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SABER OU FAZER? O ENSINO DE LUTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
Marcos Roberto So (UNESP – Bauru)
Mauro Betti (UNESP – Bauru)
RESUMO
O conteúdo lutas tem sido vítima de restrição nas aulas de Educação Física. É nesse pano de
fundo que a Proposta Curricular de Educação Física do Estado de São Paulo sugere as lutas
como um dos conteúdos próprios da disciplina. O objetivo do trabalho é refletir sobre
questões do ensino de lutas nas aulas de Educação Física com o foco nos saberes profissionais
docentes. Os resultados permitem concluir que a luta é uma manifestação da cultura de
movimento e não pode ser negada, sendo assim também consideramos que na escola, não se
exige que o professor seja um treinador ou especialista em lutas e artes marciais, mas sim que
os alunos se apropriem e apreciem elementos das lutas como manifestações da cultura de
movimento.
Palavras-chave: Lutas, Educação Física e Proposta Curricular
INTRODUÇÃO
Em contraposição a Educação Física escolar tradicional baseada em princípios
fisiológicos, na valorização do esportivismo e do tecnicismo, diversas proposições teóricometodológicos com caráter de inovação foram apresentadas desde meados de 1980 no Brasil
(por exemplo, BETTI, 1991; BRACHT, 1997; SOARES et al., 1992; KUNZ, 1994). Tais
proposições sugerem a superação do ensino da Educação Física que toma por base a
compreensão dos sujeitos como movimentos de “homens máquinas”, reprodutores de gestos
estereotipados, como os dos esportes-espetáculos em direção de um ensino que possibilite a
apropriação e recriação crítica e autônoma das diversas manifestações da cultura de
movimento.
Todavia, não obstante as diversas proposições teórico-metodológicas já sugeridas
como possibilidades de mudanças no ensino da Educação Física escolar, o que ainda podemos
perceber é que, no “chão das escolas”, as práticas e conteúdos tradicionais continuam a
predominar, de tal sorte, que acabam por restringir aquelas proposições apenas às esferas das
literaturas e de currículos de ensino superior. Acerca da escola, quando nos indagamos sobre
os conteúdos próprios a serem desenvolvidos nas aulas de Educação Física, e como deveria
ser sua distribuição na grade curricular, o que nos evidencia é, de um lado, que ainda não há,
por parte da maioria dos professores, total clareza sobre as vantagens pedagógicas do
movimento entendido como manifestações de aspectos sociais e culturais da humanidade e,
de outro lado, o fato de ainda não haver consensos, nem entre pesquisadores/acadêmicos, e
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nem entre estes com os professores da escola, sobre quais conteúdos da cultura de movimento
seriam mais adequados para serem ensinados: o jogo, esporte, a atividade rítmica/dança, a
ginástica e a luta.
A relação entre as propostas idealizadas e a face da rotina escola é bem distante já que
tudo que se pretende aplicar são ideologias feitas por docentes universitários ou pósgraduandos que, muitas vezes, apenas apresentam um pensamento artificial sobre o dia-a-dia
escolar. A isto se soma o fato de terem envolvido períodos de tempo muito curtos em suas
pesquisas, impossibilitando a avaliação de efeitos duradouros que as intervenções porventura
poderiam ocasionar.
Assim, se reforça a idéia de que as mudanças curriculares baseadas em uma
perspectiva predominantemente acadêmica e organizadas por pesquisadores universitários
tendem a produzir orientações mais gerais e abstratas, já que seu compromisso prioritário é
com a produção de conhecimentos e teorias científicas (GIMENO-SACRISTÁN; PÉREZGÓMEZ, 2000). Por outro lado, aos professores escolares sobraria a responsabilidade de
serem meramente técnicos que implementariam as orientações feitas por esses pesquisadores,
cabendo a eles a exclusiva responsabilidade pelos eventuais fracassos (ELIOTT, 1993). Isso
tudo culmina na desvalorização do saber-fazer do professor, que, por sua vez, possui um saber
próprio construído ao longo de sua experiência docente.
Ora, já se sabe que os professores, no âmbito da prática pedagógica, também
produzem e mobilizam outros saberes para além dos conhecimentos acadêmicos ou
científicos. Libâneo (2000), por exemplo, explicita os saberes profissionais dos professores: a)
saberes específicos (conteúdos das disciplinas que ensinam); b) saberes da experiência; c)
saberes pedagógicos (das ciências da educação); e d) saberes da ação pedagógica
(transposição didática dos conteúdos, características da aprendizagem dos alunos etc.).
Nesse mesmo sentido, são também bem conhecidas as categorias de conhecimento do
professor propostas por L. S. Schulman, conforme apropriação de Fiorentini, Souza Jr. e
Melo, (1998): a) conhecimento do conteúdo específico, que é o conhecimento da
área/disciplina da qual o professor é especialista,; b) conhecimento pedagógico do conteúdo,
que são as formas que o professor utiliza para transformar um conteúdo específico em
aprendizagem (analogias, demonstrações, exemplos, sequenciação dos conteúdos etc.); e c)
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conhecimento curricular, que é o conjunto de conteúdos a ser ensinado nos diversos níveis e
séries escolares e os respectivos materiais didáticos.
Entretanto, conforme advertem Fiorentini, Souza Jr. e Melo, (1998, p. 110), dicotomia
ou hierarquização entre conhecimento do conteúdo específico e conhecimento pedagógico;
pelo contrário, este último “vai se construir na relação com aquele que aprende”. Desse modo,
é na mediação do professor entre o conhecimento previamente construído e o aluno que se
situa o conhecimento pedagógico, constituindo-se, portanto, de modo indissociável do
conhecimento específico.
Nessa perspectiva, o que entendemos por “saberes profissionais” dos docentes, é a
capacidade concreta “de” e “como” o professor mobiliza um conjunto de conteúdos,
dinamizando-os nas inter-relações e atritos (convergências, contradições etc.), no conato com
os alunos inseridos em contextos escolares específicos e complexos.
É baseado inicialmente nessas reflexões que temos conduzido a nossa atual pesquisa,
cujo interesse maior está em compreender como o conteúdo lutas, no contexto da Proposta
Curricular de Educação Física do Estado de São Paulo, recentemente implantada nas escolas,
está sendo concebida e dinamizadas pelos professores. Em outras palavras, o que temos
buscado entender é como os professores constroem os seus saberes frente ao conteúdo lutas
sugerido pela Proposta.
O PROBLEMA DE PESQUISA
A falta de consolidação e consensos acerca dos conteúdos próprios da Educação Física
(jogo, esporte, ginástica, atividade rítmica/dança e luta) nos currículos escolares, geram, no
nosso entendimento, práticas compreendidas como um “lassez-faire 1 ” nas aulas, de tal modo,
que intenções pedagógicas com a cultura corporal de movimento, ficam consideradas nos
ambientes escolares. Assim, o já referido distanciamento entre as propostas idealizadas e as
rotinas escolares se concretiza ao ficar ao cargo apenas do professor, o compromisso de
restringir ou ampliar as manifestações da cultura de movimento do aluno.
1
Expressão francesa que significa, literalmente, "deixar fazer", "deixar ir"; na educação, costuma ser utilizada
para denominar práticas educativas espontaneístas, que deixam os alunos fazerem o que bem quiserem, sem
orientação.
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Essa nossa afirmação se baseia – sem entrar no mérito valorativo das propostas
curriculares: se são legítimas, coerentes, incoerentes, boas ou ruins... – no fato de ainda não
haver uma efetiva parceria e compartilhamento de responsabilidades, entre os acadêmicos, o
poder público e os professores escolares.
A esse respeito, atentamos ao argumento de Kunz (1994, p.150), ao nos chamar a
atenção para necessidade na Educação Física, de um “programa mínimo” de organização
curricular, que pudesse orientar o professor a sistematizar “o que”, “quando” e “como”
ensinar com a cultura de movimento.
É por este motivo que elegemos, na pesquisa que ora conduzimos, a recente Proposta
Curricular de Educação Física do Estado de São Paulo (PPC-Educação Física) para o segundo
ciclo do Ensino Fundamental até o término do Ensino Médio, em vigor desde 2008, como
foco investigativo. A PPC-Educação Física apresenta temas e conteúdos mínimos que devem
ser desenvolvidos ao longo das séries, vinculando-os a habilidades e competências que se
espera que os alunos desenvolvam. Para tal, sugere “situações de aprendizagem” em cada
tema/conteúdo (na forma de um “percurso de aprendizagem” que inclui sugestões de
atividades, estratégias e recursos materiais ao longo de certo número de aulas), bem como
atividades avaliadoras.
O conteúdo temático lutas, que por sua vez constitui em nosso enfoque de pesquisa,
está incluído na PPC-Educação Física. Contudo, vale ressaltar, embora a PPC- Educação
Física aponte as lutas, no plural, como conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas, o que ela
frisa como necessidade obrigatória é apenas a Capoeira, por esta ser, além de luta, uma ampla
expressão cultural eminentemente brasileira, merecedora, portanto, de obrigações
pedagógicos na escola. Além desta obrigatoriedade, a PPC-Educação Física, apresenta como
lutas opcionais o Karatê, o Judô, a Esgrima e o Boxe, de forma a permitir que outras lutas
sejam contempladas de acordo com interesses e adequações de contextos, professores e
alunos singularmente situados.
A PPC-EF defende a partir do termo conceitual Se-Movimentar 2 que o sujeito/aluno é
o autor da sua própria ação e que atribui e expressa significados/sentidos no âmbito da cultura
2
Kunz, baseado nos trabalhos dos holandeses Gordijn, Buytendijkk, Tamboer e, principalmente, do alemão A. Trebels tem
defendido o movimento humano a partir de sua inerente potencialidade dialógica. Em tal concepção, que se opõe às
abordagens que vêem o movimento humano de modo puramente biomecânico e em uma perspectiva empírico-analítica, é
levado em conta o ser humano que se movimenta, e não o contrário, o movimento dele. O Se, antes do movimentar atesta,
desse modo, para a presença significativa do sujeito que se movimenta. 544
de movimento. Nessa direção, compreende-se não ser intenção da PPC-EF delimitar ou
restringir o Se-Movimentar do aluno, mas sim diversificar, sistematizar e aprofundar seus
conhecimentos, possibilitando-lhes novas experiências e re-significando experiências já
vivenciadas, englobando os jogos, esportes, atividades rítmicas, ginásticas e lutas (SÃO
PAULO, 2008).
As lutas, por exemplo, sempre se fizeram presentes na história da humanidade, sejam
ligadas às técnicas de ataque e defesa, sejam como sabedoria de vida para muitos povos, ou
mesmo como vínculo militar (PARANÁ, 2006). Neste mesmo documento do estado do
Paraná, pudemos certificar como as lutas, como “conteúdo estruturante” da Educação Física,
nunca foi valorizado, de tal sorte que, ao ser desconsiderada, ou descartada, como enfatiza o
documento, acabamos por prejudicar os próprios alunos no decorrer de sua formação.
É também sabido que, com a disseminação das lutas nas sociedades, mediante sua
crescente esportivização e midiatização, elas ficaram conhecidas muito mais pelo seu aspecto
técnico e tático do que pelos seus princípios filosóficos, como também aponta o documento
do Estado do Paraná.
Por outro viés, Nakamoto (2005), afirma que a luta é uma prática corporal com qual
objetiva-se atingir um ou mais alvos, os quais são os próprios praticantes. Além disso, a luta
permite a possibilidade dos adversários atacarem ao mesmo tempo, sem a necessidade de
seguir a ordem “um ataca, o outro defende”, como nos esportes coletivos com bola
(basquetebol, futebol etc.), ou em jogos como o xadrez, em que não acontece o ataque
simultâneo; pelo contrário, cada um ataca ou defende a sua vez.
Para Nascimento e Almeida (2007), a presença das lutas nas escolas é pequena, e,
quando existe, é ministrada por terceiros e desvinculada da disciplina de Educação Física, em
atividades extracurriculares ou por meio de grupos de treinamento. Os autores citam duas
justificativas apresentadas por professores de Educação Física para esta restrição da prática de
lutas na escola. A primeira é a falta de vivência dos docentes sobre o tema tanto na formação
acadêmica e em suas histórias de vida; a segunda é que a violência seria intrínseca às lutas, e
sua prática estimularia a agressividade dos alunos. Sabemos, porém que existem outras
justificativas, como a falta de estudos sobre o tema, formação docente indesejável, a falta de
materiais, etc. De fato, a agressividade, indisciplina e violência são apontados por
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pesquisadores e educadores como alguns dos grandes problemas da Escola atual (Aquino,
1996; Marriel et al. 2006; Sposito, 2001).
No argumento de Nascimento e Almeida (2007) contrapõe-se a essas alegações dos
professores, argumentando que não é necessário saber lutar para ensinar lutas na escola, já
que não é intenção dela formar atletas/lutadores, mas sim transmitir valores, conceitos e
atitudes.
Todavia, é comum educadores e mesmos os pais de alunos questionarem por quê, em
um mundo já tão violento, incluir as Lutas como conteúdo escolar. A esse respeito, Olivier
(2000), ao propor uma metodologia de ensino para transitar das “brigas” aos “jogos de luta
com regras”, argumenta que a violência é um modo de expressão e comunicação dos alunos
em reação a certas interações sociais, em relação ao meio, ao estresse, à frustração, não pode
ser totalmente eliminada ou subjugada pelos educadores. Mais importante, então seria
permitir aos alunos a oportunidade de encontrarem respostas às conseqüências geradas pela
violência, o perigo que ela pode representar para si próprio e para o outro, a partir, por
exemplo, de estratégias pedagógicas que os levem a questionar: “que violências sofro? Qual
violência suporto? Que violência é socialmente permitida?”.
Nesse sentido, a prática de lutas na escola deverá proporcionar um tempo/ambiente
adequado para transformar as “brigas” em “jogos de luta”, nos quais haverá regras e situações
seguras para liberação e transformação de agressividade. Desse modo os jogos de luta
permitem uma simulação da violência (“brincar de”), que impede ao aluno ser violento, no
sentido de causar agravos físicos ao adversário. Isto quer dizer que nos jogos de luta a derrota
nunca será maléfica a ponto de causar danos, pois, conforme Olivier (2000, p.13): “nunca
produzem a derrota definitiva ou destruidora; contribuem, desse modo, para sua relativização,
assim como relativizam a vitória.”
De fato, as limitações alegadas por muitos professores de Educação Física sobre o
ensino de lutas na escola parecem ser pertinentes, mas com carência de esclarecimentos,
seguidos de reavaliações de pontos de vistas. Sendo assim, para nós, ainda há questões a
serem levantadas sobre os saberes profissionais docentes: O professor precisa ter tido uma
vivência de lutas para tratar deste conteúdo? Que saberes são necessários para dar aula de luta
na escola? Quais são os conhecimentos específicos da luta e como se dá sua transposição
prática?
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OBJETIVO
O objetivo geral deste trabalho é refletir sobre questões do ensino de lutas nas aulas de
Educação Física, com o foco nos saberes profissionais docentes. O objetivo específico é
diagnosticar, do ponto de vista de professores de Educação Física e de especialistas em luta,
quais saberes docentes são necessários para o ensino de lutas na escola.
METODOLOGIA
No que se refere à prática de lutas, entrevistamos três professores de Educação Física,
tomando como procedimento metodológico uma abordagem qualitativa na qual fizemos uso
de entrevista semi-estruturada. Para tal, utilizamos, num primeiro momento, registros fílmicos
e, posteriormente transcrevemos e registramos as falas e expressões dos professores
entrevistados. Para tanto, entende-se por dados qualitativos:
descrições detalhadas de situações, eventos, pessoas, interações e comportamentos
observados; citações literais do que as pessoas falam sobre suas experiências,
atitudes, crenças e pensamentos; trechos ou íntegras de documentos,
correspondências, atas ou relatórios de casos (PATTON apud ALVES-MAZZOTTI,
1999, p. 132).
Para esse procedimento, adotamos em nossa pesquisa em andamento, alguns critérios
que norteiam nosso roteiro de entrevistas, a saber, as ocupações e os históricos de vida dos
professores. Assim sendo, priorizamos alguns requisitos para a escolha dos sujeitos
professores que pretendíamos - e ainda pretendemos entrevistar – dado que ainda estamos no
processo de pesquisa. São esses requisitos:
Professor 1: Professor/Treinador de lutas/artes marciais de academias ou outros ambientes
não-escolares;
Professor 2: Professor de Educação Física em escola que não tem histórico de práticas com
lutas;
Professor 3: Professor de Educação Física em escola que tem histórico de práticas com lutas;
Outro critério respeitado, é que o professor 2 e 3 deveriam, necessariamente, ser
docentes da rede estadual do Estado de São Paulo, já que o roteiro da entrevista incorpora
algumas questões sobre a PPC-EF. Além disso, foram utilizados três roteiros diferentes, de
acordo com a especificidade de cada professor, os quais se encontram em anexo.
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Acrescentamos ainda, que em termos metodológicos, e sobretudo por nossa pesquisa
se encontrar em processo, estamos trabalhando com a noção de “geração de dados”, e não
de coleta de dados, conforme nos ensina Graue e Walsh (2003), ao tratar de pesquisa com
crianças. Para esses autores, é importante esse entendimento, pois, segundo eles, os dados não
‘andam por aí’ esperando que algum pesquisador os recolha, ao contrário, eles nascem das
relações e interações que o pesquisador estabelece com sua investigação/pesquisa, de maneira
que, um dado pode ser considerado relevante para um pesquisador e pode não ser para outro.
RESULTADOS PARCIAIS
Como anunciado, nossa pesquisa se encontra em andamento, de forma que nos é
permitido apresentar apenas os resultados parciais. Todavia, consideramos que os dados
gerados até o momento admitem que os apresentemos, em coerência com o entendimento de
pesquisa trazido por Graue e Walsh (2003), de maneira que ao apresentá-los, também
exercitemos a nossa capacidade de observação, análise e reavaliação da tarefa em curso.
Até o momento foram realizadas apenas duas entrevistas, com o professor 1 e o
professor 2. O professor 1 já trabalha com artes marciais e lutas, mas não está vinculado a um
ambiente escolar. Já professor 2 atua como professor de Educação Física na escola e não tem
nenhuma vivência anterior com as lutas. Em dívida, estamos com a entrevista do professor 3 3
que, necessariamente, deve ter vivenciado a prática de lutas antes da PPC-EF.
O professor 1 é professor e treinador de Kung-fu e participa freqüentemente de
eventos competitivos dessa modalidade. Possui 20 anos de prática da arte marcial e é formado
em Licenciatura e Bacharelado em Educação Física e, atualmente, ministra aulas de Kung-Fu
em sua academia e em outros ambientes não-escolares. Aos 14 anos, iniciou a praticar lutas e
artes marciais em academias e também teve essa experiência em uma disciplina na graduação.
Aos 18 anos começou a ministrar aulas de Kung-fu, somando hoje 16 anos de experiência. A
sua maior dedicação na área da Educação Física está relacionada ao treinamento de atletas de
lutas. Apesar do seu envolvimento fortemente vinculado com o alto rendimento, o referido
professor acredita que as lutas deveriam ser um conteúdo temático tratada em ambientes
escolares, justificando da seguinte forma:
3
Informamos que já estabelecemos contato com o professor 3 e resta apenas agendar a entrevista.
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Porque existe toda uma educação que vem do ser humano que se entenda por gente,
nos instintos de natureza dele...o aspecto da luta, pela sobrevivência e na medida que
a pessoa se conhece, é mais difícil que ela entre em conflitos por estupidez. O fato
de você está podendo canalizar nas aulas de Educação Física esse aspecto da luta,
vai fazer com que o aluno, ele perca um pouco a necessidade de se impor pela força
em outros aspectos da vida dele, seja com os colegas, na própria escola, porque ele
vai entender as limitações do corpo.
Em nossa análise inicial dessa fala do professor 1, percebemos que sua defesa das
lutas como conteúdo escolar volta-se para suas possibilidades como atividade de canalização
e controle de energias, o que evitaria as atitudes de se “impor pela força” e de conflitos
“estúpidos” com os colegas. Do ponto de vista desse professor, com o desenvolvimento das
lutas na escola, as possibilidades de brigas e as necessidades de os alunos agirem com
violência, diminuiriam muito, tanto na escola como em outros contextos sociais. O professor
1, experiente com prática de lutas, deixou-nos claro sua defesa, ao contrário da opinião de
muitos pais e professores, de que na luta em si, não é essencialmente violenta:
citando um grande exemplo, a nossa sociedade é muito hipócrita. O futebol em si,
como uma atividade esportiva, não tem nenhum aspecto violento né! E é um aspecto
cultural da nossa sociedade. Só que, apesar do futebol não ter nada de violência, não
é considerado pela grande maioria um esporte violento, é veiculado pela mídia. [...].
A mídia não cria essa ilusão de violência no futebol. E o que a gente vê na maioria
dos clássicos, quando acontecem, acontecem mortes, acontecem.... Então o
problema não é da prática em si, o problema é a natureza cultural de quem vai
assistir, de quem gosta daquilo e nesse aspecto, a arte marcial entra no aspecto
educativo, podemos dizer, que “dá uma ajuda”, uma contribuição muito boa para
quem.... busca sua prática, dá uma contribuição muito boa.
Nessa fala, por exemplo, o professor continua defendendo a idéia de que as
lutas podem servir como “ajuda” para sujeitos descarregarem, ou transformarem seus
impulsos violentos. Entretanto, o que nos parecei significativo é que ele também nos leva a
entender que a violência não é um aspecto intrínseco às lutas, ou a qualquer esporte, como o
futebol, por exemplo. O que o professor nos deixa claro é que não é, pois, o ensino de lutas
nas escolas que gerariam violência, mas sim as relações sociais:
Como já falei, ela [a pessoa] vai ficar mais serena, não vai ter necessidade de expor
sua agressividade, porque ela vai começar a se compreender, ver o que tem dentro
dela e não usar isso para ferir os outros [...] cito as pessoas que não estudam isso,
nunca viram, nunca praticaram uma arte marcial... que conhecem aquilo que muitas
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vezes a mídia divulga ou de um parente que ouviu falar: que você aprende arte
marcial e sai batendo e tomando soco na cara, essas coisas... são coisas que geram
preconceito nas pessoas, esse preconceito baseado na ignorância, muito pelo
contrário, se você pegar e olhar as forças hierárquicas (da arte marcial) não existe
violência em aspecto algum, existe um tratamento de respeito para com as pessoas.
Na trilha desse raciocínio, o professor 1 também explicitou que não seria necessário o
professor ser especialista ou possuir um histórico de lutas para ministrar este conteúdo nas
aulas de Educação Física. Mas, como saberes, o professor deveria buscar compreender os
aspectos filosóficos e culturais da luta, pois, caso o professor não tenha um conhecimento
básico dos valores que estão intrínsecos à luta, aumenta-se o risco de ocorrência de brigas,
rivalidades e confrontos agressivos. Ainda sobre os saberes necessários ao professor, afirma
que a diferença entre um especialista em lutas e um não-especialista estaria na prática, no
tempo de vivência e experiência com a luta; entretanto, na escola isto não faria muita
diferença, pois neste ambiente não se pretende formar atletas, mas sim apresentar diversar
possibilidades da cultura de movimento. Reforça que é preciso a vontade do professor em
buscar coisas novas, ser criativo e não colocar barreiras em casos de falta de material e
infraestrutura para as lutas, como vestimentas e local apropriado, e enfatiza concluindo que o
papel da escola não é especializar os alunos.
O professor 2 trabalha na rede estadual do Estado de São Paulo, tem a visão que as
lutas devem ser um conteúdo trabalhado nas aulas de Educação Física, pois é integrante da
cultura de movimento, e a escola deve abrir um leque de possibilidades para o aluno. Em
especial, a luta, permitiria aprofundar um pouco um tema polêmico na sociedade, e contribuir
para desmistificar o significado de lutas, diferenciando-as dos termos “briga” e “violência”.
Quando questionado se o professor sem vivência em lutas poderia ministrar aulas deste
conteúdo na escola, a resposta foi positiva, justificada principalmente em função da utilização
de alguns recursos como a demonstração de um aluno que possua vivência em lutas, além da
utilização de recursos audiovisuais, como vídeos, figuras, fotos. Apesar da afirmação, assume
que o conhecimento de um especialista em lutas seria o diferencial nos saberes da experiência,
o que se justifica também pelo fato das lutas e das artes marciais não serem tão acessíveis na
mídia e outros espaços sociais, principalmente quando comparadas com alguns esportes como
o futebol, o vôlei etc. Justamente por isso, ele acredita que a posse de conhecimentos em lutas
gera um diferencial, porém, isso nem sempre vai ser decisivo no ensino, já que na escola o
conhecimento técnico do movimento não é o protagonista. Como saberes, seria suficiente para
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um professor não-especialista possuir conhecimento histórico, da cultura específica da
modalidade, da evolução, das regras para a apreciação do fenômeno das lutas na televisão,
Comentou também que a falta de materiais de luta não seria impeditivo para ministrar aulas,
pois há a possibilidade de inúmeras adaptações. Declarou ainda o professor 2 que trabalhava
com o conteúdo lutas antes da implantação da PPC-EF – ou seja propiciar aos alunos o acesso
às diferentes manifestações da cultura de movimento fazia parte da sua prática pedagógica. O
professor se mostrou muito interessado nas inovações da PPC-EF, a qual apresenta
informações iniciais, e, justamente por causa disso, não seria suficiente como fonte única, e é
necessário buscar maior quantidade de materiais que reforcem os conhecimentos específicos e
pedagógicos. Nesse sentido, ele procura outras fontes na internet - vídeos, artigos, imagens -,
além de pedir para que os alunos tragam materiais e pesquisas.
CONCLUSÃO
Com estes dados parciais, conclui-se que o conteúdo lutas é pertinente no contexto da
Educação Física, e que os saberes destes professores, no sentido de conhecimento específico
do conteúdo, assemelham-se bastante em alguns aspectos.
Ambos os professores concordam que a luta pertence ao contexto da Educação Física,
o que nos permite dizer que há um entendimento compartilhado de que é necessário trabalhar
com a ampliação da cultura de movimento, rompendo com a Educação Física tradicional,
baseada no esportivismo e no tecnicismo. Porém, o professor 2 deu maior ênfase nos
conceitos que envolvem a cultura de movimento, e este seria o único motivo para sua
implementação nas escolas, ao passo que o professor 1 enfatizou os conhecimentos
específicos das lutas ao argumentar sobre o controle da agressividade, a canalização de
energia, os aspectos filosóficos.
O professor de Educação Física sem experiência em lutas perpassa várias
manifestações da cultura de movimento, mas sem especializar em nenhuma; portanto, para ele
o argumento principal é que a Educação Física deva abrir um leque de possibilidades ao
aluno. Já a argumentação do especialista em lutas gira em torno dos fatores “positivos” da
luta.
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Entretanto, ambos concordam que não é necessário ser especialista em lutas para
ensinar o conteúdo, amparados pelo argumento que a escola não tem a intencionalidade de
especialização e nem formação de atletas/lutadores. Além disso, o professor 2 acrescenta que
é necessário trabalhar os conceitos relacionados ao ambiente das lutas: a formação de valores
adequados, a distinção entre luta e briga. Ainda em concordância, os dois acreditam que o
professor especialista detém o diferencial da prática, da vivência. Ou seja, possui o saber da
experiência, e consegue converter com mais facilidade os conhecimentos pedagógicos do
conteúdo. Porém, no ambiente escolar talvez a maior necessidade não seja o domínio desses
saberes, que são mais associados ao gesto técnico, mais ligados ao desempenho esportivo.
Além disso, o professor dever conhecer aspectos filosóficos, a história, as regras das
lutas, conhecimentos nem sempre disponibilizados
na sua formação acadêmica, ou nas
propostas pedagógicas escolares. Portanto, fica claro que este professores precisaram estudar,
confrontar e reformular seus saberes docentes para ministrar o conteúdos luta em suas aulas.
Portanto, entendemos que a luta é uma manifestação de cultura de movimento que não
pode ser negada, e seu ensino na escola não exige que o professor seja treinador ou professor
de artes marciais, já que não se pretende formar um atleta/lutador, mas sim que os alunos se
apropriem e apreciem elementos das lutas como manifestações da cultura de movimento.
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Pesquisa. São Paulo, v. 27 n.1, 9. 87-103, jan-jun 2001.
ANEXO I
PROFESSOR 1: ENTREVISTA PARA PROFESSOR/TREINADOR DE LUTAS/ARTES
MARCIAIS DE ACADEMIAS OU OUTROS AMBIENTES NÃO-ESCOLARES
1234-
Fale sobre a sua história de envolvimento e trabalho com as lutas (especificar
modalidade ou modalidades)
Você acha que as lutas devem ser ensinadas nas aulas de Educação Física? Por quê?
Você acha possível para o professor que não tenha vivenciado/praticado lutas dar aulas
deste conteúdo? Por quê?
Em sua formação acadêmica (qual foi?) você teve disciplinas de lutas (quais)?
553
PROFESSOR 2: ENTREVISTA PARA PROFESSOR DE Educação Física EM ESCOLA
QUE NÃO TEM HISTÓRICO DE PRÁTICA DE LUTAS
1- Você acha que as lutas devem ser ensinadas nas aulas de Educação Física? Por quê?
2 -Você acha possível para o professor que não tenha vivenciado/praticado lutas dar aulas
deste conteúdo? Por quê?
3- Em seu curso de Licenciatura você teve disciplinas de lutas (quais)?
4- O que você acha da PPC incluir o ensino das lutas nas aulas de Educação Física?
5- Você trabalhava lutas antes da PPC?
6- Você acha que informações e sugestões apresentadas pela PPC para o ensino de lutas
são boas e suficientes?
7- Você procura outras fontes de informação para preparar suas aulas de lutas?
PROFESSOR 3: ENTREVISTA PARA PROFESSOR DE Educação Física EM ESCOLA
QUE TEM HISTÓRICO DE PRÁTICA DE LUTAS
1 - Fale sobre a sua história de envolvimento e trabalho com as lutas (especificar
modalidade ou modalidades)
2- Você acha que as lutas devem ser ensinadas nas aulas de Educação Física? Por quê?
3 -Você acha possível para o professor que não tenha vivenciado/praticado lutas dar aulas
deste conteúdo? Por quê?
4- Em seu curso de Licenciatura você teve disciplinas de lutas (quais)?
5- O que você acha da PPC incluir o ensino das lutas nas aulas de Educação Física?
6- Você trabalhava lutas antes da PPC? [Se sim, pedir para falar um pouco sobre como
eram as aulas, se não, pedir para justificar]
7- Você acha que informações e sugestões apresentadas pela PPC para o ensino de lutas
são boas e suficientes? E para o professor que não tem experiência com lutas?
8- Você procura outras fontes de informação para preparar suas aulas de lutas? Quais?
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SABER OU FAZER? O ENSINO DE LUTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA