Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
Sentido e entendimentos sobre experimento e experimentação para o ensino
das ciências
Kênio Erithon Cavalcante Lima (Instituição CAV/UFPE - Centro Acadêmico de Vitória - Univ.
Federal de Pernambuco)
Francimar Martins Teixeira (CE/UFPE - Centro de Educação, Universidade Federal de
Pernambuco)
Resumo: Um dos muitos desafios do ensino das ciências na Educação Básica brasileira está
na criação de situações para um ensino de ciências problematizador, questionador e
investigativo, com promoção do aprendizado de conhecimentos científicos que desenvolvam
no aluno a independência de pensar e o impulsione a atuar com autonomia no contexto social.
Para tanto, creditamos importância à experimentação no ensino das ciências, estratégia
didático-metodológica, por criar situações de encantamento precoce no estudante,
envolvendo-o no contexto em que a ciência constrói conhecimento, aplica suas técnicas, seus
recursos e seus procedimentos metodológicos. Fica-nos, nessa pesquisa, o desafio de
compreendermos alguns dos entendimentos e aplicações à experimentação no ensino das
ciências na atualidade.
Palavras-chave: Atividade Prática, Educação Básica, Educação Científica, Investigação.
Introdução
Teoricamente o ensino de ciências com experimentação está presente e orientado em
documentos oficiais, contemplando mudanças ocorrentes nos últimos anos, seguindo
pressupostos discutidos mundialmente para o ensino das Ciências. Todavia há lacunas
diversas entre a orientação indicada nos parâmetros oficiais e a execução de suas propostas
para o ensino das ciências na Educação Básica, principalmente no que se refere às situações
de aprendizagem através do ensino de ciências problematizador, questionador e investigativo
(OLIVEIRA, 2008. ZANARDI et al. 2012), ao nosso entender, reflexos dos acontecimentos
das últimas décadas sobre o entender e o fazer ensino de ciências no Brasil.
Neste aspecto, viabilizar os desígnios legais, que são também teorizados e defendidos
por pesquisadores da área e registrados em documentos oficiais, é pensar o ensino das
ciências na atualidade pela necessidade de dispor aos aprendizes a construção do saber
científico problematizado apreendido / desenvolvido com a investigação, habilitando-os a
mobilizar saberes diante das situações cotidianas. Com a aplicação dos conhecimentos e
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investigações, que o aprendiz possa ultrapassar os limites do conceito pelo conceito em si e da
técnica pela técnica apenas.
Faz-se significante compreendermos que a atividade científica constitui-se de e
possibilita diversos processos e habilidades, dentre esses, elaborarem questionamentos e
hipóteses que, em termos de situações de ensino, remete a contextos, aos quais se espera que
aconteçam à realização de experimentos (GOMES, 2009). Sendo assim, objetivamos nesta
pesquisa compreender alguns dos sentidos atribuídos ao conceito experimentação aplicado
para o ensino das Ciências Naturais na atualidade.
Metodologia
Organizamos nossas ideias e apresentamos nossas considerações embasadas nas
leituras de textos que tratam do conceito experimentação e de sua possibilidade de aplicação
para o ensino das Ciências Naturais. Revisamos 145 artigos dos últimos anos (de 1998 a
2012), de 07 periódicos nacionais e internacionais, avaliados pelo sistema QUALIS / CAPES
entre A1 a B2 que apresentavam entre as palavras chaves os termos experimento,
experimentação, experimental e / ou experiência. Dos 145 artigos analisados, examinamos 55
desses por discutirem o conceito de experimento e / ou de experimentação, ou por aplicarem a
experimentação ou o termo experimentação para as atividades práticas com experimentos e /
ou com etapas desses.
Traçamos nossas discussões com aspecto qualitativo, correlacionando as diversas
concepções aqui identificadas para organizarmos um ponto de vista à aplicabilidade e
conceituações da experimentação como estratégia a um ensino de ciências mais
contextualizado, problematizado e investigativo.
Resultados e Discussão
A realização das diversas leituras dos artigos pesquisados, embasados em definições
de outras diversas obras, fez-nos propor como definição mais geral que o experimento pode
ser entendido como um acontecimento que diz respeito à réplica de “fatos naturais que só
acontecem quando intervém nossa ação” (ABBAGNANO, 1998, p.414) com planejamentos e
orientações metodológicas para as observações e considerações de quem experimenta. Da
mesma forme, habilita o experimentador a aplicar tais conhecimentos para compreender
situações reais cotidianas e intervir coerentemente sobre essas.
O experimento assume função de ensaio científico destinado a verificar e buscar
explicações sobre os fenômenos naturais, onde o cientista identifica variáveis que são
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“manipuladas de maneira pré-estabelecida e seus efeitos suficientemente controlados pelo
pesquisador para observação do estudo” (FACHIN 2004, p. 40) com o propósito de construir
um conhecimento racional e sistemático. Busca-se, assim, compreender aspectos da realidade
testando e avaliando comportamentos do fenômeno quando manipulado.
A realização de experimentos é denominada de experimentação. Para Gallina (2007),
que estudou obras de Gilles Deleuze e David Hume, a experimentação “é um acontecimento a
partir do qual se infere a existência de outra coisa que ainda não está dada, daquilo que se
apresenta como dado aos sentidos” (p. 129), o que se coloca, em sua essência, com uma
singularidade e potência de individualidade subjetiva de quem a faz. Segundo Gallina (2007),
para Deleuze, essa inferência, quando vai além do que é dado pelos sentidos, permite não
somente os julgamentos, muitas vezes comuns a outros que também participam da atividade,
mas, sobretudo, põe o experimentador como sujeito da experimentação.
É um encontro do diferente sempre presente no objeto, intermediando o pensar, este
não limitado pelo simples exercício ou atividade empírica. Mas, muito mais, por ocorrer,
justamente, “quando as faculdades operam a partir dos conflitos, pois é neles que se evidencia
o papel criador ou inovador da relação” (GALLINA, 2007, p.141). Conflitos entendidos
quando os esquemas mentais do sujeito não conseguem solucionar ou explicar a situação que
o envolve, exigindo-o se mobilizar em busca de novas respostas e / ou estratégias para
solucionar o problema em questão. Reorganizam-se saberes anteriores para entendimentos
dos novos acontecimentos.
Como entendimento, a experimentação no contexto do ensino das ciências permite a
ação, a intervenção e as provocações do professor para com seus alunos quando compartilham
dos acontecimentos – evidências – durante e após a experimentação (SILVA; ASSIS, 2012).
Subsidia o ser humano a elaborar, constatar ou refutar possíveis hipóteses explicativas sobre
problemas reais e fenômenos que o experimento busca trabalhar para melhor entendimento do
experimentador, entendendo as hipóteses como pontos de partida para criar explicações
acerca dos fenômenos sob investigação. Em uma conceituação ampla, as hipóteses são ideias
elaboradas intuitivamente ou norteadas por bases teóricas que guiam os indivíduos para a
construção de modos e modelos de observação sistemática e controlada de evidências
empíricas verificáveis que, na visão de quem idealizou o experimento, possibilitarão a
compreensão do fenômeno por permitir a elaboração de explicações sobre o mesmo. Sobre as
evidências, temos que estas existem “quando a intenção da consciência, voltada para o objeto,
é preenchida pelas determinações graças às quais o objeto se individualiza, se define”
(ABBAGNANO, 1998, p.392) ao se apresentar à consciência de forma materializado,
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auxiliando o indivíduo a constituir novas percepções e experiências pelas evidências sobre o
objeto e sobre as situações que o envolve.
O experimentador mobiliza competências para traçar metodologias à manipulação das
variáveis e à construção de resultados diferentes ao fenômeno em estudo, os quais serão
analisados com teorias existentes para a construção de conhecimentos relevantes a suas
escolhas e decisões, à resolução de seus problemas, à melhor qualidade de vida em sociedade.
Por certo, acreditamos, “as teorias contaminam ou guiam a produção de evidências,
tanto quanto as evidências condicionam e restringem as teorias” (PAULA; BORGES, 2007, p.
177), pois o fato de acreditarmos em que a natureza, às vezes, responde às predisposições e
expectativas teóricas não significa que ela se mostrará coerente com alguma teoria. Da mesma
forma devemos ter atenção ao criarmos expectativas de que as teorias responderão aos anseios
e acontecimentos que estabelecemos como verdades relativas à natureza (PAULA; BORGES,
2007), ainda que estas teorias possam ser, e muitas são, temporárias. Torna-se então um fato
subjetivo por ter sua existência na manifestação do objeto para a particularidade ou
coletividade de entendimentos constituintes no sujeito que evidencia e avalia os
acontecimentos, estes partes de um processo social, diferenciado por seu poder de persuasão e
por capacitar o indivíduo social em conciliar e fundir o conhecimento pesquisado com sua
experiência (THOMAS, 2007).
As evidências, no âmbito da experimentação, são mobilizadas visando à construção do
conhecimento. Elas dizem respeito às singularidades no fenômeno observado para o sujeito
que experimenta – por que cada acontecimento é único – e a individualidade subjetiva do que
ele significa depende de como o sujeito compreende e mobiliza seus pressupostos para as
construções de novos conhecimentos por suas interpretações. Quando a inferência vai além do
que é dado pelos sentidos, permite não somente os julgamentos, muitas vezes comuns a outros
que também participam da atividade, mas, sobretudo, põe o sujeito que experimenta em
condições de construir conhecimentos diferentes e de agir logicamente (GONÇALVES;
MARQUES, 2006). É um encontro do sujeito com particularidades do objeto, perceptíveis
pela subjetividade de cada sujeito, intermediado pelos aspectos da experimentação, das
evidências e das experiências anteriores, constituídas de teorias, ao compreendermos que “as
faculdades operam a partir dos conflitos, pois é neles que se evidencia o papel criador ou
inovador da relação” (GALLINA, 2007, p.141).
Assim, a experiência pode ser interpretada como a possibilidade da existência de algo
novo para o sujeito, e no sujeito que experiencia – experimenta. Não é o acontecimento em si,
mas o que o sujeito interpreta das evidências do fenômeno observado. Pois, ainda que seja
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possível repetirmos um experimento, e neste evidenciarmos as situações, os acontecimentos,
os objetos e os fenômenos não podemos esperar – e nem garantir – o mesmo das expectativas
e representações que o sujeito que vivencia o experimento faz, na certeza de que “sempre há
algo como a primeira vez [...], uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode
antecipar nem ‘pré-ver’ nem pré-dizer’” (LARROSA, 2002, p.28). Cada acontecimento
constitui-se de expectativas, as quais mobilizam as infraestruturas discursivas à recomposição
da experiência, de certa forma, consequência das situações experimentadas, provocadas e
evidenciadas quando o sujeito se submete a experimentações nas diversas situações do nosso
contexto, auxiliando-o a mobilizar, a ampliar e a modificar experiências anteriores (WEISS,
1962; LARROSA, 2002; BACHELARD, 2007).
Temos então que a tríade conceitual Experimento – Evidência – Experiência possui
aspectos que se complementam, o que nos convencem de que o modo como o sujeito processa
a experiência é a essência do conhecimento de cada sujeito. Determina-se que “o sujeito da
experiência se defina não por sua atividade [o experimento], mas por sua possibilidade, por
sua receptividade, por sua disponibilidade” (LARROSA, 2002, p.24) para o acontecimento e
para as interpretações sobre esse. Materializa-se pelas situações que possibilitam evidenciar o
objeto e suas características, a situação e as ações que acontecem no contexto do fenômeno
observado pelo sujeito social. Pois, para Larrosa (2002), a experiência não é a verdade das
coisas; mas é o sentido ou o sem sentido atribuído às coisas e ao que nos acontece. É o que
nos toca em determinado momento e em determinado contexto histórico-social, muitas vezes
possível quando o sujeito participa da experimentação e observa o fenômeno para construir
entendimentos e compreensões sobre os saberes científicos na atualidade. Por suas análises e
compreensões, desenvolveriam a capacidade de tomar decisões diante de situações cotidianas,
mobilizando explicações sobre fenômenos da natureza e dos acontecimentos sociais.
O sujeito que se coloca inserido no processo e no percurso do experimento realiza,
naturalmente e caracteristicamente, eventos e/ou etapas de uma experimentação. Comumente
identifica um problema sobre determinado fenômeno a que não existe explicação para as
ciências ou, na situação do ensino de ciências, para o estudante que experiencia. Propõem-se
hipóteses para antecipar as respostas ao problema e para guiar procedimentos da
experimentação, baseado em seus conhecimentos de fundamentação científica e / ou de senso
comum. Elabora e define estratégias para testar situações diferentes do fenômeno, com
variáveis e réplicas, evidenciando acontecimentos diferentes e distintos pela intervenção
humana sobre o fenômeno. Possibilita que o sujeito da experimentação construa seus
resultados, organizados em textos ou em valores numéricos, findados nas conclusões para
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então construir ou reconstruir seu conhecimento sobre o fenômeno de estudo. Conhecimento
esse relevante para decisões e planejamento de ações do sujeito da experimentação.
Ao se discutir entendimentos conceituais sobre os termos experimento /
experimentação, aplicados para expressar as intervenções do ser humano para a apropriação
de conhecimentos e mobilizar decisões, constata-se que há na área do ensino das ciências
diferentes aplicações e entendimentos sobre o propósito da experimentação e sobre modelos e
estratégias à aplicação no âmbito da sala de aula (ARAÚJO; ABIB, 2003; ZANON;
FREITAS, 2007; GOMES, 2009). A esse panorama trataremos como vivência e realização de
uma experimentação para o ensino de ciências – sem o objetivo primeiro de construir novo
conhecimento; mas apropriar o estudante da capacidade de intervir experimentalmente e
investigativamente sobre a sua realidade – as intervenções e procedimentos desenhados para
responderem a um problema ou questão sobre fenômenos que não possuem respostas, ainda,
para quem experimenta.
Acresce aos questionamentos a elaboração de hipóteses e a definição de
procedimentos metodológicos com a aplicação das variáveis e réplicas. Segue-se com o
estímulo para o estudante observar as mudanças de comportamento no fenômeno, embasados
por um olhar marcado por concepções teóricas de conhecimentos já existentes e disseminados
no campo das Ciências para quem experimenta, as quais poderão ser confrontadas a depender
do que se é evidenciado no fenômeno, acarretando até mesmo em mudanças de concepções.
Com as conclusões definidas pelo estudante – o sujeito que experimenta – realimenta seu
conhecimento para aplicá-lo nas decisões e nos planejamentos de ações no dia a dia.
Contrariamente, as propostas de atividades práticas que se colocam diferentes das
etapas e concepções a que apresentamos anteriormente não serão entendidas como
experimentação por não envolverem o estudante no processo, no percurso do experimento e
na análise de seus resultados. Não houve mobilização cognitiva do experimentador.
Reconhecemos que houve sim uma atividade prática ou exposição de procedimentos de um
experimento por exibir para o sujeito aprendiz etapas ou fragmentos de um experimento já
realizado, com conhecimentos já definidos e delimitados pelo simples propósito de confirmar
uma teoria e sustentar uma verdade científica, o que não perde seu valor, ainda que limitado.
Defendemos que para acontecer a experimentação, o estudante necessita se envolver
no processo para experimentar, submeter-se à situação e aos procedimentos que simulam o
fenômeno e os possibilitam evidenciar acontecimentos particulares ao fenômeno em estudo.
Até mesmo na situação de uma atividade demonstrativa, para que esta seja entendida como
experimentação, é indispensável, a nosso ver, que o expositor da atividade estabeleça qual o
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problema – questionamento – que deu origem à atividade. Dê a possibilidade dos estudantes
proporem as hipóteses para a situação experimentada e desenharem os procedimentos
metodológicos com pensamentos e definições coerentes para a execução da atividade.
Estabeleçam coletivamente as variáveis e as réplicas necessárias para construírem respostas /
resultados que deem aos observadores da atividade evidências, e com essas, condições de
concluírem e construírem entendimentos sobre o fenômeno investigado, experimentado.
De acordo com Gomes (2009) a investigação ocorre em três grandes blocos:
planejamento, execução e organização. O planejamento congrega a fase de organização sobre
o que será investigado e de que modo será feita a investigação, definindo os diversos
encaminhamentos a serem realizados, desde a decisão sobre os referencias teóricos que
nortearão a investigação, passando pelo modo como será construído o corpus empírico até o
modo que se testarão hipóteses que se fazem sobre o objeto de estudo, dentre tantos outros
aspectos. Nesse contexto, temos que dentre as formas de testagem de hipóteses está a
experimentação, a qual envolve o experimentador nas relações de construção do
conhecimento. Da mesma forma, considerando que o ensino de ciências é um processo de
enculturação da cultura científica, que busca inserir o estudante no contexto da construção e
aplicação do conhecimento, é pertinente propor estudos mais amplos e atuais que discutam e
melhor entendam a experimentação no ensino das ciências.
Com essas definições que traçamos anteriormente, embasadas nas diversas concepções
apresentadas nos 55 artigos examinados, buscamos caracterizar o que entendemos como
modelo de intervenção com experimentação das demais intervenções com atividades práticas
não experimentais, a exemplo das propostas que retratam fragmentos das etapas ou
procedimentos de um experimento para a simples confirmação de um resultado, de uma
verdade atribuída como única resposta para o experimento. Para delinear um pouco mais as
possibilidades de intervenções com atividades práticas, que se utilizam do experimento para
ou construir conhecimento ou confirmar teorias pela exposição de um experimento ou de
partes deste, entendemos a existência de procedimentos investigativos, demonstrativos e de
comprovação (ARAÚJO; ABIB, 2003; ZANON; FREITAS, 2007; GOMES, 2009).
Assim, dentre as diversas propostas de aplicação e os diversos tipos de classificação
atribuídos como experimento e seus procedimentos aplicados ao ensino das Ciências em sala
de aula, presentes na literatura atual da área das Ciências Naturais, identificamos e
diferenciamos atividades práticas com experimentos como: i. Experimento Investigativo,
aquele que problematiza situações e considera possíveis respostas, sem roteiro pré-definido e
rigoroso, e sem resultados pré-determinados na vivência de uma experimentação,
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desenvolvido comumente em grupo com a participação de seus membros do experimento. A
ocorrência de diálogo entre os participantes possibilita maior apropriação dos conhecimentos
antes não existentes entre os experimentadores, o que os capacitariam a aplicá-los em seu dia
a dia para a definição de estratégias e planejamento de futuras ações. iiA. Experimento
Demonstrativo Investigativo, aquele que é coordenado por uma pessoa ou grupo que participa
do experimento, comumente o professor – executor do experimento, direcionado a outras
pessoas ou grupos, com possibilidade de interferência verbalizada desses nos procedimentos e
na sequência da manipulação da atividade experimental. Tal procedimento no experimento
estimula o diálogo entre os participantes, os quais problematizam e consideram possíveis
respostas, sem roteiro pré-definido e rigoroso, e sem resultados pré-determinados, criando
situações benéficas de conflitos cognitivos. iiB. Experimento Demonstrativo Comprobatório
ou simplesmente Atividade Prática Demonstrativa Comprobatória, sendo aquela realizada
unicamente por uma pessoa, comumente o professor, guiado por roteiros com percursos prédefinidos para que os demais participantes observem os procedimentos, as manipulações e os
resultados do experimento sem interferências na atividade, sem a realização de uma
experimentação. O diálogo entre os participantes, comumente, é para confirmar a teoria com o
que é observado ou posto a ser observado / constatado pelo expositor com a execução de um
modelo ou fragmento de um experimento. Pouco ou nada existirá de abertura aos estudantes
para problematizar, para propor hipóteses, para trabalhar variáveis e para considerar e analisar
resultados e respostas diferentes dos pré-determinados, pré-requisitos essenciais de quem
experimenta, de quem participa da experimentação. iii. Experimento Comprobatório ou
simplesmente Atividade Prática Comprobatória, a qual se presta a retratar um fragmento, uma
etapa específica ou acontecimento particular de um experimento – comumente a parte ou a
sequência de etapas que deu certo ou apresentou o melhor resultado do experimento – para a
observação dos participantes e confirmação por esses. Os participantes podem até executarem
o procedimento e as etapas delimitadas do experimento, estas já pré-definidas por um roteiro,
não havendo possibilidade de resultados diferentes dos já pré-determinados ou estrapolações
desses, muito menos construção de um novo conhecimento pelo aluno. Simplesmente
encaminha o executor para confirmar o que já havia sido discutido anteriormente ou antecipa
o que será exposto na fala do professor, dissociado e descontextualizado da realidade do
estudante e para a aplicabilidade do conhecimento por esse.
Como exemplos de concepções diversas aqui identificadas nos exames dos 55 artigos,
temos que em trabalhos de Zanon; Freitas (2007); Gomes (2009) tais pesquisadores afirmam
existir no campo do ensino concepções de ensino de ciências que pressupõem a realização de
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experimento / experimentação com propostas limitadas e desfavoráveis à construção de novos
conhecimentos. Em tal concepção de ensino então denunciada, com a experimentação restrita
a um “exercício de atividades práticas que se esgotam em si mesmas, assumindo um caráter
puramente empirista” (VENDRUSCOLO, 2008, p.102), os alunos seguem uma série de
instruções orientadas que pouco ou nada promovem indagações entre os participantes
(FERNANDES; SILVA, 2004). Apenas induz o educador a desconsiderar a própria
necessidade de o sujeito utilizar as técnicas e os resultados da experimentação, com seus
recursos e procedimentos metodológicos, à investigação de seus problemas, de suas
inquietações e indagações para a produção de novos conhecimentos, pertinentes a sua vida e a
aplicação do conhecimento nas relações sociais.
Em muitas das propostas de ensino das ciências com experimentação há uma relação
entre o tipo de experimento realizado e os fins que se almeja com a experimentação. Por
exemplo, foram encontrados professores das Ciências Naturais recorrendo a experimentos
como recurso para comprovar a teoria estudada (CHINELLI et al., 2010). Os professores
realizavam
atividades
práticas
demonstrativas
comprobatórias
ou
simplesmente
comprobatórias, promovendo intervenções com situações particulares ou eventos isolados e
distintos de uma experimentação por não envolverem os estudantes nas etapas de construção
do conhecimento, mas apenas trabalharam procedimentos empíricos em situações criadas e
simuladas para comprovações teóricas. O conhecimento é assumido como verdade
estabelecida pela figura de autoridade – o professor – que afirma e conceitua ou representa o
conhecimento comprovando-o através de experimentos ou etapas desse (CANGUILHEM,
1977; DRIVER et al., 2000). Assim, não há a representação do conhecimento científico como
construção humana / social e provisório, com implicações pedagógicas que atribuam ao
ensino das ciências por estas atividades discursivas e argumentativas significados de nossos
pensamentos, crenças e ações (DRIVER et al. 2000).
Em contra partida, Jeong et al. (2007), constataram que os estudantes ao vivenciarem
experimentos investigativos encaram situações onde há construção e análise de dados, assim
necessitam muito mais que definições teóricas por serem envolvidos a utilizar habilidades
para raciocinar diante de fatos, das evidências contidas nos dados ou no corpus construído por
intervenções empíricas e mediações cognitivas, acrescida da capacidade de analisar os
resultados – nesse caso, participam de uma experimentação. Ao se assumir um ensino de
ciências no qual a produção do conhecimento científico é entendida como uma atividade
humana, espera-se que a realização de uma experimentação esteja guiada por interesses,
dando ao aluno possibilidades de investigar e construir o conhecimento com bases em saberes
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anteriores. Destacamos que tal perspectiva de ensino de ciências assume também que a
ciência é uma cultura. Por conseguinte, o ensino de ciências é um processo de enculturação,
isto é, uma introdução dos estudantes à cultura científica para que entendam como se produz
conhecimento cientifico, compreendam contribuições e problemas que tais conhecimentos
trouxeram para a humanidade, como se comunica o conhecimento produzido, dentre outros
aspectos (CARVALHO, 2007). Por desafio, entendemos a experimentação como estratégia
facilitadora para enculturar os estudantes tanto em relação aos saberes científicos quanto em
relação a ferramentas metodológicas utilizadas pelos cientistas para se apropriarem de
situações particulares e estabelecerem o conhecimento atual (DRIVER et al, 2000).
Considerações Finais
O homem que investiga um fenômeno busca responder problemas; ele não se limita a
olhar à sua volta; mas se utiliza de instrumentos e teorias para alcançar seus objetivos
(KUHN, 1998). Questionam concepções anteriores para dar veracidade às suas construções
teóricas, muitas destas alcançadas pela aplicação de técnicas investigativas associadas às
experimentações, submetendo o que é considerado como verdade à prova. Oportuniza-se,
assim, a possibilidade de identificar tanto lacunas quanto até mesmo falhas para redirecionar
os indivíduos à construção de pensamentos e interpretações distintas das verdades
estabelecidas.
Acreditamos que se faz meta prioritária promover em sala de aula o contato, a
vivência dos diversos aspectos da cultura científica. Da mesma forma, consideramos que a
investigação com a e na experimentação se faça um dos aspectos mais marcantes para essa
cultura cientifica, pois o ato de investigar e experimentar situações de um fenômeno é uma
característica presente em todos os seres humanos – uns com maior e outros com menor
intensidade.
No processo de enculturação, defendemos, é indispensável dar ao ser humano a
inserção a essa cultura, esclarecendo qual o conhecimento aqui colocado e sobre o que é
investigado. É dar às diversas interpretações e aplicações aos conceitos experimento e
experimentação definições e aplicações mais condizentes com os principais objetivos,
instituindo o ensino das ciências questionador, problematizador, contextualizado, construído
na história do conhecimento científico para uma melhor e eficiente inserção do estudante na
cultura científica.
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SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
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