LÉSBICAS, COMUNICAÇÃO E SAÚDE
PRISCILA DO ESPÍRITO SANTO LIMA
Rio de Janeiro, abril de 2011
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E
TECNOLOGICA EM SAÚDE
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E SAÚDE
LÉSBICAS, COMUNICAÇÃO E SAÚDE
por
PRISCILA DO ESPÍRITO SANTO LIMA
Projetode Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) apresentado como
requisito básico para a obtenção do
título
de
Especialista
em
Comunicação e Saúde.
Orientadora: ProfªMs Janine Miranda Cardoso
Rio de Janeiro
Abril de 2011
RESUMO
A pesquisa Lésbicas, Comunicação e Saúde teve como objetivo mapear os principais
interesses em saúde e os espaços de comunicação utilizados por jovens mulheres, com
idade entre 18 e 25 anos, e que se identificassem como lésbicas. O trabalho, após ser
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, foi desenvolvido na cidade de Salvador, no
ano de 2011. Através do método de pesquisa qualitativa foram realizadas entrevistas
semi estruturadas, que apontaram a internet como canal preferencial de comunicação
para esta população. Os blogs, sites e redes de relacionamento foram citados como
espaço de busca de informação, mas não necessariamente como espaço de diálogo, para
isto preferem os amigos e as namoradas. O maior interesse relatado foi com a saúde
sexual, o medo de contrair alguma DST e os métodos preventivos. Entretanto a análise
do conteúdo mostrou que o medo da violência é o principal problema de saúde
enfrentado por esta população.
LISTA DE SIGLAS
GGB - GRUPO GAY DA BAHIA
LGBT – LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS E TRANSGÊNEROS.
SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
SUMÁRIO
1. Introdução
06
2. A identidade homossexual
10
3. Juventude e homossexualidade
16
4. Políticas de saúde para as lésbicas
20
5. O papel da comunicação e saúde
25
6. Metodologia
28
7. Os encontros
34
8. As conversas
36
8. Conclusão
47
9. Referências
50
10. Anexos
52
1Introdução
A homossexualidade é um dado cultural importante, que condiciona o
posicionamento, e, por vezes o acesso do cidadão às políticas, bens e serviços em áreas
como educação, trabalho e saúde. Para os sujeitos desta pesquisa, mulheres que
mantêm, exclusivamente, relacionamento afetivo e sexual com outras mulheres, a
homofobia e a misoginia são dois agravos importantes. A sociedade, patriarcal e
heteronormativa1, torna esse grupo duplamente invisível, não reconhecendo suas
práticas e desejos.
A homossexualidade ainda é estigmatizada negativamente. Dentro da sociedade
ocidental contemporânea as pessoas que possuem esta orientação sexual são
categorizadas comoos/asdiferentes. A orientação sexual deixa de se relacionar apenas às
relações afetivas e sexuais e se imprime como uma“marca” no indivíduo, afetando o seu
modo de estar no mundo, podendo assim ser considerada como um determinante
cultural.
É evidente que o dado sexual pode ter maior ou menor relevância, dependendo do
contexto social, de como este sujeito se constitui, da época, do grau de aceitação ou
marginalização de suas características –estatisticamente entre os homossexuais os
travestis são as maiores vítimas de agressões físicas 2–classe, gênero, raça e uma
infinidade de outras variáveis,que juntamente com o componente sexual distinguem
1
Segundo a teórica queer Judith Butler, a matriz heterossexual que predomina na sociedade faz que a dimensão do desejo sexual
seja sempre pensado como uma relação entre homem e mulher. O binarismo masculino /feminino, sendo concebidos como ‘opostos
que se completam’ é segundo a autora a causa da homofobia.
2
A coleta de dados sobre a violência homofóbica no Brasil é feito desde a década de 80 pelo Grupo Gay da Bahia. No ano de 2009,
ultimo relatório divulgado, foram assassinadas 198 pessoas motivadas por crimes de ódio sexual. Os crimes quase nunca passam por
uma investigação mais rigorosa, não há testemunhas ou família para reclamar os corpos que muitas vezes são encontrados
esquartejados, sem mãos, cabeça e pênis. O padrão de assassinato e distinto para cada grupo, enquanto os homens homossexuais
geralmente são vitimados por golpes de faca em casa ou em locais fechados como motéis, as travestis geralmente são mortas na rua,
por arma de fogo.
6
sujeitos dentro do “grupo” homossexual, que não será aqui tratado de forma
homogênea.
Na atualidade, observam-se mudanças sociais e culturais que parecem favorecer a
reversão dessa situação de marginalidade. Ainda assim, deve-se considerar que mesmo
movimentos como o de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros – LGBT, que desde a
epidemia de HIV/AIDS passou a incluir fortemente o debate sobre saúde no seu
discurso, têm grande parte da sua comunicação e de sua luta pautada no homem
homossexual. O Ministério da Saúde, somente no ano de 2006, lançou uma cartilha de
saúde voltada para as lésbicas. Até então esse segmento não era considerado
preferencial, entre outras razões, porque suas práticas sexuais não representavam
nenhum “risco” à saúde. Além disso, outros fatos e processos são obstáculos para
mudanças mais significativas: as famílias dificilmente aceitam a homossexualidade da
filha, irmã ou neta amigavelmente; há as religiões que condenam as práticas sexuais
entre pessoas do mesmo sexo; os serviços de saúde que não reconhecem as
singularidades desta população e os meios de comunicação que, em pleno século XXI,
ainda mantêm o discurso de que a sociedade não está preparada para a
homossexualidade, o que contribui para o tratamento superficial da questão.
Em 2010 o Governo Federal lançou a Política Nacional de Saúde LGBT,
buscando atender aos princípios básicos do SUS: universalidade, equidade e
integralidade. A inclusão dessa população é fundamental para garantir a saúde como
direito de cidadania, garantindo universalidade do acesso a serviços e ações de saúde. A
integralidade remete à articulação entre políticas econômicas e sociais a fim de que
estas garantam esse acesso, valorizando não somente a prevenção, mas também a
promoção à saúde. Outro aspecto da integralidade diz respeito à necessidade de
7
reconhecer os sujeitos em sua totalidade, superando seu recorte em múltiplas
especialidades médicas. Já o princípio da equidade reconhece a necessidade de tratar de
forma diferente os desiguais, prevendo uma ação afirmativa, que proteja os
desfavorecidos e aponte para diminuição das iniqüidades sociais. O cumprimento destes
princípios, presentes na Constituição de 1988, é buscado pelo movimento LGBT desde
os primórdios do SUS, na década de 90.
A Política Nacional foi uma grande conquista, pois além de enfrentar o problema
no âmbito institucional, contou com a participação popular, tendo sido posta em
consulta pública antes de ser aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde. Entretanto,
sua implantação ainda não foi consolidada, devido à grandiosidade e complexidade do
sistema e da existência de práticas excludentes como, por exemplo, o questionário do
protocolo ginecológico, que presume a heterossexualidade da paciente. A homofobia
quando não se institucionaliza pela presença, se caracteriza pela ausência. Ser lésbica
parece ser uma opção tão remota e improvável que nem é cogitada dentro das práticas
habituais.
Nesse universo de silêncios que apenas começam a ser rompidos, esta pesquisa
pretende contribuir minimamente para os estudos sobre homocultura. A proposta é de
mapear os canais de interlocução entre as mulheres homossexuais e a área da saúde,
saber quem fala para esse público, o que se fala e sobre o que elas buscam dialogar. Em
outras palavras, quais atores sociais têm mais legitimidade e alcance em relação a esse
grupo de jovens mulheres homossexuais e quais as formas e modelos preferenciais de
comunicação. Nossa expectativa é que os resultados desta iniciativa possam fornecer
subsídios para movimentos e instituições interessados em construir ações de
comunicação e saúde mais dialógicas e plurais, diminuindo agravos que afetam esta
8
população. Segundo Facchini e Barbosa (2004), a um enorme contingente de lésbicas
está sendo negado o seu direito à saúde, pois não são alcançadas pelas políticas
públicas. As autoras atribuem este fato à incipiente produção científica sobre o tema
saúde e homossexualidade feminina. Este projeto foi elaborado nesta perspectiva,
contribuir para os avanços nesta área e colaborar com outras iniciativas.
A pesquisa intitulada Lésbicas, Comunicação e Saúde se propõe a mapear e
analisar os espaços de comunicação,
veículos, canais e fontes de informação
mobilizados por jovens lésbicas na construção dos seus conhecimentos sobre saúde.
Através das entrevistas semi estruturadas, com mulheres de 18 a 25 anos, buscou-se
identificar quais temas lhe despertam maior interesse, e quais assuntos estão mais
presentes em seus diálogos sobre saúde.
A opção de privilegiar esta faixa etária se deu por considerar que nesta fase do
desenvolvimento humano a identidade sexual tem uma grande importância. Se em
outros momentos da vida a profissão, a classe ou a família podem se constituir como
dado mais importante na construção de identidades e das relações pessoais, na
juventude a sexualidade tem uma importância vital nessas aproximações, afastamentos e
na própria construção do sujeito.
9
2 A identidade homossexual
Segundo a teoria psicanalista a busca pela identidade surge do sentimento de
falta, inerente à condição humana e que afeta a todos os indivíduos. Ele é gerado pela
ruptura entre a criança a mãe na chamada fase do espelho. Para a teoria lacaniana é a
partir deste momento, em que a criança se reconhece como um corpo separado da mãe,
que se inicia a busca, que durará a vida inteira, pela identidade. Esta seria entendida
como algo exterior, que recria a unidade perdida do sujeito. A vontade de voltar a ser
completo é que impele o processo de construção das identidades. Alguns autores dos
estudos culturais se apropriam do conceito de identidade na psicanálise para entender
qual o papel desta na formação do sujeito pós moderno. A corrente explica o porquê de
ter identidades, dita no plural, pois a teoria pós estruturalista rompe com o conceito da
identidade única, que se manteria inalterada durante a toda a vida, e defende que há
múltiplas identidades em um mesmo sujeito. As identidades como as de raça, gênero,
sexualidade dentre outras são exaltadas dependendo do cenário do debate, assim
algumas marcas se tornam mais relevantes que outras no processo de identificação do
sujeito com as representações do mundo.
Segundo Kathryn Woodward (2009) a identidade é relacional, se distingue por
aquilo que ela não é. Só faz sentido dizer que sou alguma coisa se há outras coisas para
ser, o ser baiano, por exemplo, só existe porque há o ser paulista, carioca,
pernambucano etc. Ser homossexual é, portanto, não ser heterossexual, e esta não é
apenas uma alteração da ordem dos termos. A construção da identidade inclui em si um
processo de marcação de diferenças atuando pela exclusão.
Excluir pressupõe escolher entre o melhor e o pior, por isto o processo de
diferenciação não apenas classifica as diferenças, mas a hierarquiza os elementos postos
10
em contraste. É através das relações de poder entre as partes que a hegemonia se
institui, criando o normal e o outro. Ao normal são atribuídas as características
positivas, como o próprio nome diz, ele é a norma, o padrão e em relação a ele o
diferente vira a exceção, o outro. Para Tomaz Tadeu da Silva (2009) “a força da
identidade normal e tal que ela nem sequer é vista como uma identidade, mas
simplesmente como a identidade”. Por isto ninguém a questiona. Não é necessário
assumir para os pais, a família e os amigos que se é heterossexual, por ter se instituído
como a norma a heterossexualidade se tornou compulsória, presumida como afirma
Judith Butler (2003). O processo de “sair do armário” tão penoso para uma grande
parte de jovens e adultos só é necessário por que o que se espera em relação à
sexualidade é que ela obedeça sempre ao padrão. O é menino ou é menina proclamado
na hora do parto diz muito mais do que se a criança nasceu com pênis ou vagina,
determina uma série de expectativas sobre aquele corpo que acaba ser apresentado à
sociedade.
As identidades não nascem com os sujeitos, e nem estão na natureza, são
construídas dentro dos discursos. Segundo Michel Foucault (2007), ainda no século
XVII é que foi implantado o discurso sobre a sexualidade, transportando os atos
corporais para a linguagem. Instituída a conexão entre palavra e ação, os atos,
transformados em discurso poderiam ser censurados com mais profundidade. A Igreja
Católica foi o grande fomentador deste projeto de transformação do sexo em discurso,
através do que Foucault caracterizou historicamente como a Pastoral do século XVII.
Assim os cristãos eram induzidos a confessar minuciosamente seus atos sexuais
e seus desejos mais secretos, incluindo os sonhos. Entretanto esta prática não ficou
restrita à religião, posteriormente com o avanço do das cidades, do capitalismo e a
11
necessidade de mão - de - obra produtiva, o discurso sobre o sexo foi sendo
disseminado pela burguesia européia, era de interesse político e econômico controlar o
sexo, agora não somente através de um apelo da moral, mas pela racionalidade. O sexo
descontrolado constituía uma epidemia quando levados em consideração as questões de
demografia, saúde pública e habitação. O sexo deixaria assim de ser algo particular,
passando a ser de interesse público, já que suas possíveis conseqüências, doenças e
filhos, afetariam toda a sociedade. Por isso sua administração foi feita através de três
eixos principais: pedagogia, medicina e a demografia.
Para controlar a sexualidade se fez necessária a criação de regras e normas, que
eram introduzidas através não mais de um mecanismo que colocasse a sexualidade no
campo do permitido/proibido, e sim por discursos hegemônicos, reiterados por diversas
áreas do conhecimento. Assim surge a medicalização do sexo, a psiquiatrização das
formas sexuais não genitais e o combate ao incesto. A partir da fundamentação
científica, criou-se a hereditariedade da sexualidade: conservar-se sem vícios era uma
obrigação consigo e com os futuros descendentes, uma vida pecaminosa poderia
transmitir doenças físicas e mentais às próximas gerações. A homossexualidade, e as
práticas sexuais que não fossem entre homens e mulheres adultos e sem grau de
parentesco, como o incesto, a pederastia e a masturbação, passariam a ser combatidas.
Instituiu-se a norma do que era não apenas moralmente, mas biologicamente correto.
É neste contexto que, a partir do século XIX, a homossexualidade passou a ser
reconhecida como uma prática anormal e perigosa, um vício, doença, que deveria ser
combatido pelas famílias, pela Igreja e pela escola. Para Foucault a rejeição à
homossexualidade tem como uma de suas causas a transição entre as duas formas de
12
controle social, pela qual ainda estaríamos passando, ele as denominou de dispositivo de
aliança e dispositivo de sexualidade.
O dispositivo de aliança seria a forma primeira através da qual a sexualidade do
indivíduo foi controlada na sociedade. Através do casamento era criado um vínculo
entre os parceiros, mantendo assim a riqueza e o poder entre as duas famílias que ali se
uniam. O sexo só deveria ocorrer dentro desta relação, pois com a procriação haveria a
manutenção da riqueza dentro do mesmo núcleo. Já o dispositivo de sexualidade, que
viria a substituir este, funciona através de regras móveis, que seguem as estruturas
conjunturais do poder. Para este dispositivo, o que contaria não é somente a relação
entre os indivíduos, mas o prazer, as sensações do corpo, controlando além das práticas
sexuais, o desejo e as fantasias.
Por isto Foucault afirma que através do dispositivo da sexualidade o prazer
penetra no corpo, pois o controle não é somente das ações, mas se expande até os
pensamentos. Através da educação, da psicologia e da psiquiatria concluiu-se que
alguns comportamentos são normais, outros doentios. Entretanto continuamos presos à
estrutura familiar heterossexual porque o dispositivo de sexualidade foi construído em
torno do dispositivo de aliança, assim os eixos principais deste, marido-mulher e paisfilhos são também os principais eixos do outro. Enquanto no dispositivo de aliança o
controle estava em torno do relacionamento, no dispositivo da sexualidade está em
torno do desejo e do prazer. A conexão entre estes dois dispositivos fez surgir uma série
de desajustes, o prazer sexual que se encontrasse fora da estrutura familiar heterossexual
era considerado pervertido, doente. O sujeito homossexual surge como um ser que
desvia da estrutura imposta, um sujeito anormal.
13
Mas o que define a anormalidade? Como são construções culturais,
influenciadas pelo contexto histórico, o limite entre o normal e o outro passam por
ajustes constantes. As fronteiras entre as identidades opostas são reconfiguradas o
tempo todo, o que era caracterizado como atitude masculina na idade média é diferente
do que é hoje, a vaidade e preocupação com a beleza dos chamados metrossexuais não
seriam aceitas como atitudes masculinas há algumas décadas, isso mostra como as
identidades estão em transito, se reinventando sempre.
É precisamente porque as identidades são
construídas dentro e não fora dos discursos que nós
precisamos compreendê-las como produzidos em
locais históricos e institucionais específicos, no
interior de formações e práticas discursivas
específicas, por estratégias e iniciativas específicas.
(Hall, 2000, p10)
Segundo Butler essa reinvenção só é possível porque a identidade é performática, ou
seja, sem uma essência, e é criada através do processo de repetição de um ato de
linguagem. Ao dizer “ela é sapatão” isto não é apenas a descrição de que aquela mulher
se relaciona amorosamente com outra, é a inserção deste corpo num contexto lingüístico
que reforça a negatividade – pois é o outro - do ser homossexual. Assim todas as
mulheres que se relacionam com outras serão chamadas de “sapatão”, pois é através da
repetição que este ato lingüístico constitui as identidades. Os sistemas de representação
como a televisão, por exemplo, têm o poder de definir e determinar as identidades, pois
tem maior fôlego de repetição. Adotamos uma identidade pondo em relação a
subjetividade e as possibilidades criadas pelos sistemas de representação.
A forma como vivemos nossas identidades sexuais é
mediada pelos significados culturais sobre a
sexualidade, que são produzidos por meio de
sistemas dominantes de representação(Woodward,
2000, p32)
14
A experiência de viver uma identidade sexual marginalizada pode ser
determinante para a construção da personalidade, a discriminação pode além de causar
dor e sofrimento, afastá-lo da escola, da família e do trabalho. Será que todo travesti tem
vocação para a prostituição mesmo ou são as condições sociais que os impele a isto?
Não há determinações baseadas na orientação sexual, o que ocorre é que o preconceito
social pode comprometer o desenvolvimento das outras áreas da vida, limitando o
acesso à educação, dificultando a ascensão social dos que nasceram em camadas menos
favorecidas, contribuindo para a perpetuação da pobreza e da marginalidade.
15
3. Juventude e homossexualidade
Juventude é um conceito mutável, diferentes sociedades constroem, cada uma a
sua própria definição e representação para esta fase da vida, que nem mesmo
cronologicamente apresenta limites definidos. Como faixa etária, relação mais direta e
indissociável, seus limites atuais são tão amplos que podem se estender entre o início da
puberdade até a chegada à maturidade. Como estado de espírito pode se prolongar por
toda a vida, pois os ideais de liberdade, padrões estéticos e comportamentais que se
referem à juventude como o padrão de beleza e vitalidade, fazem com que todos
queiram ser e parecer jovens por muito tempo. A juventude como um conceito positivo
é demasiadamente explorado, se tornando, portanto um ícone cultural.
Ou seja, os valores associados aos estilos de vida
jovem – catapultados na modernidade do século XIX
como espírito de tempo – passam a ser consumidos
como meta e desejo por diversos atores sociais, para
quem o discurso midiático tende a incentivar e a
cobrar a eterna juventude. (ENNE,2010, p 27)
Aqui, para este trabalho, utilizaremos o conceito de juventude delimitado pela
faixa etária que vai dos treze até por volta dos vinte e cinco anos, antes do ingresso na
fase adulta, sendo aqui compreendida como o momento a partir do qual o sujeito
adentra a vida social, passando a ser responsável pela sua própria subsistência no
mundo, saindo de casa, terminando os estudos e iniciando seu próprio núcleo familiar.
Reforçando que este padrão sociológico clássico não deve ser encarado como universal
ou normativo, há pessoas que com quarenta anos dependem financeiramente dos pais, e
outras com dezoito que já cuidam sozinhos de suas vidas.
16
Entendemos também que esta fase não se dá do mesmo modo para todas as
pessoas, não sendo nem mesmo vivido por todos. Há pessoas que não passam por esta
suposta etapa do desenvolvimento do modo como esperado, ou mais comumente
identificado: rebeldias, perda de limites e crises existenciais. A construção social da
juventude, muitas vezes baseadas em padrões de outras culturas, como a norte
americana, pode engessar as possibilidades de compreensão da realidade juvenil.
Quando se trata de sexualidade entre os jovens, o comportamento esperado se
divide entre masculinos e femininos. Enquanto a eles é permitido olhar e comparar os
órgãos sexuais e até se masturbarem juntos, sem que isso denote sinais de
homossexualidade, entre as meninas essa conduta é rechaçada. Para elas andar de mãos
dadas, dormir juntas e declarações de amor são permitidas, e vistas como normais, coisa
que para eles seria impensável. O problema é quando os meninos se apaixonam por
outros meninos e as meninas querem fazer sexo com outras meninas, aí família, escola,
igreja e outras instituições sociais ligam seus sinais de alerta e passam a controlar,
direcionar o jovem para o que seria o “caminho certo”: a heterossexualidade.
A convivência na escola pode, muitas vezes, ser sacrificante, pois em defesa de
uma suposta masculinidade, ou feminilidade, a discriminação e a homofobia passam a
ser
praticadas
rotineiramente
ao
jovem
que
frustra
as
expectativas
da
heterossexualidade. As piadas, expressões e xingamentos são propagados, e até
incitadas desde a infância por alguns pais que transferem para os filhos a homofobia,
como se esta fosse uma herança genética. Essas agressões são banalizadas e deixam de
ser tratadas como o que são: atos de violência. Segundo os teóricos queer que atuam na
pedagogia, como Louro(2008) esta ojeriza do adolescente aos seus pares homossexuais
17
tem como uma de suas causas o temor que o jovem heterossexual tem de ser confundido
com o outro, sendo então uma afirmação da sua própria sexualidade.
O termo inglês bullyng, é utilizado para denominar as agressões, verbais e/ou
físicas, sofridas sem motivo e repetitivamente, praticada por um, ou um grupo de
colegas. Este novo conceito de violência já entrou na pauta das escolas de ensino
fundamental e médio, tornando pedagogicamente incorreto permitir que os alunos se
chamem por apelidos como gorducho, quatro olhos, magricela etc. Mas expressões
como viado, bicha e sapatão permanecem culturalmente dentro do grupo das palavras
aceitas, sejam ditas em brincadeiras ou não. Visando educar para uma pedagogia mais
inclusiva nas escolas brasileiras o Ministério da Educação elaborou o kit antihomofobia, o material, que foi rechaçado pela bancada evangélica do Congresso
Nacional e acabou sendo vetado pela Presidenta Dilma Roussef, abordava a
homossexualidade no ambiente escolar, trazendo uma reflexão sobre o tema em uma
linguagem própria para crianças e adolescentes. No momento ainda está em discussão
um novo modelo pedagógico para o kit.
A pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) intitulada “Violência, AIDS e drogas nas escolas”, realizada em
catorze capitais durante o ano de 2001, revela que 25% dos alunos brasileiros não
gostariam de ter homossexuais como colegas de escola, em Salvador 39,7% dos pais
não gostariam que seus filhos tivessem colegas homossexuais. Se a educação doméstica
ainda precisa romper as barreiras do preconceito e encarar a diversidade como algo
positivo, a educação escolar precisa se orientar de acordo com as novas resoluções e se
aliar à ciência para poder oferecer uma educação de qualidade, pois a mesma pesquisa
revela que 14,5% das professoras ainda julgam que a homossexualidade é uma doença.
18
São estas as profissionais responsáveis pelas aulas de biologia, religião,
educação física e outras onde o tema da sexualidade é discutido, ou omitido. A pesquisa
de Meyer e Borges (2008), feita com professores, revelou que eles têm medo de que, ao
abordar o tema diversidade sexual estejam contribuindo para estimular as práticas
homoeróticas entre os alunos. É como se ao não discutir o assunto ele fosse deixar de
existir, e, sendo isto o vivido na escola, como pode este cidadão ser realmente preparado
para estar em uma sociedade plural? A pedagogia tem que incluir, que fazer pensar e
questionar os padrões, não é simplesmente conceber que o outro é diferente, mas
perceber que todos são diferentes e valorizar isto, esta possibilidade de ser uma
infinidade de coisas, problematizando a relação binária que constrói a divisão entre a
norma e a exceção.
19
4 Políticas de saúde para lésbicas
Considerando o determinante cultural da homossexualidade como fator
importante para a criação das demandas em saúde, incluindo as práticas sexuais
distintas, as necessidades das mulheres lésbicas têm uma configuração específica,
requerendo assim ações específicas também. Cientificamente ainda não há pesquisas
comprobatórias de que mulheres homossexuais estariam mais sujeitas a desenvolver
determinadas patologias do que as heterossexuais, o que se proclama é que a associação
de vários comportamentos de risco como o não uso (pela inexistência) de preservativos,
o baixo índice de procura a serviços de saúde (pelo despreparo das equipes em acolher o
tema), a não realização de exames básicos como o papa Nicolau (pela falta de
informação) e a exposição à situações de violência(misoginia e homofobia) fazem com
que esta população tenha singularidades. Por isto as políticas públicas vêm se
empenhando em atendê-las. Esta atenção só é possível porque o direito à saúde entrou
na pauta das reivindicações dos movimentos sociais, e o sistema de saúde foi concebido
para atender às necessidades do cidadão.
O acesso da população brasileira à saúde nem sempre existiu da forma que as
gerações atuais o vivem. Atualmente é impensável cogitar a possibilidade de não se
poder ir à um hospital público em caso de emergência, ou que este acesso só seja
permitido para trabalhadores com carteira assinada, entretanto, pouco mais de duas
décadas atrás não era assim.
O Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS) é decorrente de um processo
histórico de lutas que, na década de 80, uniu pesquisadores, profissionais de saúde e
movimentos sociais. Era um momento da construção de um país, que pela grandeza do
território e processos separatistas ainda precisava se firmar como nação na busca da
20
soberania econômica, social e cultural. Diversos setores organizaram-se a fim de
construir um projeto de reestruturação da saúde, uma área de grande importância para a
cidadania de um povo que vinha sendo massacrado pela ditadura militar, com grande
privação de direitos, inclusive os sociais. Nestas reuniões, dentre as quais se destaca
como uma das mais importantes a 8ª Conferencia Nacional de Saúde, surgiram
demandas que, no processo da Assembléia Constituinte de 87/88 entraram na pauta de
discussão e, posteriormente integraram o texto da Carta Magna brasileira. Entretanto
esse processo não se deu de uma só vez, o diálogo foi sendo construído desde o final da
década de 70, com o movimento sanitarista, e mesmo posteriormente à aprovação do
texto foram feitos emendas e decretos de lei, com o objetivo de melhorar o projeto,
corrigindo as deficiências e o adequando às novas realidades e demandas que surgem
com o tempo.(Noronha et al, 2008)
Por ser pautado pela missão de atender aos princípios democráticos da nação é
que o SUS tem como princípios a universalidade, a equidade e a integralidade
(Araújo;Cardoso, 2007). A universalidade diz que a saúde é um direito de todos, sem
exclusão de raça, credo, identidade sexual ou de gênero. A integralidade se refere tanto
às ações de prevenção e promoção a saúde quanto à concepção da saúde do individuo
como a relação entre diversos componentes que inclui o bem estar físico e psicológico,
as condições de moradia, alimentação, emprego, sociabilidade etc. Já a equidade garante
que necessidades diferenciadas sejam tratadas com distinção, a fim de proporcionar o
melhor atendimento de acordo com as características especiais de cada grupo. No caso
da saúde da mulher homossexual este aspecto é o mais latente, pois, em teoria, as
demandas das lésbicas já estariam contempladas nas ações de saúde da mulher.
21
Entretanto, considerando as especificidades desta população, se fez necessária a
criação de uma política específica. Na busca por cumprir a estes princípios no
atendimento da população LGBT vêm sendo tomadas uma série de iniciativas pelo
poder público, contando com o apoio da sociedade civil organizada.
A articulação entre grupos de mulheres lésbicas e o SUS teve inicio no ano de
1996 com a realização do primeiro Seminário nacional de Lésbicas, o SENALE. Desde
então foram criados grupos de trabalho, levantando as demandas com a própria
população. Em 2004 a Secretaria Especial dos Direitos Humanos lançou o programa
“Brasil sem Homofobia”, uma série de ações, propostas e projetos para eliminar a
homofobia institucional e social no Brasil. Dez anos depois do primeiro SENALE, e
dois anos depois do “Brasil sem Homofobia” o Ministério da Saúde lançou a cartilha
“Chegou a hora de cuidar da Saúde” voltada para mulheres lésbicas e bissexuais. O
material informativo foi produzido pela Área Técnica da Saúde da Mulher (ATSM) do
Ministério da Saúde e foi o resultado do grupo de trabalho da ATSM sobre a saúde da
mulher lésbica composto por diversas militantes dos movimentos sociais, assim como
do grupo de trabalho criado pelo Programa Nacional de DST/AIDS para combate de
DST’s entre lésbicas e bissexuais. No material, único até o presente momento, são
abordados temas como diminuição de riscos no uso de drogas, sexo seguro e violência.
São informações necessárias, que visam melhorar a qualidade de vida desta população
negligenciada durante muito tempo. Pelas dificuldades de implantação de um projeto
que dialogue com este público de maneira eficaz é que o resultado de pesquisas sobre
cuidados com a saúde ainda se mostram longe do esperado.
Algumas pesquisas realizadas no Brasil avançam nesta área, tais como (Pinto,
2004) que em estudo realizado na cidade de São Paulo145(cento e quarenta e cinco)
22
MSM - terminologia utilizada para designar mulheres que fazem sexo com mulheres,
independente de sua identidade sexual - a cerca de seus cuidados com a saúde sexual.
Os dados revelaram que 42,2% das mulheres não vêem necessidade de uso de
preservativo nas suas relações sexuais, um dado alarmante, pois apesar do baixo índice
comprovado de transmissão de HIV entre esta população, há as hepatites virais e as
vaginoses causadas por fungos e bactérias, que podem acometer qualquer vagina.
Entretanto, se analisados os possíveis métodos de prevenção – o Ministério da Saúde
recomenda a utilização de barreiras como camisinha ou luva de látex para a penetração
com as mãos,e filme plástico (aquele de embalar alimentos) para o sexo oral – será
claramente identificado o porquê da baixa adesão. Enquanto não forem criados
instrumentos específicos, pensados para uso na relação entre mulheres, dificilmente
haverá o uso de proteção no sexo entre lésbicas.
A pesquisa ainda aponta outros comportamentos perigosos, 44,1% das MSM
costuma fazer sexo oral/ penetração durante o período menstrual, prática arriscada, pois
o sangue pode ser fonte de contaminação. Além disto, 45,5% das mulheres que usam
acessórios sexuais durante a penetração não costumam trocar a camisinha para uso na
parceira, o que facilita a contaminação pela troca de fluidos.
Os serviços de saúde como os Postos de Saúde da Família (PSF), e as consultas
médicas seriam o espaço ideal de conversa, mas uma grande parcela das lésbicas não se
sente à vontade para revelar sua orientação sexual, isso quando vão ao médico. Algumas
especialidades como o ginecologista são mais facilmente buscados por mulheres que já
tiveram ou mantêm relações com homens, entre as com prática exclusivamente
homossexual há a concepção de que ir ao ginecologista é desnecessário ou doloroso.
Facchini e Barbosa (2004, pág. 27) apontam que há “maior dificuldade em acessar
23
cuidados ginecológicos entre mulheres que nunca tiveram sexo com homens, que
possuem uma gramática corporal masculinizada ou que pertencem a segmentos sócio
econômicos mais baixos.”
Se as pacientes são inibidas, a iniciativa também não surge das equipes de saúde.
A pesquisa intitulada “As faces da homofobia no SUS”, realizada entre 2008 e 2009
entrevistou médicos e pacientes dos serviços de saúde no sul do Brasil, a conversa com
os profissionais revelou que a homossexualidade não é abordada durante as consultas
por medo de que isto se configure como uma invasão à intimidade da paciente (Knauth;
Meinerz, 2009).Isto remete ao conceito de heterossexualidade compulsória em Butler
(2003), porque conversar sobre práticas homoeróticas seria invasivo enquanto se pode
conversar confortavelmente sobre práticas heterossexuais? Esta é uma questão que
encontra resposta na inadequação do profissional de saúde para lidar com a diversidade.
Não há um preparo para lidar com o tema, a omissão é o caminho mais fácil e perigoso.
Dados do Dossiê Saúde da Mulher Lésbica (Facchini;Barbosa,2006) apontam
estatísticas feitas por estudos de outros autores como o de Campos (2001) onde se
constata que entre as lésbicas que não revelaram sua orientação sexual ao médico,
30,6% deixou o consultório com indicação de contraceptivo e 19,6% recebeu
orientações para uso de preservativo masculino
24
5 O papel da Comunicação e Saúde
O papel da comunicação nas ações de saúde entre mulheres homossexuais deve
considerando os seus contextos diversos. O espaço para falar da saúde da mulher lésbica
ainda é pouco, e talvez nem tão bem localizado, pois está dentro do discurso da
militância homossexual, espaço onde há uma opressão de gênero ainda forte. As ações
para população homossexual se concentram majoritariamente na prevenção do HIV
entre homens, os espaços de circulação destas informações como paradas gays, centros
de referencia e ONGs têm este foco, o que deixa as mulheres como um subgrupo dentro
do movimento homossexual, tanto que a sigla GLBT foi alterada consensualmente para
LGBT, na tentativa simbólica de dar mais visibilidade a este grupo que já anda
esquecido desde o início do movimento.
Tanto tempo de negligencia tornou esta população difícil de ser acessada, talvez
seja esta a maior dificuldade para a implantação de propostas eficientes, e a
comunicação exerce papel fundamental neste processo, aproximando ou repelindo,
dependendo das estratégias utilizadas. Por isto que o campo da comunicação e saúde
tem papel central na formulação das políticas públicas. Segundo Araújo e Cardoso
(2007) os modelos de comunicação e de saúde devem ser percebidos numa abordagem
diacrônica, considerando suas interseções e articulações.
A dinâmica da comunicação tem de ser compreendida, mas algumas teorias,
como a matemática, por exemplo, que considera a comunicação como o envio de
informação do emissor para receptor, classificando as outras referências como ruídos.
Esta matriz, que tem como características principais a unidirecionalidade, a linearidade
25
e a bipolaridade, vê a comunicação como uma via de mão única, onde o receptor é
tratado como um recipiente vazio, que deve ser vedado hermeticamente, proibindo que
informações de outras fontes, portanto inadequadas, cheguem a ele. O que este modelo
não comporta é o entendimento da linguagem como um mecanismo dinâmico, não
estático, ou seja, a mesma coisa dita para duas pessoas diferentes pode ter sentidos
completamente divergentes. O processo comunicacional não é algo tão simplório.
Absorvendo
em
parte
este
modelo
é
que
surgiu
a
perspectiva
desenvolvimentista, para o qual através da educação é que se mudam as práticas de
saúde. A causa de doenças, portanto seria a ignorância, a correção deste problema se
daria com a confecção de cartilhas explicativas e de difusão de informação em escolas e
entidades de base. Esta perspectiva autoritária, onde somente uma voz é autorizada a
falar, encontrou grande resistência por parte dos que propunham uma sociedade mais
justa e igualitária. Na contramão desta perspectiva Paulo Freire defendia um modo de
comunicação mais dialógico, equilibrando o poder entre os saberes populares e
científicos, minimizando as hierarquias. Este modelo ganhou adeptos no campo político
e através dele se instituiu em departamentos públicos, entretanto não vingou como
prática hegemônica (Araújo;Cardoso, 2007). Saltando da idéia de recepção passiva, a
perspectiva dos estudos culturais considera a comunicação como um processo de
consumo, permeado por mediações culturais e sociais. É necessário preocupar-se não só
com a etapa de produção da mensagem, mas também como se dará a circulação e o
consumo desta. Compreender todo o processo comunicacional faz uma enorme
diferença na construção das estratégias, que devem ser construídas de acordo com cada
realidade.
26
No caso das mulheres lésbicas ainda falta um investimento na construção deste
diálogo mais próximo e participativo. Falta considerar a diversidade dentro do próprio
grupo de mulheres homossexuais, falar com adolescentes e jovens é diferente de falar
com adultos. As mediações individuais são essenciais para entender porque alguns
canais de comunicação são legitimados ou não pela população como espaço de
circulação consumo.
É por isto que para Araújo e Cardoso (2007) a comunicação em saúde deve se
orientar também pelos princípios do SUS, tem de ser formulada de maneira que permita
a integralidade, a universalidade e a equidade, permitindo o acesso da população nas
esferas de produção, circulação e consumo, democratizando o acesso e se constituindo
como um direito de todos, não só dos detentores de conhecimento técnico-científico.
Anualmente o Governo Federal libera recursos financeiros às ONGs para que sejam
confeccionados materiais de comunicação sobre homossexualidade e cidadania,
entretanto esta construção nem sempre se dá com a participação do público interessado,
sendo o poder delegado a profissionais de comunicação e designers. O que ocorre
também é que a grande parte das organizações é fundada por homens e para homens, as
lésbicas, como já afirmado são invizibilizadas dentro do movimento homossexual. As
organizações de mulheres, em sua maioria, adotam um padrão de militância que não
atrai e nem contempla a diversidade dentro do grupo de mulheres homossexuais.
27
6 Metodologia
Optamos pela realização de uma pesquisa qualitativa, que teve as entrevistas
como principal recurso de coleta de dados. As metodologias quantitativa e qualitativa se
diferem porque enquanto na pesquisa quantitativa a proposta é ter um questionário com
respostas pré estabelecidas, que podem ser facilmente tabuladas a fim de gerar dados
estatísticos, a pesquisa qualitativa se propõe a investigar através de perguntas mais
abertas, sem a necessidade de respostas padronizadas. Segundo Jorge Duarte (2006),
através das entrevistas é possível apreender informações subjetivas de fontes relevantes,
optou-se por esta metodologia por se adequar à proposta do curso e ao tempo dado para
o desenvolvimento do projeto. O objetivo era pesquisar os assuntos de interesse e as
fontes de informações sobre saúde utilizadas por um grupo de jovens mulheres
homossexuais. O grupo focal também seria uma metodologia adequada, entretanto pelo
pouco espaço de tempo para a realização do trabalho, a falta de experiência da
pesquisadora com esta dinâmica e a dificuldade de recursos, o resultado poderia não ser
satisfatório.
Escolhemos então realizar entrevistas semi-estruturadas com até cinco pessoas,
escolhidas através de indicações. Os elos iniciais foram pessoas de origens diferentes e
ligadas a grupos e espaços freqüentados por jovens homossexuais da cidade de
Salvador. Foi pedido a um grupo de cinco pessoas que cada uma delas indicasse pelo
menos duas pessoas dentro do perfil desejado. Em uma conversa prévia foram
explicadas as características necessárias e assim que chegamos a uma conclusão sobre
quem poderia ou não foram passados os contatos, e assim fizemos as primeiras
abordagens, através de e-mail, MSN e telefone.
28
Por ser uma pesquisa qualitativa, não trabalhamos com o conceito de amostra,
própria das investigações quantitativas, e sim com o de seleção, que neste caso
obedeceu a cinco pré-requisitos básicos: 1) ser do sexo feminino; 2) auto definir-se
como homossexual; 3) se relacionar exclusivamente com pessoas do mesmo sexo por
no mínimo a 1 (um) ano; 4) ter de 18 a 25 anos completos na data da entrevista; e 5) não
conhecer ou ter tido contato prévio com a pesquisadora.
A composição do grupo foi orientada para garantir sua heterogeneidade, em
termos de raça, classe social e escolaridade, buscando perceber se alguma dessas
características se mostraria relevante no posicionamento das entrevistadas sobre os
temas abordados. A partir das indicações foram selecionadas dez participantes que
atendiam aos requisitos pré-estabelecidos. Enviamos e-mail para cada uma das possíveis
entrevistadas, o que não deu muito resultado, pois apenas uma respondeu prontamente.
A outra que se comunicou por e-mail respondeu posteriormente. Outra foi adicionada ao
MSN e a partir daí entramos em contato, conversamos sobre o teor da pesquisa e
marcamos o encontro. Com as outras duas o contato foi feito por telefone pois elas não
responderam aos e-mails e não tinham MSN. As outras cinco não possuíam telefone
disponível, o que impossibilitou o convite.
O primeiro contato foi feito com Mayara, jornalista, 25 anos que respondeu ao email no outro dia, e se mostrou disposta a colaborar, querendo fazer a entrevista neste
mesmo dia. Entretanto como a pesquisa ainda não tinha sido aprovada pelo comitê de
ética não foi possível realizá-la. Quando a aprovação saiu tentou-se diversas vezes
marcar um encontro, mas pelo período carnavalesco, que em Salvador se estendeu de 02
de fevereiro (lavagem de Iemanjá) até 09 de março (quarta-feira de cinzas) tornou-se
29
inviável que ela participasse. Por trabalhar com assessoria de comunicação este é o
período mais agitado e ela disse não ter encontrado mais nenhum espaço na agenda.
A segunda participante abordada foi Aline, 22 anos, cantora. O contato foi feito
através de MSN, pois ela não respondeu ao e-mail. Durante o chat ela se mostrou
reticente na maior parte do tempo, querendo explicações detalhadas sobre o que se
tratava a pesquisa. Diante das respostas ela se mantinha monossilábica até que a
conexão caiu. No outro dia ela se conectou novamente e voltou a perguntar como seria a
conversa, depois de algum tempo decidiu marcar para o Salvador shopping, um dos
maiores de Salvador, voltado para o público A e B. No dia e horário combinado ela
apareceu e fizemos a entrevista.
A terceira convidada foi Priscila, 25 anos, artista plástica. Ela também não
respondeu aos e-mails e não tinha MSN, então o contato foi feito por telefone. Ela se
mostrou muito interessada na pesquisa, disse que tinha muito interesse em colaborar
com uma pesquisa que abordasse este tema. Tentou marcar a entrevista para a próxima
semana, mas estava com compromissos de trabalho. Ficou de retornar a ligação
indicando o melhor dia e horário, não retornou e após isto o telefone passou a estar
sempre desligado.
A quarta convidada foi M*, 22 anos, estudante de arquitetura. O contato com ela
foi o mais rápido, feito através de e-mail. Imediatamente ela respondeu marcando para o
mesmo dia, dali a duas horas, em um movimentado shopping da cidade. Compareceu
pontualmente e então realizamos a entrevista.
A quinta selecionada foi Júlia*, 25 anos, publicitária. O contato por e-mail não
foi respondido então foi necessário usar o telefone. Prontamente ela se dispôs a
30
participar marcando a entrevista para a segunda-feira - o contato foi feito na sexta – às
19h na Livraria Cultura do Salvador Shopping. Houve um atraso de uma hora,
entretanto ela enviou duas mensagens de texto explicando que estava num
congestionamento, mas que chegaria logo, e chegou.
O número de participantes foi reduzido por conta dos percalços de tempo
sofridos durante o processo de coleta de informações, houve uma demora, devido ao
calendário, da submissão do projeto ao Comitê de Ética da Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio, seguido a isso as festividades carnavalescas em Salvador impediram
a participação de um número maior de pessoas.
As entrevistas foram orientadas segundo um roteiro previamente estabelecido e
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio - Fiocruz, as questões foram desenvolvidas com base na metodologia
apresentada por Gaskell (2002) que orienta o entrevistador a trabalhar com tópico guia
que, segundo o autor, é o resultado da articulação do tema central com o problema de
pesquisa, e deve caber em uma página. Para Duarte (2006) este modelo une a
flexibilidade de uma questão não estruturada com o controle de um roteiro. Isto
proporcionou mais segurança à entrevistadora, que pode ir aprofundando as perguntas
gradativamente, sem interrupções abruptas de um tema a outro, dando assim o tempo
necessário para que a entrevistada refletisse e respondesse com naturalidade.
O roteiro foi dividido em quatro etapas: identificação, vivência, saúde e
comunicação e saúde, e as perguntas seguiram uma sequência de acordo com os temas
que poderiam surgir, mas a ordem foi subvertida sempre que necessário. As questões
sobre buscaram facilitar a comunicação entre entrevistadora e entrevistada, já que a
entrevista era semi-estruturada. Ou seja, optou-se por selecionar os temas abordados e
31
não pela definição rígida de perguntas que tinham de ser feitas a todas as participantes,
com respostas pré-definidas. Este método orientou a entrevistadora e facilitou o
posterior trabalho de sistematização e análise das informações. Durante as conversas, os
temas foram contemplados, de acordo com as características, ritmo, história de vida e
interesses peculiares de cada sujeito. Tanto nos primeiros contatos, como no desenrolar
das conversas, que tiveram cada uma a duração de aproximadamente uma hora, a
pesquisadora esteve atenta aos detalhes ambientais e de sua própria conduta (gestos,
entonação, interrupções etc.) que poderiam facilitar inibir ou induzir a participação da
entrevistada.
Para cada entrevistada foi elaborado também um diário de campo, útil para o
registro das impressões de cada experiência vivenciadas, contribuindo para a
sistematização de idéias e aprendizado cumulativo. Neste diário foram anotadas as
reações das convidadas desde o primeiro contato, assim como data e horário em que
ocorreram. Também foram feitas anotações de como cada uma se portou, o que vestia e
o que fez antes e depois do encontro.
Como suporte para as entrevistas foi utilizado o gravador de áudio do
smartphone modelo Nokia 5220, a fim de manter a maior fluência na conversa, sem a
necessidade de anotações detalhadas das falas. Quando consultadas sobre o registro de
voz as participantes se mostraram compreensivas e não apresentaram resistência.
O processo de seleção do conteúdo e a decupagem do material, foram feitas
posteriormente a cada entrevista, o que facilitou o registro das impressões fixadas na
memória. Possibilitou também perceber se havia algum ponto a ser retomado, e se
haveria a necessidade de uma segunda entrevista, mas não houve. As entrevistas foram
transcritas preservando as falas das jovens, suas palavras e expressões foram
32
reproduzidas sem muita dificuldade, pois não havia gírias desconhecidas ou expressões
de baixo calão.
33
7 Os encontros
Os encontros foram realizados nos dias 9, 10 e 14 de março, no horário da noite
por escolha das participantes. O primeiro foi no Salvador Shopping, complexo de
compras e lazer da cidade de Salvador voltado para o público A e B, o segundo no
Shopping Iguatemi, maior da cidade e o terceiro também no Salvador Shopping, mas
em uma área reservada, o caffe da Livraria Cultura.
A primeira entrevistada, Aline, é negra, cantora e tem o segundo grau completo.
Trabalhando no momento como auxiliar de escritório, anseia para o seu futuro
profissional ser produtora de uma banda de pagode e viver da música. A jovem de 22
anos é moradora da Mata Escura, bairro pobre de Salvador e afastado do centro, por isto
o desejo de mudar de domicílio o mais breve possível. Por enquanto ainda vive com a
família, que se resume à mãe e ao padrasto com os quais ela pouco se relaciona, é
solteira e tem poucos amigos, sua companhia freqüente é um primo também
homossexual com quem troca confidências. O custeio das necessidades, excluindo
moradia e alimentação, é feito pelo salário recebido no emprego. A entrevista foi
realizada no dia 9 de março, às 19 horas na praça de alimentação do Salvador Shopping.
Ela vestia-se de modo sóbrio e casual, calça jeans, blusa básica e tênis. Seu visual não
chamava a atenção, a não ser pelos piercings, orelha e nariz, e um colar com seu nome.
A conversa durou aproximadamente cinqüenta e cinco minutos e as falas intercalaram
momentos eufóricos e monossilábicos. Não se mostrou constrangida em falar sobre
homossexualidade, sexo ou seus relacionamentos, as reticências apareceram quando o
tema foi a prática sexual. Quando perguntada sobre métodos de prevenção a
entrevistada riu bastante, tentando explicar o que segundo ela parecia ser ridículo, o que
tornou a conversa mais descontraída dali por diante. Finalizamos e então ela fez questão
34
de me “entrevistar”, fazendo perguntas de caráter pessoal, a conversa durou mais trinta
minutos.
A segunda entrevista foi em uma temakeria do Shopping Iguatemi, às 18h com
M*, que depois de refletir muito pediu para ser assim chamada. Ela tem 22 anos e é
estudante de Arquitetura da faculdade mais cara de Salvador, a mensalidade do seu
curso custa R$ 1.000 (mil reais) e é custeada pelos pais já que ela nunca trabalhou nem
exerceu atividade remunerada. M* é branca, vive no bairro do Rio Vermelho, classe
média, em um edifício bem localizado. Mora com os pais e a irmã mais velha e mantém
uma boa relação com todos, possui carro, recebe mesada e vive na companhia dos
amigos e da namorada com quem tem um relacionamento conturbado de dois meses.
Gosta de música, por isto toca violão, teclado, violino e guitarra. No dia da entrevista
ela se vestia de modo casual, mas sua calça larga, o tênis e o modo como se comportava,
segundo ela, denotavam sua homossexualidade. Mostrou-se apreensiva durante toda a
conversa, respondia quando perguntada, não desenvolvia alguns assuntos, omitia outros
e quando não queria falar dizia não se lembrar, justificando ter pouca memória. Depois
da conversa me convidou para comer pizza, aceitei e neste momento acabamos
conversando sobre assuntos que não haviam sido contemplados, como seu problema de
peso e baixa estima.
A terceira entrevista foi no caffé da Livraria Cultura, também no Salvador
Shopping. O encontro que estava previsto para começar às 19h só se iniciou às 20h.
Júlia* é publicitária e tem 25 anos, vinda do interior do Estado mora em Salvador há
quatro anos, dividindo apartamento no bairro de Brotas, classe média, com uma
conhecida com a qual está brigada no momento, por isto se mudará em breve. Ela é
parda e veste-se de modo básico, no dia estava com calça skin e bata. A conversa, que
35
durou 1h 20min, começou apressada, com a entrevistada falando muito mais do que era
perguntado, por vezes atropelando suas próprias falas e tendo que retomar o raciocínio.
Completamente à vontade com o local não se mostrou apreensiva com a possibilidade
de que outras pessoas ouvissem a conversa, as mesas do local são muito próximas. Júlia
se formou por uma faculdade particular e atua no mercado publicitário, mostra
insatisfação com a carreira por isso pretende talvez migrar para a veterinária. A
faculdade, assim como o apartamento em que vive ficaram por conta do pai, o seu
salário é utilizado para as demais despesas, que incluem viagens periódicas à cidade
onde reside sua namorada, uma psicóloga com quem mantém relacionamento há dois
anos. Depois da conversa Júlia* me convidou para jantar e conversamos por mais uma
hora.
36
8. As conversas
As entrevistas foram, em geral, bastante descontraídas, os assuntos foram
abordados com naturalidade e as participantes se mostraram dispostas a conversar sobre
suas vidas e experiências.
As entrevistadas têm em comum o fato de ter descoberto a homossexualidade
ainda cedo, tendo a possibilidade de viver experiências homoeróticas na adolescência.
Também nunca se relacionaram afetivamente ou sexualmente com homens, se
autodenominam lésbicas e têm um grupo de amigos homossexuais/bissexuais com os
quais convive.
A dificuldade de aceitação da própria homossexualidade foi caracterizada como
um momento de angustia para Júlia*, que durante a conversa se declarou hipocondríaca,
revelou ter transtorno de ansiedade e já ter sofrido de síndrome do pânico e depressão.
Quando ainda acreditava que a homossexualidade poderia ser um distúrbio psíquico, ela
procurou ajuda espiritual na IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) 3. Mesmo sem
revelar sua orientação ela passou a freqüentar os cultos, depois de ter visto nos
programas veiculados pela Rede Record, que mostravam pessoas testemunhando terem
sido curadas do “encosto da homossexualidade”, como definem os pastores desta seita
religiosa. Entretanto após alguns meses sem sucesso ela desistiu da idéia e, aos 16, anos
decidiu aceitar-se homossexual. As outras duas entrevistadas não passaram por
problemas de aceitação, somente M* que acreditava ser a única a ter desejos
homoeróticos, mas depois que conheceu através da internet outras pessoas com a
3
A Igreja iniciou suas atividades em julho de 1977, por Edir Macedo, atualmente bispo e sócio de 120 emissoras de radiodifusão em
todo o Brasil, incluindo a Rede Record que desponta como uma das grandes redes de televisão do país. Grande parte da
programação da rede é dedicada aos cultos e programas da IURD, incluindo o “Fala que eu te escuto” veiculado nas madrugadas, os
cultos e testemunhos de fé.
37
mesma orientação passou a aceitar tranquilamente sua orientação sexual. É de se esperar
a dificuldade de compreender a homossexualidade como algo natural, possível. As
pressões impostas pela sociedade heteronormativa e as dificuldades enfrentadas por
quem vive o papel de ser o outro não são atrativos. É compreensível que se lute contra,
ninguém quer ser excluído, marginalizado, mas há coisas que não são fruto somente de
um processo de escolha, é por isso que o conceito de orientação substituiu o de opção
sexual, conservando o entendimento de que não é uma condição anormal, é só mais uma
possibilidade.
Quando questionadas sobre as preocupações em saúde foram levantados temas
como diabetes, hipertensão, alimentação, doenças sexualmente transmissíveis e
prevenção, sendo que estes dois últimos temas ganharam destaque significativo,
revelando os discursos das políticas de saúde e da militância homossexual.
Os cuidados com o peso e a alimentação são considerados a maior preocupação
por Aline e M*, que busca emagrecer, mas diz não conseguir. Elas buscam informações
sobre alimentos mais saudáveis e emagrecedores, entretanto não praticam esportes e
nem passaram por uma reeducação alimentar acompanhada, em suma, não mostram
iniciativa para alcançar o que dizem querer, talvez por este não ser um problema de fato.
Vive-se uma era de preocupação extrema com a saúde do corpo, que tem como grande
exponencial a magreza, ser magro é ser saudável, logo todos buscam, ou deveriam
buscar emagrecer.
Durante a conversa, quando questões sobre os sentimento seram aprofundadas,
apareciam preocupações como estima medo de rejeição e incapacidade de se relacionar
afetivamente. A entrevistada M* revelou que sua maior preocupação tem a ver com sua
“baixa - estima” e o medo de rejeição, ela vive um relacionamento com uma pessoa que
38
ela considera além de suas possibilidades, a menina seria muito bonita enquanto ela se
acha “sem atrativos”. Isto talvez justifique o fato de que em dois meses ela já foi traída
duas vezes – que ela saiba –e, mesmo assim, decidiu perdoar.
Invariavelmente quando questionadas sobre as preocupações com a saúde as
entrevistadas passaram a falar de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Saúde e doença foram tratadas como antônimas, seguindo o discurso do modelo
biomédico para o qual ter saúde significa não ter patologias. As informações que
circulam sobre saúde homossexual, ainda enfatizam a prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis, a associação entre homossexualidade e risco ainda está
presente, mesmo que de forma indireta e predominantemente baseada nas relações entre
homens.
Para as mulheres o discurso da hiper prevenção assume outras características, se
para os homens é tudo permitido, desde que com camisinha, para elas a atenção e o
cuidado são exaltados como forma de permitir segurança. O medo de contrair alguma
doença se mostrou acentuado em Júlia, que já realizou o teste de HIV diversas vezes.
“Sou preconceituosa com meninas que são bi (bissexual), eu tive uma namorada bi e
ela me deu ‘corno’três vezes, com homens. Quando é bi eu já fico com o pé atrás. Essa
minha namorada agora, eu não tinha segurança pra fazer sexo, eu sou muito
preocupada com isso, e eu estava apaixonada por ela, morrendo de vontade, mas eu
não sabia o histórico. A gente só veio ter relacionamento sexual depois de oito meses.”
(Júlia*). O que está presente nesta concepção é também a lógica heterossexista, que
encara a monogamia como prova de confiabilidade. Não transar com uma menina que
seja bissexual é também não aceitar que ela tenha “outro homem”, o amor está portanto
39
associado ao sentimento de posse da mulher, característica do machismo que ainda
impera na sociedade.
Um componente importante aparece como método de prevenção: a confiança na
parceira. Nádia Meinerz (2004) conclui que “As estratégias preventivas das mulheres
estão relacionadas a diferenciações de hierarquias morais e à preferência pela
constituição de uma parceria estável”. Ou seja, conhecer a parceira e a melhor forma de
prevenção. As entrevistadas citaram esta como a principal maneira de praticar sexo
seguro, sendo que M* diz ter recebido esta orientação de sua ginecologista, durante uma
consulta. Júlia* revelou que sua preocupação com as DST’s surgiu ainda em sua
primeira experiência sexual, com 17 anos, que ela define da seguinte forma “eu nem
falo que foi minha primeira vez, foi uma penitência que eu tive que pagar na terra”.
Nesta relação ela contraiu hpv e teve de fazer tratamento com ácido para a retirada das
verrugas, além de ter de mentir para a mãe sobre como havia contraído. Daí em diante
ao fim de relacionamento ela diz esperar por três meses para fazer o exame, só se
relacionando sexualmente quando tem certeza de que não tem HIV. Entretanto ela não
solicita a mesma atitude das parceiras, ela diz que procura conversar sobre a vida da
pessoa, descartando as que se declarem bissexuais por considerá-las promíscuas. Já M*
além de conversar muito com a parceira se recusa a ter determinadas práticas sexuais,
afirma já ter mantido muitos relacionamentos, mas sexo com apenas duas.“Oral eu
nunca fiz, tenho nojo. Todo mundo acha uma besteira, eu não sei, fico com receio,
tenho medo...” (M*).
Já Aline diz que também conversa bastante antes de se relacionar, mas que
depois que acontece não tem nenhum limite, pois acredita que se houver a possibilidade
40
de contrair doença isso ocorrerá independente da prática, para ela sexo oral, penetração
e contato vagina-vagina oferecem os mesmos riscos.
Como a prevenção de DST’s foi privilegiada nas conversas, os meios e canais de
comunicação citados se referem em sua maioria à busca por informações sobre este
tema. A internet se revelou como o modo preferencial, M* e Júlia* pesquisam em sites
e blogs voltados para lésbicas. Foi citado o portal UOL, que tem uma área
exclusivamente dedicada aos homossexuais, e “outros que eu não lembro o nome” como
as principais fontes. Pela proliferação dos blogs e sites é compreensível que para além
do endereço eletrônico o que se fixe é o modo de busca, por isto o Google foi citado
com freqüência. Segundo Pierre Lèvy, o ciberespaço transforma a relação com o saber
justamente por amplificar os mecanismos cognitivos das pessoas. A quantidade de
informações armazenadas nos servidores é como uma memória exterior, facilmente
acessada, portanto não há a necessidade de se anotar os endereços ou salvar as páginas,
até mesmo porque os conteúdos tendem a se repetir. Os bancos de dados e os
hiperdocumentos permitem que a busca pela informação desejada se torne um processo
dinâmico, característico da contemporaneidade. Todavia não se pode considerar que
somente por esta característica o acesso à comunicação se dá de forma democrática, há
a questão do poder simbólico, da legitimidade e todas as outras que envolvem o
processo comunicativo, assim como nos outros veículos. A Internet pode sim ser
considerada como um meio mais permeável, e que comporta espaços de troca. Os sites
de redes sociais são um grande exponencial desta comunicação mais dialógica.
As ferramentas do Facebook, myspace, foursquare, Orkut e twitter são usados
com os mais diversos interesses, através de suas comunidades, seguidores e marcações é
possível compartilhar informações, ouvir opiniões, encontrar um lugar e postar noticias
41
e fotos em tempo real, com uma grande multiplicidade de produtores e reprodutores de
conteúdo, que ampliam a circulação e as possibilidades de consumo. Quando
perguntada sobre como se informa sobre os riscos de contrair HIV, sua maior
preocupação, Júlia respondeu que o Orkut é um canal bastante utilizado. “No Orkut, eu
lia nas comunidades os fóruns de pessoas com HIV ou que fizeram exames e estavam
esperando o resultado... eu ia me acalmando porque via situações piores.”
Durante as entrevistas um site que despertou a curiosidade foi oleskut4, primeiro
site de redes sociais brasileira exclusivamente voltada para lésbicas, que só ingressam
após terem seus cadastros analisados e aprovados pelos moderadores. Para Aline, o
leskut é um espaço de consumo de diversos tipos de informação. “Hoje em dia eu gosto
muito do leskut, tem muita coisa interessante. Tem blog, contos eróticos, tem vídeos, lá
todo mundo bota sua opinião. Tem o Messenger lá, todo mundo conversando...”
Entretanto para as conversas ela prefere os amigos, uma galera que ela define como
composta 99% de gays e lésbicas. Júlia e M* também têm um grupo de amigos gays
com os quais passa a maior parte do tempo, mas para conversar sobre saúde preferem
suas parceiras.
Isto porque as informações encontradas na internet nem sempre correspondem às
expectativas, são consideradas inapropriadas e sem aplicabilidade real, a pouca oferta de
material específico faz com que informações voltadas para o público masculino, ou
heterossexual sejam apropriadas e resignificadas.“As coisas que eu via na internet eram
tão“professor pardal” que chegavam a ser absurdas. Eu pegava também as cartilhas e
adaptava pra minha realidade por dedução, eu trazia isso pra minha realidade, eu
4
“Ao criar o Parada Lésbica, queria fazer um site onde as lésbicas pudessem encontrar de tudo um pouco, textos,
dicas, notícias, entretenimento. Um lugar para encontrarem informação e se conhecerem. Com a necessidade da
criação de uma Rede Social o Leskut foi inaugurado.” Del Torres – Criadora do leskut.
42
adaptava as informações. Se dizia que não podia ter contato com fluidos na corrente
sanguínea eu já pensava na minha realidade”. (Júlia*)
A precariedade de material falando sobre sexualidade voltado para as mulheres,
sejam homossexuais ou heterossexuais, é evidente. Para as jovens então, o sexo é
associado aos riscos de gravidez na adolescência. Entretanto em 2011 a campanha de
prevenção ao HIV se voltou para o público de mulheres heterossexuais jovens, porque o
índice de contaminação deste grupo se elevou significativamente. Os conteúdos de
textos oficiais – cartilha e material financiado pelo Ministério da Saúde - são
reproduzidos na internet, através de blogs e sites é possível encontrar informações
presentes nos discursos científicos dos textos oficiais, entretanto essa presença do
Estado na formulação das políticas publicas não se mostra perceptível para as
entrevistadas.
Elas desconhecem a existência políticas públicas e de material específico do
Governo para lésbicas. “E existe? Se existir deve ser em site, o pessoal mesmo que
desenvolve seus métodos, mas do governo eu acho que não tem nenhuma preocupação
com esse público, se tem eu não conheço ninguém que já tenha visto. Eu sempre
procurava pelo Google.
É preciso construir uma relação de confiança, para que então este público seja
incluído e suas demandas reais contempladas. A comunicação em saúde ainda fica a
cargo de ONGs e instituições que nem sempre contemplam a diversidade, ou que não
permitem a participação popular. O problema da militância é que ela afasta os que não
querem se mostrar, sair do armário. Então ela contempla apenas uma parte, pequena,
dos homossexuais. O movimento já compreende que nem todo gay se veste de rosa e
usa purpurina, mas ainda falta entender que nem toda lésbica usa coturno, ainda há uma
43
construção estereotipada da lésbica. É direito de cada um preservar sua intimidade, de
não participar de demonstrações públicas da identidade sexual, a questão é que isto não
é respeitado. Estas pessoas que não “saem do armário” são duplamente marginalizadas,
dentro da sociedade e dentro do movimento homossexual.
E estas pessoas não se mostram muitas vezes por medo, por não querer ter sua
vida comprometida, por medo. Durante as entrevistas esta se mostrou ser uma grande
preocupação para as meninas, o medo de se expor está presente em todas as atitudes.
Talvez por não considerarem a saúde em seu conceito ampliado, incluindo as condições
de vida, é que a violência não foi considerada um problema de saúde. A
homossexualidade é definida por Júlia como um “ponto fraco em sua personalidade”
que ela tem de defender dos outros, com medo de sofrer bullyng, se comportava não
emitindo opiniões polêmicas e evitando conflitos. Já M* não tem medo de agressão na
rua, por sempre andar em locais protegidos, mas da retaliação que possa sofrer em casa,
se alguém a encontrar em “atitude suspeita”, que seria um momento de afeto com
alguma namorada, e contar para sua família.
Já Aline teve a experiência traumatizante de passar por uma situação de agressão
verbal, foi expulsa, juntamente com a namorada, de um bar, porque se beijaram. As
jovens prestaram queixa na delegacia, levaram testemunhas e estavam dispostas a pedir
justiça, mas o caso não foi adiante. O acusado não compareceu no dia e hora marcados,
e a polícia não tomou maiores providências. Há em trâmite no Senado um projeto de lei
que busca criminalizar a homofobia, igualando este tipo de discriminação aos de raça,
credo e gênero, crime passível de punição, reclusão e multa. O Projeto de Lei da
Câmara – PL -122/2006 está aguardando aprovação, mas conta com grande rejeição da
bancada cristã que já afirmou que fará de tudo para não aprová-lo. Alegam que o projeto
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irá acabar com a liberdade de expressão e de culto religioso, pois as igrejas protestantes
não poderiam mais se referir à homossexualidade obsessão espiritual ou encosto. O
movimento LGBT rebate esta acusação afirmando que as igrejas não podem utilizar o
discurso religioso para incitar a violência, prometendo cura para algo que a Organização
Mundial de Saúde deixou de considerar como doença desde o século passado.
Elas têm medo de que a homofobia afete suas vidas profissionais, ou que possa
ser utilizada de forma que as prejudique, por isto não revelam e nem pretendem fazer
isto no trabalho. Também há o medo de sofrer agressões em locais públicos, por isso
elas evitam beijar, abraçar e trocar carícias com suas namoradas ou ficantes. Segundo
Aline “namoram só de olhar”, restringindo o contato físico a ambientes particulares
como casa de amigos, hotéis e espaços GLS como o beco da off ou a San Sebastian (
boates gays de Salvador).
O medo e a privação constante a que são submetidas mascaram a realidade,
impedindo que as situações de violência sejam vistas como tais, os processos de
ocultação da identidade sexual são naturalizados, considerados o modo correto de agir
para não causar distúrbios. O deixar de fazer um carinho na namorada para não chamar
a atenção, o medo de que a família seja exposta e a série de mentiras e histórias
fantasiosas que elas têm de inventar para os outros, são pequenas partes do processo de
viver a homossexualidade em uma sociedade heteronormativa. M* relata que sua mãe
se refere a ela com um sentimento de pesar, pois a filha nunca poderá ter uma vida
normal. Entretanto esta própria mãe não aceita ver cenas de carinho entre sua filha e a
namorada, dizendo não estar preparada para isso. “É, eu sinto que ela tem medo de ver
alguma coisa, algum carinho, quando eu levo alguém lá em casa ela fica agoniada, se a
porta está fechada ela já bate fazendo barulho pra, se eu estiver fazendo alguma coisa,
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já me afastar.”(M*). Se a própria mãe não se sente confortável, por que os outros se
sentiriam? É por isto que M* compreende a situação, e evita a todo custo ter gestos e
atitudes que denunciem, como se fosse um crime, a sua homossexualidade.
Durante o V Senale, realizado em 2003, foi apontada a preocupação sobre os
textos que tratam sobre violência contra a mulher não abordarem a homossexualidade
como fator agravante destas agressões. A violência intrafamiliar é a que mais afeta as
jovens, que apanham, são violentadas sexualmente e expulsas de casa pelos próprios
parentes. Como estas violências nem sempre são denunciadas, os dados sobre atos de
homofobia contra lésbicas ainda estão longe de retratar a realidade.
46
7 Conclusão
A análise dos dados coletados sobre a comunicação e saúde entre a população de
lesbicas apontou que os canais de comunicação privilegiados são as namoradas e a
internet, os amigos estão presente, mas não para conversar sobre estes assuntos. A
internet é usada para dirimir dúvidas, pesquisar sobre possibilidades e casos, como as
comunidades do Orkut, blogs e Google, mas na hora de conversar as namoradas são as
fontes mais próximas e confiáveis. Por dividirem além da intimidade os problemas
sociais decorrentes do preconceito o relacionamento tem embutido, além da paixão e do
desejo, um sentimento de cumplicidade e parceria.
As jovens entrevistadas tiveram grande preocupação em mostrar que sabiam dos
riscos inerentes a prática sexual, e que buscam formas de prevenção das DST’s, mesmo
sem saber a quais estariam vulneráveis, e se realmente há um risco aumentado. Elas
concordam em seus pontos de vista por considerarem que não há métodos seguros nem
confortáveis para a prevenção e, portanto, elas não os usam por inadequação, não por
resistência. Por isso a confiança na parceira é um dado relevante na hora de decidir se
haverá ou não contato sexual.
As entrevistadas sentem uma ausência das políticas públicas, que existem, mas
não se fazem presente. As entrevistadas não freqüentam ONGs nem espaços de
militância LGBT, vivem a identidade sexual como mais um componente de sua vida,
entretanto o discurso da militância, principalmente no campo da saúde, voltado para a
prevenção de DST’s é acessado e incorporado por elas como o desejável no
comportamento sexual.
O medo da violência homofóbica, que não foi considerado por elas como um
problema de saúde com o qual se preocupassem, é o que mais as assusta de fato. Isto
fica evidenciado pelos relatos e pelo comportamento delas frente a situações onde
evitam expor a sua orientação, com medo de perder o emprego, sofrer agressões ete. As
meninas relataram situações de privação de direitos como o de se expressar livremente,
beijando ou abraçando uma namorada, mesmo em casa, pois a família também não as
aceita. O processo de ocultação da homossexualidade se naturalizou de tal forma que
mesmo hoje, quando esta concepção já se encontra rompida, a sua manifestação ainda
sofre preconceito social. Usualmente se apela para a presença de crianças como
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justificativa para que duas pessoas do mesmo sexo não possam se beijar em público,
entretanto são essas crianças que vêm cenas de sexo e violência na televisão que não
podem presenciar momentos de carinho, amor e respeito.
As entrevistadas mantêm esta postura de “não perturbação da ordem”, não por se
considerarem erradas, ou que seja inapropriado ser lésbica, mas pela concepção de que
há uma grande impunidade para este tipo de crime. Então, como estão desamparadas, é
melhor evitar qualquer tipo de situação que possa ser alvo de olhares, xingamentos,
espancamento e até morte. E como já se habituaram a ter este comportamento desde
sempre, não lutam contra. Há também o medo de que ao “levantar a bandeira” da
homossexualidade, a vida profissional seja comprometida. Ser lésbica não é um
problema para elas, mas ainda é para os outros, então é melhor não provocar.
Casa e escola não são os espaços privilegiados para falar sobre a
homossexualidade, os amigos exercem papel importante no apoio psicológico e na
sensação de pertencimento, prestando o apoio e a compreensão que não são possíveis na
família. Os pais em geral têm conhecimento da orientação sexual das filhas, mas para
nisto. O discurso heterossexista, de legitimação da família através da procriação
também se mostrou presente, uma das entrevistadas inclusive revelou que se casaria
com um homem para realizar o sonho de ter uma família. O Brasil se encontra em um
momento de grande avanço nos direitos homossexuais, em 2011 foi aprovado pelo
Superior Tribunal Federal a lei que reconhece a união de pessoas do mesmo sexo como
entidade familiar, este talvez seja o início de um processo de transformação do conceito
de família.
A internet, principalmente os sites de redes sociais, podem ser considerados um
meio bastante confortável para estas jovens, a preservação da identidade, a possibilidade
de não se expor diretamente e a oportunidade de conhecer pessoas que vivem a mesma
situação são grandes atrativos. Poder buscar informações anonimamente, sem ter que
passar por um profissional de saúde, ou freqüentar um espaço identificado como
homossexual, dá uma sensação de autosuficiência muito grande, permitindo que os reais
interesses sejam assistidos. Isto contempla a dimensão do consumo, e da circulação
talvez, mas é necessário incluir esta população na esfera da produção em comunicação e
saúde, criando suas próprias estratégias e direcionando as políticas para o que interessa
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de fato. Não é aceitável que até hoje se recomende o uso de papel filme, por exemplo,
quem em sã consciência irá propor embalar a vagina da namorada antes do sexo? Esta
falta de sensibilidade, de noção da realidade, acaba interferindo na credibilidade das
ações que por hora circulam. Os materiais e as informações têm que se adequar aos
contextos, serem pautados na vida real e não nos ideais médicos, e isto só irá ocorrer
quando a comunicação for entendida não como transmissão, mas como construção
coletiva de conhecimento.
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51
Anexo 1 – Roteiro de entrevista.
Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada
O roteiro foi desenvolvido com base nas reflexões apresentadas por Gaskell (2002) que
orientam o entrevistador a trabalhar com tópicos-guia. Segundo o autor,o tópico-guia
resulta da articulação do tema central com o problema de pesquisa. O detalhamento da
subdivisão dos tópicos em múltiplas perguntas seqüenciais talvez pareça excessivo e
diretivo. Esclareço, contudo, que essa iniciativa visa apenas fornecer subsídios à
apreciação do Comitê de Ética sobre o conteúdo e o desenrolar imaginado para a
entrevista.
I.
Identificação
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
II.
Qual o seu nome?
Quantos anos você tem?
Qual sua cor/raça?
Você estuda ou já estudou? O que? Concluiu o curso?
Você trabalha ou está procurando emprego? Qual sua profissão?
Qual sua renda familiar mensal?
Você mora sozinha ou com sua família? Gosta dessa condição? Por quê?
Você mora em que bairro? Gosta de morar lá? Se sente segura?
Vivência
1. Como você define sua preferência sexual (ou como prefere ser chamada)?
2. Como é sua relação com sua família? Vocês se dão bem ou brigam? Por quais
motivos?
3. Você conversa sobre sua orientação sexual com sua família? E com os
amigos? Eles aceitam bem? Como foi no início? Você precisou de algum tipo
de ajuda ou orientação?
4. Você tem muitos amigos/amigas? Freqüenta locais GLS? O que há de melhor
e de pior nestes lugares?
5. Para você e fácil ou difícil ser homossexual? Você vive ou já viveu algum
conflito por causa disso?
6. O fato de você ser lésbica já lhe prejudicou ou ajudou de alguma forma? No
seu trabalho/escola, sua orientação é conhecida?
7. Você já foi constrangida ou agredida seja verbalmente ou fisicamente? Onde
ocorreu? Qual foi sua reação?
8. Você já foi vítima de homofobia? Denunciou ou teria coragem ir à polícia?
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9. Você se preocupa com o futuro, tem planos ou vive o presente sem se
preocupar com o que virá?
III – Saúde
1. E com sua saúde, você se preocupa? Com o quê especificamente? O que você
faz para se cuidar? Você faz ou gosta de algo que julga prejudicial à sua
saúde?
2. Você freqüenta o ginecologista? Ele (a) sabe de sua orientação sexual? Você
se sente a vontade para conversar sobre isso?
3. Nas suas relações com mulheres você já utilizou algum método de prevenção
de doenças? Quais você conhece? O que acha, são confortáveis ou
inapropriados?
4. Você pensa em ter filhos? Quer engravidar? Conhece as tecnologias
existentes ou acha que tem pouca informação sobre o assunto?
IV – Comunicação e Saúde
1. E quando você quer saber alguma coisa a respeito de sua saúde, o que você
faz? Como você busca essa informação?
2. Você costuma ver TV, acessar internet ou ler jornais e revistas para se
informar sobre sua saúde? Quais são seus preferidos? Por que?
3. Você se sente contemplada pelas informações? Acha que os meios de
informação e comunicação têm interesse em falar para mulheres lésbicas?
4. E quando você quer saber sobre saúde sexual, em um enfoque mais voltado
para a mulher lésbica, tem alguma revista, programa ou site preferido? Qual?
Por que este e não outros?
5. Você se identifica com o que os meios de comunicação falam de mulheres
homossexuais? O que mais lhe incomoda ou lhe deixa feliz nessas
representações?
6. Você costuma freqüentar blogs, sites e páginas com conteúdo específico para
lésbicas? Quais?
7. Há algum aspecto não abordado sobre o qual você gostaria de comentar?
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Priscila do Espirito Santo Lima - Arca