Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE PESQUISA “POESIA NO ENSINO MÉDIO: PRESENÇA OU AUSÊNCIA?” Caroline Orlandini Moraes (G - CLCA - UENP/CJ) Rafaela Stopa (Orientadora - CLCA - UENP/CJ) Grupo de Pesquisa Literatura e Ensino Introdução O presente artigo tem como finalidade apresentar os resultados obtidos pelo projeto de pesquisa de Iniciação Científica financiado pela Fundação Araucária/PR “Poesia no ensino médio: presença ou ausência?”. Tendo em vista o pouco espaço destinado para poesia na sala de aula, esta pesquisa foi realizada com o intuito de averiguar como é feita sua abordagem nos 3° anos do ensino médio, em uma escola da rede pública e outra da rede particular, de uma mesma cidade do estado do Paraná. A opção por escolas de redes distintas deu-se para que também fosse possível observar as diferenças existentes entre um sistema apostilado, que tem aulas específicas da disciplina literatura na grade, e um sistema que faz uso do livro didático. A pesquisa se pautou, em leituras teóricas, pesquisa bibliográfica sobre metodologias e teorias do ensino de literatura e poesia, e posteriormente foram realizadas observações em sala de aula para averiguar a presença da poesia, e também foram aplicados questionários para os professores e alunos para perceber o envolvimento de ambos com o texto poético. Com o acompanhamento das turmas foram feitos registros sobre as estratégias dos professores para a promoção da leitura da poesia, os problemas que se apresentam em sala de aula e a aceitação dos alunos em relação às práticas de leitura. Lembrando que, para Ítalo Moriconi (2002, p. 8), “a leitura do poema ativa o poeta que somos”, e traz o lado mais sensível do ser humano, ao aliar criação e sabedoria a um trabalho específico com a linguagem. 201 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Resultados e Discussão Iniciaremos a exposição dos resultados com a apresentação das estratégias utilizadas pelos professores, que para ter a identidade preservada serão chamados de professor 'A' (rede pública), e professor 'B' (rede particular), para em seguida, expormos as impressões colhidas por meio dos questionários aplicados aos professores, fazendo, por fim, um confronto entre as diferenças em relação à abordagem da literatura no sistema público e particular. No mês de fevereiro foi dado início às observações das aulas dos terceiros anos dos colégios da rede pública e da rede particular de ensino. No que diz respeito ao 3º ano do colégio público, o professor A é incumbido de dividir suas 3 aulas semanais em gramática, literatura e produção textual, o que dificulta o andamento do seu trabalho. Constatamos que o seu norteador é o vestibular e às vezes o livro didático. Em relação ao seu plano de ensino, gentilmente cedido para análise, ele traz o conteúdo a ser desenvolvido em todo o 1º semestre, e não há nele qualquer menção ao texto poético, nem mesmo à literatura, o que já se mostrou problemático, pois não havendo esse conteúdo em suas intenções de aula, fica difícil que haja a abordagem da poesia. Em consonância com a falta da literatura em seu planejamento, em suas aulas o trabalho com o texto poético ficou a desejar, e segundo sua própria justificativa, ele opta por abordar a literatura quando há tempo, o que também não deixa de ter sua razão, uma vez que o número de aulas para um terceiro ano é baixo e compromete o trabalho do professor. Ressalte-se, ainda, que por meio da observação, percebeu-se que os alunos desse colégio não demostram interesse pelo conteúdo de literatura muito menos pelo texto poético, em parte, talvez, por não terem o vestibular como uma meta e mostrarem-se com uma trajetória pouco consolidada de leitura. No decorrer do 1º semestre, suas primeiras aulas foram voltadas inteiramente à gramática, com muitos exercícios valendo nota. O que se observou foi que o texto literário entrava nas aulas de forma assistemática, com raras menções às questões historiográficas ou teóricas, ficando pouco claro para alunos em fase pré-vestibular o porquê de algumas leituras. Em umas das aulas, por exemplo, A levou uma seleção de livros de 202 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 literatura com títulos variados para que os alunos buscassem trechos no discurso direto para passar para o discurso indireto. Apesar de alguns títulos serem de autores mais conhecidos, como A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães e A casa das palavras, de Marina Colasanti não houve qualquer aproveitamento da aula para propiciar ao aluno um contato maior com os livros, mesmo que fosse somente um convite à leitura, de modo que o texto literário se fez presente apenas como pretexto para o trabalho com questões gramaticais. Após várias aulas com conteúdo voltado à gramática e produção textual, o professor abordou a literatura partindo da historiografia, começando com o Barroco. Seria um momento oportuno para conhecer a abordagem do texto poético e o envolvimento dos alunos, mas após a apresentação das características não houve menção a qualquer texto, porque o professor não deu continuidade ao assunto, por conta de atrasos no cronograma, deixando claro que precisava aplicar provas, e os alunos estavam atrasados no conteúdo por conta de reuniões e feriados que haviam tido naquele mês. Sendo assim, foi-se configurando que realmente a literatura é entendida como um conteúdo pouco relevante frente aos demais, uma vez que parece não haver sistematização, afinal, provavelmente estando no 3º ano os alunos já tinham visto este e outros períodos literários, e parece não haver preocupação no que concerne ao importante papel que o professor de língua materna tem na formação de leitores. Ana Maria Machado (2001, p.118) comenta sobre a importância de que o professor seja leitor, porém parece que atualmente: “[Os professores] não leem, não vivem com os livros uma relação boa, útil, importante. Sem isso, não dão exemplo e não conseguem verdadeiramente passar uma paixão pelos livros – e sem paixão, ninguém lê de verdade”. Tendo em vista o panorama percebido, a preocupação voltou-se não só para a presença ou não do texto poético em sala de aula, mas para a presença ou não de qualquer tipo de texto literário. Ao final das observações, em umas das aulas, o professor pediu para que uma aluna passasse na lousa três poemas: “Erro de português”, “Canto regresso à pátria” e “Pronominais”, todos do poeta Oswald de Andrade. Os alunos fizeram a cópia, e ao terminar o docente passou as sete perguntas que seguem: 1- Encontre no poema “Erro de português” uma razão que justifique o título. 2 - O verbo “vestir” no mesmo poema, nos traz qual sentido? 3 - O que o autor quis dizer com a exclamação: “Que pena!”? 4 - No poema “Canto regresso à pátria” Oswald de Andrade satiriza os brasileiros exilados. Qual a relação desse poema com “Canção do exílio” de Gonçalves Dias? 5 - Usando seus conhecimentos gramaticais, o emprego do verbo dar no poema “Pronominais” é usado corretamente? 6 - Qual 203 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 a diferença no uso dos empregos verbais: “Dê-me”, “Me dá”. 7 - Qual a mensagem que o poema “Pronominais” nos passa? No momento da explicação das atividades não houve a leitura dos poemas, o docente se limitou a mostrar o que deveria ser feito. Assim, ainda que algumas questões tratem do sentido dos textos poéticos, havendo até um viés intertextual, por ter sido uma proposta desvinculada de um trabalho inicial com os textos, acabou caindo no vazio. Além disso, certas perguntas, desvinculadas de contextualização, acabam reforçando para o aluno que a literatura é um apoio aos estudos de gramática, configurando-se como chata e desinteressante. Sendo assim, apesar de o professor ter trazido perguntas de interpretação deixando espaço para opinião e reflexão dos alunos, ou seja, suas constatações sobre o significado dos poemas, as respostas não trouxeram grandes revelações, pois os discentes se limitaram a responder o que era pedido visando o “visto” do professor. No que diz respeito às observações no colégio da rede particular de ensino, ao chegar à sala de aula do “terceirão”, as aulas de literatura são ministradas por um professor específico da área, havendo na semana duas aulas seguidas somente para matéria de literatura, fazendo com que as disciplinas de gramática e produção textual sejam realizadas em outros horários com outros professores, o que facilita e delimita bastante o tema da aula de literatura. Já na primeira aula foi possível observar que o professor B segue o sistema apostilado e tem por obrigação seguir o cronograma, que é totalmente voltado ao vestibular local, uma vez que a cidade possui uma universidade estadual e a maioria dos alunos preocupa-se em obter resultados positivos nesse vestibular. Sobre o plano de ensino, o docente explicou que não o elabora, porque basta seguir a apostila, e nessa rede de ensino o foco é o vestibular, tanto que a equipe pedagógica do colégio exige aulas elaboradas para fins de cumprir o cronograma estabelecido. Sendo assim as aulas de literatura do colégio particular ficam atreladas a um sistema de ensino muito enxuto e muito rápido, fazendo com que o professor passe o conteúdo ao aluno com o prazo determinado de duas aulas a cada semana. A poesia é abordada de forma adequada, sempre recitada em voz alta, despertando nos alunos a vontade de ouvi-la e entendê-la. O professor se mostra leitor de poemas, pois em cada aula sempre recita de cabeça alguma poesia que se lembra e que se encaixa no contexto literário correspondente. Em uma das aulas, mais especificamente, na aula de número nove, B explicou sobre o Classicismo, apresentou o período literário, situou para os alunos o contexto histórico, abordou os principais autores bem como suas obras, e 204 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 partindo da apostila, recitou uma poesia, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” de Luís de Camões, com voz diferenciada (clara e alta fazendo entonações), também fez explicações sobre a poesia, levando os alunos a fazer interpretações, sempre ressaltando o prazer que se obtém ao ler textos poéticos. O professor B domina o conteúdo, é dinâmico e muito coerente com as atividades, e ao levar a poesia para a sala de aula, consegue despertar o interesse dos alunos com muita efetividade. Apesar de seguir estritamente o sistema apostilado, há certa flexibilidade com a proposição de atividades que não constam no material. Na última aula observada, por exemplo, o docente pediu para que os alunos trouxessem cartas em envelopes lacrados, cujo conteúdo deveria trazer algo que gostariam de falar para algum colega de classe ou sobre algum colega, que transmitisse algo positivo. Deveria ser em forma de poema, ou então, caso não quisesse produzir, poderia trazer algum poema de autor de sua preferência. Não foi possível acompanhar a finalização da atividade, porque a proposta é que as cartas sejam abertas só no final do ano, quando esta pesquisa já estará encerrada. O que se constatou é que apesar de “preso” a um sistema apostilado, o docente B tem uma estratégia de trabalho que é mostrar aos alunos o quanto ler é prazeroso, mostrando-se um leitor, compartilhando suas leituras, e abrindo espaço além do conteúdo da apostila, trazendo atividades diferenciadas, sempre envolvendo a leitura e produção de textos literários. Sendo assim, o professor procura sempre cativar os alunos em relação a um conteúdo que facilmente poderia adquirir caráter utilitarista, tendo em vista que o objetivo é o vestibular. O que se nota, é uma preocupação de formar o aluno leitor para além do momento pré-vestibular. Efetuadas as observações, foram aplicados questionários que nos revelam o ponto de vista de cada professor (A e B) em relação ao que eles entendem sobre poesia e se eles gostariam de vê-la mais presente em suas aulas. De acordo com o planejado, as questões seriam aplicadas somente aos professores, mas tendo em vista a dificuldade de perceber o envolvimento dos alunos com a poesia na escola pública, optou-se por aplicar aos alunos, e também aos da rede particular, mas as respostas dos alunos não são analisadas neste artigo. O professor A foi muito solícito no que concerne à aplicação do questionário, disponibilizando mais de 20 minutos da sua aula para que os alunos pudessem responder com calma as perguntas. Já o professor B, por seguir o cronograma do sistema apostilado, pediu que os alunos respondessem o questionário em cinco minutos. O 205 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 questionário do professor trazia 14 perguntas, as quais buscavam entender seu envolvimento com a poesia. O professor A revela não ser leitor de poesia, e diz que prefere prosa. Menciona também que a maioria dos alunos não mostra interesse pelo texto poético, o que dificulta o trabalho, tornando muito difícil a inserção da poesia em suas aulas. O professor A acredita que a poesia “é a arte tecida em palavras, a musicalidade escrita”, e informou que prefere abordar e estudar os principais poetas brasileiros, tendo o vestibular como norteador de suas escolhas. Acredita que deve existir algum preconceito por parte dos alunos, pois eles se mostram muito resistentes em relação ao gênero, justificando, portanto, a ausência do texto poético em seu plano de ensino, já que não irá trabalhar com poesia porque sabe da falta de interesse por parte dos alunos. No que concerne à concepção teórico-prática para abordar a poesia, o professor informa que não adota nenhuma, pois não julga necessário. Tendo em vista que as aulas de literatura por parte deste docente são ministradas somente quando há tempo, parece que se acaba criando um círculo vicioso entre não aplicar a poesia e os alunos não sentirem falta deste processo, apresentando sempre aulas com conteúdos gramaticais. No levantamento feito no colégio da rede particular, o professor B fala que o trabalho com a poesia é “primordial, pois desperta no aluno a consciência da sonoridade e ritmo que já estavam presentes na vida do mesmo desde a mais tenra infância”. Diante disso e das observações feitas em sala, podemos notar que em suas aulas, mesmo que sendo voltadas, muitas vezes, para o vestibular, há o trabalho com o texto poético e envolvimento por parte dos alunos. B define a poesia citando o poeta José Paulo Paes “Poesia é brincar com as palavras”, e afirma que nessa brincadeira é possível atingir altos níveis de devaneio e sensibilização. O docente se revela insatisfeito com a carga horária concedida à disciplina de literatura, pois gostaria que fosse maior, e em relação à biblioteca, informa que não apresenta nenhum projeto significativo de fomento à leitura. A meta do professor B certamente é o vestibular, mas o fato do sistema ser apostilado e haver necessidade de cumprir esse cronograma não atrapalha a abordagem da poesia, uma vez que o professor instiga a leitura, recita poesias e se mostra apreciador do gênero, levando os alunos a serem contagiados pelo texto poético. O professor B revela que conforme as possibilidades sempre faz alguns recortes do “Método Recepcional” fundamentando-se na “Estética da Recepção” para abordar algumas obras ou textos, já que segue um calendário escolar e tem prazo para cumpri-lo. Os alunos tem contato direto com o 206 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 texto poético, mas o professor B acredita que os meninos demonstram uma resistência ao texto poético devido ao fato de estarem inseridos em uma sociedade machista. Considerações finais Como se viu, a abordagem do texto poético nas duas escolas trazem diferenças alarmantes. Ressaltando que na rede pública fica estabelecido a um único professor ministrar todo conteúdo que abrange a língua portuguesa, e as aulas de literatura acabam sendo pulverizadas por conta da carga horária. Já no colégio particular, mesmo com as aulas de literatura tendo seus conteúdos voltados para o vestibular, vemos que há uma abordagem eficaz do texto poético, atendendo o que a pesquisa propôs buscar. Constatou-se, ainda, que mais do que o tipo de material utilizado, é o envolvimento ou não do professor com a leitura literária que vai definir também o interesse dos alunos pela literatura. Referências COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006. MACHADO, Ana Maria. Texturas: sobre leitura e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. MORICONI, I. Como e por que ler poesia. In: ______. Como e por que ler poesia a poesia brasileira do século XX. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Para citar este artigo: MORAES, Caroline Orlandini. Considerações sobre o projeto de pesquisa “poesia no ensino médio: presença ou ausência?”. In: X SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2013. Anais... UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2013. ISSN – 18089216. p. 201 – 207. 207