arquitectura, em ambiente digital, que são de importância crucial para a integração dos alunos na sua futura vida académica e profissional no actual contexto da sociedade. Esta investigação será desenvolvida durante o presente ano lectivo, na escola do seu educando, tendo já sido autorizada pela respectiva Direcção. Para o desenvolvimento deste estudo será necessário recorrer à realização de questionários para conhecer a opinião dos alunos relativamente aos assuntos em estudo. Para o efeito, solicito a sua autorização para realizar questionários ao seu educando, nas aulas em que estejam a trabalhar no âmbito desta investigação. Saliento que os dados recolhidos serão usados exclusivamente como materiais de trabalho, estando garantida a privacidade e anonimato dos participantes. Manifesto, ainda, a minha inteira disponibilidade para prestar qualquer esclarecimento que considere necessário. Na expectativa de uma resposta favorável subscrevo-me com os melhores cumprimentos. (Prof. José Manuel Naves Pinto) José Manuel Mendonça Naves Pinto 113 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Autorização Eu, , Encarregado de Educação do aluno , do 12º ano, autorizo que o professor José Naves Pinto realize questionários ao meu educando, no âmbito da investigação que me foi dada a conhecer. Data / / 2013 Assinatura: José Manuel Mendonça Naves Pinto 114 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais ANEXO C – QUESTIONÁRIOS SOBRE AS MODIFICAÇÕES FEITAS AO DESIGN DAS PEÇAS DE SELECCIONADOS COMO CASOS DE ESTUDO José Manuel Mendonça Naves Pinto ALUNOS 115 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Exma. Aluna Beatriz O professor José Manuel Mendonça Naves Pinto, está a fazer o Mestrado em Ensino de Artes Visuais. A investigação que se propõe fazer tem como objectivo principal desenvolver capacidades de estudo e trabalho do aluno, no campo das artes visuais e arquitectura, em ambiente digital, para a integração dos alunos na sua futura vida profissional . Imagina que, na Figura, foram feitas algumas modificações ao teu projecto. Isto aconteceu para simular um acontecimento futuro onde um cliente pode alterar uma peça de design para melhor se adaptar ao espaço da sua casa, por exemplo. O designer deixa o seu projecto definido em computador, tal como fizeste na aula mas depois o cliente final poderá fazer algumas adaptações antes da produção da peça. Gostava que escrevesses um pequeno texto com o tamanho que entendas. Descreve o que achas que vai mudar do teu ponto de vista no teu papel enquanto autor : As formas que projectas serão diferentes se souberes que outra pessoa as pode alterar as suas dimensões e a sua configuração? Como te sentes psicologicamente por teres de partilhar a peça final com a intervenção de outra pessoa? Achas que deves ter um grande controlo sobre a peça? como o farias? José Manuel Mendonça Naves Pinto 116 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Exma. Aluna Catarina O professor José Manuel Mendonça Naves Pinto, está a fazer o Mestrado em Ensino de Artes Visuais. A investigação que se propõe fazer tem como objectivo principal desenvolver capacidades de estudo e trabalho do aluno, no campo das artes visuais e arquitectura, em ambiente digital, para a integração dos alunos na sua futura vida profissional . Como podes ver na Figura, foram feitas algumas modificações ao teu projecto. Isto aconteceu para simular um acontecimento futuro onde um cliente pode alterar uma peça de design para melhor se adaptar ao espaço da sua casa, por exemplo. O designer deixa o seu projecto definido em computador, tal como fizeste na aula mas depois o cliente final poderá fazer algumas adaptações antes da produção da peça. Gostava que escrevesses um pequeno texto com o tamanho que entendas. Descreve o que achas que vai mudar do teu ponto de vista no teu papel enquanto autor : As formas que projectas serão diferentes se souberes que outra pessoa as pode alterar as suas dimensões e a sua configuração? Como te sentes psicologicamente por teres de partilhar a peça final com a intervenção de outra pessoa? Achas que deves ter um grande controlo sobre a peça? como o farias? José Manuel Mendonça Naves Pinto 117 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Resposta: Quando fiz esta peça naquele preciso formato, fi-lo porque queria que a peça transmitisse uma sessão de agressividade entre o metal e o vidro, como que o metal quisesse apoderar-se do vidro. Mas, como em todos os ramos de trabalho, sei que o cliente tem sempre hipóteses de mudar a peça final. Por isso, se uma situação semelhante a da imagem acontecesse, eu claro que não iria gostar mas iria, simplesmente, transmitir a minha opinião a cliente, dizendo porque é que eu achava que essa alteração não devia ser feita, e tentava arranjar uma solução que ambos concordassemos. Em geral, acho que um artista tem que saber lidar com situações deste género. Acho que se deve fazer o projecto final como achamos e, se depois houver complicações com o cliente, tenta-se ajustar o projecto às ideias do mesmo. Para mim, esta situação não é a mais agradável pois eu sou bastante individualista, mas tenho que me aprender a lidar com situações deste género. José Manuel Mendonça Naves Pinto 118 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Exma. Aluna Raquel O professor José Manuel Mendonça Naves Pinto, está a fazer o Mestrado em Ensino de Artes Visuais. A investigação que se propõe fazer tem como objectivo principal desenvolver capacidades de estudo e trabalho do aluno, no campo das artes visuais e arquitectura, em ambiente digital, para a integração dos alunos na sua futura vida profissional . Imagina que, na Figura, foram feitas algumas modificações ao teu projecto. Isto aconteceu para simular um acontecimento futuro onde um cliente pode alterar uma peça de design para melhor se adaptar ao espaço da sua casa, por exemplo. O designer deixa o seu projecto definido em computador, tal como fizeste na aula mas depois o cliente final poderá fazer algumas adaptações antes da produção da peça. Gostava que escrevesses um pequeno texto com o tamanho que entendas. Descreve o que achas que vai mudar do teu ponto de vista no teu papel enquanto autor : As formas que projectas serão diferentes se souberes que outra pessoa as pode alterar as suas dimensões e a sua configuração? Como te sentes psicologicamente por teres de partilhar a peça final com a intervenção de outra pessoa? Achas que deves ter um grande controlo sobre a peça? como o farias? José Manuel Mendonça Naves Pinto 119 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Resposta: As formas que projectas serão diferentes se souberes que outra pessoa as pode alterar as suas dimensões e a sua configuração? Não, pois a partir de um pedido ou ideia simples eu faria o mesmo que fiz, claro que depois estaria sujeita a alterações devido à opinião/visão do cliente. Como te sentes psicologicamente por teres de partilhar a peça final com a intervenção de outra pessoa? Profissionalmente sei que o mais correto é aceitar o facto de que a peça final foi feita por encomenda e portanto a ideia não é totalmente minha. Achas que deves ter um grande controlo sobre a peça? como o farias? Na minha opinião, sendo eu a artista penso que a maior parte do controlo deveria ser minha, pois a minha função é dar vida à ideia ou conceito do cliente. Assim explicaria ao cliente a minha visão do conceito e realizaria esboços e rascunhos para que ele percebesse visualmente o que eu idealizei; se o cliente não concordar pediria que este desse a sua opinião e que me indicasse as alterações que pretendia e eu teria de as realizar. José Manuel Mendonça Naves Pinto 120 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Exma. Aluna Sara O professor José Manuel Mendonça Naves Pinto, está a fazer o Mestrado em Ensino de Artes Visuais. A investigação que se propõe fazer tem como objectivo principal desenvolver capacidades de estudo e trabalho do aluno, no campo das artes visuais e arquitectura, em ambiente digital, para a integração dos alunos na sua futura vida profissional . Como podes ver na Figura, foram feitas algumas modificações ao teu projecto. Isto aconteceu para simular um acontecimento futuro onde um cliente pode alterar uma peça de design para melhor se adaptar ao espaço da sua casa, por exemplo. O designer deixa o seu projecto definido em computador, tal como fizeste na aula mas depois o cliente final poderá fazer algumas adaptações antes da produção da peça. Gostava que escrevesses um pequeno texto com o tamanho que entendas. Descreve o que achas que vai mudar do teu ponto de vista no teu papel enquanto autor : As formas que projectas serão diferentes se souberes que outra pessoa as pode alterar as suas dimensões e a sua configuração? Como te sentes psicologicamente por teres de partilhar a peça final com a intervenção de outra pessoa? Achas que deves ter um grande controlo sobre a peça? como o farias? José Manuel Mendonça Naves Pinto 121 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Resposta: Considero que se o cliente final tiver o poder de alterar a minha peça, ela será criada tendo isso em conta. Isto é, será desenhada de maneira a manter as características e os pormenores e a "funcionar" da maneira que idealizei seja em grande ou pequena dimensão, por exemplo. Gostando eu de manter sempre tudo sobre controlo, não me agrada particularmente que depois de tanto trabalho alguém possa alterar a minha peça mas, acredito que acaba por ser enriquecedor para mim, para a peça e para o cliente, pois "duas cabeças pensam melhor que uma" e o resultado final pode sair em muito beneficiado. Sara Moreira José Manuel Mendonça Naves Pinto 122 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Exma. Aluna Teresa O professor José Manuel Mendonça Naves Pinto, está a fazer o Mestrado em Ensino de Artes Visuais. A investigação que se propõe fazer tem como objectivo principal desenvolver capacidades de estudo e trabalho do aluno, no campo das artes visuais e arquitectura, em ambiente digital, para a integração dos alunos na sua futura vida profissional . Como podes ver na Figura, foram feitas algumas modificações ao teu projecto. Isto aconteceu para simular um acontecimento futuro onde um cliente pode alterar uma peça de design para melhor se adaptar ao espaço da sua casa, por exemplo. O designer deixa o seu projecto definido em computador, tal como fizeste na aula mas depois o cliente final poderá fazer algumas adaptações antes da produção da peça. Gostava que escrevesses um pequeno texto com o tamanho que entendas. Descreve o que achas que vai mudar do teu ponto de vista no teu papel enquanto autor : As formas que projectas serão diferentes se souberes que outra pessoa as pode alterar as suas dimensões e a sua configuração? Como te sentes psicologicamente por teres de partilhar a peça final com a intervenção de outra pessoa? Achas que deves ter um grande controlo sobre a peça? como o farias? José Manuel Mendonça Naves Pinto 123 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais ANEXO D - PAUTA DE AVALIAÇÃO DO PROFESSOR ESTAGIÁRIO José Manuel Mendonça Naves Pinto 124 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais António A+ Comportamento: Bom Participação nas questões da aula: Suf Autonomia: Bom. Embora precisasse de apoio em matérias que já tinha sido explicadas Investigação pessoal: Bom. Fazia o trabalho sozinho e devia ter pedido mais apoio, pois teve períodos de paragem Trabalho com grau de dificuldade normal, feito correctamente, de acordo com o explicado na aula, com pesquisa própria nas particularidades de interesse do aluno. Foi incluído o trabalho de OFA (feito no meu tempo de aula) para avaliação Beatriz Comportamento: M.Bom A+ Participação nas questões da aula: M.Bom Autonomia: M.Bom. Colocou dúvidas avançadas de acordo com o projecto Investigação pessoal: M.Bom. Peça de joalharia com design criativo e original, exequível e com bom conceito de apresentação ao cliente. Pena não ter desenvolvido mais peças naquela linha. Catarina Rocha Comportamento: Bom Participação nas questões da aula: Suf Autonomia: Bom Investigação pessoal: Bom Realizou trabalho standard de edição de vídeo Catarina Comportamento: M.Bom Souto Participação nas questões da aula: M.Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal:M. Bom A A+ Tem o mérito de ter sido a primeira aluna a apresentar um objecto construído com design original. Carolina Comportamento: Bom A Participação nas questões da aula: Suf Autonomia: Suf Investigação pessoal: Bom Tem um bom projecto, feito sobretudo nas ultimas aulas e podia ter desenvolvido o trabalho para resultados excelentes se quisesse. Débora Comportamento: Bom A Participação nas questões da aula: Suf Autonomia: Suf Investigação pessoal: Bom Criou um objecto relativamente estranho José Manuel Mendonça Naves Pinto 125 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Gonçalo Comportamento: Bom Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal: Bom A Bom trabalho de modelação. Podia ter mais nota mas entregou fora do prazo Hugo Comportamento: Bom A Participação nas questões da aula: M.Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal: M.Bom Foi valorizada a participação nas aulas juntamente com a Teresa Godinho. Entregou fora do prazo. Inês Comportamento: M.Bom A Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal: Bom Conseguiu um bom objecto apesar de ser difícil nalguns pormenores. Podia ter feito mais exemplares com variações diferentes Joana Comportamento: M.Bom A+ Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal:M. Bom Foi sempre muito interessada desde o princípio das aulas Joana Comportamento: Bom Esteves Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: Bom Investigação pessoal:Bom Realizou trabalho standard de edição. Esteve muito interessada no filme. Joana Comportamento: M.Bom Barbosa Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: Bom Investigação pessoal:M. Bom José Manuel Mendonça Naves Pinto A A 126 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Partilhou o computador com a Matilde à quinta-feira por falta de postos de trabalho. Foi menos participativa do que a colega quando lhes colocava questões A+ João Comportamento: Bom Barriga Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: Bom Investigação pessoal: Bom Muito envolvido com o projecto do filme teve um grande trabalho de edição e exportação demonstrado na sala de aula Madalena Comportamento: Suf A Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: Bom Investigação pessoal: M.Bom A falta de confiança na realização de trabalho em 3D fez com que o projecto ficasse aquém do seu potencial. Deve empenhar-se mais para vencer o receio neste tipo de trabalhos Margarida Comportamento: M.Bom A Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: Bom Investigação pessoal: M.Bom Apesar de dominar muito bem as ferramentas do programa o seu objecto podia estar mais desenvolvido do ponto de vista do design A+ Marta Comportamento: Bom Carmo Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal: M.Bom Foi a aluna do grupo do cinema que trabalhou o software com maior grau de dificuldade realizando uma sequência de efeitos especiais em After Effects com várias layers animadas e efeitos de distorção de imagem e alteração de cor Marta Comportamento: Bom A+ Godinho Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal: M.Bom Tem A+ porque apesar da peça poder estar mais desenvolvida do ponto de vista do design demonstrou uma autonomia e conhecimento do programa excelentes Matilde Comportamento: Bom A+ Participação nas questões da aula: Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal: M.Bom Quando começou a trabalhar cumpriu rigorosamente o que era pretendido e sempre José Manuel Mendonça Naves Pinto 127 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais durante o tempo de aula sem precisar de recorrer a trabalho feito em casa Patrícia Comportamento: Bom Participação nas questões da aula: M.Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal: M.Bom A Domina muito bem as ferramentas do programa e foi sempre muito participativa mas a peça podia estar mais desenvolvida do ponto de vista do design Raquel Comportamento: Bom A+ Participação nas questões da aula: M.Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal: M.Bom Tinha potencialmente um dos melhores projectos da turma e tem A+ pelo conjunto do seu trabalho, mas foi um pouco prejudicada pela ausência de uma aula. Compensou como pode fora do tempo de aula juntamente com alguns colegas Sara Comportamento: Bom A+ Participação nas questões da aula: M.Bom Autonomia: M.Bom Investigação pessoal: M.Bom Trabalho com grau de dificuldade elevado proposto pela aluna. Conseguiu realizar a peça praticamente sozinha apenas consultando tutoriais e assistindo às aulas Teresa Comportamento: M.Bom A+ Participação nas questões da aula: M.Bom Prémio Autonomia: M.Bom de Investigação pessoal: M.Bom mérito Conseguiu uma peça de design contemporâneo de muito boa qualidade, num tempo record e com grande interesse e domínio das ferramentas do programa. O trabalho já tem qualidades profissionais. Parabéns. __ Alunos que se destacaram __Trabalhos entregues fora do prazo Nota Geral sobre a turma 12ºF (22 alunos) A turma apresentou um desempenho fora do esperado, pela positiva, dado o número de aulas planificadas para este módulo, tendo os alunos demostrado estar preparados acima da média para aprender modelação tridimensional pelo que , o nível médio de avaliação foi considerado A (numa escala qualitativa). Os alunos que conseguiram destacar-se no conjunto da turma foram identificados com o nível A+ Esta avaliação destina-se a ponderação para o conjunto do ano lectivo pela professora supervisora de estágio. O professor estagiário José Manuel Naves Pinto José Manuel Mendonça Naves Pinto 128 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais ANEXO E – PLANIFICAÇÃO DAS AULAS José Manuel Mendonça Naves Pinto 129 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Escola Secundária Quinta do Marquês Planificação de Oficina de Multimédia – 12º Ano Projecto e representação de Objectos tridimensionais COMPETÊNCIAS CONTEÚDOS Operar a um nível básico com um software de 3D – 3DS Max Compreender modelação tridimensional; Edição 3D a Software: 3DS Max Interface do 3D Max Modelação de objectos Materiais e mapas Câmaras Iluminação aos Animações de objectos Fotorrealismo ESTRATÉGIAS AVALIAÇÃO Avaliação sistemática e contínua – observação directa do trabalho desenvolvido pelos alunos durante as aulas, nomeadamente quanto à sua evolução técnica, participação e empenho no trabalho, capacidade de explorar investigar e mobilizar conceitos em diferentes situações, responsabilidade, autonomia, qualidade do trabalho realizado e forma como o aluno o geriu, organizou e auto-avaliou. Apresentação de exemplos visuais no sentido de demonstrar a Modelar objectos; utilização e interacção das Aplicar materiais diversas tecnologias objectos; multimédia. Estes exemplos deverão Criar iluminação básica; ser comentados de vários pontos de Criar animações simples Edição 3D Avançada vista, acentuandoe imagens fotorrealistas Software: 3DS Max se a abordagem Modelação de técnica e estética. Operar, a um nível personagens e objectos Introdução ao e mapas avançado, com o 3DS Materiais software através da complexos Max apresentação do Modelar e animar Câmaras ambiente de personagens e objectos; Iluminação trabalho, principais Compreender as Animações Avaliação formativa e painéis, barras de e diferenças entre os Controladores sumativa. ferramentas. diversos tipos de propriedades físicas Demonstração do materiais; modo de Utilizar adequadamente funcionamento do sistemas de iluminação; software. Identificar as diferenças Resolução de fichas entre os vários tipos de de trabalho, luz; individuais, Utilizar adequadamente orientadas para que câmaras; o aluno aprenda, Utilizar adequadamente experimentando, os modificadores; diversos recursos Compreender os efeitos dos programas; de antecipação, acção e Serão elaborados reacção; trabalhos que visam Saber usar e configurar a aplicação criativa os sistemas de “ossos” dos conhecimentos para animar adquiridos. personagens; Revelar capacidades de auto-exigência, rigor e espírito crítico no trabalho realizado; José Manuel Mendonça Naves Pinto 130 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Calendarização= 3º Período do ano lectivo José Manuel Mendonça Naves Pinto 131 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais ANEXO F - CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA José Manuel Mendonça Naves Pinto 132 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Caracterização resumida da Escola A Escola Secundária da Quinta do Marquês (ESQM) situa-se em Oeiras e foi criada pela Portaria nº 587/93, de 11de Junho. A ESQM integra mais de 100 docentes, (cerca de 80% do quadro da escola), apoiados por 40 não docentes, tendo uma população que ultrapassa os 1000 alunos, num total de 40 turmas, 20 do 3º ciclo do ensino básico e 20 do ensino secundário, todas a funcionar em regime diurno. Os planos curriculares estendem-se do 7º ao 12º ano. No ensino secundário predomina a oferta de cursos gerais/Científico-Humanísticos, na área das ciências e tecnologias (maioritária), artes visuais, ciências socioeconómicas e línguas e humanidades. A escola oferece ainda cursos profissionalizantes na Multimédia. critérios Os área da que determinam a definição da oferta educativa prendem-se com as expectativas educativas do meio envolvente, o que leva a que a maior parte da oferta se centre nos cursos orientados para o prosseguimento dos estudos. O símbolo da escola, encontrado por concurso proposto aos alunos, representa a esfinge do Marquês de Pombal, cujo nome e local de residência designou a nossa escola. José Manuel Mendonça Naves Pinto 133 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Indicadores de desempenho José Manuel Mendonça Naves Pinto 134 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais José Manuel Mendonça Naves Pinto 135 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Exames Nacionais José Manuel Mendonça Naves Pinto 136 Consequências da tecnologia no ensino das Artes Visuais Ranking da escola José Manuel Mendonça Naves Pinto 137