Uma mudança importante ocorreu no início da década de 60, com a Lei 4.024/61 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – que incluiu os Jardins de Infância no Sistema de Ensino, incrementando a procura da clientela para essa escola. O aumento da demanda para o atendimento a crianças pequenas, nos anos 70, incentivou o processo de municipalização da educação pré-escolar, gerando, dois anos mais tarde, 460 mil matrículas nas pré-escolas de todo o país. Não obstante essa procura, registravam-se acirrados debates sobre a natureza assistencialista de um espaço que se pretendia educativo, provocando um descrédito nessa política educacional. Persistindo as indefinições sobre a natureza da Educação Infantil, foi criado, no final dessa década, um programa nacional de caráter assistencialista - O Projeto Casulo - implantado pela Legião Brasileira de Assistência (LBA) e não pelo MEC. No final do regime militar (1964-1985) foram adotadas medidas para ampliar o acesso e a permanência da população mais pobre à escola, através das políticas contempladas no I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República - I PND-NR/86. Após pressões de movimentos feministas e lutas pela democratização da escola pública conquistou-se, na Constituição Brasileira de 1988, o reconhecimento da educação em creches e pré-escolas como um direito da criança e um dever do Estado, a ser cumprido pelos sistemas de ensino. Em 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que incorporou as conquistas determinadas pela Constituição de 1988, fomentando discussões sobre a nova LDB (Lei 9.394/96) e impulsionando os diferentes setores educacionais a repensarem um novo modelo de Educação Infantil. Para atender às determinações da LDB, que estabelece a Educação Infantil como primeira etapa da educação básica, adotam-se novas concepções acerca do desenvolvimento infantil, assim modificando as propostas pedagógicas já existentes. Em 1998 o RCNEI foi formulado pelo MEC, no contexto da definição dos Parâmetros Curriculares Nacionais, constituindo-se num conjunto de orientações e referências pedagógicas não obrigatórias à ação docente. No ano seguinte, o Conselho Nacional de Educação (CNE) definiu as Diretrizes 16 Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI). Ambos os documentos têm subsidiado a elaboração de novas propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil. Com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE/2001) ficou determinado que os estados, os municípios e o Distrito Federal elaborassem seus respectivos planos decenais, orientando que estes fossem construídos num processo democrático, amplamente participativo. Em 2004, o Ministério da Educação e Cultura, em parceria com as Secretarias Estaduais de Educação e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), realizou uma série de seminários regionais para discutir a formulação das novas políticas públicas para a Educação Infantil, contando com a participação de diversos atores da sociedade e educadores ligados a essa etapa de ensino. As discussões promovidas nesses Seminários resultaram em contribuições que contemplaram as especificidades de cada região, sendo estas incorporadas à versão final do documento Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito da criança de 0 a 6 anos à educação, cujo teor contém diretrizes, metas, objetivos e estratégias para a área. Nesse mesmo ano, a Câmara de Deputados Federais aprovou o Projeto de Lei 3.675/04, que amplia a duração do ensino fundamental de oito para nove anos, com matrícula a partir dos 6 anos de idade. A discussão acerca dessa ampliação já vinha ocorrendo no país desde o final dos anos 90 e passou a constar como possibilidade no Plano Nacional de Educação, em vigor desde 2001. Com isso os deputados aprovaram a Lei 11.114/05 que altera a Lei 9.394/96, estabelecendo o início da obrigação de matrícula no ensino fundamental das crianças aos 6 anos de idade; entretanto, a obrigatoriedade dos pais em matricular seus filhos nessa idade começa apenas em 2006. A antecipação do ingresso da criança de 6 anos no ensino fundamental tem implicações em várias áreas escolares: currículo, equipamentos e materiais didáticos, formação de profissionais, entre outros, trazendo gastos e exigindo planejamento financeiro dos estados e municípios. Diante disso, uma nova lei federal foi criada (Lei 11.274/06), concedendo aos sistemas de ensino um prazo, até 2010, para que possam adequar seu atendimento à nova demanda. 17 2. A Educação Infantil em Natal A institucionalização da Educação Infantil pública em Natal foi regulamentada pela Secretaria Municipal de Educação (SME), através do Decreto nº 517, de 15 de setembro de 1960. A despeito de tal institucionalização, não havia na rede de ensino, até meados da década de 1980, escolas destinadas exclusivamente à Educação Infantil. Em conformidade com a tendência assistencialista de atendimento às crianças oriundas de famílias de baixa renda, ainda predominante nessa época, foi firmado, em 1986, um convênio entre a Prefeitura da Cidade de Natal e a Fundação Bernard Van Leer, da Holanda, resultando na implantação do Projeto Reis Magos, que delineou alternativas para implementação de uma prática pedagógica na Educação Infantil. Para apoiar tal Projeto, foi criado o Centro Municipal de Educação Infantil Emília Ramos, a fim de operacionalizar as metas propostas, com vistas ao conhecimento da realidade concreta da criança, partindo dos seus interesses e necessidades e da confiança na sua capacidade para a aprendizagem. O referido centro também oferecia alfabetização às mães, defendendo a sua inserção no mercado de trabalho. Conforme dados do Plano Municipal de Educação – PME – Lei Nº 5.650/ 2005, a partir de 1990 o Projeto Reis Magos expandiu o seu atendimento para 1.983 crianças em 75 turmas de outras escolas, criando um novo significado pedagógico para a Educação Infantil e possibilitando o processo de alfabetização nessa etapa de ensino. Nesse percurso a Secretaria Municipal de Educação, em parceria com a Fundação Bernard Van Leer, publica em 1993 a proposta curricular para a educação pré-escolar do município de Natal, posteriormente reeditada em 1998. Um ano depois, a Educação Infantil era oferecida em 3 centros e 35 escolas, totalizando 127 turmas e 3.598 crianças atendidas. Apesar dessa expansão, a SME não conseguiu suprir a procura por vagas nessa etapa de ensino. Em virtude da demanda reprimida firmou convênio com uma escola da rede privada na Zona Norte da cidade, visando ao atendimento de 100 crianças naquela região (PME, 2005). Obtendo um resultado positivo com a experiência a SME criou, em 2000, o Projeto Pré-Escola para Todos (PPEPT) com a finalidade de suprir a demanda 18 excedente das escolas municipais e centros municipais infantis, custeando bolsas de estudo nas escolas particulares, preferencialmente aquelas de caráter filantrópico. Em 2002, com a continuidade do PPEPT, o Conselho Municipal de Educação (CME), no uso de suas atribuições legais, estabeleceu, através da Resolução 001/2002, critérios para a celebração de convênios com instituições particulares de ensino, priorizando escolas filantrópicas, comunitárias ou vinculadas a Organizações não-Governamentais (ONGs). Em 2005, o atendimento da Educação Infantil pela Rede Municipal de Ensino de Natal esteve organizado da seguinte forma: • 27 Escolas Municipais, que ofereceram Educação Infantil e Ensino Fundamental; • 05 Centros Municipais de Educação Infantil; • 69 Escolas Conveniadas pelo Projeto Pré-Escola Para Todos (PPEPT). A tabela 1 mostra o atendimento da Educação Infantil pela Rede Municipal de Ensino, no período de 2001 a 2005. ANOS 2001 Tabela 1 EDUCAÇÃO INFANTIL Demonstrativo da Evolução da Matrícula Inicial Rede Municipal de Ensino Natal (RN) - 2001 a 2005 ESCOLAS ESCOLAS CRECHES MUNICIPAIS CONVENIADAS (PRÉ-ESCOLA) 3.312 4.500 2.915 TOTAL 10.727 2002 3.218 5.943 2.832 11.993 2003 3.153 6.763 2.880 12.796 2004 3.699 7.518 3.354 14.571 2005 3.426 7.518 3.309 14.253 Fonte: Nota: SME/APA - Assessoria de Planejamento e Avaliação / Censo Escolar - INEP - Escolas Municipais incluem os dados dos Centros Municipais de Educação Infantil. - A matrícula das creches (pré-escola) refere-se ao quantitativo de crianças com faixa etária superior a 3 anos e 6 meses. 19 Segundo os dados apresentados, é possível verificar o aumento, nos últimos cinco anos, do atendimento à demanda para a Educação Infantil no município de Natal. Porém esse crescimento tem ocorrido muito mais pelo acréscimo de matrículas nas escolas conveniadas do que na oferta de vagas nas escolas e creches municipais. Ressalta-se que o crescimento da matrícula de crianças no PPEPT deve-se ao fato de a Rede Municipal de Ensino não comportar hoje o atendimento de toda a demanda da Educação Infantil. Apesar de a matrícula na Educação Infantil ter atingido um crescimento de 32,87% em quatro anos (2001-2005), a universalização dessa etapa de ensino ainda não foi atingida. Visando ao cumprimento dessa meta, a Secretaria vem investindo progressivamente na ampliação da rede, através da construção de novos Centros de Educação Infantil que atendem a crianças com idade de 4 a 6 anos. No que se refere ao atendimento das crianças menores de 0 a 3 anos, previsto para acontecer a partir de 2007, a SME vem desenvolvendo um projeto de construção de Complexos Integrados de Educação Infantil, que contemplarão a educação das crianças até os 6 anos de idade. Toda essa política abrange não apenas investimentos na infra-estrutura, como também na qualificação dos profissionais que atuam nessa etapa de ensino. Elaboração dos referenciais Em acordo com as determinações constantes no Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/01) e Plano Municipal de Educação de Natal-RN (Lei nº 5.650/05), no que concerne à elaboração de referenciais curriculares para os sistemas públicos de ensino, a Secretaria Municipal de Educação de Natal decidiu instaurar uma Comissão de Currículo para atualizar os referenciais curriculares da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Essa decisão compõe , igualmente, um conjunto de medidas para a adequação da Rede Municipal de Ensino, em face das necessidades geradas em função do ingresso da criança aos 6 anos de idade no Ensino Fundamental, que passa a ter a duração de 9 anos, mudança na carga horária dos professores, integração das creches municipais ao sistema de ensino, avaliação dos dados de rendimento e desperdício das escolas municipais, dentre outras. 20 A Comissão, cujo objetivo foi coordenar o processo de reelaboração da proposta curricular para o Sistema de Ensino de Natal, contou com a participação de representantes dos seguintes setores da SME: Educação Infantil (SEI), Ensino Fundamental (SEF), Normas e Organização Escolar (SNOE), Departamento de Gestão Escolar (DGE) e Assessoria de Planejamento e Avaliação (APA), bem como as escolas municipais e conveniadas. Para a elaboração destes referenciais, foram realizados estudos na Comissão de Currículo e no Setor de Educação Infantil, contando com a presença de coordenadores pedagógicos e/ou gestores de todos os Centros Municipais de Educação Infantil. Tais estudos foram pautados nas necessidades temáticas levantadas junto aos professores dessa instância educativa da rede municipal, buscando uma melhor aproximação entre a fundamentação teórica e a realidade escolar vivenciada. Os referidos estudos, versando sobre vários temas e suas implicações pedagógicas, tiveram como destaque: concepção de criança, significado da infância, abordagens sobre desenvolvimento e aprendizagem da criança de 0 a 6 anos de idade, função da Educação Infantil, alfabetização e letramento na Educação Infantil, análise da situação da Educação Infantil na rede municipal, dentre outros. Em virtude da necessidade de reconstrução dos referenciais curriculares para a Educação Infantil e tendo em vista a importância da participação efetiva dos professores que compõem esse nível de ensino, foram encaminhadas às escolas, pela Comissão responsável por este trabalho, questões relativas ao processo educativo, uma vez que a sua implementação e efetivação se realizam no espaço escolar. Essas questões foram propostas pela Comissão durante o Encontro das Escolas da Rede Municipal de Ensino, realizado em julho de 2005, para serem respondidas pelos professores e equipes pedagógicas durante as sessões de estudo e planejamento na escola. Decorrido o prazo combinado para que as questões propostas fossem discutidas, as respostas coletivas foram encaminhas à Comissão de Currículo. Das 32 unidades de ensino que oferecem Educação Infantil na Rede Municipal, 16 encaminharam suas respostas em tempo hábil. As informações trabalhadas destacaram os conteúdos e procedimentos considerados pertinentes à Educação Infantil e, também, a avaliação do desenvolvimento e aprendizagem das crianças. 21 As escolas conveniadas pelo PPEPT não participaram do Encontro das Escolas da Rede Municipal de Ensino, uma vez que foram realizados, ao longo do ano letivo, encontros específicos de formação continuada promovidos pela equipe do Setor de Educação Infantil da SME. No entanto, a colaboração dessas instituições foi considerada imprescindível, visto que o PPEPT, no ano de 2005, responde por 52,74% da matrícula ofertada pela SME em Natal. Como já explicado anteriormente, esse convênio foi firmado em função da incapacidade, até o momento, de atendimento total à demanda nas escolas do sistema. Dessa forma, durante o encontro de formação continuada das escolas conveniadas, realizado em 03 de setembro de 2005, foram distribuídos questionários a todos os participantes, obtendo-se, no prazo previsto, a devolutiva de 37 escolas. As informações analisadas através desses questionários referem-se aos conteúdos que os professores têm desenvolvido com seus alunos, aos procedimentos e instrumentos de avaliação utilizados e às dificuldades vivenciadas no processo de ensino e aprendizagem. Essas foram, portanto, as formas asseguradas pela SME, por meio da Comissão de Currículo, para a participação de professores, especialistas e gestores da Educação Infantil no processo de reelaboração destes referenciais. Vale salientar que apesar deste documento contar com a significativa participação e contribuição dos citados profissionais, cada unidade escolar tem autonomia para proceder às devidas adequações curriculares em função de sua realidade. 1. Conteúdos e procedimentos de trabalho Em relação aos conteúdos e procedimentos trabalhados, o interesse não foi obter uma lista dos conteúdos ou uma relação de atividades educativas realizadas, mas caracterizá-los como um conjunto de intenções, ações e interações que serão vivenciados no cotidiano da instituição de Educação Infantil. No entanto, como resposta às questões propostas pela Comissão, algumas escolas enviaram um elenco de conteúdos fragmentados e sem sentido a ser trabalhado com as crianças, como por exemplo: no eixo de trabalho da matemática “saber os numerais de 0 a 50”, no eixo natureza e sociedade “eleger as datas comemorativas e reinos animal e vegetal”. Nesse sentido, Sampaio (1993) explica que a visão 22 fragmentada do conhecimento e da realidade dos professores concorre para que eles ajam do mesmo modo com seus alunos, através da realização de atividades isoladas, desprovidas de significado, uma vez que para haver aprendizagem é necessário que o conteúdo faça sentido para as crianças. Entretanto, outras escolas compreendem que os conteúdos da Educação Infantil devem ser trabalhados através de ações, intenções e interações estabelecidas, orientadas pelas diversas atividades que o professor organiza na rotina escolar. Compreendem, ainda, que mais importante que a definição de áreas de conhecimento, ou de disciplinas preestabelecidas, está o entendimento acerca do mundo infantil. Definem, por exemplo, os conteúdos da área de Linguagem da seguinte forma: “utilização da linguagem oral pela criança para conversar, brincar, comunicar e expressar desejos, necessidades, opiniões, idéias, preferências e sentimentos, relato de suas vivências nas diversas situações de interação presentes no seu cotidiano”. Desse modo, o professor estará ajustando o foco de suas ações às características das crianças com as quais trabalha para que resulte em formas de aprendizagem mais significativa e prazerosa. Hoffman (1996) ressalta que a organização de conteúdos em unidades temáticas reproduz, de certa forma, a organização curricular do Ensino Fundamental, sendo que o mais grave acontece quando os professores, em grande maioria, procuram adequar atividades e brincadeiras descontextualizadas, integrando-as ao conteúdo da unidade. Mas essa integração das atividades só ocorre de fato na intenção do professor, porque as crianças perdem rapidamente o interesse no que lhes foi imposto, despertando a curiosidade por assuntos paralelos e diferentes, não percebidos pelo professor que só mantém o foco em seu planejamento. Por outro lado, a autora explica que: O planejamento desenvolvido através de projetos pedagógicos, em Educação Infantil, tem por fundamento uma aprendizagem significativa para as crianças. Eles podem se originar de brincadeiras, da leitura de livros infantis, de eventos culturais, de áreas temáticas trabalhadas, de necessidades observadas quanto ao desenvolvimento infantil. Vários projetos podem se desenvolver ao mesmo tempo, de tal forma que se dê a articulação entre o conhecimento científico e a realidade espontânea da criança, promovendo a cooperação e a interdisciplinaridade num contexto de jogo, trabalho e lazer (Hoffman, 1996, p. 43). 23