Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”
Prematuridade: um estudo sobre a psicodinâmica familiar
das mães acompanhantes de bebês prematuros
BRUNA BURNEIKO ALVES MEIRA
Assis
2005
BRUNA BURNEIKO ALVES MEIRA
Prematuridade: um estudo sobre a psicodinâmica familiar
das mães acompanhantes de bebês prematuros
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis - UNESP para a
obtenção do título de Mestre em Psicologia
(Área de Conhecimento: Psicologia e
Sociedade)
Orientadora: Profa. Dra. Marlene Castro
Waideman
Assis
2005
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP
M514p
Meira, Bruna Burneiko Alves
Prematuridade: um estudo sobre a psicodinâmica
familiar das mães acompanhantes de bebês prematuros
/ Bruna Burneiko Alves Meira. Assis, 2005
233 f. : il.
Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e
Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista.
1. Família – Aspectos psicológicos. 2. Maternidade.
3. Pré- maturos. 4. Unidade de Tratamento Intensivo. 5.
Psicanálise. 6. Psicologia hospitalar. I. Título.
CDD 616.8915
BRUNA BURNEIKO ALVES MEIRA
Prematuridade: um estudo sobre a psicodinâmica das mães
acompanhantes de bebês prematuros
Dissertação apresentada à Faculdade
de Ciências e Letras de Assis –
UNESP para a obtenção do título de
Mestre em Psicologia (Área de
Conhecimento:
Psicologia
e
Sociedade)
Data da Aprovação:
Banca Examinadora
_______________________________
Dra. Marlene Castro Waideman – UNESP
Assis
_______________________________
Dra. Maria Luisa Louro de Castro Valente –
UNESP Assis
______________________________
Dr. Manoel Antonio dos Santos – USP
Ribeirão Preto
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais pelo incentivo constante na busca de meus ideais;
Ao Marcelo pela compreensão e paciência ao longo da realização das várias etapas
desta dissertação;
À minha orientadora, Profa. Dra. Marlene Castro Waideman por ter acreditado em meu
trabalho e me auxiliado nos momentos de dúvida e apreensão;
Às Profas. Dras. Maria Luisa Louro de Castro Valente e Olga Maria Piazentin Rolin
Rodrigues pelas valiosas observações e contribuições durante o exame de
Qualificação;
À Profa. Dra. Tânia Gracy Martins do Valle por ter despertado em mim a vontade de
alcançar novos conhecimentos e o prazer no processo de pesquisa;
Aos pequeninos bebês prematuros e suas mães acompanhantes que se
disponibilizaram tão prontamente a colaborar com seus relatos, num momento tão
delicado como o representado pelo processo de hospitalização numa Unidade de
Tratamento Intensivo (U.T.I. Neonatal), tornando possível a realização deste estudo;
E a todos aqueles que de uma forma ou de outra contribuíram para a elaboração e
realização desta investigação.
“Em se tratando de maternidade, há lições a serem aprendidas
quando se olha para o outro, e a primeira e mais vital delas é que
existem muitas maneiras de ser mãe. A maternidade é modelada
pela cultura, pode ser adaptativa e pode ser flexível. Quando
entendermos e aceitarmos isso, poderemos tirar a viseira coletiva
que nos impede de ver, além das fronteiras da nossa versão
mitificada da maternidade, outras realidades e novas soluções”
(FORNA, 1999, p.31-32).
MEIRA, B. B. A. Prematuridade: um estudo sobre a psicodinâmica familiar das mães
acompanhantes de bebês prematuros. Assis, 2005. 233p. Dissertação (Mestrado em
Psicologia) – Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
RESUMO
Sabemos que a dinâmica da mulher e, sobretudo, a dinâmica familiar sofrem
intensas transformações com a chegada de uma criança, uma vez que a decisão de ter
um filho é resultante da interação de uma série de motivos, conscientes e
inconscientes. Neste sentido, a gravidez representa uma transição existencial
importante não somente na vida da mulher, mas na vida familiar como um todo, pois
envolve mudanças significativas, reorganizações e aprendizagens. No entanto, o que
ocorre quando o nascimento de um filho se dá de forma prematura? Como se
comportam essa mãe e essa família que haviam se preparado para uma seqüência
gestacional natural e abruptamente, por fatores que parecem ser externos e extrínsecos
à dinâmica materna e à dinâmica familiar, se vêem diante da situação de
prematuridade? O objetivo desta pesquisa consistiu em estudar aspectos da
psicodinâmica familiar de mães acompanhantes de bebês prematuros, a partir de seu
ponto de vista. Para tanto, foram realizados encontros com quatro mães que estavam
acompanhando seus bebês num hospital público de Assis (SP), aplicando entrevista
semi-estruturada e aberta, a partir de alguns itens norteadores previamente definidos.
Constitui-se uma pesquisa de caráter qualitativo, desenvolvida através do Método
Psicanalítico, tomando-se como referencial teórico os conceitos psicanalíticos e as
contribuições da Teoria de Família para análise dos dados. Os resultados sugeriram a
prevalência de sentimentos ambíguos quanto à prematuridade, tanto para as mães
como para o grupo familiar em geral. Da mesma forma, a vivência do papel materno
diante da prematuridade sugeriu ligações com a história familiar de cada uma das mães
na relação com suas próprias mães. O prematuro pareceu assumir um papel regulador
dentro da família. Tanto o nascimento prematuro como a vivência do processo de
hospitalização, representaram fatores que podem contribuir para a continuidade do
sentimento de coesão e grupalidade e para o resgate da identidade familiar. O presente
estudo aponta para a importância dos processos de humanização no ambiente
hospitalar, bem como para a necessidade de ampliação da atuação do psicólogo
hospitalar junto à equipe multiprofissional, ao paciente e à família também na
prevenção dos sofrimentos decorrentes dos processos de hospitalização.
Palavras-chave: Família – aspectos psicológicos; maternidade; prematuros; Unidade de
Tratamento Intensivo; psicanálise; psicologia hospitalar.
MEIRA, B. B. A. Prematurity: A study on familiar psychodynamic of mothers
accompanying premature infants. Assis, 2005. 233 p. (Dissertation on Psychology) –
Faculdade de Ciências e Letras, Assis Campus, Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho”.
ABSTRACT
We know that woman’s dynamic and, mostly, familiar dynamic suffer intense
transformations when a baby comes, since the decision of having a child is resultant
from the interaction of a series of reasons, whether conscious or unconscious.
Therefore, pregnancy represents an existential transition, relevant not only in a woman’s
life, but in family’s life as a whole, because it involves significant changes,
reorganizations and learning. However, what happens when a child is born prematurely?
How this mother and this family behave, since they had been prepared themselves to
follow a natural gestational sequence and abruptly, due to a factor that seems external
and extrinsic to the motherly and familiar dynamic, they face the situation of prematurity?
The objective of this research consisted in study the aspects of familiar psychodynamic
of mothers accompanying premature infants, as of they point of view. Thereunto, it was
performed appointments with four mothers accompanying their children in a state
hospital in Assis (SP, Brazil), having an open and semi-structured interview, starting
from some directional items defined previously. It was a qualitative research, developed
through Psychoanalytic Method, having as theoretical reference the psychoanalytical
concepts and the contributions of Family Theory in order to analyze the data. Results
suggested that ambiguous feelings prevail as related to prematurity, as for mothers and
for the familiar group in general. Thus, the experience of mother role before prematurity
suggested bounds with familiar history of each mother in the relationship with their own
mothers. The premature infant seemed to take a regulated role inside the family. The
premature birth, as well as the experience of hospitalization process, represents factors
which can contribute to continue the group and cohesion feeling and to rescue the
familiar identity. This study indicates the importance of humanization processes in the
hospital environment, as well as the need of increase hospital psychologist acting upon
multi-professional team, upon the patient and the family, also as related to avoid the
suffering arising from hospitalization processes.
Key-words: Family – psychologic aspects; motherhood; premature; Intensive Care Unit;
psychoanalysis; hospital psychology.
SUMÁRIO
PALAVRAS INICIAIS
10
1- INTRODUÇÃO
14
2- ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA GESTAÇÃO
22
2.1- Algumas considerações sobre os aspectos psicológicos da gestação
22
2.2- O recém-nascido pré-termo (prematuro)
43
2.3- Reações parentais ao nascimento de um bebê pré-termo
53
3- A FAMÍLIA E AS ABORDAGENS PSICANALÍTICAS
62
4- OBJETIVOS
83
4.1- Objetivo geral
83
4.2- Objetivos específicos
83
5- ASPECTOS METODOLÓGICOS
84
5.1- Método
84
5.2- Local, instrumento e procedimentos para coleta de dados
88
5.3- Aspectos éticos
92
6- APRESENTAÇÃO DAS FAMÍLIAS
94
1- Primeiro caso: A família Cruz
94
2- Segundo caso: A família Soares
111
3- Terceiro caso: A família Alves
131
4- Quarto caso: A família Pereira
147
7- DISCUSSÃO
165
8- CONSIDERAÇÕES FINAIS
215
9- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
219
10- ANEXOS
227
10
PALAVRAS INICIAIS
O meu interesse pelo tema do presente estudo, surgiu a partir de um trabalho de
pesquisa realizado no setor de Pediatria de um hospital do interior paulista, mais
precisamente na cidade de Presidente Prudente. Nessa época, estava atuando nesse
setor, realizando atendimentos e acompanhamentos psicológicos com as crianças
internadas, assim como seus familiares acompanhantes, constituídos, em sua grande
maioria, por mães.
Este fato, aliado às minhas percepções advindas da prática profissional
hospitalar, sensibilizou-me e comecei a mudar o enfoque que, comumente, é
apresentado diante da doença e da situação de hospitalização.
Geralmente, diante dessas situações, somos levados a direcionar nosso olhar
primeiramente ao doente, à pessoa que está internada, em sofrimento e acometida por
uma enfermidade. Neste caso, em se tratando de crianças hospitalizadas, preferi
direcionar meu olhar àquelas que permaneciam lado a lado com os pacientes,
dedicando-se exclusiva e exaustivamente a essa tarefa: as mães acompanhantes.
Concomitantemente com a prática profissional hospitalar, nessa época eu
também freqüentava o curso de Especialização em Psicologia da Saúde oferecido pela
UNESP de Bauru, onde deveríamos desenvolver uma pesquisa para a elaboração de
uma monografia como requisito para a obtenção do título de especialista na área.
Surgia, então, uma oportunidade de poder estudar o que mais chamava a
atenção em minha atuação: a situação materna diante da hospitalização de um filho.
Decidi então enfocar nessa pesquisa dois aspectos que me eram muito nítidos no
11
contato com as acompanhantes: a questão do estresse enfrentado pelas mesmas e os
aspectos sócio-emocionais inter-relacionados com o estresse1.
Minha preocupação principal era investigar e descobrir quais eram os conflitos
surgidos no âmbito familiar das mães acompanhantes, qual era a sua natureza, a quais
questões estavam relacionados, quais recursos estavam sendo mobilizados para lidar
com tais conflitos, se esses recursos estavam sendo suficientes e por quê. De forma
geral, senti necessidade de me aprofundar nessas questões, procurando realizar novas
descobertas, para que fosse possível, a partir disso, buscar novas e mais eficientes
intervenções psicológicas no âmbito hospitalar.
Um dos instrumentos utilizados para a coleta de dados foi o Teste do Desenho
em Cores da Família (T. D. C. F.) concebido inicialmente por Maggi em 1970, o qual se
caracteriza como uma técnica projetiva gráfica.
Sua interpretação advém da análise de determinados sinais gráficos e de
respostas significativas do questionário sobre o desenho realizado, apoiando-se num
quadro referencial para a análise do T. D. C. F., nos critérios objetivos entre T. D. C. F.
e Teoria Sistêmica da Família e na classificação das categorias de interação familiar em
função do nível de desadaptação destas categorias.
As categorias da interação familiar a serem observadas diante da aplicação
deste instrumento são as referentes à comunicação, regras, papéis, liderança, conflitos,
afeição, individuação, integração e auto-estima, ou seja, como todas essas categorias
estavam sendo vivenciadas no interior das famílias estudadas.
1
MEIRA, B. B. A.; VALLE, T. G. M. Nível de estresse das acompanhantes de pacientes
internados no setor pediátrico e os aspectos sócio-emocionais inter-relacionados. In: NEME, C.
M. B.; RODRIGUES, O. M. P. R. (orgs). Psicologia da saúde: perspectivas interdisciplinares,
São Carlos: Rima, 2003. p. 193-222.
12
Dentre os resultados obtidos com este instrumento, um dos aspectos que mais
me chamaram a atenção, foi o fato de que a categoria interacional referente à resolução
de conflitos dentro do âmbito familiar das mães acompanhantes foi a que se apresentou
unanimente disfuncional. Dito de outra forma, 100% dos sujeitos estudados
manifestaram dificuldade em resolver os conflitos surgidos no contexto familiar de forma
funcional.
Foi inevitável que uma série de outros questionamentos surgissem a respeito
desse resultado em particular, desta categoria apontada pela pesquisa realizada como
a mais disfuncional, ou seja, a categoria referente à resolução de conflitos.
As mães estavam no hospital em virtude do acompanhamento de um filho, eram
mães acompanhantes, estavam naquele momento ali, como mães acompanhantes.
Mas, tanto as mães como seus filhos, faziam parte de uma estrutura maior, a estrutura
familiar.
Os meus questionamentos, então, apontavam na direção de realizar uma
investigação mais aprofundada com o intuito de se compreender o que a hospitalização
e todas as suas vivências particulares representavam e como incidiam nesta estrutura
maior, nesta família que contava com um membro doente e com uma mãe
acompanhante.
Tomando como ponto de partida a questão dos conflitos e a ótica materna, decidi
mergulhar num universo fascinante e envolvente, o universo da própria maternidade, no
momento da maternidade, ou seja, no momento do parto.
Desse modo, diante da possibilidade de continuar as investigações na
dissertação de Mestrado, passei a delinear um projeto de pesquisa onde fosse possível
investigar e compreender melhor tais questões.
13
Sob esse prisma, optei por estudar em mães de bebês prematuros, aspectos de
sua dinâmica emocional e familiar a partir de seu ponto de vista. No presente trabalho,
procuraremos nos dedicar à abordagem desses aspectos, acompanhando as mães que
vivenciam essas questões de forma bastante íntima e única.
É interessante pontuar que a opção pelo estudo da dinâmica materna e familiar
em âmbito hospitalar, ocorreu após a constatação de que geralmente trabalhos
realizados nesse âmbito tendem a eleger como foco principal os pacientes, conforme
ressaltado anteriormente.
Da mesma forma, a opção teórica e metodológica feita por mim para
fundamentar e operacionalizar minha proposta de trabalho, ocorreu por se tratar de um
estudo qualitativo; elegi para tanto, o Método Psicanalítico, tomando-se como
referencial teórico os conceitos psicanalíticos e a Teoria de Família como um princípio
norteador, pois a mesma pode oferecer grandes contribuições à abordagem não
somente da psicodinâmica materna e sim da psicodinâmica familiar como um todo.
14
1- INTRODUÇÃO
Sabemos que a dinâmica materna e, sobretudo, a dinâmica familiar, sofrem
intensas transformações com a chegada de um filho, uma vez que a mulher que até
então exercia na relação o papel social basicamente limitado à situação de
esposa/companheira, passa a assumir então o papel materno. De maneira análoga, a
relação diádica marido/mulher transcende com o nascimento do filho para uma relação
triádica.
No entanto, o que ocorre quando o nascimento de um filho se dá de forma
prematura? Como se comportam essa mãe e essa família que haviam se preparado
para uma seqüência gestacional natural e, abruptamente, por fatores que muitas vezes
parecem ser externos e extrínsecos à dinâmica materna e à dinâmica familiar, vêem-se
diante da situação de prematuridade?
A partir da revisão bibliográfica, identificamos que apenas recentemente os
estudos brasileiros têm-se voltado mais para os familiares dos pacientes e para a
equipe de saúde.
Nos detivemos especialmente nos estudos voltados para a importância da
ligação estabelecida entre mãe e filho desde os primeiros momentos após o
nascimento. Neste sentido, o papel exercido pela figura materna na adaptação da
criança e os cuidados maternos dispensados a ela durante a infância, ou seja, as
interações precoces entre mãe e bebê constituem as matrizes nas quais se constrói o
desenvolvimento infantil.
15
De forma geral, a presença da mãe age como um facilitador para um conjunto
significativo de aspectos do desenvolvimento do bebê. Esses aspectos envolvem tanto
características emocionais como sensório-perceptivas e cognitivas, construídas a partir
do elo criado entre ambos, mãe e bebê.
Devido ao tema de nossa pesquisa, detivemo-nos ainda nos estudos que
focalizam o vínculo mãe-filho e dinâmica materna, especificamente em situação de
prematuridade e hospitalização em U.T.I. neonatal, bem como àqueles que abordam a
eficácia do Método Mãe-Canguru (M.M.C.), como uma intervenção hospitalar capaz de
proporcionar maior contato entre mãe e bebê prematuro, cujo objetivo é a estimulação
do vínculo entre ambos e a participação familiar como um todo.
Consideramos importante destacar que ao buscarmos pesquisas relativas a este
tema, percebemos que aquelas realizadas por profissionais de enfermagem são as que
mais se destacam, ressaltando a importância dos enfermeiros na atuação junto da mãe
e seu bebê prematuro. Entretanto, entendemos ser fundamental também a atuação
paralela de uma equipe multiprofissional que conte com a presença de um psicólogo
para auxiliar não somente a mãe, mas todo o grupo familiar a lidar com os conflitos e
angústias advindos da situação de prematuridade.
Neste sentido, ressaltamos o estudo de Gandra (2002), que focaliza a
importância de se ter especial atenção a um trabalho de apoio psicológico ao recémnascido prematuro através de seus pais, mobilizando seus recursos internos para
enfrentarem uma situação tão difícil, pois além da delicada situação do filho, muitas
vezes são também alvo de uma pressão social que os rotula de insensíveis ou
desumanos por evitarem o vínculo com seu bebê.
16
Dentre os trabalhos consultados, destacamos os de Scochi et al. (2003), que
descrevem as ações da enfermagem realizadas em unidades neonatais de risco em um
hospital-escola do interior de São Paulo, no sentido de favorecer o vínculo e o apego
mãe-filho. Os autores consideram que o acesso e permanência dos pais e as visitas
dos demais familiares aos bebês de risco, têm favorecido o estabelecimento do vínculo
e apego mãe-filho e família, observando-se maior interação, em especial da mãe e
maior interesse no aprendizado dos cuidados para com o bebê.
Nesta perspectiva, encontramos valiosas contribuições sobre o Método MãeCanguru em Guimarães (2001); Fonseca (2002); Furlan et al. (2003); Silva (2003) e
Toma (2003). Estes autores salientam que este método pode ser considerado um
instrumento facilitador do vínculo mãe-bebê e da amamentação, bem como uma
estratégia de humanização nos cuidados da enfermagem, uma vez que o impacto do
nascimento prematuro e da hospitalização em U.T.I. neonatal revela que não somente a
criança, mas também a sua família tem necessidades especiais. Igualmente, através
deste programa de intervenção, a mãe pode diminuir seu sofrimento, sua ansiedade e
os conflitos em geral, vivenciados por ela, frente ao nascimento de um filho prematuro.
Sobre os fatores de alto risco e ansiedade em mães de recém-nascidos prétermo, Valle (2002) pontua que na gravidez de alto risco, a ansiedade materna é um
aspecto que deve ser levado em conta, por ocasião do nascimento de um recémnascido pré-termo, pois a visão de um filho hospitalizado em U.T.I. neonatal mobiliza
uma série de fantasias aterrorizantes, similares às fantasias primevas.
Este estudo, realizado no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo,
teve como objetivo investigar os tipos de ansiedade materna e o equilíbrio psíquico,
bem como refletir ainda sobre medidas de prevenção da doença, promoção e
17
preservação da saúde física e mental, com repercussões na família e na sociedade.
Foram registrados e analisados os graus de ansiedade materna antes e após o parto,
na primeira visita à U.T.I. neonatal e ao iniciar o aleitamento materno na sala do Projeto
Mãe-Canguru.
A autora do estudo ressalta que as consultas terapêuticas realizadas com as
vinte mães participantes, possibilitou-lhes entrar em contato com as fantasias
inconscientes representadas por desejos inconscientes, sentimentos e mecanismos de
defesa, bem como fortalecer o vínculo da dupla mãe e bebê, abreviando o período de
internação, o que implica em menor custo hospitalar.
Belli (1999) procurou investigar as representações sociais das mães com filho
internado em U.T.I. neonatal na Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, no município do Rio de Janeiro, identificando duas categorias e seus
respectivos temas: 1- A constatação do filho real: a fragilidade do filho, uma realidade
difícil, uma vivência única e compartilhada e, 2- A hospitalização do filho: U.T.I. como
lugar de risco e recuperação, o risco de vida, a esperança de vida, uma realidade de
espera, a superação de barreiras.
Este estudo indica que a experiência vivenciada pelas mães de recém-nascido
prematuro ou doente, internado em U.T.I. neonatal constitui-se, efetivamente, num
processo de (re) significação de suas representações sociais, sendo que este
movimento possibilita a participação legítima e efetiva das mães junto ao filho durante a
hospitalização, e que proporciona elementos para estas mães vivenciarem tal
experiência.
Ainda sobre a hospitalização em U.T.I. neonatal, identificamos três importantes
contribuições em Pauli e Bousso (2003), Rossatto – Abede e Ângelo (2002) e Pedroso
18
(2001). Os dois primeiros estudos contribuem no sentido de enfatizar a presença da
equipe de enfermagem como um importante fator para a vivência materna e familiar no
contexto de acompanhamento hospitalar, enfocando as crenças que permeiam a
assistência da equipe de enfermagem. Os estudos indicaram que, dentre os
profissionais da equipe de saúde, a enfermeira, mesmo encontrando dificuldades,
parece estar abandonando a crença de que a U.T.I. é uma unidade tecnicista,
passando a buscar estratégias para prestar uma assistência mais humanizada.
Pedroso (2001), procurou desvendar o significado do cuidar da família para a
equipe de enfermagem, sendo que o profissional de enfermagem na U.T.I. neonatal tem
o bebê como centro de seus cuidados e a família como um elo para o cuidado da
criança após a alta, havendo a necessidade de, através de suas intervenções, contribuir
para que a família se torne apta nos cuidados com a criança.
Prosseguindo em nosso levantamento bibliográfico quanto à situação materna
diante da hospitalização/ doença e do acompanhamento hospitalar, encontramos
interessantes produções científicas que demonstram o crescente interesse na
realização de pesquisas acerca destas temáticas.
Sugano et al. (2003) realizaram uma pesquisa qualitativa na Unidade de
Internação Pediátrica de um Hospital Escola do município de São Paulo, para verificar
como as mães acompanhantes identificavam a enfermeira e outros componentes da
equipe de enfermagem e conhecer suas percepções acerca dos cuidados prestados
pela equipe. Na primeira categoria, constatou-se a dificuldade materna na identificação
da equipe de enfermagem e, na segunda categoria, constatou-se que a atividade de
enfermagem era percebida como subordinada à área médica. Os autores concluíram
que o cuidado realizado por essa equipe, apesar de ser visto como positivo, ainda
19
precisa ser apresentado às mães como profissional e autônomo, a fim de superar a
visão estereotipada da enfermagem.
Encontramos em Dias (2000), aportes referentes ao apego mãe-filho como base
para a assistência de enfermagem neonatal, abordando as necessidades emocionais
do binômio mãe e filho nas relações do processo de desenvolvimento da criança. A
relevância deste binômio encontra-se no elevado valor da relação simbiótica para a
saúde física e emocional da criança, considerando que a atuação da enfermagem no
processo de hospitalização exerce influências consideráveis sobre a formação do
vínculo materno.
Como resultado deste estudo, que consistiu na análise de trinta e quatro estudos
científicos publicados na literatura internacional no período de 1995 a 2000, evidenciouse que o apego pode ser tanto positivo como negativamente afetado por diferentes
variáveis psicossociais e que, a enfermagem, ao prestar assistência materno-infantil,
deve considerar que a preocupação com apego começa muito precocemente.
Oliveira (1998), realizou um estudo com mães acompanhantes objetivando a
compreensão das interações vivenciadas e significados atribuídos à experiência da
hospitalização. Dos resultados alcançados, emergiu o fenômeno: “indo em busca de
uma solução”, que representa as tentativas da mãe resolver o problema da criança
antes da hospitalização e, “atravessando uma situação difícil”, que caracteriza a fase
em que a mãe vivencia a hospitalização junto do filho internado. A partir destes
fenômenos identificou-se a categoria central: “vivenciando com o filho uma passagem
difícil e reveladora”.
De forma similar, observamos uma ocorrência que se repetiu por diversas vezes:
averiguamos que vários estudos realizados sobre a prematuridade referem-se à área
20
da Enfermagem, o que pode sugerir ser este um campo bastante fértil e que merece
uma exploração maior dentro da Psicologia (BELLI, 1999; DIAS, 2000; FONSECA,
2002; FREITAS, 2001; FURLAN et al., 2003; JANICAS, 2001; KESSERLING, 2001;
PEDROSO, 2001; ROSSATTO-ABEDE e ANGELO, 2002; SCOCHI et al., 2003;
SOARES, 2000; TOMA, 2003).
Convém mencionar que durante o processo de levantamento bibliográfico, não
identificamos produções com a proposta de analisar como objetivo central a
psicodinâmica familiar em relação à prematuridade, o que constitui um dos nossos
objetivos no presente trabalho. Por isso nossa preocupação em focalizar não somente a
dinâmica materna, mas a familiar como um todo.
Assim, organizamos nosso trabalho de forma a oferecer inicialmente uma visão
geral acerca dos aspectos psicológicos da gestação, como se dá a adaptação ao papel
materno e algumas contribuições da Teoria Psicanalítica sobre a interação mãe-bebê.
Para tanto, lançamos mão das contribuições de três autores específicos que
trabalharam com essa temática em seus estudos: René Spitz, Donald Winnicott e John
Bolwby.
Posteriormente, nos dedicaremos especificamente à situação de prematuridade,
enfocando a classificação dos bebês pré-termo, a etiologia e fatores desencadeantes
de partos prematuros, a gestação de risco e bebês de risco e ainda o atendimento
hospitalar e intervenções junto ao bebê recém-nascido pré-termo.
Em seguida, nos dedicaremos à reflexão sobre as reações parentais ao
nascimento de um bebê prematuro, trazendo os aspectos psicológicos que se
relacionam à hospitalização infantil como um todo, para posteriormente nos
direcionarmos às reações parentais diante do nascimento de um bebê pré-termo.
21
Num segundo momento, focalizaremos as abordagens psicanalíticas ou
psicodinâmicas de família, através de três de seus representantes – Pincus e Dare,
Isidoro Berenstein e, mais especificamente, Alberto Eiguer.
Acreditamos que esses autores poderão nos fornecer subsídios para tentarmos
compreender de forma mais aprofundada a psicodinâmica familiar diante da situação de
prematuridade; uma vez que partimos do pressuposto de que mãe e bebê prematuro
pertencem a um universo que está muito além dos muros hospitalares: a família, com
sua organização, funcionamento, cultura, estrutura, enfim com seu passado, presente e
futuro.
Desta forma, após a realização da fundamentação teórica de nosso estudo,
buscaremos elucidar os aspectos metodológicos, no que tange aos objetivos propostos,
local em que desenvolvemos a pesquisa, instrumento para coleta de dados e os
procedimentos adotados para tal. Reservamos ainda neste tópico, um espaço especial
para os aspectos éticos que envolvem a pesquisa com seres humanos.
A seguir, apresentaremos as histórias das quatro famílias participantes do estudo
– família Cruz, família Soares, família Alves e família Pereira – para posteriormente
discutirmos os conteúdos alcançados com as entrevistas realizadas e finalizarmos
tecendo algumas considerações finais.
22
2- ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA GESTAÇÃO
2.1- Algumas considerações sobre os aspectos psicológicos da gestação
Quando uma criança é concebida, percebe-se tanto na mãe quanto no pai, uma
organização de fantasias ou expectativas ligadas à concepção e ao desenvolvimento da
criança. Do ponto de vista biológico, a gravidez se inicia com a concepção. Do ponto de
vista psicológico, entretanto, há uma história pregressa que envolve a mãe e o pai na
qual já se encontram reservados alguns padrões de relacionamento a serem
estabelecidos com a chegada desta criança.
O nascimento de um bebê representa um dos eventos mais desafiadores na vida
de um ser humano, talvez o mais desafiador deles. Representa uma oportunidade para
o crescimento pessoal e maturidade, bem como uma oportunidade excitante para
promover o desenvolvimento e ser responsável por outro ser humano: é uma chance de
perpetuação, uma oportunidade de “tornar-se uma família”. Paralelamente ao contexto
da fantasia familiar, há um significado psicológico específico da gestação para a mãe,
que poderá facilitar ou dificultar na construção de suas relações de maternagem.
Igualmente, a gravidez representa uma transição existencial que faz parte do
processo normal do desenvolvimento. As transições são marcos importantes na vida de
uma pessoa, que envolvem mudanças significativas, reorganizações e aprendizagens.
Ter um filho, assim como iniciar uma vida profissional, casar-se, descasar-se,
23
aposentar-se, são exemplos de situações de transição que podem ou não ser vividas
como crises.
De acordo com as proposições de Maldonado (1985), a transição proporcionada
pela gravidez envolve a necessidade de reestruturação e reajustamento em várias
dimensões. Em primeiro lugar, verifica-se a mudança de identidade e uma nova
definição de papéis – a mulher passa a se olhar de forma diferente. No caso da mulher
primípara, a gestante além de ser filha e ser mulher, passa a ser mãe; mesmo no caso
da multípara, verifica-se uma certa mudança de identidade, uma vez que ser mãe de
um filho é diferente de ser mãe de dois e assim por diante, pois com a vinda de cada
filho toda a composição da rede de intercomunicação familiar se altera.
A complexidade das mudanças provocadas pela chegada de um bebê não se
restringe apenas às variáveis psicológicas e bioquímicas, os fatores sócio-econômicos
também são fundamentais. Numa sociedade em que, principalmente nas áreas
urbanas, a mulher costumeiramente trabalha fora, também é responsável pelo
orçamento familiar e cultiva interesses diversos, o fato de ter um filho acarreta
conseqüências bastante significativas. Privações reais, sejam afetivas ou econômicas,
aumentam a tensão, podem intensificar a regressão e a ambivalência, aspecto este que
voltaremos a examinar. A preocupação com o futuro pode aumentar as necessidades
da gestante e intensificar sua frustração, gerando, conseqüentemente, raiva e
ressentimento que a impedem de encontrar gratificação na gestação.
É importante salientarmos que a decisão de ter um filho é resultante da interação
de vários motivos, conscientes e inconscientes. Deste modo, as respostas à pergunta “a
que veio esta criança” pode contemplar uma vasta gama de motivos, como aponta
Maldonado (1985): aprofundar e dar uma expressão criativa a uma relação homem-
24
mulher importante; concretizar o desejo de transcendência e continuidade, elaborando
a angústia de morte e a esperança da imortalidade (simbolizado pela manutenção do
nome da família); manter um vínculo muitas vezes já desfeito; competir com outros
membros da família (quem teve os filhos primeiro ou quem tem o maior número de
filhos); dar um filho para a própria mãe, quando a mulher passa a comportar-se frente
ao filho como uma irmã mais velha, renunciando ao exercício da função materna para
“indenizar” a própria mãe, quando esta não conseguiu ter todos os filhos que desejava
ou quando perdeu algum; preencher o vazio de um companheiro ou garantir que não
vai permanecer sozinha (motivação comum entre mulheres solteiras); busca de
extensão de si próprio, o filho com a missão de preencher desejos e lacunas na vida
dos pais.
Soifer (1980), postula a existência de várias etapas pelas quais a gestante
passa, da concepção ao puerpério, esclarecendo os vários surtos de ansiedade
específica apresentados, bem como as fantasias subjacentes a cada momento. Para
esta autora, toda gestação implica inicialmente num sentimento de ambivalência básica:
de um lado, o desejo de ter a criança, ou seja, sua aceitação; de outro, a rejeição à
gravidez, ou seja, o temor da gestante ser destruída pela gestação.
Desta forma, quando uma concepção se realiza e é mantida, o desejo de ser
mãe é predominante à rejeição. Salienta-se que as mensagens de aceitação ou
rejeição, embora possam ser explicitadas verbalmente, constituem-se basicamente de
processos inconscientes.
Ampliando um pouco mais a análise do sentimento de ambivalência materna,
Parker (1997), aponta que este sentimento é uma experiência compartilhada de
diversas formas por todas as mães, na qual coexistem lado a lado, em relação aos
25
filhos, sentimentos de amor e ódio. A autora propõe em sua obra “A mãe dividida: a
experiência da ambivalência na maternidade”, que grande parte do sentimento de culpa
ao qual as mães estão habituadas origina-se na dificuldade de enfrentar os sentimentos
complexos e contraditórios provocados pela ambivalência materna.
Para ela, a cultura ocidental desempenha um papel primordial na produção da
dificuldade, praticamente proibindo o tipo de discussão plena e análise que poderiam
revelar a contribuição oculta que a vivência da ambivalência na maternidade poderia
dar ao exercício criativo da própria maternidade.
O amor é, naturalmente, uma emoção mais fácil de admitir do que o
ódio; ele é aceito como parte integrante das mães. A ausência de amor
é reputada como catastrófica [...]. Mas para a maioria das mães, na
maior parte do tempo, o ódio fica extremamente invisível – escondido,
mascarado, contido – mas nunca obliterado pelo amor à criança [...]. A
mãe não odeia conscientemente a criança. E, de fato, tanto o amor
quanto o ódio estão enraizados no inconsciente, mas o amor tem por
assim dizer, mais pronto acesso à luz (PARKER, 1997, p.22 – 23).
Os principais processos inconscientes que em sua opinião tornam problemática a
admissão da ambivalência são os mecanismos de projeção e identificação.
A projeção fornece um meio de comunicação de inconsciente para inconsciente,
entre mãe e filho que pode ser benigno ou maligno. Em sua forma maligna, envolve
partes contraditórias ou indesejáveis do eu que são expelidas e projetadas em outras
pessoas, às quais são atribuídos vários papéis na subjetividade da pessoa. Se uma
mãe projeta inconscientemente aspectos repudiados de si mesma em seu filho,
percebe então no filho esses aspectos repudiados nela mesma.
26
Nem sempre as projeções podem se revestir de qualidades problemáticas. Uma
mãe pode, por exemplo, atribuir ao feto características que ela aprecia ou admira e
posteriormente, observar com satisfação que a criança manifesta essas qualidades.
A projeção pode ainda se relacionar à sensação familiar, na qual as mulheres
sentem que estão reproduzindo, ou repudiando, no próprio estilo de maternidade, o
tratamento que receberam de suas próprias mães. Assim, a imagem que uma mulher
tem de sua mãe é determinada por sua experiência de ser criança, uma experiência
poderosamente evocada pela presença da própria filha ou filho.
Quando uma mulher torna-se mãe, uma identificação com a própria mãe pode
ser revivida, ou seja, uma mulher pode sentir-se arrastada de volta para uma
identificação com um ser do qual ela pode estar lutando longamente para se separar,
por exemplo. Adormecidos há muito tempo, os medos, desejos e ressentimentos em
relação à mãe podem ser despertados pela condição de mãe em que ela mesma se
encontra.
Roziska Parker reconhece o impacto, sobre uma mãe, da maternidade exercida
por ela, mas não acredita que isso determine de maneira direta a natureza de seu
desempenho maternal. Os sentimentos em relação à sua mãe e em referência a seu
ego infantil poderão influenciar o estilo de maternidade de uma mulher, mas não de
modo previsível.
[...] inúmeras circunstâncias se combinam para afetar a resposta de
uma mulher à maternação, variando de seu processo inconsciente, sua
saúde física, sua situação sócioeconômica e familiar, a disponibilidade
de apoio emocional, até, naturalmente, as contribuições psicológicas
específicas de sua prole (PARKER, 1997, p. 107).
27
Na concepção desta autora, as experiências específicas da maternidade
produzem inevitavelmente flutuações do sentimento presente na ambivalência. A
ambivalência materna não é uma condição estática, mas sim uma experiência dinâmica
de conflito perante as oscilações sentidas por uma mãe, em épocas diferentes do
desenvolvimento da criança e pode variar de uma criança para a outra. Assim, a
ambivalência, em si mesma, não constitui significativamente o problema; a questão
principal é o modo como uma mãe administra a culpa e a angústia provocadas pela
ambivalência.
De maneira sintética, Parker (1997) conclui que contra o reconhecimento da
ambivalência que se origina na mãe, a cultura ocidental se defende pela difamação ou
idealização desta: “uma mãe difamada é simplesmente odiosa e não tem amor para
desperdiçar com a criança. A mãe idealizada é incapaz de odiar, é constante e é irreal”
(PARKER, 1997, p. 41). A cautela da sociedade em relação à ambivalência materna,
alimentada talvez pelos medos infantis de perda, dos quais ela se defende através da
idealização ou difamação das mães, acaba gerando um contexto que infla a culpa
materna, tornado a ambivalência, muitas vezes, incontrolável.
Ao lado da ambivalência, um outro sentimento que se faz presente de modo
peculiar na maternidade e, sobretudo durante a gestação é a ansiedade e os conflitos
advindos da forma como a gestante lida com tal sentimento.
À medida que o final da gestação e momento do parto se aproximam, se houve o
predomínio de ansiedade na gestação, podem se acirrar alguns conflitos básicos na
dinâmica materna. Rappaport et al. (1981), distinguem três desses conflitos: o temor de
morte passa a não ser somente uma fantasia de transição de gerações, mas também
um temor específico de morrer no parto; o desenvolvimento rápido do feto provoca
28
alterações bruscas no esquema corporal materno, causando sensações de estranheza,
interferindo na organização espaço-temporal, atualizando nas futuras mães núcleos
psicóticos de despersonalização e, a interrupção das relações sexuais que poderiam
ocorrer freqüentemente neste período final, podendo, enfim, contribuir para a elevação
da ansiedade.
Torna-se necessário enfatizar que a vida psíquica da criança não parte de um
marco zero com o seu nascimento. As estruturas psíquicas paternais e maternais, bem
como os conflitos evolutivos não resolvidos de cada um deles serão atualizados durante
a gestação e terão importância fundamental nas expectativas ou fantasias parentais. A
criança crescerá com o amor e as fantasias positivas que seus pais depositaram nelas,
mas também poderá reagir e sofrer as crises decorrentes do lugar persecutório que
ocupa nas fantasias parentais.
Este fato nos leva a concluir que, a possibilidade de se compreender tanto a
dinâmica saudável quanto patológica de uma criança está intrinsecamente relacionada
à compreensão da dinâmica familiar e, consequentemente, as fantasias familiares,
ligadas a essa criança desde a sua concepção até o seu nascimento.
A partir das considerações expostas acima, a compreensão da psicodinâmica
familiar das mães acompanhantes de bebês nascidos prematuramente, será o foco de
nossas atenções na presente pesquisa.
a) A adaptação ao papel materno
Com a transição proporcionada pelo parto, a mulher, aos poucos, passará a lidar
com o aspecto real da figura do bebê recém-nascido; o que inevitavelmente fará com
que ela dê continuidade à adaptação ao papel materno, processo esse que já havia tido
29
início com a concepção. Rubin (apud BURROUGHS, 1995), afirma que a adaptação ao
papel materno consiste em duas fases: fase do aceitar e a fase do assumir.
A primeira fase se inicia imediatamente com o parto, tendo a duração de
aproximadamente dois dias. Durante essa fase, a mãe necessita de cuidados e
proteção, sendo que sua atividade é caracterizada pela passividade e dependência,
aceitando o que lhe é oferecido, cumprindo o que lhe indicam, aguardando as ações
dos profissionais da equipe de saúde mais do que tomando iniciativas próprias.
Não raro haverá a necessidade da mãe relembrar várias vezes o trabalho de
parto em busca de detalhes desconhecidos. A revisão desses detalhes poderá auxiliar
na preparação para a próxima gestação. Nos primeiros dias, freqüentemente, a mãe
fala muito, apresentando uma certa euforia, o que poderá reduzir sua capacidade de
concentrar-se em novas informações. De forma geral, a fase da aceitação representa o
período no qual a nova mãe aceita os cuidados e apoio dos outros, coincidindo com sua
permanência no hospital.
Por volta do terceiro dia do puerpério, a mãe estará pronta para afirmar sua
independência e sua autonomia. É o início da fase do assumir: a mãe toma as
iniciativas, prontifica-se para suas novas responsabilidades, enfim, tenta ser uma “boa
mãe”.
Nessa fase, encontra-se presente um grande componente de ansiedade;
freqüentemente a mãe fica exausta com seu novo papel, troca seu comportamento
independente novamente pela dependência. Nessa etapa, seu corpo está sofrendo
modificações físicas significativas que colaboram para a sua sensação de fadiga. O
leite começa a aparecer e a mãe pode apresentar dúvidas sobre sua capacidade de
amamentar seu filho com sucesso.
30
Pode-se afirmar de modo geral que a adaptação ao papel materno é o processo
pelo qual o comportamento materno se alinha com a identidade da mulher enquanto
mãe. A formação da identidade materna ocorre em cada nascimento, à medida que a
ligação entre criança e mãe se forma. Salientamos que talvez esse seja o aspecto
essencial do papel e identidade maternos: a questão do vínculo e da ligação afetiva e
psicológica que se estabelece entre mãe e bebê, por isso, voltaremos a examinar esse
aspecto com maior profundidade mais adiante.
Em suma, a transição para a maternidade constitui-se como um processo
comportamental complexo. Disso deduz-se que os pais que estiverem mal preparados
para as mudanças nos relacionamentos, no estilo de vida e nos papéis relacionados
com a integração de um novo membro na família, apresentarão maior dificuldade para
enfrentarem a transição necessária. O nível de maturidade da mulher, o contato
reduzido da mãe com a criança no caso de prematuros, a falta de um sistema de apoio,
ou a saúde prejudicada da mãe são fatores que, segundo Burroughs (1995), podem
interferir na adaptação da mulher ao papel materno.
Considerando a complexidade existente no processo de transição para a
maternidade, Rappaport et al. (1981), reiteram que a qualidade do vínculo mãe-criança
não depende somente de características de personalidade da mãe, mas também
daquelas trazidas pelo bebê já ao nascer e da interação entre esses fatores.
As contribuições de Brazelton (1988), sugerem que a essência do papel de pai
ou mãe não repousa sobre aquilo que se faz com o bebê, mas principalmente no
intercâmbio, no feedback intensamente gratificante que se pode estabelecer entre o
bebê e si mesmo. Os diferentes modos para adquirir esse intercâmbio são numerosos e
altamente individualizados.
31
O autor afirma que um dos melhores recursos para que se adquira um bom papel
como pai ou mãe certamente está na liberdade de conhecer a si mesmo, de seguir as
próprias inclinações, sendo que os melhores sinais para se saber quando se está no
caminho certo com o bebê, são aqueles fornecidos pelo próprio bebê.
O apego e os cuidados parentais, segundo a concepção de Brazelton, não são
temas simplesmente relacionados aos cuidados, mas também aos processos de
aprendizado sobre como lidar com uma vasta gama de sentimentos que podem incluir a
cólera, a frustração, o desejo de fugir do papel e, até mesmo de abandonar a criança.
Talvez se não existissem esses sentimentos negativos de desapontamento, frustração
e fracasso, os sentimentos de sucesso não seriam tão compensadores para os pais.
Ao longo da revisão bibliográfica sobre a questão do papel materno,
confrontamo-nos
com
interessantes
contribuições.
Alves
(1993),
investigou
a
construção social da maternidade e a sexualidade enquanto componentes da
identidade feminina em onze mulheres grávidas de classe baixa, na cidade de Maringá,
estado do Paraná.
Essa autora constatou que, para algumas mulheres do grupo estudado, ser mãe
é um componente do ser mulher, um papel social a mais a ser desempenhado por ela –
a mulher; enquanto que para outro grupo, ser mãe é a essência de suas identidades
sexuais, visto que para elas, o ser mãe está igualado ao ser mulher.
O estudo realizado por Stasevskas (1999), buscou a compreensão do que um
grupo de quinze jovens mães pensava sobre ser mãe, considerando as influências
histórico-sociais. Essa autora concluiu que tanto o desejo de ser mãe como a maneira
de sê-lo sofre influências muito antigas e ainda muito atuantes, o que, neste momento
32
de transição dos papéis sociais, faz com que se crie um descompasso entre a antiga e
a atual condição de mulher também no seu modo de ser mãe.
Destacamos o estudo efetuado por Mazzini (2003), que objetivou a compreensão
de como se efetiva a construção da identidade materna em dez adolescentes
gestantes/ mães primíparas, de camadas populares, atendidas pelo Centro de Saúde
Reprodutiva e Núcleo de Adolescentes da cidade de Piracicaba, interior do estado de
São Paulo. Entre os resultados alcançados pela autora acerca da construção da
identidade materna na adolescente grávida, encontra-se um em particular que
corrobora as idéias expostas acima, ou seja, de que o processo de construção da
identidade feminina, iniciado na família, é mantido pela ação sócio-cultural, e vinculado
ao papel de reprodutora: ser mulher é ser mãe.
Acrescentando à vivência do papel materno a questão de gênero, Chodorow
(2002), faz uma crítica à teoria psicanalítica. Segundo sua concepção, essa teoria
define um relacionamento mãe-filho de determinada qualidade, argumentando que as
bases para a participação da mãe neste relacionamento foram lançadas em seu
relacionamento inicial com a própria mãe. Contudo, as bases para o cuidado infantil,
são também estabelecidas no relacionamento inicial do menino com a mãe. O primeiro
relacionamento gera uma situação relacional básica e cria capacidades potenciais de
cuidar por todos aqueles que foram cuidados por mães, e também um desejo de recriar
este relacionamento.
O enfoque da autora sobre o relacionamento mãe-filho na sociedade industrial
ocidental revela as atitudes e expectativas conscientes e inconscientes que todas as
pessoas – masculinas e femininas – possuem de suas mães em particular e das
33
mulheres em geral. Essas expectativas integram-se na reprodução da maternidade,
mas as expectativas não são suficientes para explicá-la ou assegurá-la.
Nancy Chodorow (2002), argumenta que o relacionamento com a mãe difere sob
aspectos sistemáticos para meninos e meninas, com início no primeiro período. O
desenvolvimento da maternidade em meninas – e não em meninos – resulta de
experiências relacional-objetais diferenciais, e dos modos como essas experiências são
internalizadas e organizadas. O desenvolvimento no período infantil, e em particular o
surgimento e resolução do complexo edípico, acarretam reações psicológicas,
necessidades e experiências diferentes, as quais, no caso dos meninos, eliminam ou
reduzem as possibilidades relacionais para o cuidado paterno e materno, enquanto que,
no caso das meninas, mantêm-nas alertas e as amplificam.
Ao considerarmos as questões referentes ao papel materno e à maternidade
como um todo, é inegável que este tema, ainda hoje se configure como um tema
sagrado, cercado de tabus e mistérios: parece-nos extremamente difícil questionar o
amor materno.
Anteriormente aos estudos citados acima, podemos encontrar na década de
oitenta, uma autora que propôs e realizou um estudo sobre o sentimento de amor
materno como algo natural e sempre presente na mulher. Para Badinter (1985), há a
necessidade de constatar que existem demasiadas exceções quanto à regra “universal”
do amor materno.
O amor no reino humano, não pode ser visto simplesmente como uma norma,
pois nele intervém inúmeros fatores que não a respeitam. Ao contrário do reino animal,
que permanece imerso na natureza e submetido ao determinismo, o humano (no caso a
34
mulher), é um ser histórico, o único ser capaz de simbolizar, o que o eleva acima da
esfera puramente animal.
[...] à idéia de ‘natureza feminina’, que cada vez consigo ver menos,
prefiro a de uma multiplicidade de experiências femininas, todas
diferentes, embora mais ou menos submetidas aos valores sociais cuja
força calculo. A diferença entre a fêmea e a mulher reside exatamente
nesse ‘mais ou menos’ de sujeição aos determinismos. A natureza não
sofre tal contingência e essa originalidade nos é própria (BADINTER,
1985, p.16).
A autora acrescenta que o amor materno é apenas um sentimento humano e que
como todo sentimento, é incerto, frágil e imperfeito.
[...] observando-se a evolução das atitudes maternas, constata-se que o
interesse e a dedicação à criança se manifestam ou não se manifestam.
As diferentes maneiras de expressar o amor materno vão do mais ou
menos, passando pelo nada, ou quase nada (BADINTER, 1985, p.2223).
A conclusão de Badinter refere-se, portanto, ao fato de que o amor materno não
é um sentimento que sempre fez parte da natureza intrínseca feminina; é um
sentimento construído, que se desenvolve sob a influência das variações sócioeconômicas da história, e pode existir ou não, dependendo da época e das
circunstâncias materiais em que vivem as mães.
Encontramos correlações com os pressupostos contidos nas reflexões de
Elizabeth Badinter nas obras de Roziska Parker (1997) e Aminatta Forna (1999).
Conforme enfocamos anteriormente, Parker (1997) salienta a dificuldade inerente
à sociedade ocidental em lidar com o sentimento de ambivalência materna, bem como o
35
tabu criado acerca dessa temática, o qual modula as representações culturais do ser
mãe e os dispositivos sociais da maternidade.
Ainda que as definições de feminilidade como uma identidade vivida para as
mulheres tenham ganhado, graças ao movimento feminista, certa flexibilidade no
decorrer das últimas décadas, o ideal feminino em relação à maternidade permaneceu
estático através dos tempos. Para a autora, a representação da maternidade ideal é
ainda, quase que exclusivamente, composta de espírito de renúncia, amor irrestrito,
conhecimento intuitivo na criação de filhos e um prazer genuíno em cuidar de crianças.
Forna (1999), também aborda aspectos semelhantes na obra “Mãe de todos os
mitos: como a sociedade modela e reprime as mães”. Para esta estudiosa, o mito
contemplado na maternidade é o mito da “mãe perfeita”, aquela que deve ser devotada
não somente aos filhos, mas a seu papel de mãe; aquela que compreende, que oferece
amor total e que se entrega totalmente; aquela que deve ser capaz de enormes
sacrifícios, ser fértil e ter instinto maternal, enfim, é aquela que deve incorporar todas as
qualidades tradicionalmente associadas à feminilidade como acolhimento, ternura e
intimidade.
A ideologia que acompanha o mito da mãe perfeita só pode conceber
uma maneira de ser mãe, um estilo de maternidade exclusiva,
aprisionada, mãe em tempo integral. Apesar das mudanças no trabalho
e na vida de milhões de mulheres, apesar de falarem na era ‘pósfeminismo’, a atitude em relação as mulheres continua colada na idade
das trevas. [...] A visão da maternidade idealizada ainda permeia todos
os aspectos da vida, da divisão do trabalho doméstico às leis
trabalhistas, às normas legais e políticas, e continua a se infiltrar na
cultura popular, em livros, televisão, filmes e jornais (FORNA, 1999, p.
11-12).
36
Com efeito, Forna também enfoca um outro sentimento que se faz presente na
dinâmica da maternidade, a culpa, a qual aparece paralelamente à imagem idealizada
da maternidade. Segundo sua concepção, a culpa ficou tão fortemente associada à
maternidade que passou a ser considerada como um sentimento natural, sendo que na
realidade, as mães sentem-se culpadas porque a sociedade as faz se sentirem assim.
Aminatta Forna postula que em cada sociedade há uma tendência em acreditar
que existe somente um modo de criar filhos, que é o modo adotado naquela cultura.
Entretanto, assim como Badinter, salienta que a maternidade é um constructo social e
cultural que decide não só como criar filhos, mas também quem é o responsável pela
criação dos mesmos.
A instituição da maternidade, ou seja, a construção cultural e social de
como a mãe deve criar os filhos, é a estrutura que promove e sustenta
o mito da Mãe Perfeita, ao qual todas devem aspirar. Em certo nível, a
Maternidade é uma idéia abstrata, não uma realidade. Não descreve
como a maioria das mulheres são mães, desejam ser mães ou se
podem ser mães. Em toda parte, mas principalmente na moderna
sociedade ocidental, a maternidade é produto do tempo, do lugar e
circunstância. Mas hoje, aqui e agora, o mito da maternidade é
apresentado como atemporal, universal e natural (FORNA, 1997,
p.301).
Rosa (2001), realizou uma pesquisa sobre a percepção do papel materno em
mulheres de diferentes gerações. Os sujeitos desta pesquisa foram três mulheres-mães
pertencentes a três gerações diferentes: a primeira contando com sessenta e dois anos
no momento da entrevista para a coleta de dados, a segunda com quarenta e oito anos
e a terceira com trinta e seis anos de idade, todas pertencentes à classe média.
Os resultados alcançados pela autora, parecem confirmar as concepções das
três autoras expostas acima. A pesquisadora afirma que durante muito tempo o
37
fenômeno “ser mãe” vinha sendo abordado como algo instintivo, natural, e que portanto,
deveria estar desvinculado das condições sociais e psíquicas de cada mulher.
Contudo, atualmente, observa-se que as práticas educacionais, os modelos, as
normas a que estiveram submetidas e que permearam o processo de socialização das
mulheres têm influenciado e delineado a conduta destas no papel de mãe. Além disso,
segundo ela, o momento histórico, com seus aspectos sócio-econômicos, amplia ou
restringe a possibilidade dos indivíduos vivenciarem papéis sociais.
O ponto culminante entre as produções de Alves (1993), Badinter (1985),
Chodorow (2002), Forna (1999), Mazzini (2003), Parker (1997) e Rosa (2001), é a
concepção de que tanto o sentimento de amor materno como a própria adaptação ao
papel materno são aprendidos e construídos pelas mulheres ao longo de suas histórias
de vida. Este processo de construção segundo as autoras, é fortemente modelado
pelas condições culturais e sociais em que estão inseridas, as quais ditam as maneiras
mais “adequadas” e “ideais” de vivenciarem a experiência da maternidade.
b) A interação entre o bebê e sua mãe: algumas contribuições da Teoria Psicanalítica
A interação entre o bebê e sua mãe nos primeiros meses e anos de vida como
determinante fundamental de certas características de personalidade mais ou menos
permanentes que se manifestam no processo de desenvolvimento de uma criança, tem
sido um tema amplamente estudado dentro da ciência psicológica e mais
especificamente dentro da Teoria Psicanalítica (DE FELICE, 1999; FALSETTI, 1990;
GOMES, 2001; GRANATO, 2000; KIMURA, 1993; MOURA e RIBAS, 2000; PICCININI
et al. 2001; RIBAS e MOURA,1999; ZAMBERLAN, 2002) .
38
Na literatura especializada, Sigmund Freud é considerado o introdutor do tema
na Psicologia, pois em sua obra “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” publicada
em 1905, teria teorizado como os padrões de conduta dos pais são preponderantes
para a formação de ansiedades e neuroses infantis.
Erikson (1971, 1972) ressaltou o tipo de atmosfera emocional criada pelos pais
desde a mais tenra idade, como fundamental para o desenvolvimento de uma
personalidade saudável e bem estruturada. Klein (1973) salientou o tipo de
relacionamento criança-seio que, no decorrer do primeiro ano de vida, lentamente se
transforma numa relação mais complexa, criança-mãe, como a base para um
desenvolvimento saudável ou patológico da personalidade.
Quanto a esta temática, priorizaremos três autores da corrente psicanalítica que
consideramos apresentarem os conceitos mais primordiais em se tratando da ligação
entre o bebê e sua mãe, para, posteriormente, avançarmos nessa questão inserida na
situação de prematuridade. São eles: René Spitz, Donald W. Winnicott e John Bolwby.
As contribuições de Spitz, nesse sentido, referem-se às idéias das relações
objetais, as quais são definidas por ele como as relações entre um sujeito e um objeto;
sendo considerado sujeito o recém-nascido, o qual está inicialmente em estado de nãodiferenciação com sua mãe e, por isso, não existe objeto nem relações objetais no
universo do recém-nascido. Essas se desenvolverão progressivamente durante o
primeiro ano de vida. São distinguidos três estágios no desenvolvimento das relações
objetais: o estágio pré objetal ou “sem objeto”; o estágio precursor do objeto e o estágio
do próprio objeto libidinal. (SPITZ, 1991).
Destes três estágios propostos por Spitz, enfocaremos o primeiro deles,
denominado estágio pré objetal, visto que ele é característico do recém-nascido. O
39
autor explica que esse estágio é marcado pela não-diferenciação, pois a percepção, a
atividade e o funcionamento do recém-nascido estão insuficientemente organizados em
áreas que são indispensáveis à sobrevivência tais como metabolismo, alimentação,
circulação, entre outros. Nesse estágio, o bebê não consegue distinguir uma “coisa” de
outra: não consegue distinguir uma coisa (externa) de seu próprio corpo e não
experimenta o meio que o cerca como sendo separado dele mesmo; assim o recémnascido também percebe o seio que o alimenta como parte de si mesmo. Diante disso,
podemos perceber a importância da figura materna para esse processo do
estabelecimento das relações objetais nos estágios propostos por Spitz.
O mesmo autor analisa o processo de comunicação entre mãe e filho, afirmando
que, consciente ou inconscientemente, cada parceiro dessa díade percebe o afeto do
outro e, por sua vez, responde com afeto, numa troca recíproca e contínua. Para ele, o
desenvolvimento da percepção afetiva e das trocas afetivas precede todas as outras
funções psíquicas, as quais irão desenvolver-se, subseqüentemente, a partir dos
fundamentos fornecidos pela troca afetiva. Com isso, visto que a experiência afetiva no
quadro das relações mãe-filho age no primeiro ano de vida como um caminho inicial
para o desenvolvimento de todos os outros setores, o estabelecimento do precursor do
objeto libidinal também se inicia com a conexão com as “coisas” (SPITZ, 1991).
Um segundo ponto a ser destacado dentro das contribuições de Spitz, são os
resultados de seus estudos acerca da privação materna. O autor salienta que os
atrasos de desenvolvimento comumente encontrados em crianças institucionalizadas,
são atribuídos à ausência de contato, ausência de afetividade, enfim, ausência da figura
materna (SPITZ, 1945).
40
Donald Winnicott, foi pediatra antes de se tornar psicanalista e psiquiatra infantil,
continuando a exercer a clínica pediátrica durante a maior parte de sua vida
profissional. Winnicott (1999) esclarece que, durante as primeiras semanas de vida do
bebê, os estágios iniciais dos processos de amadurecimento têm sua primeira
oportunidade de se tornarem as experiências do bebê. O autor destaca a importância
de um ambiente de facilitação criado pela presença da figura materna, o qual deve ser
humano e pessoal, com características suficientemente boas para que o bebê possa
alcançar seus primeiros resultados favoráveis.
Para Winnicott, o apoio oferecido pelo ego materno facilita a organização do ego
do bebê, afirmando que a mãe possui um tipo de identificação extremamente
sofisticada com o bebê, na qual ela se sente muito identificada com ele, embora
permaneça adulta. O bebê, por outro lado, identifica-se com a mãe nos momentos de
contato. Do ponto de vista do bebê, nada existe além dele próprio e, portanto, a mãe é,
inicialmente, parte dele; processo este denominado pelo autor de identificação primária.
Outro conceito importante apresentado pelo autor, é o referente à mãe
suficientemente boa, a qual oferece uma base positiva para o bebê, criando assim os
fundamentos da força de caráter e da riqueza da personalidade do indivíduo;
permitindo-o lançar-se no mundo de uma forma criativa ao desfrutar tudo aquilo que o
mundo tem a lhe oferecer, inclusive o legado cultural (WINNICOTT, 1999).
Igualmente importante é o conceito de holding (segurar) desenvolvido pelo autor:
para ele, o protótipo de todos os cuidados para com o bebê resume-se ao ato de
segurá-lo. Na experiência comum de segurar adequadamente o bebê, a mãe pode ser
capaz de atuar como um ego auxiliar para o bebê, criando assim condições satisfatórias
para o desenvolvimento psicológico deste.
41
Finalizaremos esta sessão com o terceiro autor a ser apresentado por nós, John
Bolwby e suas contribuições acerca das relações mãe-filho, desenvolvendo a teoria do
apego. A compreensão da resposta de uma criança à separação ou perda de sua figura
materna gravita em torno do vínculo que a liga a essa figura. A proposta apresentada
pelo autor é a de que o vínculo da criança com sua mãe é um produto da atividade de
um certo número de sistemas comportamentais que tem a proximidade com a mãe
como um resultado previsível.
Observando o comportamento de apego em diversas espécies, Bolwby em seu
livro “Apego”, concluiu que não existe outra espécie que não seja a humana, onde o
comportamento de apego demore tanto a aparecer. Contudo, nenhuma forma de
comportamento é acompanhada por sentimento mais forte do que o comportamento de
apego; sendo que as figuras para as quais ele é dirigido são amadas e a chegada delas
é saudada com alegria. Enquanto uma criança está na presença incontestada de uma
figura principal de apego ou a tem ao seu alcance, sente-se segura e tranqüila; sendo
que a ameaça de perda dessa figura gera ansiedade e, uma perda real, tristeza
profunda e cólera.
Outra idéia defendida por ele é a de que quando um bebê nasce, está equipado
com um certo número de sistemas comportamentais prontos para serem ativados,
sendo que entre esses sistemas já existem alguns que fornecem as bases para o
desenvolvimento ulterior do comportamento de apego. Este comportamento é dirigido
para uma figura em particular, a figura materna.
As perturbações do comportamento de apego podem ser de diversos tipos, as
resultantes de cuidados maternos precários, as que resultam de cuidados dispensados
à criança por uma sucessão de diferentes pessoas, as decorrentes do excesso de
42
cuidados e ainda, as que resultam de distorções no padrão de cuidados maternos que a
criança recebeu ou está recebendo (BOLWBY, 1990).
Cabe ressaltar que Bolwby também focalizou em seus estudos acerca do apego,
a angústia de separação em referência à figura materna, bem como os problemas
relativos ao luto e ao desgosto e dos processos defensivos que a angústia e a perda
podem originar (BOLWBY, 1984).
Assim, o que se acredita ser essencial à saúde mental, tanto do bebê quanto da
criança pequena, é que tenham a vivência de uma relação calorosa, íntima e contínua
com a mãe (ou figura substituta que desempenhe o papel materno de forma
permanente, regular e constante), na qual ambos encontrem prazer e satisfação. É esta
relação complexa enriquecida de inúmeras maneiras pelas relações com o pai e com os
irmãos e irmãs, que está na base da personalidade e saúde mental (BOLWBY, 1988).
Em oposição a essa situação, tem-se o que Bolwby nomeou de privação da mãe,
a situação na qual uma criança não encontra esse tipo de relação. Os efeitos
perniciosos da privação materna variam de acordo com o grau da mesma. A privação
parcial traz consigo a angústia, uma exagerada necessidade de amor, fortes
sentimentos de vingança e, em conseqüência, culpa e depressão. A privação total tem
efeitos de alcance ainda maior sobre o desenvolvimento da personalidade e pode
mutilar totalmente a capacidade de se estabelecer relações com outras pessoas
(BOLWBY, 1988).
O ponto culminante entre as concepções destes três autores é aquele referente à
importância da presença materna junto ao recém-nascido desde os primeiros
momentos
de
vida,
constituindo-se
como
desenvolvimento psíquico ulterior do bebê.
um
importante
requisito
para
o
43
Acreditamos que tais idéias, ainda que se refiram aos bebês nascidos a termo,
oferecem subsídios para a compreensão da dinâmica interacional entre o bebê
prematuro e sua mãe, bem como da dinâmica familiar em seus aspectos mais globais.
2.2- O recém-nascido pré-termo (prematuro)
a) Classificação dos recém-nascidos pré-termo
A classificação clássica dos recém-nascidos com base apenas no peso ao
nascer: pré-termo (menos de 2500g) ou a termo, não parecia satisfatória, pois não
fornecia indícios acerca da maturidade dos bebês. A nova classificação para os recémnascidos, baseada na idade gestacional e no peso ao nascer proposta por Burroughs
(1995) é a seguinte:
- pré-termo: criança nascida antes do final de 37 semanas (37 semanas e 6 dias) de
gestação, independente do peso ao nascer;
- termo: criança nascida entre a 38a semana e 42a semanas de gestação, independente
do peso ao nascer;
- baixo peso ao nascer: qualquer criança pesando menos do que 2500g ao nascer;
- pequeno para a idade gestacional (PIG): qualquer recém-nascido cujo peso está
abaixo do 10o percentil (de acordo com a curva de crescimento intra-uterino),
independente da idade gestacional; podendo ser pré-termo, a termo ou pós-termo;
44
- adequado para a idade gestacional (AIG): qualquer recém-nascido cujo crescimento
intra-uterino tenha sido normal (de acordo com a curva de crescimento intra-uterino)
para a duração da gestação;
- grande para a idade gestacional (GIG): qualquer recém-nascido cujo peso está acima
do 90o percentil (de acordo com a curva de crescimento intra-uterino), independente da
idade gestacional;
- retardo do crescimento intra-uterino: retardo no crescimento fetal por qualquer razão e,
- pós-termo: criança nascida após 42 semanas de gestação, independente do peso ao
nascer.
A Organização Mundial de Saúde (O.M.S.) considera prematuros os recémnascidos com menos de 37 semanas completas de gestação (AVERY, 1978;
BURROUGHS, 1995; FILHO e CORRÊA, 1990; GOETZMAN e WENNBERG, 1992;
KLAUSS e FANAROFF, 1982; MARBA e FILHO, 1998; PEIXOTO, 1981; RAMOS et al.,
1986).
É possível também classificar os diferentes graus de prematuridade segundo
Avery (1978) e Peixoto (1981) em:
- recém-nascido prematuro limítrofe: nascido entre 37-38 semanas de gestação,
geralmente pesando entre 2500g e 3250g. São considerados normais e a termo, sendo
cuidados em berçário de normais. Apresentam como maiores problemas a instabilidade
de temperatura corpórea, problemas de sucção no início da vida, icterícia, entre outros;
- recém-nascido moderadamente prematuro: nascido entre 31-36 semanas de
gestação, com peso superior a 2.500g, sendo que o peso dos menores recém-nascidos
nesta categoria é de 1500g. Apresentam como maiores problemas a ruptura prematura
45
de membranas, anoxia neonatal (falta de oxigenação), icterícia, alterações metabólicas,
anemia, problemas com a manutenção da temperatura corporal, infecção, entre outros;
- recém-nascido extremamente prematuro: nascido entre 24-30 semanas de gestação,
com peso usualmente entre 500 a 1500g. A sobrevida desta categoria é ainda pequena,
sendo as causas principais de morte: anoxia grave, infecção amniótica, doença das
membranas hialinas, crises de apnéia, entre outras.
Avery (1978), elucida que as crianças que nascem antes do termo,
independentemente de seus pesos de nascimento, estão sujeitas a várias patologias
que podem complicar seu período neonatal. Deste modo, conclui-se que a mortalidade
neonatal aumenta progressivamente com o aumento do grau de prematuridade,
ocasionando seqüelas que podem afetar o crescimento de crianças que nasceram
prematuramente por muitos meses ou anos após seu nascimento.
b) Etiologia e fatores desencadeantes de partos prematuros
Tudo deve ser feito para assegurar que uma criança nasça a termo, bem
desenvolvida e saudável. Contudo, apesar de todo o cuidado dispensado, existem
crianças que nascem prematuramente.
Ainda hoje, sabe-se pouco sobre os fatores que desencadeiam partos
prematuros. De maneira sintética, Schmitz et al. (2000), acreditam que haja relações
com a nutrição, raça, idade materna, gemelaridade (gestação de gêmeos) e morbidade
perinatal.
Peixoto (1981), ratifica esse aspecto ao acentuar a dificuldade em se estabelecer
a etiologia da prematuridade, colocando em termos gerais que o fator causal pode ser
identificado em apenas 40% dos casos, os quais incluem complicações específicas
46
como toxemia, hemorragias e prenhez múltipla, excluindo outros fatores relevantes
como os sócio-econômicos, nutricionais e genéticos assiduamente relacionados à
prematuridade. Se tais fatores forem levados em conta, a porcentagem de partos
prematuros com etiologia conhecida se tornaria consideravelmente maior.
Levando-se em conta esta segunda categoria de fatores relevantes à
prematuridade apontados por Peixoto (1981) e acentuados por Goetzman e Wennberg
(1992), encontramos ainda em Filho e Corrêa (1990), alguns apontamentos acerca da
epidemiologia da prematuridade. Estes últimos autores assinalam que em alguns casos
é possível reconhecer esses fatores relevantes antes da concepção, em outros casos
durante a gestação e não raro, somente quando o trabalho de parto prematuro já se
iniciou. Na análise do parto prematuro enfocam-se os seguintes fatores:
- características físicas da mãe: idade, altura e peso;
- hábitos de vida: tabagismo, alcoolismo, drogas, promiscuidade sexual, trabalho
excessivo e fatigante;
- condições sócio-econômicas: quando desfavoráveis, associam-se freqüentemente ao
parto prematuro, ao crescimento intra-uterino retardado e ao recém-nascido de baixo
peso;
- antecedentes ginecológicos: alterações nos órgãos genitais;
- antecedentes obstétricos: história anterior de parto prematuro, aborto, entre outros;
- fatores de risco relacionados à prenhez atual: alguns fatores de risco surgem após a
concepção e se agravam no decurso da prenhez. Relacionam-se ao feto, aos anexos
da gravidez ou à própria gestante e,
- fatores iatrogênicos: prematuridade provocada pelo médico.
47
c) Gestação de alto risco e bebês de alto risco
A identificação precoce da população de alto risco associada a uma maior
proporção de eventos perinatais desfavoráveis, tornou-se uma prioridade no sistema de
assistência obstétrica. Entre as principais determinantes da morbidade e mortalidade
estão: idade materna, raça, nível sócio-econômico, nutrição, história obstétrica anterior,
doenças associadas e problemas gestacionais presentes, conforme mencionamos
anteriormente.
O desenvolvimento normal do feto pode ser ameaçado por uma infinidade de
fatores, quer isoladamente, quer em combinação com outros. As complicações
maternas (fatores obstétricos) possuem um papel ameaçador, entretanto, a importância
maior é dada aos fatores ambientais (condições sociais desfavoráveis, deficiências
nutricionais entre outras). Uma interação entre muitos desses fatores ocorre e afeta
adversamente a taxa de mortalidade perinatal e a qualidade dos sobreviventes. Tais
fatores resultam na identificação de gestações de alto risco e de crianças de alto risco
(GOETZMAN e WENNBERG, 1992; KLAUSS e FANAROFF, 1982).
Conforme preconizado por Klauss e Fanaroff (1982), uma gestação de alto risco
é aquela na qual o feto tem uma chance aumentada de morrer, quer antes ou após o
nascimento, ou de ser incapacitado. Alguns fetos podem ser lesados precocemente,
outros tardiamente; muitas crianças nascem prematuramente ou serão incomumente
pequenas para a idade gestacional. Algumas serão grandes demais ou terão
permanecido no útero por um período de tempo muito prolongado.
A criança de alto risco é, portanto, aquela – independentemente da idade
gestacional ao nascer ou do peso – cuja existência extra-uterina é comprometida por
numerosos fatores (pré-natal, natal ou pós-natal) e que está necessitando de cuidados
48
especiais. Assim, a prevenção da patologia neonatal, passa inicialmente pela
prevenção da gestação de alto risco.
Marba e Filho (1998), mencionam que os tópicos habitualmente enfatizados em
relação à prevenção da gestação de alto risco são:
- a prevenção da gestação indesejada;
- a detecção de doenças crônicas que interferem na evolução da gestação;
- a prevenção de doenças infecciosas passíveis de vacinação como a rubéola, por
exemplo;
- a prevenção do uso de substâncias tóxicas;
- a tentativa de evitar a paridade excessiva;
- a ocorrência de gestação em idades inadequadas (menor que 18 anos e maior que 35
anos) e,
- o intervalo adequado entre gestações sucessivas.
Os autores ainda consideram que o comparecimento precoce aos ambulatórios
de pré-natal tem se mostrado um dos fatores fundamentais no sucesso do tratamento
das gestantes de alto risco; uma vez que a detecção precoce da gestação de risco
permite não apenas interferir positivamente em sua evolução como, principalmente,
realizar o encaminhamento de tais gestantes aos centros de maior complexidade, para
que os partos possam ocorrer nesses locais, resultando em melhor atendimento para as
mães e para os recém-nascidos.
d) Atendimento ao recém-nascido pré-termo
Os pesquisadores Filho e Corrêa (1990), salientam que as implicações da
prematuridade não se resumem à sua devastação perinatal, envolvem também as
49
dificuldades no atendimento imediato ao recém-nascido, à necessidade de cuidados
especiais nos primeiros meses de vida e os riscos de seqüelas físicas e mentais.
De imediato, o recém-nascido pré-termo exige condições específicas para seu
atendimento como um espaço físico próprio, equipamentos adequados, pessoal médico
e de enfermagem treinado para cuidar desse tipo de paciente e ainda recursos
laboratoriais que permitam a realização de todos os exames complementares que se
fizerem necessários. A permanência do recém-nascido pré-termo no hospital pode ser
prolongada e onerosa. Mesmo após a alta hospitalar, ele continuará exigindo cuidados
especiais por um tempo prolongado.
Retomamos neste momento as idéias de Burroughs (1995) para destacar os
cuidados específicos destinados ao recém-nascido pré-termo a fim de nos
conscientizarmos do complexo quadro que se apresenta em termos hospitalares; uma
vez que o fator mais comum à mortalidade neonatal é a situação de prematuridade.
A aparência geral do recém-nascido pré-termo é de extrema fragilidade,
combinada com seu choro fraco, quase inaudível. Somado a isso, sua pele é
freqüentemente enrugada, sensível e fina; é um bebê magro, com pouca gordura
subcutânea e linhas do crânio proeminentes. A seguir, enumeramos de acordo com as
proposições de Burroughs (1995) as diversas áreas onde o recém-nascido pré-termo
pode apresentar os maiores déficits e que serão foco de atenção e cuidados
hospitalares:
- sistema orgânico: a criança pré-termo apresenta diversos problemas físicos que
devem ser considerados durante o atendimento, necessitando de atenção especial. Em
geral, são transferidas para hospitais que possuam uma Unidade de Tratamento
Intensivo para pré-termos (U.T.I. neonatal);
50
- sistema respiratório: apresenta-se funcional e estruturalmente imaturo, sendo
suscetível a apnéia e sofrimento respiratório;
- termorregulação: perda de calor maior do que o recém-nascido a termo, capacidade
de produzir calor limitada devido à ausência de gordura subcutânea e atividade
muscular débil;
- sistema cardiovascular: tendência a persistir em circulação fetal, podendo apresentar
um atraso no fechamento do ducto arterial ou reabertura de circulação fetal;
- sistema digestivo: reflexo de sucção fraco, esvaziamento lento do estômago e
motilidade intestinal reduzida com propensão à hipoxia;
- função hepática e metabólica: reservas deficientes de glicogênio, gorduras, vitaminas
e minerais ao nascer, enfrentando problemas como hipoglicemia e hipocalcemia;
- sistema renal: problemas na retenção de líquidos, edema, capacidade diminuída de
concentrar urina e reter água, estando mais propenso à desidratação;
- sistema imunológico: o bebê pré-termo não permaneceu tempo suficiente no útero
para adquirir as imunidades passivas da mãe, estando com isso mais suscetível às
infecções.
Uma das imagens mais associadas ao recém-nascido pré-termo é aquela
referente à sua permanência em incubadoras e berços aquecidos. Isso se deve a um
dos fatores numerados acima: o déficit quanto a termorregulação.
Determinados fatores podem intervir na regulação da temperatura corporal
desses bebês, como a falta de mecanismo de produção de suor, de vasoconstrição e
exercício muscular dinâmico para equilibrar a temperatura. O problema relacionado à
manutenção de temperatura dessas crianças fez com que a ciência e a termologia
moderna desenvolvessem equipamentos apropriados apara atingir tal finalidade. Assim,
51
atualmente existem vários tipos de incubadoras que podem oferecer além do ambiente
termocontrolado, umidade e oxigênio necessários para cada criança em particular
(SHIMITZ et al., 2000).
Sobre as U.T.I.s neonatais, Marba e Filho (1998), ressaltam que esses serviços,
introduzidos no Brasil a partir da década de 60 e principalmente de 70, representaram
uma acentuada queda nas taxas de mortalidade e redução a níveis bastante baixos das
seqüelas importantes para esse tipo de paciente.
Após a passagem do recém-nascido pré-termo pela U.T.I. neonatal, muito
provavelmente o mesmo passará por uma segunda categoria de cuidados denominada
Alojamento Conjunto (A. C.).
O A. C. é um sistema de assistência hospitalar prestada à mãe e ao recémnascido juntos e simultaneamente, com o objetivo principal de fortalecer o vínculo mãefilho e estimular o aleitamento materno. A retomada do A. C. na assistência hospitalar
ocorreu no início dos anos 50, tendo como principal motivo a diminuição dos índices de
infecção que ocorria nos berçários tradicionais. No Brasil, apesar de fazer parte das
normas de assistência obstétrica e pediátrica a serem observadas em todas as
unidades médico-assistenciais desde 1985, sua regulamentação ocorreu através da
portaria 1016 do Ministério da Saúde de 26/08/93 (MARBA e FILHO, 1998).
De acordo com esses autores, os objetivos principais do A. C. são:
- aumentar os índices de aleitamento materno;
- estabelecer vínculo mãe-filho;
- orientar a mãe no cuidado ao recém-nascido;
52
- reduzir a incidência de infecção em recém-nascidos, pois a permanência do bebê ao
lado da mãe, sendo alimentado ao seio diminui a probabilidade de ser infectado por
germes hospitalares;
- Estimular a participação dos pais nos cuidados com o recém-nascido e,
- Propiciar maior tranqüilidade à mãe.
Recomenda-se que sejam encaminhados ao A. C., recém-nascidos com boa
vitalidade, boa capacidade de sucção e de controle térmico. Contudo, os recémnascidos pré-termo não apresentam essas características, passando por um sistema
especial de Alojamento Conjunto para a fase de pré-alta, denominado Alojamento
Conjunto Tardio (A. C. T.).
O A. C. T. tem como objetivos propiciar o aleitamento materno exclusivo na alta
hospitalar e sua duração por tempo prolongado, estabelecer vínculo afetivo entre mãe/
prematuro e orientar a mãe em todos os cuidados com o neonato. O tempo de
internação em A. C. T. dependerá da interação estabelecida entre mãe e filho, do
ganho de peso do recém-nascido e da segurança da mãe, quanto à amamentação e
aos cuidados para com o recém-nascido pré-termo. Normalmente, este período varia de
três a sete dias dependendo da disponibilidade e quantidade de leite materno e
capacidade de sucção neonato.
A principal dificuldade encontrada durante a internação em A. C. T. é a
ansiedade materna em relação aos problemas apresentados durante a amamentação,
como a sonolência, sucção vagarosa, a perda de peso nos neonatos nos primeiros dias
de amamentação, a pouca quantidade de leite e o desejo materno de receber alta o
mais rápido possível. Para diminuir a ansiedade materna, Marba e Filho (1998)
consideram essencial o trabalho conjunto de uma equipe médica e de enfermagem
53
preparada para fornecer à mãe o apoio e a tranqüilidade que inicialmente são
necessários para que ela supere esse obstáculo.
Neste contexto, a equipe médica e de enfermagem poderá ainda observar
detalhadamente vários aspectos da interação entre a mãe e seu bebê e interação
familiar como um todo, levantando problemas e apontando casos onde essa dinâmica
não esteja ocorrendo de modo adequado, podendo então, solicitar a intervenção do
psicólogo hospitalar.
De acordo com Gandra (2002), a intervenção psicológica nestes casos pode
variar desde a solicitação de um atendimento psicológico, no caso de mães que
apresentem sintomas depressivos muito exacerbados, ou qualquer sintomatologia de
âmbito emocional, até a intensificação da assistência às mães com dificuldades na
amamentação, passando por levar ao pediatra/obstetra informações mais detalhadas
do estado físico de seus pacientes.
2.3- Reações parentais ao nascimento de um bebê pré-termo
a) Aspectos psicológicos relacionados à hospitalização infantil
Ao situarmos as reações parentais frente ao nascimento de um bebê pré-termo,
é inevitável considerarmos também, todas as intercorrências referentes à hospitalização
(U.T.I. neonatal) desta criança e seus reflexos na dinâmica psicológica de seus pais.
Sempre que uma criança adoece, o estresse criado diante desta situação
envolve a família como um todo. Embora a doença seja aguda, crônica ou fatal, tratada
54
no hospital ou em casa, isto terá impacto não somente na criança doente, mas em toda
a sua família. Um estressor como esse produz uma situação para a qual a família teve
pouco ou nenhum tempo para se preparar e cujos problemas terá que enfrentar.
A doença e a situação de hospitalização como um todo, podem se tornar uma
crise para a criança e para a família, dependendo de suas percepções sobre o evento,
do suporte disponível e de suas habilidades prévias para lutar contra as dificuldades.
Se a doença e/ou a hospitalização for vivenciada como crise, o grupo passará
por um período de desorganização, com redução na habilidade para desempenhar os
papéis usuais. O número de privações enfrentadas por cada membro da família irá
determinar seu impacto sobre a mesma, de modo que perante o evento de crise, a
família poderá se fortalecer ou enfraquecer (HYMOVICH, 1976).
Seguindo as proposições de Schmitz et al. (2000), inúmeros são os problemas
enfrentados pelos pais ao internar seu filho:
- medo realístico ou irrealístico da doença e do desconhecido;
- sentimentos de culpa e/ou ambivalência para com a criança;
- insegurança e ausência de controle sobre o ambiente hospitalar, rotinas, pessoas,
procedimentos e equipamentos;
- modificações nas rotinas de vida e de atendimento das necessidades do filho doente;
- medo de perder o afeto do filho;
- insegurança quanto à mudança de comportamento do filho e desconhecimento de
procedimentos ligados à sua recuperação;
- problemas financeiros, sociais e afetivos vinculados à doença e à hospitalização da
criança e,
- padrões comportamentais solicitados aos pais diferentes dos habituais.
55
Os mesmos autores ainda ressaltam que em função dos problemas vivenciados,
a família e em especial a mãe, normalmente com maior vinculação afetiva à criança,
pode estar sob efeito de ansiedade. Este fato agrava-se à medida em que,
habitualmente, a sociedade e a própria mãe crêem que toda a responsabilidade do
cuidado da criança deva ser seu e que ela deva ser um modelo de sacrifício e devoção,
como já trabalhamos anteriormente no item referente à adaptação ao papel materno.
Assim, o sentimento de falha em relação à maternidade e à paternidade pode
determinar sentimentos de culpa, confusão, inadequação e infelicidade (SCHMITZ et
al., 2000).
Especificamente sobre a situação de prematuridade, encontramos nas
produções de Brunner e Suddarth (1980), que a hospitalização do recém-nascido e
lactente pode interromper os estágios iniciais de desenvolvimento da relação mãe-filho,
podendo comprometer sua ligação; uma vez que o hospital, ao diminuir a
responsabilidade da mãe no cuidado da criança, interfere no conhecimento que ela terá
das
necessidades
do
filho,
das
formas
de
satisfazê-lo
e
das
interações
retroalimentadoras do amor mãe-filho. Assim, apresentaremos em seguida uma visão
geral sobre as reações parentais ao nascimento de uma criança prematura.
b) Uma visão geral das reações parentais ao nascimento de um bebê pré-termo
Retomamos a idéia de que as ações e reações paternas e maternas em relação
a seu filho se originam de uma combinação complexa de sua própria herança genética,
da forma pela qual a criança reage aos pais, de uma longa história de relações
interpessoais com suas famílias e entre si, de experiências passadas com a presente
ou com gestações anteriores, da absorção de práticas e valores culturais e,
56
provavelmente o mais importante: de como cada um deles foi criado por seus próprios
pais e mães. O comportamento materno ou paterno de cada mulher e homem, bem
como a capacidade de cada um suportar e enfrentar situações estressantes, diferem
enormemente e dependem da combinação desses fatores.
Discutimos anteriormente, quando nos referimos aos aspectos psicológicos da
gestação, alguns fatores psicológicos referentes ao nascimento de um bebê a termo, ou
seja, pontos pertinentes a uma gestação e parto normais, sem a presença de nenhuma
intercorrência; para, a partir disso, podermos considerar os aspectos psicológicos
referentes
a
uma
situação
em
particular:
a
prematuridade.
Essa
situação,
indubitavelmente acarretará uma série de sentimentos e conflitos para os pais deste
bebê.
Nestas últimas décadas em especial, as pesquisas começaram a se voltar para o
estudo da maneira pela qual os pais de um bebê pré-termo lidam para satisfazer as
necessidades deste bebê imaturo, sonolento, imprevisível e frágil; observando
atentamente a dinâmica complexa e confusa que estes pais enfrentam quando o
nascimento prematuro os leva a uma Unidade de Tratamento Intensivo (U.T.I.
neonatal).
Salienta-se que as visitas dos pais em U.T.I.s neonatal, foram permitidas
somente a partir da década de 60, sendo que até esse período, o bebê prematuro no
berçário, permaneceu intocável e distante. Apesar de experimentarem um contato mais
íntimo com seu bebê, os pais vivenciam um estado de tensão prolongado. Contudo, os
pais acreditam que a oportunidade de ter esse contato com seus filhos na U.T.I.
neonatal é preciosa, apesar da sua ansiedade (KLAUSS e KENNELL, 1993).
57
Seguindo este raciocínio, Avery (1978) considera a vivência do estresse
associado ao nascimento prematuro, o que pode causar respostas mal adaptativas nas
mães consideradas dentro de limites normais de ajuste da personalidade. O autor
esclarece que ao invés do procedimento hospitalar rotineiro no nascimento normal de
um bebê a termo, há uma atmosfera de condições de emergência, o que traz uma
apreensão geral acerca do destino da criança.
Após o parto, a mãe demonstra uma preocupação aumentada sobre a
normalidade de seu filho, o qual é imediatamente removido dela e colocado em um
berçário de cuidados especiais; sendo que, geralmente torna-se bastante difícil ter uma
boa visão da criança na incubadora.
[...] a mãe do prematuro encara o futuro com o sentimento de ter
falhado em sua gestação, uma preocupação pela sua capacidade de
cuidar de seu filho e uma expectativa de que no futuro haverá o
aparecimento de anormalidades na criança como uma conseqüência de
seu nascimento prematuro (AVERY, 1978, p. 973).
Encontramos em Klauss e Kennell (1993), uma vasta descrição de estudos de
diversos
autores
acerca,
principalmente,
das
reações
maternas
quanto
à
prematuridade. Prught (apud KLAUSS e KENNELL, 1993), realizou uma série de
observações perspicazes e sensíveis com estas mães; observando que durante os
primeiros meses de vida do bebê, a ansiedade e a culpa eram as duas emoções mais
aparentes nas mães durante esse período. A ansiedade originava-se da apreensão
quanto à sobrevivência de seu filho durante a hospitalização, ao passo que a culpa
referia-se ao temor de ter feito ou deixado de fazer algo durante a gestação, causando
58
a prematuridade; assim como ao fato de não poder cuidar de seu bebê tão habilmente
quanto uma enfermeira.
Prught também enfatizou que é essencial que a mãe veja o bebê prematuro tão
logo seja possível após o nascimento, a fim de que sejam minimizadas as fantasias
assustadoras e que se possa auxiliar a mãe a lidar com qualquer “lacuna emocional”
(alheamento de sentimentos que qualquer nova mãe experimenta durante o início de
seu relacionamento com o bebê).
Klauss e Kennell (1993), discutem também informações preciosas advindas de
entrevistas com mães de bebês prematuros onde se observou três problemas principais
em relação às mesmas: problemas de auto-estima (sentimento de fracasso,
inadequação, incapacidade, inferioridade, insuficiência; de modo que o nascimento
prematuro representava um severo golpe à auto-estima das mães, às suas
capacidades de maternagem e ao seu papel feminino); problemas de culpa (autoacusações de terem sido más mães, exposto seus filhos a uma grande tensão,
forçando-os para fora de seu útero protetor) e problemas de separação (sensações de
vazio, amputamento, de modo que quanto mais tempo persistia o período de espera,
mais profundamente se configurava o retraimento do investimento materno sobre a
criança).
Esta dupla de autores salientados acima, ainda enfoca as valiosas contribuições
de Kaplan e Mason na década de 60, principalmente na esquematização de quatro
tarefas psicológicas que a mãe de um bebê prematuro deve dominar para estabelecer
um relacionamento saudável com seu filho:
59
1- a mãe deve preparar-se para uma possível perda do filho cuja vida está em risco.
Este “luto antecipatório” envolve a retirada do relacionamento previamente estabelecido
com a criança no útero;
2- a mãe deve encarar e conscientizar-se de seu “fracasso” em dar à luz a um bebê
normal e a termo;
3- a mãe deve reassumir o processo que foi interrompido de relacionamento com seu
bebê e,
4- a mãe deve procurar entender o quanto um bebê prematuro difere de um bebê
normal em termos de necessidades especiais e padrões de crescimento.
Há evidências de que, quando mães da espécie humana são separadas de seus
filhos durante as primeiras horas e dias após o parto, elas podem apresentar
dificuldades na formação de seu vínculo. As mães de prematuros que passam suas
primeiras semanas de vida em U.T.I.s neonatal são especialmente vulneráveis.
Cabe enfatizar que a grande maioria das mulheres do mundo ocidental sonha
com o filho esperado, idealizado: a criança no retrato mental da mãe freqüentemente
possui antes do parto, uma imagem específica, mas a criança real nunca é exatamente
como a mãe havia imaginado. Durante os primeiros dias após o parto, a mãe deve
ajustar o retrato mental à imagem do bebê real, e, isso é especialmente significativo em
se tratando de bebês prematuros (KLAUSS e FANAROFF, 1982).
A respeito do apego, Brazelton (1988), elucida que as respostas maternas
previsíveis inicialmente na situação de prematuridade são aquelas em que as mães
sentem necessidade de fugir, esconder-se, proteger-se sob uma depressão ou, ainda,
alienar-se para evitar os cuidados com o neonato. Entretanto, são observados cinco
60
estágios propostos pelo autor para que os pais possam ver o bebê como seu e possam
confiar em si mesmos para trabalhar e se relacionar com ele:
1- os pais relacionam-se com seu bebê através de relatórios médico-laboratoriais
fornecidos pela equipe médica, os quais podem fornecer coragem se os índices
melhoram ou sofrimento e devastação diminuem;
2- os pais observam e se encorajam com o comportamento reflexo e automático que
vêem quando uma enfermeira ou médico perturba o bebê; qualquer movimento se torna
um grande feito, embora os pais não tentem provocar estas reações espontaneamente;
3- os movimentos mais responsivos do bebê são observados, por exemplo, se o bebê
se vira em direção à voz de uma enfermeira, os pais o vêem como algo que está se
transformando numa pessoa; os pais ainda não ousam estimular o bebê por si mesmos;
4- o próximo estágio se inicia quando os pais ousam produzir movimentos de resposta
espontaneamente. Este é o início de sua visão de si mesmos como pais deste bebê,
podendo ver-se responsáveis por suas respostas e,
5- o quinto e último estágio é aquele onde os pais realmente ousam pegar o bebê,
segurá-lo, balançá-lo ou mesmo alimentá-lo: neste ponto os pais adquiriram um vínculo
com o filho. Antes disso, viam o bebê como um objeto amedrontador e frágil e, a si
mesmos, como perigosos a essa criatura.
Soifer (1980), aponta que a higiene mental do parto prematuro deve abranger
não somente a mulher e seus conflitos inconscientes, que certamente influenciam
bastante, mas também a investigação da relação conjugal, familiar e sócio-econômica,
procurando proporcionar o apoio e ajuda necessários. Do mesmo modo, uma vez
produzido o nascimento precoce, a família deve ser adequadamente amparada, pois o
61
fato em si demonstra que a mesma se acha em crise, e que se trata de uma crise entre
a tendência produtiva e outra que leva à inércia como única defesa.
A proteção deve incluir a possibilidade de ambos os pais permanecerem ligados
ao filho, de modo direto e, não somente através de um vidro, para que esse filho possa
realmente ser o fruto concreto e a tradução da tendência ativa vitoriosa. Segundo a
autora, uma ação contrária pode desencadear situações prejudiciais, podendo-se
inclusive, chegar à dissolução do casamento e da família (SOIFER, 1980).
Deste modo entendemos que a experiência da maternidade em geral e, mais
particularmente, a experiência da prematuridade, configura-se como um processo
singular tanto para a figura materna como para a família em seu aspecto mais amplo.
O nascimento prematuro de um bebê, por englobar uma série de expectativas,
ansiedades, fantasias e temores específicos no interior do grupo familiar, exigirá a
mobilização deste grupo para lidar com esta situação em particular. Por este motivo,
dedicaremo-nos no presente trabalho, à investigação da psicodinâmica familiar diante
da prematuridade, procurando estudar não somente como a figura materna vivencia
este processo, mas como esta mãe acompanhante e seu grupo familiar enfrentam as
vicissitudes de terem um bebê recém-nascido pré-termo internado em uma U.T.I.
neonatal.
62
3- A FAMÍLIA E AS ABORDAGENS PSICANALÍTICAS
A família se constitui numa unidade presente em qualquer sociedade, sendo
praticamente impossível imaginar qualquer forma de organização social carente de
algum tipo de estrutura familiar. A partir de seu funcionamento, a família determina a
definição e a conservação das diferenças humanas, dando forma objetiva aos papéis
distintos, mas mutuamente relacionados: pai, mãe, filho, irmão, irmã; papéis básicos em
qualquer cultura.
Embora o criador da Teoria Psicanalítica, Sigmund Freud não tenha teorizado
deliberadamente sobre a família, em suas considerações ele apresenta rudimentos de
uma teoria psicológica das relações sociais, através de uma análise das interações
familiares determinadas por relações extrafamiliares e, ao mesmo tempo, determinantes
dessas mesmas relações.
A família é o vínculo das experiências em que a Psicanálise está envolvida.
Freud procura decompor o indivíduo em suas relações familiares essenciais, ainda que
inconscientes. A proeza da Psicanálise está em desmascarar a ilusão do individualismo,
da natureza auto-suficiente e autônoma da experiência e motivações pessoais. As
características mais pessoais e particulares da vida íntima do indivíduo permanecem
obscuras, somente se tornando mais significativas quando remetidas à origem no corpo
medicamente significante da família, podendo-se afirmar que a família se constitui como
o segredo do indivíduo (POSTER, 1979).
Diante disso, percebemos que uma das principais contribuições de Sigmund
Freud é que a formação da estrutura mental de um indivíduo se dá na infância. Ainda
63
considerando as idéias desenvolvidas por Poster (1979) sobre este ponto, o foco sobre
a infância permitirá a Freud ir muito além da estrutura normal da consciência de seu
tempo, além de sua racionalidade e de suas defesas, autorizando-o a explorar os
domínios do inconsciente, da sexualidade, dos atos falhos e chistes, a analisar a lógica
e os mecanismos da consciência não-racional e a demonstrar a importância de sua
ubiqüidade.
De forma sintética, é possível reconhecer que um dos pilares básicos da Teoria
Psicanalítica configura-se na importância dada à qualidade das relações afetivas entre
pais e filhos na constituição emocional, psíquica e da personalidade ulterior do
indivíduo, conforme mencionamos em pontos anteriores de nosso trabalho e que, a
partir deste momento, será enfocado diretamente no que se refere à família.
Na presente pesquisa enfocaremos as abordagens psicanalíticas de família,
também conhecidas como psicodinâmicas. Neste tipo de abordagem, enfatiza-se o
passado, a história, tanto como causa de um sintoma quanto como meio de modificá-lo.
Os sintomas apresentados pelos membros da família são vistos como decorrentes de
experiências passadas, encontrando-se num âmbito externo à consciência; sendo
utilizado o método da interpretação como meio de se atingir tais experiências e
conteúdos das mesmas (FÉRES-CARNEIRO, 1996).
Devido
à
nossa
proposta,
na
presente
investigação
enfocaremos
as
contribuições de três autores específicos das abordagens psicanalíticas em família: Lily
Pincus e Christopher Dare, Isidoro Berenstein e, mais especificamente, Alberto Eiguer.
64
a) Lily Pincus e Christopher Dare
Esses autores possuem um grande interesse na trama inconsciente dos
sentimentos, desejos, crenças e expectativas que unem os membros de uma família
entre si e aos seus passados individuais e familiares.
Pincus e Dare se interessam particularmente pelos efeitos dos segredos e dos
mitos na dinâmica familiar, ressaltando que os segredos podem pertencer a um
membro da família ou serem compartilhados com outros membros ou, ainda,
endossados pelos membros da família de geração em geração até se tornarem um
mito.
A partir da prática clínica, eles mostram como os segredos mais freqüentemente
encontrados no interior da família e mais cuidadosamente escondidos são aqueles que
nascem de sentimentos ou fantasias incestuosas. Em suma, para eles, os segredos
familiares referem-se aos momentos mais marcantes do ciclo vital: nascimento, sexo e
morte (PINCUS e DARE, 1981).
Os estudos desses autores baseiam-se em princípios gerais que representam as
maneiras de encarar qualquer relacionamento. O primeiro deles refere-se ao fato de
que as motivações que levam as pessoas a se casarem são inconscientes. Por isso,
raramente é possível saber, questionando-se diretamente, qualquer razão do porquê da
escolha do parceiro, ou qual a natureza da união. No casamento, há um contrato
velado, um acordo inconsciente, onde processos de projeção e identificação constituem
partes essenciais.
O segundo princípio que norteia esse pensamento é que nos relacionamentos
duradouros e importantes há, geralmente, uma complementaridade das necessidades,
65
desejos e medos que fazem parte da vida a dois. O acordo que mantém a
complementaridade é inconsciente e, geralmente, também implica no uso de projeção.
O terceiro deles é o de que muitos anseios e medos que fazem parte do
“contrato secreto” do casamento provém, principalmente dos relacionamentos da
infância. Isto equivale ao fato de que todas as pessoas tendem a vivenciar padrões
repetitivos de relacionamento que são motivados pela persistência dos desejos numa
forma de fantasia inconsciente e derivados da maneira pela qual as primeiras
necessidades dos parceiros foram satisfeitas.
O quarto e último princípio proposto pelos autores sobre a relação conjugal é o
de que estes padrões repetitivos de relacionamento são derivados da época em que a
criança vivencia a intensidade de seus anseios em relação aos pais, ao mesmo tempo
em que reconhece que esses formam uma díade, um casal do qual ela é excluída, ou
seja, da vivência do Complexo de Édipo.
Parece-nos pertinente determo-nos um pouco mais nas proposições de Pincus e
Dare, devido ao fato de explanarem algumas idéias acerca da chegada de um bebê na
família. Para ambos os pais, a tarefa da paternidade evocará sentimentos que surgiram
no início de suas próprias experiências, ao ter que partilhar sua mãe durante a infância.
Enquanto a nova mãe pode recapturar o sentido de uma proximidade a dois em
relação ao bebê, o novo pai terá que lutar com o sentimento de perda até que a família
possa, encontrando um lugar para ele, criar um novo relacionamento a três. O grau ao
qual cada parceiro tenha ou não sido bem sucedido na luta desta mesma tarefa na
infância se refletirá na capacidade adulta do casal em readaptar-se à essa nova
situação.
66
Por mais que uma mulher tenha desejado um filho, haverá sempre aspectos
negativos que terão que ser encarados tanto na gravidez quanto na maternidade. Os
autores afirmam que a gravidez obriga a pessoa a ser mulher e mãe, e qualquer
fantasia que não esteja totalmente consciente que expresse relutância em assumir
estes papéis, precisa ser renunciada (PINCUS e DARE, 1981).
Outra idéia importante apresentada pelos autores e que se revela relevante para
o nosso trabalho, é a de que a maioria das novas mães se sentem mais próximas de
suas próprias mães, com quem poderão compartilhar o segredo da maternidade. Se
essas novas mães tiverem internalizado uma imagem de boa mãe, este relacionamento
poderá auxiliar nas adaptações necessárias (PINCUS e DARE, 1981).
Uma última pontuação acerca das considerações destes mesmos autores,
refere-se à chegada de um novo bebê como um fato que poderá estimular as
necessidades infantis tanto no pai quanto na mãe, fazendo com que a identificação e a
competição do homem com o bebê dificulte, para ele, assumir o papel de pai.
b) Isidoro Berenstein
Por outro lado, Berenstein dedica-se ao estudo da estrutura das relações
familiares e análise da organização inconsciente dos grupos familiares, apoiando-se em
duas bases teóricas. A primeira delas e a principal é a Psicanálise, através da teoria do
inconsciente e do recalque, do Complexo de Édipo e da construção de um mundo
interno baseado na representação da relação emocional com os objetos. A segunda
delas é o Estruturalismo de Claude Lévi-Strauss, a qual dedica-se a análise estrutural,
às estruturas sociais enquanto objetos independentes da consciência dos homens e ao
estudo das regras de comunicação social inconscientes.
67
Com isso, apreendemos que a família é composta por muito mais do que aquilo
que está aparente em primeira instância, a instância consciente. A família possui em
seu interior uma variedade de modelos que regem seu funcionamento, seu tipo de
organização, sua estrutura, os quais muitas vezes não aparecem de forma tão clara,
tão próxima da consciência de seus membros. Ao contrário, estes modelos são em sua
essência inconscientes, sendo que a tendência do grupo familiar é justamente reprimilos.
As relações familiares, assim como em outro âmbito as relações
escolares, trabalhistas e as sociais em geral constituem o diverso, o
singular, o explícito e perceptível pela consciência; a estrutura familiar
constitui o unificador, geral, o implícito, ou seja, o inconsciente
(BERENSTEIN, 1988, p.68).
A estrutura inconsciente familiar, portanto, constitui uma espécie de sustentáculo
elementar que norteia a família, onde são construídos os modelos de relacionamento
através do tempo. Estes modelos aparecem sob a forma de expressões verbais
mantidas através do tempo, símbolos, mitos familiares, regras, conflitos, enfim, tudo
aquilo que se refere à cultura familiar e, por se tratar da cultura, encontramos íntimas
ligações com o aspecto histórico.
Uma vertente dos estudos deste autor se volta à situação de doença mental vista
por um ângulo mais global, ou seja, a consideração da família do doente mental como
um sistema, desenfocando com isso a problemática individual. Para Berenstein,
somente reconstruindo o contexto no qual a doença mental adquire sentido, é que se
torna possível atribuir-lhe significado apropriado como mensagem inconsciente,
lembrando que este contexto inclui as características mentais do paciente assim como
68
as características da estrutura familiar como uma relação dentro de um sistema
(BERENSTEIN, 1988).
Cabe ressaltar suas importantes contribuições para o estudo da família ao se
voltar para a estrutura inconsciente das relações familiares, enfatizando os nomes
próprios e as noções de espaço e tempo familiar.
As regras que determinam a formação do nome próprio são muitas, assim como
a indicação de um determinado nome pode denotar uma multiplicidade de referências:
um sentimento familiar ou religioso, à moda, à praticidade ou para denominar um
representante familiar significativo.
Sobre os nomes próprios, Berenstein (1988) pontua que estes indicam uma
relação entre o receptor e o doador do nome e que muitas vezes, denota a expressão
de indicadores de um nível altamente inconsciente sobre o sistema de relações entre
ambos: receptor e doador.
Através da análise de um nome próprio, é possível seguir um determinado
indivíduo através da história pelo uso do mesmo nome, se o nome próprio pertence ao
ramo materno ou paterno e perceber também se existe algum tipo de regra seguida
para a escolha do nome.
De um modo geral, o tipo de nome e sua pertinência ao ramo materno ou
paterno pode estabelecer um modo de equilíbrio na estrutura latente da família.
Igualmente, a emergência dos nomes também se refere à história particular de cada
grupo familiar, conforme acabamos de mencionar. Berenstein sinaliza que em algumas
ocasiões, para que possamos compreender a significação dos nomes, temos que nos
remontar até as circunstâncias histórico-genéticas em que o nome foi concebido e
adquirido, mantendo-se como uma particularidade estrutural.
69
Assim, o sistema dos nomes próprios torna-se significativo desde a estrutura
inconsciente da família e pode informar sobre o tipo de equilíbrio e origem dessa
estrutura; uma vez que o nome é uma marca de identificação não somente da pessoa,
mas de todo um grupo familiar e de um momento histórico.
Há uma verdadeira restrição para o grau de liberdade existente na
adjudicação do nome. Este pré-existe ao indivíduo e o aguarda durante
o tempo necessário para poder encontrar na criança o sustentáculo do
nome (BERENSTEIN, 1988, p.128).
Em relação ao espaço familiar, o autor esclarece que todo grupo familiar ocupa
um espaço de características variáveis; estável ou instável, grande ou pequeno, de
maneira que o espaço habitável está subdeterminado por variáveis econômicas,
demográficas, sociais e psicológicas.
Cada família concebe seu espaço de forma diferente e o estudo desta dimensão
poderá fornecer dados sobre a organização inconsciente do grupo. Em termos gerais, o
espaço serve para estabelecer representações de distância, onde a distância espacial
pode ser uma projeção da distância afetiva ou um modelo encobridor da mesma, por
exemplo.
Podemos verificar as representações de distância, bem como a tolerância em
relação ao corpo dos outros através de sua projeção na relação espacial entre os
membros do grupo familiar.
Concretamente, isso se traduz na observação da situação familiar de alguns
pacientes portadores de afecções incuráveis como o câncer ou a AIDS em tratamento
domiciliar (e mesmo na situação de prematuridade e hospitalização da mãe e do bebê),
onde é possível verificar a redução do contato e a separação do paciente acometido
70
dos demais membros do grupo familiar. Esta “segregação” do membro doente reflete-se
na organização da casa, pela reclusão deste num quarto que, dessa forma, passa a
ficar isolado e dividido do resto.
De modo semelhante, as representações de distância e a tolerância em relação
à proximidade do outro, se fazem presentes ao observarmos os lugares geralmente
fixos ocupados por cada um dos membros à mesa e a distância variável do restante dos
membros. Mesmo entre um casal, observamos que cada um dos membros, ocupa
habitualmente, um mesmo lado da cama, fixando no espaço a representação de seu
próprio corpo e a relação com o corpo do casal.
De qualquer modo, ainda que a configuração espacial apareça na consciência
dos membros como fruto do acaso, pode existir uma rigorosa determinação
inconsciente para a mesma. De acordo com o que nos traz Berenstein, o diagrama do
espaço familiar, ou seja, a maneira como cada família distribui e organiza seu espaço é,
antes de tudo, uma representação das relações familiares e do conjunto de imagens,
idéias e lembranças das relações familiares tal como existem no inconsciente de seus
membros.
Em suma, podemos conceber o espaço familiar como uma dimensão onde se
cristalizam as relações familiares e os mecanismos de produção das relações entre
seus membros.
Considerando o tempo familiar, Berenstein postula que cada família ordena seus
acontecimentos vividos num tempo que retém todas as características da estrutura
familiar. Todo grupo familiar sistematiza e ordena seu tempo em relação aos modelos
mais próximos da consciência dos membros. A história de uma família aparece como o
71
relato dos acontecimentos significativos que incidiram em sua constituição e em seu
desenvolvimento.
Quando os membros de uma família relatam sua história enquanto grupo,
lembram conscientemente de alguns acontecimentos passados que consideram
importantes e que se encontram inscritos, gravados por eles na memória, mas se
esquecem também de alguns episódios e ocultam outros, possivelmente não menos
importantes. Os acontecimentos lembrados são ordenados a partir da organização atual
da família e, segundo Berenstein, podem muitas vezes contribuir para explicar algumas
de suas contradições.
As famílias, assim como os países, apagam de sua história os
acontecimentos indesejáveis ou os conservam, mas colocados num
outro tempo, com o que adquirem um significado diferente do original.
Podem também, de comum acordo, empalidecer acontecimentos
significativos ocorridos, reavivar fatos pouco significativos e mesmo
acrescentar outros realmente não acontecidos para dar coerência à sua
história (BERENSTEIN, 1988, p.190).
O tempo subdivide-se em quatro tipos: o tempo convencional, que seria aquele
marcado pelos relógios ou calendários de acordo com as convenções, segmentado em
horas, minutos, segundos, dias, semanas, meses e anos; o tempo biográfico ou
cronológico, que corresponderia ao tempo evolutivo, com direcionalidade, não
reversível, referindo-se a acontecimentos passados; o tempo mítico, que consistiria no
estabelecimento de uma relação causal entre acontecimentos passados graças a um
tipo de relação, dispondo de uma relação temporal antes-depois, implicando numa
ordenação teórica dos acontecimentos empíricos para explicar causalmente as
vicissitudes do grupo familiar de acordo com alguma teoria explicativa, geralmente
72
encobridora; e o tempo inconsciente, que seria aquele que é não-evolutivo, reversível,
mantendo numa mesma estrutura os acontecimentos ocorridos em diferentes épocas,
agrupadas num modelo regulador que lhe dá sentido, em termos gerais seria aquele
tempo constituído pelo sujeito, pelo observador.
Pontuamos ainda em relação ao tempo familiar, que o autor também sistematiza
a divisão temporal em etapas relacionadas ao desenvolvimento da estrutura familiar:
etapa de conexão com a família materna (coincidente com o namoro), etapa da aliança
(baseada na relação conjugal como casal sexuado, onde se fixam novas regras de
acordo, tanto conscientes como inconscientes) e, por fim, a etapa da filiação (definida
como
a
etapa
onde
aparecem
os
filhos
tidos
ou
adotados
compondo
inquestionavelmente uma estrutura familiar).
Assim como os nomes próprios, o espaço e tempo familiar são importantes
dimensões que retém propriedades dos grupos familiares, os quais vivem esse tempo e
habitam esse espaço. Por serem dimensões socialmente pautadas, abarcam
propriedades inconscientes. Berenstein alerta que talvez a dimensão temporal, mais
que a espacial seja capaz de oferecer subsídios para o estudo de relações causa-efeito
da estrutura inconsciente familiar, utilizando para isso o relato da sucessão dos
acontecimentos históricos, mesmo que para a consciência dos membros, essa
sucessão aparentemente apresente poucos significados ou correlações.
Consideramos ainda primordiais para a compreensão da família num ponto de
vista psicanalítico, as idéias trazidas por Puget e Berenstein (1993) referentes à
constituição do casal.
Nessa obra, os autores pontuam que o vínculo de casal ocupa um espaço virtual,
sendo seu limite definido por um modelo sociocultural: todo sujeito atual ou futuro
73
ocupará na matriz inconsciente do casal o lugar de esposo ou esposa, quaisquer que
sejam as denominações que cada cultura possa atribuir a essas posições.
O termo casal (matrimonial) designa uma estrutura vincular entre duas pessoas
de sexos diferentes a partir de um momento dado, quando estabelecem o compromisso
de fazer parte de toda a sua amplitude. Deste modo, o casal possui elementos
definitórios que permitem referir-se a ele como uma unidade ou estrutura, sendo
considerado tradicionalmente como a origem da família, do ponto de vista evolutivo e
convencional.
Os mesmos autores enfatizam que psicanaliticamente, poderíamos pensar em
casal enquanto indivíduos que se desprendem de sua família de origem, de onde se
originam os modelos a serem seguidos. Leva-se em conta aqui, o desejo de diferentes
egos de uma família, de perpetuar-se no tempo através da transmissão do desejo de ter
filhos, transformado no desejo de constituir uma família, mediante vínculos de aliança.
A marca de uma primeira contradição fundamental para a constituição
do casal (matrimonial) surge da dificuldade do mundo psíquico de cada
um de seus membros, derivada da resolução trabalhosa, difícil, nem
sempre terminada, da separação de seus vínculos familiares (PUGET e
BERENSTEIN, 1993, p.4).
Puget e Berenstein limitam quatro parâmetros definitórios para especificar o
vínculo diádico do casal: cotidianidade, projeto vital compartilhado, relações sexuais e
tendência monogâmica. Destes quatro parâmetros, interessa-nos, particularmente,
devido à natureza de nossa investigação, o projeto vital compartilhado.
O primeiro projeto vital de um casal é o desejo de compartilhar um espaço-tempo
vincular, onde o início de sua realização se dá quando o casal procura adquirir uma
74
linguagem com significado compartilhado, onde ambos os egos do casal utilizam
significantes com um significado específico. Este vínculo inicial por sua vez, criará
outros vínculos, os quais mais tarde se reeditarão perante a situação de paternidade.
Mais uma das proposições dos autores que consideramos ser de extrema
importância, e que já foi trabalhada em outra parte de nosso estudo, sem dúvida é a
referente à questão dos vínculos (PUGET e BERENSTEIN, 1993). Como já
trabalhamos este conceito ao abordar a dinâmica mãe-filho, trabalharemos o mesmo
conceito enfocando agora a dinâmica específica do casal.
O termo vínculo origina-se do latim vinculum, de vincire: atar, significando, pois, a
união ou atadura de uma pessoa ou coisa com outra. É também utilizado para
expressar a ação de unir, juntar, ou sujeitar com ligaduras e nós. Esta definição sugere
a idéia, quando aplicada aos casais, de uma relação estável; uma vez que toda relação
matrimonial parece estar associada à fantasia de ser estável no tempo e no espaço.
Sendo assim, um vínculo é estabelecido a partir de estipulações equivalentes a
um contrato inconsciente, realizando-se mediante acordos e pactos inconscientes. Os
acordos inconscientes seriam o resultado de um tipo de combinação entre os aspectos
compartilháveis, partindo de cada um dos espaços mentais do sujeito, onde se
configura uma nova organização ou unidade mental e vincular. Os pactos
inconscientes, pelo contrário, seriam provenientes do espaço mental incompartilhável
dos egos de cada um dos parceiros que compõem o casal.
Complementando suas concepções acerca dos acordos inconscientes, esses
autores ainda ressaltam uma das questões mais centrais não somente na relação de
casal, mas na própria Psicanálise: o Complexo de Édipo. Segundo Puget e Berenstein,
o acordo inconsciente inclui o ego infantil, em sua modalidade de resolução do
75
Complexo de Édipo, pois na escolha do casal e, consequentemente, no acordo
inconsciente estabelecido entre seus componentes, o ego infantil está sempre em
busca de algum tipo de complementaridade, seja pelas identificações, seja pelas
escolhas de objeto (a quem ter) ou pelas realizações de objetos (fazer como quem).
c) Alberto Eiguer
O terceiro autor a ser abordado por nós em relação às teorias psicanalíticas de
família é Alberto Eiguer. Iniciaremos nossa explanação sobre alguns princípios
norteadores trazidos por ele mencionando seu pensamento acerca da família.
Quando se aborda a questão da vida familiar, o mais importante não é
defini-la em percurso ou em termos de duração de anos, mas sim em
termos de trajetória inconsciente do vínculo do casal, do vínculo filialparental, do vínculo de consangüinidade. Isto é, sob a evolução, no
inconsciente de cada um dos membros da família, do apego ao outro na
especificidade dos vínculos (EIGUER, 1985, p. 72).
Uma das hipóteses centrais da obra de Eiguer é a concepção de que a família é
composta de membros que têm, em grupo, modalidades de funcionamento inconsciente
diferentes de seu funcionamento individual, os quais se manifestam através do que o
mesmo concebeu como organizador inconsciente do psiquismo familiar (EIGUER, 1985,
1997).
Em sua perspectiva, este organizador se define como uma formação coletiva,
para qual contribuem os psiquismos pessoais, que concentra um jogo de
representações psíquicas específicas do membro familiar e um denominador comum de
emoções freqüentemente exaltadoras.
76
Fator de maturação e apaziguamento, o organizador familiar implica um salto
progressivo na consolidação dos vínculos recíprocos, ou seja, a família tornar-se-á, por
causa do organizador, um grupo constituído por indivíduos que possuem uma
representação inconsciente deste grupo, no interior de seu próprio aparelho psíquico.
Eiguer delineia três organizadores da vida familiar inconsciente: a escolha do
objeto no momento de instalação da relação amorosa e no plano inconsciente, a
partilha dos objetos – constituição do mundo interior grupal, em outros termos, é o
Édipo de cada parceiro que intervém neste organizador e são os objetos parentais
interiorizados que constituem o núcleo do inconsciente familiar; o eu familiar, dividido
em três suborganizadores que correspondem ao sentimento de pertença, habitat
interior, e o ideal do ego familiar e, os fantasmas partilhados ou interfantasmatização,
onde se destaca o fantasma inconsciente da cena primitiva ou primária.
Com relação ao primeiro organizador inconsciente – a escolha do parceiro,
podemos observar que esta escolha numa relação amorosa não ocorre por acaso;
inconscientemente há um alívio econômico, agindo concomitantemente com um
mecanismo defensivo.
Os parceiros entrecruzam objetos inconscientes, de modo que a relação
sentimental se alimente da descoberta de um parceiro que, além de parceiro, é o
resultado do amor infantil. O objeto inconsciente de um se entrecruza com o objeto
inconsciente do outro e os dois objetos acumulados inauguram um mundo objetal
partilhado, adotando assim uma dimensão organizadora: “A constituição da escolha do
parceiro, provavelmente, dará forma à organização inconsciente específica da família, à
interação entre os cônjuges e entre pais e filhos” (EIGUER, 1985, p.37).
Dentro desta perspectiva, três modos de escolha objetal são apontados:
77
- Escolha narcisista ou simétrica, caracterizando-se como a busca de um objeto (um
outro) que se assemelhe àquilo que o indivíduo é, foi ou gostaria de ser. É uma relação
onde prevalece a onipotência entre os parceiros, sendo eless incapazes do
reconhecimento para com o outro, incapazes de aceitar que ambos possam se
enganar, enfim, uma relação muito pouco gratificadora.
- Escolha anaclítica ou assimétrica, caracterizando-se como sendo uma escolha
regressiva em relação à etapa da dissolução do Complexo de Édipo, onde há uma
relação complementar infantilizante para um e parental para o outro.
- Escolha edípica ou dissimétrica, relacionando-se a uma escolha mais adulta, própria
das estruturas neuróticas e normais. Esta escolha é feita buscando-se alguém que seja
o oposto do pai do outro sexo.
Considerando o segundo organizador inconsciente – o eu familiar, podemos
constatar que o mesmo é entendido como o investimento perceptual de cada membro
da família, permitindo-lhe reconhecê-la como sua, dentro de uma dimensão espaçotemporal.
Os três componentes do eu familiar seriam:
- O sentimento de pertença, o qual abarca os sentimentos que cada membro da família
experimenta em relação ao conjunto do grupo, ou seja, a sensação de ser considerado
e tratado de modo diferenciado do que ocorre nos outros grupos que não a família; a
recordação de um passado comum, um tipo de intercomunicação conhecida e
identificada.
Além disso, este sentimento de pertença se alimenta de percepções
inconscientes, causadas pelo reconhecimento das reações dos demais membros diante
de um determinado dizer e de um determinado agir.
78
- O habitat interior, conceito este trabalhado inicialmente por Isidoro Berenstein, como
descrevemos anteriormente. Este autor ressaltou o interesse do habitat como “pele” real
e fantasmática da família. Compreendemos por habitat interior, o espaço entendido por
cada membro familiar na relação estabelecida com o outro, buscando um lugar
geográfico comum que possa aliviar o temor de um desmembramento: o lar, a casa
familiar.
Edificando-se no interior do inconsciente grupal, o habitat torna-se, então, uma
representação partilhada, a base do reconhecimento grupal. Enquanto que o
sentimento de pertença remete à identidade familiar, verificamos que o habitat interior
remete à imagem corporal do “corpo familiar”. Contudo, tanto o sentimento de pertença
quanto o habitat podem ser conservados por cada membro da família, mesmo que
esses estejam vivendo em locais distintos e bem afastados.
- O ideal do ego, contrariamente à pertença e ao habitat, que possuem como base o
passado, esse, baseia-se no futuro. A utilização da noção de ideal do ego ao psiquismo
familiar supõe o encontro, o conluio dos ideais pessoais dos membros da família,
distinguindo-se do ideal do ego de cada um dentro desse grupo. O ideal do ego familiar
refere-se, portanto, aos projetos de progresso social, cultural, educacional ou
habitacional para a família.
Convém pontuar que o ideal do ego familiar aparece como um importante
organizador dos vínculos e da estabilidade do grupo, pois permite o trabalho do mesmo
em direção à satisfação de pulsões, projetando e traçando planos, bem como
estratégias para operacionalizá-los e alcançá-los.
O terceiro organizador inconsciente – a interfantasmatização, pode ser
considerado como o ponto de encontro dos fantasmas individuais de cada membro,
79
próximos por seu conteúdo. Refere-se, portanto, à criação de um espaço transicional de
intercâmbios, de humor, de criatividade, de relatos das histórias pessoais de cada um e
de seus ancestrais.
Eiguer ordena duas instâncias para a ocorrência da interfantasmatização:
- A dupla oscilação, a qual se refere à instância onde o fantasma originário aparece
como o responsável pela manutenção de um relacionamento, estando intimamente
relacionada à situação edípica, evocando os fantasmas de castração e sedução.
- A interfantasmatização como fonte tanto de conflitos como de criatividade, de modo
que a forma elegida pela família ao lidar com a ilusão ou desilusão conjunta, poderá
determinar a coesão do grupo. Observamos deste modo, que a vida fantasmática se
organiza progressivamente no tempo, recebendo as contribuições das sucessivas
etapas do ciclo de vida familiar, sendo que a vivência do Complexo de Édipo será a
responsável pela organização do encontro conjugal e suas ramificações fantasmáticas
é que permitirá a evolução da família rumo à procriação dos filhos. Assim, o fantasma
da cena primitiva ou primária permitirá organizar as etapas ulteriores e fundar
definitivamente a família (EIGUER, 1985).
Assim como Berenstein, Alberto Eiguer também se dedica ao estudo da
construção da temporalidade pelo grupo familiar. Vamos nos deter um pouco mais
nesse ponto, pois acreditamos que o fator tempo é um dos primeiros que se
sobressaem quando abordamos a temática da prematuridade, uma vez que o parto
prematuro e o nascimento prematuro de um bebê infringem a temporalidade no sentido
de quebrar com a regra primordial da concepção: aguardar os nove meses de
gestação.
80
Eiguer menciona que, assim como a representação do tempo é um produto do
inconsciente, a construção do sentido do tempo também se refere às capacidades de
elaboração coletiva da família.
Para o autor, uma família normal deveria ser capaz de integrar a noção de
passagem, de evolução histórica, com seus períodos plenos e seus períodos vazios,
com suas crises e respectivas superações. Projetar-se no futuro, olhar o passado
situando suas transformações, apesar da imprecisão e deformação dos fantasmas
inconscientes é uma das funções da construção da temporalidade pela família.
Com isso, podemos perceber a ligação presente na questão da construção da
temporalidade familiar (e seus significados) e as crises, períodos, passagens, enfim,
com o ciclo familiar de um modo geral. Para Eiguer, esta relação é enfatizada à medida
que toda crise implica na perda momentânea e quase inevitável do horizonte temporal,
ou seja, a ruptura se acompanha de um sentimento de eternidade, onde o tempo
parece não mais passar.
A noção de ciclo familiar torna-se interessante aqui, pela possibilidade de ser
repensada sob a ótica da noção de estrutura ou do funcionamento inconsciente familiar.
Todo ciclo implica em um nascimento, uma vida e uma morte, onde se embutem os
conceitos de crise, trauma e luto.
No interior do grupo familiar, é possível distinguir dois tipos de traumas
familiares: os traumas cíclicos, ou seja, acontecimentos ligados ao ciclo histórico como
o casamento, nascimento dos filhos, entrada na escola, adolescência, afastamento dos
filhos, entrada na idade adulta. Por serem traumas evolutivos, trazem à tona, para seus
membros, os traumas inerentes à sua própria constituição, ligados às vivências na
família de origem.
81
O segundo tipo refere-se aos traumas não-cíclicos, que são próprios da
existência pessoal ou familiar como por exemplo, mudanças de residência, de cidade,
perda de emprego ou doença física.
Em meio ao trauma, desencadeia-se uma crise, onde atuam fundamentalmente
seus efeitos sobre a identidade familiar, havendo uma ruptura entre passado e presente
do grupo. Visto desta forma, as reações familiares diante dos traumas são em suma,
fundamentais para a introjeção da experiência recente (EIGUER, 1985).
Ao nos aprofundarmos neste ponto, notamos que o próprio trauma e a crise são
vivenciados de maneira cíclica, por meio de fases, etapas a serem assimiladas,
elaboradas e transpostas no interior da família.
Para resumir, podemos dizer que a crise: a-) reatualiza os antigos
problemas familiares; b-) desvenda os equilíbrios precários; c-) desperta
emoções e angústias; d-) implica um certo luto pela antiga maneira de
viver; e-) provoca a modificação das regras a partir de então
inadaptadas; f-) permite a definição de novas perspectivas (EIGUER,
1985, p.73).
Esses três autores trabalhados acima – Pincus e Dare, Isidoro Berenstein e
Alberto Eiguer podem nos fornecer importantes contribuições frente àquilo que nos
propomos no presente estudo, buscar uma compreensão mais aprofundada da
psicodinâmica familiar frente a prematuridade do nascimento de um bebê.
Partimos do pressuposto de que tanto as mães acompanhantes quanto seus
bebês fazem parte de uma estrutura maior que é a família e, que, mesmo não estando
presente durante a hospitalização, continua a existir e, muitas vezes, a povoar as
lembranças e preocupações maternas.
82
Compartilhamos da noção de que a vida, a dinâmica, a existência, as
percepções, a cultura, enfim, a estrutura familiar não existe como algo solto no tempo e
no espaço. Como já mencionamos no início de nosso trabalho, a vida familiar não parte
de um marco zero; ao contrário, se do ponto de vista biológico, a gravidez se inicia com
a concepção, do ponto de vista psicológico, há uma história pregressa que envolve a
mãe e o pai, na qual já se encontram reservados alguns padrões de relacionamento a
serem estabelecidos com a chegada desta criança. E a história pregressa, os padrões
de relacionamento e os modelos a serem seguidos, ao nosso ver, nem sempre estão
próximos da consciência dos membros de um grupo familiar.
Assim, acreditamos que as reflexões trazidas por esses autores acerca dos
componentes inconscientes dos vínculos familiares nos permitirão abordar a
constituição, funcionamento e estrutura familiar inconsciente através da análise das
continuidades e descontinuidades entre passado, presente e futuro, possibilitando-nos
uma maior compreensão sobre a psicodinâmica familiar das mães de bebês
prematuros.
E isto, sem dúvida, poderá contribuir para a ampliação do trabalho de
humanização no contexto hospitalar e para a atuação do psicólogo hospitalar como
profissional de saúde inserido na equipe multiprofissional, seja através de grupos de
orientação a pais e corpo técnico, objetivando não somente o tratamento e
acompanhamento das disfunções e conflitos já existentes, mas também se
preocupando em prevenir o surgimento de angústias e sofrimentos que podem decorrer
dos processos de hospitalização.
83
4- OBJETIVOS
4.1- Objetivo geral
Na presente pesquisa pretendemos estudar aspectos da psicodinâmica familiar
de mães acompanhantes de bebês prematuros, a partir de seu ponto de vista.
4.2- Objetivos específicos
- Compreender como a mãe acompanhante lida com a prematuridade da criança
recém-nascida.
- Analisar como a mãe acompanhante vivencia o papel materno e a relação com seu
filho prematuro.
- Avaliar o papel ou lugar que esta criança ocupa no interior do grupo familiar.
- Averiguar quais são as expectativas da família para o futuro desta criança.
84
5- ASPECTOS METODOLÓGICOS
5.1 Método
Um dos pressupostos fundamentais da Psicologia é que através desta ciência,
buscam-se novos meios para a compreensão do humano, seus comportamentos e seu
psiquismo. Fundamentamos nosso trabalho no Método Psicanalítico, tomando como
referencial teórico os conceitos psicanalíticos e a Teoria de Família através das
concepções dos autores Lily Pincus e Christopher Dare, Isidoro Berenstein e Alberto
Eiguer, por compreendermos que esse método pode oferecer um caminho fecundo
para a busca de possíveis significações para aprofundar a compreensão desses
processos de subjetivação.
Tanto o método quanto o referencial psicanalítico demonstram ser instrumentos
propícios quando nos propomos a realizar uma análise qualitativa de dados, ou seja,
instrumentos que oferecem a possibilidade de imersão na subjetividade e nos
significados quanto às vivências pessoais dos sujeitos estudados. Ao procurarmos os
sentidos que não se fazem visíveis num primeiro momento, podemos vislumbrar, graças
ao uso da interpretação, uma forma de atingir e compreender o que está latente, o que
está inconsciente.
Ao optarmos pelo referencial teórico da Psicanálise, pretendemos preservar sua
peculiaridade enquanto método da investigação da subjetividade humana e, portanto,
85
preservar a característica da singularidade do ser humano e da produção de sua
subjetividade.
Diante disso, utilizaremos o referencial psicanalítico e a Teoria de Família, tanto
para abordar a dinâmica emocional e familiar das mães, como para a coleta de dados
(entrevista) e para o tratamento dos mesmos (interpretação, no sentido psicanalítico,
como sendo um recurso para se atingir os conteúdos latentes que repousam no
inconsciente destas genitoras).
No campo psicanalítico, a entrevista faz parte do processo psicoterápico e tem
se mostrado igualmente, como um instrumento privilegiado da pesquisa psicanalítica.
Na clínica, os primeiros contatos com o paciente são realizados por intermédio de
entrevistas, as quais atendem a vários objetivos, desde o diagnóstico até a indicação de
psicoterapia. É conveniente pontuarmos, no entanto, que tanto na situação de
psicoterapia quanto na pesquisa, não é a entrevista que é psicanalítica, mas sim o
método de investigação que é psicanalítico.
Influenciada pela Psicanálise, a entrevista psicológica tornou-se um instrumento
largamente utilizado nas pesquisas psicológicas e nas ciências humanas em geral.
Bleger (1989), realizou um importante estudo sobre a entrevista psicológica definindo-a
como um instrumento fundamental do método clínico, sendo portanto, uma técnica de
investigação científica em Psicologia.
Esse tipo de entrevista, inspirado no modelo clínico proposto pelo mesmo autor é
constituído por uma relação entre duas pessoas, a qual acaba por ter uma dinâmica
própria, permitindo a observação de aspectos da personalidade do entrevistado: “[...] a
entrevista funciona como uma situação onde se observa parte da vida do paciente que
se desenvolve em relação a nós e frente a nós” (BLEGER, 1989, p.15).
86
Deste modo, além de atentar para o valor dos comportamentos não verbais que
emergem durante a entrevista, o autor ainda assinala que a entrevista sempre
representa uma experiência vital muito importante para o entrevistado, significando com
freqüência, uma das únicas possibilidades de se falar o mais sinceramente de si mesmo
com alguém que não o julgue, mas acima de tudo o compreenda.
Podemos concluir que durante o processo de entrevista, o pesquisador assume
uma postura de escuta e aceitação incondicional aos conteúdos trazidos pelos sujeitos,
podendo ampliar toda a significação destes conteúdos a níveis mais aprofundados do
que aqueles percebidos inicialmente, além de receber indícios preciosos dos
fenômenos psicanalíticos descritos como transferência (reações do paciente/
entrevistado em relação ao terapeuta/ entrevistador) e contratransferência (reações do
terapeuta/ entrevistador em relação ao paciente/ entrevistado).
Objetivamos, então, contemplar aquilo que está claro e é trazido pelas mães e,
paralelamente, desvelar aquilo que não é percebido num primeiro momento. Para que
isso seja possível, consideramos, ainda imprescindível propiciarmos um ambiente de
segurança e respeito à livre expressão das mães, de modo que se crie um caminho de
escuta, valorizando não somente a relação estabelecida com o “sujeito objeto de
estudo” em si, mas visualizando o ser humano com o qual nos confrontamos no
momento da coleta de dados, bem como sua história e suas peculiaridades.
No presente estudo, partimos da premissa de que o grupo familiar é entendido
como uma estrutura que se estabelece por intermédio de relações subjetivas e
inconscientes. Por isso, nossa opção por um estudo da psicodinâmica familiar de
orientação psicanalítica, utilizando como método de investigação um estudo diacrônico
e sincrônico, proposto por Alberto Eiguer (1985). Este autor propõe um roteiro para
87
tanto; contudo, salientamos que nossa abordagem consistirá nos temas lançados por
ele e que considerarmos serem pertinentes para nossa proposta de pesquisa.
Estudo diacrônico (dados sobre a história e a pré-história familiares)
História:
•
como os pais do bebê prematuro se conheceram;
•
como se deu a escolha do parceiro;
•
reações dos avós frente à escolha;
•
dados sobre o noivado e casamento;
•
arranjo da vida do casal;
•
crises enfrentadas pelo casal;
•
os filhos no desejo dos pais;
•
dados sobre a gravidez e nascimento;
•
o prenome dado ao bebê;
•
aleitamento e cuidados iniciais e,
•
função paterna.
Pré-história:
•
descrição sumária dos traços dos avós e,
•
posição de cada pai em sua própria frátria.
Estudo sincrônico (dados sobre a interação familiar)
Interação:
•
a situação social da família;
•
relações no trabalho e instituições;
88
•
vínculos com o resto da família e com os amigos;
•
dados sobre o habitat;
•
conflitos familiares;
•
o poder: decisões, regras e liderança;
•
o estudo dos papéis familiares;
•
papel da maternidade na família;
•
a comunicação no grupo;
•
a importância dos segredos e,
•
expectativas dos pais para o futuro dos filhos.
5.2- Local, instrumento e procedimento para coleta de dados
a) Local
A coleta de dados ocorreu num Hospital situado na cidade de Assis, cidade do
interior paulista, com cerca de 94.000 habitantes, localizada na região oeste do estado
de São Paulo. No intuito de manter o sigilo e preservar a identidade das mães que
participaram deste estudo, não especificaremos o nome da instituição onde realizamos
a coleta de dados.
Essa instituição onde buscamos nossos sujeitos de estudo, foi inaugurada na
década de noventa, caracterizando-se como uma instituição estadual com 100% dos
atendimentos realizados através do S.U.S. (Sistema Único de Saúde).
89
O Hospital onde coletamos os dados representa nos dias de hoje, um dos
grandes hospitais da cidade que presta serviços de alta complexidade para toda a
região, oferecendo atendimentos clínicos, cirúrgicos e serviços de apoio em
praticamente todas as especialidades.
A Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (U.T.I. neonatal), setor escolhido
para a coleta de dados da presente investigação, oferece além dos cuidados intensivos
aos bebês de risco, um Alojamento para as mães acompanhantes se instalarem e
poderem acompanhar a evolução do quadro de seus filhos.
Os cuidados aos bebês de risco ou pré-termos, neste hospital, seguem a
seguinte ordem: após o nascimento, o bebê é removido imediatamente para o setor de
U.T.I. neonatal, sendo que sua mãe fica instalada no Alojamento para acompanhantes
tendo livre acesso ao bebê e podendo ausentar-se conforme sua necessidade.
Posteriormente, quando o quadro se estabiliza, o bebê ganha peso e é removido
dos aparelhos, segue-se uma segunda categoria de cuidados denominada Cuidados
Intermediários ou Berçário (similar ao Alojamento Conjunto descrito anteriormente),
onde o contato mãe-bebê é mais próximo. Com isso, a mãe pode estar mais próxima de
seu bebê, podendo segurá-lo no colo e amamentá-lo, para, finalmente, fazerem parte
do Projeto Mãe-Canguru.
Este hospital realiza um trabalho neste sentido desde sua inauguração, de modo
que no presente, volta-se à Humanização e Excelência dos Serviços, o que torna
imprescindível a presença do acompanhante durante atendimentos ambulatoriais, prénatal, trabalho de parto, parto normal, internações, U.T.I. neonatal, Projeto MãeCanguru com os recém-nascidos em Cuidados Intermediários, entre outros.
90
b) Instrumento
Para a coleta de dados, utilizamos um roteiro de entrevista semi-estruturada e
aberta baseando-se nas proposições de Bleger (1989) e mais especificamente Eiguer
(1985), de acordo com o que descrevemos anteriormente.
c) Procedimentos
Acreditamos ser importante esclarecer que não estabelecemos critérios para a
seleção e escolha dos sujeitos desta pesquisa; a participação foi voluntária e aleatória,
tendo em vista a falta de um consenso sobre a etiologia e os fatores desencadeantes
de partos prematuros, conforme elucidamos em outro ponto deste estudo.
Participaram da coleta de dados quatro mães acompanhantes de bebês
prematuros internados na U.T.I. neonatal instaladas nos quartos do Alojamento.
Nenhuma das quatro participantes fazia parte do Alojamento Conjunto (onde são
acomodados no mesmo quarto mãe e bebê) ou Projeto Mãe-Canguru (o qual estava
desativado na época em virtude de reformas no espaço físico).
Foram realizadas quatro visitas ao hospital para a coleta de dados, sendo que
com a primeira e segunda família foi realizado apenas um encontro e com a terceira e
quarta família dois encontros para esclarecermos alguns dados que não haviam ficado
claros num primeiro momento.
A U.T.I. neonatal e o Alojamento das mães ficam no mesmo andar e, todas as
vezes que a pesquisadora adentrava este espaço, apresentava-se às acompanhantes
que ali estavam, expondo também o motivo de sua visita à Unidade.
É importante salientarmos que houve uma grande receptividade por parte de
todas as mães instaladas no Alojamento. Mesmo aquelas que estavam acompanhando
91
bebês não prematuros na U.T.I. neonatal, demonstraram curiosidade acerca da
pesquisa e o desejo de conversarem com a pesquisadora sobre seus sentimentos e
processo de hospitalização de seus filhos.
Após identificar as mães que poderiam participar da coleta de dados
(acompanhantes de bebês prematuros internados na U.T.I. neonatal), a pesquisadora
convidou as que estavam interessadas em contribuir com a pesquisa para a realização
da entrevista. As entrevistas com a primeira, segunda e quarta mãe foram coletadas em
um dos quartos do Alojamento que se encontrava vago; sendo que, com a terceira mãe,
a entrevista ocorreu numa sala de televisão que estava vazia naquele momento.
No encontro com as participantes, o procedimento de coleta de dados se deu
através de duas etapas. Na primeira delas foi realizada a apresentação da
pesquisadora, bem como o estabelecimento de um rapport inicial com as genitoras.
Foram esclarecidos os objetivos do estudo, assim como a efetuação da leitura
juntamente com as entrevistadas, do termo de consentimento livre e esclarecido,
solicitando-lhes que, em concordando com os termos do documento, assinasse-o
(ANEXO A). Durante esta etapa, esclarecemos sobre as normas de pesquisa com seres
humanos, sigilo ético e ainda informamos sobre a gravação dos relatos em fitas k-7,
para posterior transcrição e melhor aproveitamento dos dados.
Na segunda etapa, após o preenchimento da ficha de identificação das mães
(ANEXO B), foi solicitado que cada uma delas falasse livremente sobre sua história
familiar, bem como sobre o futuro desejado para a família e para o bebê, seguindo o
roteiro do estudo diacrônico e sincrônico proposto por Eiguer (ANEXO C).
Após a realização de cada uma das entrevistas, a pesquisadora agradeceu a
colaboração das mães, solicitando que as mesmas fossem com ela até a U.T.I.
92
neonatal e mostrassem seus bebês. Neste momento, a pesquisadora pôde observar
através de um vidro de proteção as mães adentrarem a Unidade, aproximarem-se de
seus bebês nas incubadoras e acariciarem os mesmos.
Finalizando o processo de coleta de dados, após nos despedirmos das mães
acompanhantes, dirigimo-nos até o posto de enfermagem da Unidade, solicitando às
profissionais da equipe de enfermagem alguns dados dos prontuários dos bebês
referentes ao nascimento (para verificarmos de quantas semanas haviam nascido) e ao
diagnóstico (para sabermos se existia alguma intercorrência além da prematuridade).
Neste contato com as profissionais de enfermagem, após um dos encontros
realizados com as mães acompanhantes para aplicação do roteiro de entrevista,
obtivemos a informação de que o bebê do quarta família apresentada na presente
pesquisa havia falecido, em virtude de malformação congênita.
5.3- Aspectos éticos
A participação das entrevistadas foi de caráter voluntário, sendo que as mesmas
foram alertadas que poderiam se recusar a participar da coleta ou retirar seu
consentimento e interromper a participação na pesquisa, sem que isto acarretasse
prejuízos ou penalidades. Todos os relatos foram gravados e, posteriormente,
minuciosamente transcritos e guardados em seguida em local seguro, mantendo sigilo
quanto à identidade e informações coletadas.
93
Da mesma forma, para assegurarmos o sigilo e preservarmos a identidade das
famílias participantes, optamos por adotar nomes fictícios, buscando preservar no
entanto, o sentido dado ao significado de cada um deles.
Os aspectos éticos do estudo foram pautados nas normas regulamentadoras do
Conselho Nacional de Saúde (C. N. S.), resolução 196/96 sobre pesquisas envolvendo
seres humanos (Brasil, 2000). De acordo com estas normas, todas as informações
devem ser obtidas mediante consentimento livre e esclarecido, no qual em sua
elaboração, procuraremos contemplar as especificações apontadas pelo C. N. S.
94
6- APRESENTAÇÃO DAS FAMÍLIAS
1- Primeiro caso: A Família Cruz
José Paulo
Mãe da
filha de
José
Vanda
Ap.
27 anos
39 anos
Primeira
filha de
José P.
†
†
Joana
8 anos
†
Gabriela
Ap.
prematura
Figura 1: Genograma da família Cruz
Representação dos três abortos sofridos por Vanda: o primeiro aos dois meses de
gestação, o segundo aos oito meses e o terceiro sem período mencionado.
História
Vanda tinha quinze anos quando conheceu José Paulo, doze anos mais velho
que ela, seu primeiro e único namorado. Na época, ela, a filha mais velha de cinco
filhos, morava com seus pais e irmãos quando começou a se interessar pelo vizinho.
Trocaram olhares e logo se apaixonaram. Pouco tempo se passou até
começarem a namorar, namoro este que durou um ano.
A diferença de idade foi algo que não incomodou Vanda ou seus pais. Ao
contrário, esta diferença parece ter sido um fator de atração, uma qualidade que lhe
chamou a atenção.
95
“[...] na verdade, eu nunca me interessei por outra pessoa, não que eu
tenha preconceito por pessoas mais novas do que eu, porque ele é
doze anos mais velho que eu”.
Esta qualidade colaborou para que em seu íntimo, percebesse que José Paulo
representava muito mais que um namorado.
“[...] eu vi nele tudo, até um pai eu vi nele. Por ele ser mais velho, ter
mais experiência, ser trabalhador, mesmo ele não tendo estudo, ele tem
um coração imenso”.
O casal iniciou sua vida sexual e durante a primeira relação sexual, apesar de
usarem o preservativo masculino, Vanda engravidou.
“Nós namoramos pouco tempo, um ano, e na minha primeira relação eu
fiquei grávida [...] Mas a vontade de ser mãe já era tanta, antes do
casamento, eu não sei explicar [...] Eu sempre tive esse ‘troço’ de ser
mãe, desde pequena, sempre, sempre [...] Minha primeira relação foi
com ele, nós até nos prevenimos, mas essa vontade de ter filho, de
querer uma criança”.
Embora a gravidez não tivesse sido planejada, reagiram de forma positiva à
notícia.
“Eu sabia que ia acontecer, na verdade, a gente fazia e queria, tinha
aquela vontade mesmo de ser pai e ser mãe. Então a gente nem se
preocupava com isso. A verdade é bem essa, tanto é que quando eu
fiquei grávida, a gente ficou muito feliz”.
Os planos em relação à maternidade já povoavam os sonhos de Vanda há muito
tempo, enquanto que José Paulo já vivera a experiência da paternidade com o
nascimento de uma filha, fruto de um relacionamento anterior.
96
Após cerca de um ano namorando e, frente à gravidez, o casal decidiu que
morariam juntos. Se por um lado esta decisão foi bem recebida pela família de origem
de Vanda, o mesmo não ocorreu com a família de José Paulo.
Sobretudo sua irmã e sua mãe demonstraram alguma resistência em assimilar o
novo arranjo de vida do filho, que agora decidira juntar-se a Vanda.
“Meus pais aceitaram, eles ficaram muito felizes. Os pais dele
aceitaram também [...] A mãe e a irmã são bem apegadas a ele, nós
sempre nos demos bem, só que teve um ‘ciuminho’, elas não aceitavam
muito que estavam perdendo”.
“[...] com o casamento, muda um pouco. Tudo que elas ganhavam, ele
passou a dar para mim, as coisas [...] Elas ficaram com muito ciúme,
mas era uma coisa que eu sentia que não tinha perigo”.
Segundo sua concepção, esta resistência persiste até os dias de hoje, pois a
saída do filho caçula da casa dos pais representava uma perda.
“Eles nunca jogaram isso na minha cara, mas eu tenho tudo isso dentro
de mim, eles se sentem como se tivessem perdido ele”.
Um sentimento de competição e rivalidade é inferido ao retomar as relações com
os familiares do companheiro.
“Infelizmente, eu penso assim, que um pacote de arroz que seria para
eles, passou a ser para mim. Felizmente ou infelizmente, é a realidade.
Casou, tem fim, tem que repartir, mas eles não sentem isso. Até uma
roupa que você coloca e chega lá na casa deles, o pessoal repara e eu
não estou trabalhando né?”.
97
Ainda é mencionada a tensão enfrentada junto à cunhada, amiga da mãe da
primeira filha de José Paulo, que acreditava que seu irmão deveria unir-se a mãe de
sua primeira filha. Para enfrentar esta adversidade e conseguir aceitar a garota e sua
mãe, as quais, inevitavelmente, faziam parte da vida de seu marido, Vanda recorreu à
religião.
“[...] até para eu conseguir digerir a filha dele foi a mão de Deus. Ainda
assim, eu consegui dar a volta por cima, amar a mãe dela, amar a
menina mesmo, consegui olhar para a cara da mãe dela, consegui
superar tudo isso”.
Ao relembrar a decisão de se unirem e as reações apresentadas por ambas as
famílias, algumas vivências referentes a sua própria família de origem são retomadas,
mais especificamente sobre o relacionamento conjugal de seus pais.
De acordo com seu ponto de vista, seus pais não ofereceram um modelo de
relacionamento satisfatório, em virtude da infidelidade de seu pai. Este episódio acabou
se tornando algo extremamente difícil de ser aceito por toda a família, configurando um
tema delicado de ser abordado.
“Para falar bem a verdade, eles não foram bem assim um exemplo de
casal. Eles vivem junto porque minha mãe suportou muita coisa do meu
pai, até traição [...]”.
Por não ter tido oportunidade de conversar sobre o assunto na época e nem
mesmo posteriormente, Vanda menciona certo receio em tocar neste tema, que para
ela se tornou uma espécie de tabu, um segredo da intimidade de seus pais. Deste
modo, arrisca-se a interpretar a atitude do pai e prever as reações de sua mãe.
98
“Eu nunca cheguei a perguntar, eu fiquei sabendo, eu nunca tive
coragem de perguntar nada para ele [...] Ela foi quem sofreu bem com o
meu pai. Mas eles nunca demonstraram nada para a gente”.
“Eu acho que meu pai se sente muito arrependido [...] Se ele fez
alguma coisa para a minha mãe, ela sempre nos preveniu disso, nos
protegeu. Eu não tenho muita vontade, curiosidade, até porque eu vejo
que se eu tocar no assunto eles vão sofrer muito”.
Além da infidelidade paterna, um outro ponto que parece dificultar o
relacionamento com sua família de origem é o jeito tímido, reservado e distante
característico de seus pais.
“Realmente, você tem toda aquela carência [...] Eu sinto toda uma
carência, por exemplo, eles são pessoas boas, nunca me faltou nada,
nunca. Por eles serem pessoas simples, eles são pessoas simples
demais, nunca passaram a mão na cabeça, demonstraram afeto”.
“Quando chega o aniversário, acho que eles esquecem, sei lá, não tem
isso [...] Eu nunca recebi um ‘parabéns’ da minha mãe, nem por isso ela
deixa de me amar. É o jeito dela, é a simplicidade dela”.
A religião surge como uma importante fonte de apoio e segurança para família. A
presença de Deus e os princípios cristãos ajudaram Vanda a se fortalecer e lidar melhor
com as dificuldades de relacionamento, ser uma pessoa mais aberta.
“Eu era mais parecida com a minha mãe no jeito de ser, mas o fato de
você se envolver na igreja, fazer leitura na missa, a gente tem que subir
lá em cima, se expor. Então a gente vai ficando menos tímida, isso faz
muito bem para o nervosismo, para o medo. É terrível, porque através
do medo, você deixa de fazer muita coisa”.
A família também menciona a importância da fé na superação de conflitos e
crises, especialmente na vida a dois.
99
“Quando a gente passa por alguma dificuldade, a gente se une mais, a
gente consegue conversar, acabaria tudo virando briga se não fosse
Deus. Se não fosse Deus, a oração, realmente a gente teria separado
sim, como muitos outros acabam se separando”.
Da mesma forma, salientam que, apesar de sempre terem passado por
dificuldades financeiras, devido ao fato de José Paulo trabalhar como pedreiro, ser
autônomo, atualmente possuem alguns bens como carro e casa própria, conseguidos
através de muito esforço.
Assim, após a decisão de morarem juntos, o casal viveu momentos de grande
felicidade com a gravidez. Estavam aceitando a idéia, imaginando as mudanças físicas,
o crescimento do ventre de Vanda. Entretanto, a gravidez foi interrompida no segundo
mês de gestação devido a um aborto espontâneo.
“Na verdade, nem os médicos sabem o que aconteceu, nem eu e nem
os médicos. A gente ficou sem saber o que aconteceu, comecei a
sangrar, deu hemorragia”.
Passaram-se dois anos até que uma nova gravidez fosse confirmada. Durante
este período o casal se fortaleceu e decidiu oficializar a união.
Este primeiro aborto sofrido, bem como a própria decisão de oficializar a união
são experiências marcadas novamente pelos pressupostos católicos, os quais
auxiliaram o casal a reafirmar seus sentimentos, enfrentar a perda conjuntamente e
para que fosse percebido o real sentido de se compartilhar a vida com outra pessoa.
“[...] no primeiro ano nós amigamos, eles falam que eu casei três vezes
sabe? Primeiro a gente amigou, aí eu perdi. Nós sofremos juntos,
ficamos juntos. Depois de dois anos que eu perdi o primeiro, nós
arrumamos o segundo”.
100
“[...] depois foi no civil e depois na igreja. Depois disso foi que comecei
a ter consciência do que é o casamento, o sacramento, o matrimônio.
Não é só casar, não é só vestido de noiva, é bem mais que isso”.
A felicidade com a segunda gravidez foi interrompida no oitavo mês de gestação,
quando Vanda perdeu novamente seu bebê, devido a um episódio de pré-eclâmpsia.
Esta passagem é lembrada com tristeza e angústia por parte da família, uma vez que o
bebê estava prestes a nascer, sabiam que seria um menino, haviam escolhido seu
nome, preparado seu enxoval, enfim, teciam planos e expectativas para este bebê que
não chegou a “nascer”.
“O segundo bebê foi mais preocupante, eu tenho certeza que foi préeclampsia. Infelizmente não deu tempo. A gravidez do menino eu não
tomei remédio porque eu nem imaginava que ia ter pressão alta”.
“A gente já tinha escolhido o nome, ele ia chamar Gabriel. Ele que
escolheu o nome”.
Várias fantasias mescladas ao sentimento de impotência e preocupação
passaram a reger a vida do casal, sobretudo a de Vanda, que ao se deparar com o
segundo aborto espontâneo, viu seu sonho de tornar-se mãe mais uma vez adiado.
“Você imagina um monte de coisa, que você não vai conseguir ser mãe
de jeito nenhum, que vai ser impossível. Aí você começa a desesperar
mesmo”.
“As médicas daqui do hospital perguntaram porque a gente não tinha
levado para lá, mas naquele tempo a gente não sabia nada né, há 10
anos atrás [...] não tem tudo que tem hoje, a gente estava tão longe
daqui, os médicos lá da nossa cidade também não sabiam o que
poderia acontecer e a medicina está mais avançada hoje”.
101
Apesar das tentativas frustradas em conseguir levar a gravidez adiante, o casal
não desistia de ter filhos. Vanda ficou grávida pela terceira vez e desta vez, após nove
meses completos, deu a luz à tão sonhada criança, uma menina que chamaram de
Joana.
Desde o início da gestação não houve qualquer intercorrência que sugerisse
indícios de um novo aborto ou a necessidade de um parto prematuro, ao contrário, foi
uma gravidez tranqüila, lembrada com satisfação, cercada de cuidados e boas
perspectivas.
“O terceiro bebê foi a Joana, correu tudo bem, desde o começo foi tudo
normal. Quis subir a pressão, só que estava no tempinho de nascer,
mas não teve problema nenhum porque o pulmãozinho dela já estava
bem, não precisou de U.T.I., não precisou de nada, nasceu na nossa
cidade, cesárea, correu tudo bem”.
“[...] teve todo aquele cuidado, eu tirava um pouco de sal da comida,
tomava o remédio que o médico receitou, vitaminas, enfim, foi
completamente diferente de todos”.
A respeito da escolha do nome do bebê, o casal não havia pensado em nomes
masculinos, sendo que o nome Joana foi escolhido pelo pai. Ambos haviam combinado
que se fosse um menino, o pai escolheria o nome e se menina, a escolha caberia a
mãe.
O fato de terem gerado uma menina pareceu não incomodar a mãe, a qual
relaciona o sucesso da gestação da primeira filha ao sexo da mesma.
“Eu ouvi falar num programa de televisão que essa doença, ‘préeclampsia’, geralmente a menina tem mais força do que o homem, eu
não sei explicar porque, mas a menina mulher tem mais possibilidade
102
do que o filho homem [...] E eu comecei a acreditar que é assim
mesmo”.
Por outro lado, pensa que talvez seu marido desejasse que tivessem gerado um
menino.
“Ele não fala nada, ele aceita, ele nunca falou para mim que preferia um
homem, mas todo pai sonha, né?”.
Joana é descrita como uma criança calma e obediente, apegada ao pai, o qual
tem mais paciência para lidar com ela. A seu ver, ele se sai muito bem no papel de pai.
“Eu não tenho muita paciência, eu sou mais estressada e ele, ele é
maravilhoso. Como pai ele tem mais paciência com a Joana, ele
procura não fazer todas as vontades dela, mas o que ele pode fazer,
ele faz”.
Em função da gravidez de Joana, Vanda parou momentaneamente de trabalhar
fora, como doméstica, retornando após o nascimento da filha. Contudo, quando a
menina completou cinco anos de idade, decidiu abandonar o emprego e dedicar-se
exclusivamente aos cuidados maternos e ao lar.
Aliás, a questão do trabalho fora de casa é algo que desperta certo mal-estar.
Por não possuir o ensino fundamental completo e conseqüentemente uma profissão,
acredita que teria que enfrentar uma jornada de trabalho prolongada e mal remunerada.
Ou seja, uma dupla jornada de trabalho, pois teria os afazeres domésticos também.
“Pelo fato de eu não ter terminado meus estudos, profissão, tudo [...]
Não teria outro serviço para mim, eu seria doméstica mesmo ou da
roça”.
103
“Se for para trabalhar fora, eu teria que ganhar muito bem para pagar
alguém para cuidar da minha casa. Eu com um salário mínimo [...] aí
você trabalha, trabalha e chega na sua casa e tem que fazer tudo de
novo, vai ficando estressada, com marido e filho para cuidar [...]”.
A escolha por dedicar-se exclusivamente aos afazeres domésticos foi apoiada e
até incentivada por José Paulo.
“Ele é uma boa pessoa, mas ele prefere que eu fique na casa, para que
ele chegue lá e encontre tudo pronto. Para mim está sendo bom assim,
porque eu já tenho muita coisa em casa para fazer”.
Em contrapartida, os familiares de seu marido não demonstraram tal
receptividade, pois compartilham da idéia que a esposa deve trabalhar dentro e fora do
lar. Este posicionamento é retomado constantemente, gerando cobranças e
aborrecimentos.
“[...] Sempre tem uma conversa e outra, não tanto falando para mim,
mas fica aquela conversinha assim: ‘você viu aquela mulher que
trabalha, com marido e casa?’ Sabe aquelas conversinhas, dando umas
indiretas? E você fica chateada [...]”.
Durante um intervalo de cerca de sete anos após o nascimento de Joana, Vanda
ficou grávida, perdendo o bebê em face de um terceiro aborto sofrido.
Pouco tempo após este acontecimento, Vanda engravidou novamente. Frente a
possibilidade de nascer outra menina, o casal chegou a aventar a hipótese de adotarem
um menino, uma vez que segundo sua visão, intimamente, José Paulo desejava um
filho.
104
“A gente falou que se viesse uma menininha, qualquer coisa, a gente
adotaria um menininho mais para frente. Agora, pensar nisso, eu não
pensei, mas ele já pensou, então é sinal de que ele quer um menininho
[...]”.
Esta seria então a quinta gravidez de Vanda, em meio a três anteriores,
interrompidas por abortos espontâneos. Para a família, apesar das dificuldades
enfrentadas, os filhos significam algo que transcende a racionalidade e o tempo
presente, significam algo que vai muito mais além.
“Alguns pensariam em tudo antes de ter filhos. Já pensa lá na frente, na
adolescência, no sapato que tem que comprar, no estudo que tem que
pagar [...] Sinceramente, se fosse para a gente pensar nisso, a gente
nem teria arrumado”.
“Não sei se é por causa da religião, da renovação, ver nossa vida
mudada por Deus mesmo, que a gente não consegue pensar, nós dois
não conseguimos pensar lá na frente”.
“Filho é a alegria, a felicidade, a continuidade do nosso amor, alguém
que depois você vai dar tudo, que vai cuidar de você”.
O casal havia sido advertido anteriormente que esta era uma gravidez de risco,
em virtude da hipertensão e abortos sofridos, fato este que implicou num
acompanhamento médico regular e minucioso.
Apesar do monitoramento constante e cuidados dispensados, aos sete meses de
gestação, Vanda deu a luz a um bebê prematuro: Gabriela. O súbito aumento de
pressão arterial que inicialmente não havia causado qualquer mal-estar, agora se
transformara num momento de tensão e crise para o casal.
105
Conforme seu estado de saúde se agravava, o médico local viu-se obrigado a
tomar outras medidas de urgência, como a transferência de Vanda de sua cidade para
a cidade do hospital onde realizamos a coleta de dados.
“[...] o doutor de lá se apavorou, ele imediatamente ligou para cá,
porque eu fui fazer o ultra-som aqui, eles já resolveram dar soro,
remédio, medicamento [...]. Aí eles me deixaram dez dias para ver se
tinha essa necessidade de tirar [...]”.
Este é um momento recordado como uma experiência estressante e confusa
para o casal, principalmente diante da possibilidade de um parto prematuro. Em meio à
angústia e incerteza, mesclavam-se sentimentos de medo e solidão.
“Eu fiquei dez dias aqui, sozinha, nessa tensão, meu marido veio aqui,
conversou com o médico e viu que era uma coisa que não tinha o que
fazer, e eu sem saber o que ia fazer, desesperada, ninguém falava
nada [...]”.
Após dez dias de tentativas mal sucedidas no intuito de controlar a crise
hipertensiva por meio de medicamentos, a notícia do parto prematuro foi confirmada.
“A pressão abaixava, tirava o medicamento, subia, tacavam o
medicamento, abaixava de novo [...] Até que no último
eletrocardiograma do nenê, dez dias depois, eles apavoravam porque o
batimento começou a cair. Então fizeram de tudo para ver se não
precisava tirar, mas não teve como, tiveram que tirar mesmo [...]”.
A ansiedade e a expectativa em relação ao nascimento do bebê e seu estado de
saúde invadiam os pensamentos de Vanda.
“Eu fiquei assustada, me deu um medo [...] Eu já tinha feito cesárea, eu
já sabia como era [...] eu não sabia como ia ser, ter o nenê antes da
hora, se ia chorar [...]”.
106
“Você fica preocupada, eu tive medo dela morrer, porque foi
completamente diferente da Joana. A Joana tinha fôlego para chorar, e
ela não, era um choro bem fraquinho”.
Ao mesmo tempo em que compara o parto atual e o parto da primeira filha, outra
comparação é estabelecida: a gestação atual e sua segunda gestação, aquela
interrompida aos oito meses. A semelhança apontada é o episódio de aumento de
pressão arterial.
Entre elas há, contudo, uma diferença significativa e crucial, a possibilidade de
realização do parto, ainda que prematuro de Gabriela.
Um outro fato que remete a uma similaridade entre o bebê prematuro e o bebê
perdido no oitavo mês é o nome inspirado na bíblia, escolhido pelos pais. Na verdade,
Gabriel havia sido o nome originalmente escolhido para o segundo bebê, se este viesse
a nascer.
“[...] nós colocamos o nome nela agora, né. Gabriela [...] É o nome de
um anjo, porque tem São Miguel, São Rafael e São Gabriel. [...] Esse
anjo tem o nome de São Gabriel, e tem a ver com a Gabriela”.
Diante da situação de prematuridade e hospitalização, a sensação de solidão,
estranheza e impotência são constantes. A ausência do marido ao seu lado é algo que
incomoda neste momento tão delicado.
“Eu fico brava, mas ele está lá com a nossa filha também, ele está lá
com a outra [...] Eu tenho mesmo que ter força”.
“Tem dia que você chora, tem dia que você sorri. Eu acho que só por
um filho seu mesmo que você conseguiria [...] Quando é seu filho, não
tem como você sair de perto”.
107
Ao mesmo tempo, demonstra esperança e confiança na equipe médica e nos
procedimentos adotados.
“[...] tem coisa que não tem o que fazer, os médicos mesmo, você não
pode interferir, não tem como, eles sabem o que é bom, eles sabem o
medicamento que vai [...] O que tiver que ser, será, e eu acho que eles
são profissionais. Eu vejo assim, que Deus tem um propósito para tudo
isso que nós estamos passando, mas foi tudo novo, né?”.
Após o parto, Gabriela foi transferida para a U.T.I. neonatal, enquanto Vanda
permaneceu internada por três dias, recebendo medicação a fim de controlar a crise
hipertensiva, antes de poder juntar-se as demais mães no Alojamento.
Vários pensamentos e fantasias surgiram na tentativa de compreender e
assimilar os novos fatos. Nesta fase, surgem a necessidade da mãe proteger seu bebê,
bem como seu desespero e sofrimento ante os procedimentos comumente adotados no
quadro de prematuridade.
“Passava tanta coisa [...] eu fiquei quase louca aqui. Em primeiro lugar
vem a minha filha, eu faria de tudo para que ela ficasse mais um pouco
aqui na minha barriga”.
“Eu pensava que quanto mais dias ela ficasse dentro da minha barriga
[...] Eu já não tinha mais veia para tomar soro, não tinha mais lugar
onde ser picada. Mas eu queria ser picada por ela, no lugar dela”.
“Daí depois eu fiquei com mais sofrimento ainda, porque você não vai
ver só a sua barriga, você vai ver o rostinho dela [...] Quem está sendo
picada agora é ela”.
Mesmo após a alta e com a pressão arterial controlada, sentia-se confusa e
perplexa quanto ao estado de saúde de sua filha. Exaurida e vulnerável, teve
108
dificuldade em dirigir-se e questionar junto à equipe médica sobre o quadro de Gabriela
na U.T.I. neonatal.
“Eu entrava lá dentro, olhava para ela e saía, eu não tinha forças para
perguntar nada [...] Eu saia anestesiada, eu tinha vontade de perguntar,
mas eu não conseguia”.
“Eu saía chorando porque eu não estava acostumada, nunca ninguém
da minha família foi parar em U.T.I. Eu perdi filho, perdi criança, mas eu
não cheguei nem a ver os que eu perdi. Então é diferente, tudo isso é
novidade”.
As dúvidas e a agonia perante a falta de informações sobre o quadro do bebê
foram minimizadas com a chegada de José Paulo ao hospital. Atendendo ao pedido de
Vanda, dirigiu-se à equipe médica para conversar com os profissionais que estavam
acompanhando o caso.
“Ele chegou, me perguntou o que estava acontecendo, eu falei que não
tinha forças para perguntar nada. Ele falou: ‘como você não perguntou
nada para o médico sobre o que estava acontecendo?’ Eu falei que não
conseguia perguntar. Daí ele saiu correndo e foi lá ver ela, ele conversou
direitinho”.
Os médicos explicaram que Gabriela estava reagindo bem, embora tivesse
perdido peso. Entretanto, isso era algo normal, principalmente em virtude dos
medicamentos. Tendo conversado com a equipe, José Paulo repassou as informações
a Vanda, que enfim, viu-se mais tranqüila.
O casal possuía noção da gravidade do quadro, demonstrando estarem
conscientes de que seria um lento e longo processo, representando inclusive um tempo
de hospitalização prolongado.
109
“Eu tenho que procurar em Deus e ir me acalmando, porque agora que
está começando. Eu já coloquei na minha cabeça que é bem isso, dois,
três meses. Eles têm todo um procedimento, medicamento, tudo na
hora certa. Eu já sei bem que é rezar e pedir a Deus, eu já sei que é
bem isso que eu vou ter que enfrentar”.
Quanto à amamentação, várias tentativas foram feitas no intuito de estimular a
lactação e poder amamentar a primeira filha Joana. Ainda que nutrisse um grande
desejo de amamentar, Vanda não pôde, não conseguiu, uma vez que não produzia leite
suficiente. Após o primeiro mês de vida do bebê, atendendo às recomendações
médicas, introduziu o leite em pó na dieta deste.
O mesmo obstáculo estava se repetindo com Gabriela, porém, a situação atual
possuía um agravante: a impossibilidade de ter a pequenina em seus braços. Mãe e
filha estavam separadas por sondas, incubadoras, vidros, enfim pela atmosfera nada
acolhedora de um hospital.
“A Joana eu não senti muito porque ela estava comigo. Mesmo que
fosse para tentar uma mamadeirinha, eu fiz com o maior carinho [...]”.
Consciente dos benefícios promovidos pelo leite materno aos bebês recémnascidos, Vanda infere seu sentimento de tristeza e impotência ao se dar conta da
fragilidade de seu bebê pré-termo. Ao lado da cobrança interna sobre a amamentação,
prevê uma cobrança externa por parte da equipe médica.
“Só que agora eu fico mais nervosa ainda porque eu sei que ela está
saindo do sorinho, a primeira coisa que eles vão querer fazer é isso [...]
E eu sabendo que eu estou tirando muito pouco leite [...]”.
“A gente pode tentar, também não vai morrer de fome por causa disso.
Eu não vou ficar me culpando, a gente fica triste. Mas eu já estou
110
sabendo que da outra foi assim. Lógico que seria bom para ela [...]
Você fica meio assim, meio impotente, principalmente neste estado que
ela está”.
Durante a realização da entrevista, a mãe comenta que o casal havia sido
orientado a evitar gestações futuras, antes mesmo da concepção de Gabriela.
Receberam sugestões de fazer uma cirurgia para a ligação de trompas – laqueadura –
bem como pensaram também em vasectomia. Ainda não definiram qual será o método
adotado, mas esta será uma das primeiras providências a serem tomadas quando
voltarem para a casa, após a alta do bebê.
“Agora é se prevenir, agora é ter consciência de que realmente é uma
coisa muito séria, já tentamos mais um, se der certo [...] Se não der eu
acho que não dá para arrumar mais”.
Para a família, é de extrema importância focalizar o momento presente antes de
pensarem em planos futuros. Atualmente, estão com todas as atenções voltadas para a
recuperação de Gabriela, encontram-se absorvidos nesta empreitada pela vida.
“Para a minha filha que está aqui, penso em sair com ela daqui, só isso.
É lógico que eu penso em muita coisa, cada passinho dela, ficar com
ela lá fora, muita coisa. Mas não tem como pensar em nada agora, a
não ser ela sair daqui”.
111
2- Segundo caso: A Família Soares
Primeira
esposa
(falecida)
Adriano
Keila de
Fátima
20 anos
29 anos
Renan
Alan ou
Vinícius
2 anos
prematuro
Figura 2: Genograma da família Soares
História
O namoro de Keila e Adriano foi uma fase intensamente marcada por
desentendimentos e segredos. O casal Soares é de origem rural. Eles se conheceram
através da irmã mais velha de Keila, a qual contava com dezessete anos na época.
Ambas as filhas, Keila a caçula e, Marisa, a mais velha, residiam com a avó em uma
cidade do interior paulista, enquanto os demais familiares – os pais e outros três irmãos
homens moravam em uma pequena cidade, próxima dali.
Keila trabalhava como empregada doméstica quando Marisa lhe apresentou o
primo de seu namorado. O casal começou a se conhecer, iniciando um namoro às
escondidas que perdurou por cerca de oito meses.
112
“Meu pai não deixava a gente namorar. Na época eu tinha dezessete
anos e eu acho que ele não aceitava porque eu era a caçula. Eu acho
que ele tinha muito medo de me perder, então, ele não aceitava de jeito
nenhum . [...] Sempre eu dava uma... fazia uma mentira, eu sempre
saía meio escondido, eu sempre falava que ia em algum lugar, mas eu
ia encontrar com ele”.
Marisa, a irmã mais velha, era a única que sabia do relacionamento e também
era quem auxiliava o casal nos encontros secretos, que aconteciam a cada dois ou três
dias. A decisão de manter segredo sobre o assunto partiu de Keila, pois acreditava
piamente que seu pai reprovaria o envolvimento caso viesse a saber do fato.
Essa crença povoava os pensamentos de Keila por vários motivos: pelo fato de
nunca ter namorado antes, por ser a filha mais nova e, sobretudo, porque seu pai era
uma pessoa de temperamento difícil, cujo principal defeito era fazer uso de bebida vez
por outra. Isso, segundo ela, criava uma série de dificuldades que se refletiam na
relação e no convívio familiar.
“De vez em quando ele bebe [...]. Quando ele bebe, ele fala um pouco
na cabeça da minha mãe, mas ela atura, né? Fala assim, sabe, mas no
outro dia ele já não lembra mais de nada, só de falar abobrinha na
cabeça da minha mãe. Eu acho que nem ele mesmo sabe o que está
falando. Agora nós, os irmãos... Eles não aceitam meu pai ficar falando,
então já começa aquele rolo, começam a ficar bravos, começam a falar.
Mas quando ele está são, é as mil maravilhas”.
Ao relembrar do tempo em que morava com sua família de origem e os
desentendimentos causados pela relação do pai com a bebida, Keila reflete sobre o
jeito de ser de seus pais, comentando sobre as características que teria herdado dos
mesmos.
113
O termo “ruim”, atribuído ao pai durante vários momentos do relato, aparece não
somente em referência à figura paterna, mas como uma característica herdada, que
identifica a si mesma, seu próprio jeito de ser.
“[...] eu sou quase igual a minha mãe, sou meio quieta, não gosto muito
de conversa, não gosto de coisa errada, não aceito, não admito. E o
lado do meu pai é que eu não sou muito boa, eu sou muito ruim”.
“Ruim assim, quando eu vejo coisa errada, eu quero falar, eu não
agüento segurar [...]. E por outro lado, eu sou quieta porque... às vezes
minha mãe também é muito quieta, às vezes eu também vejo coisa
errada e fico quieta. Então fica assim, dividido. De um lado eu sou boa
e de outro eu sou ruim”.
Ela acredita que o jeito quieto e reservado de sua mãe criou um certo
distanciamento entre ambas, uma vez que Keila também apresentava alguma
resistência em chegar até sua mãe para conversar e tirar dúvidas básicas acerca de
suas vivências mais íntimas, principalmente em relação à sua sexualidade e
feminilidade.
Mãe e filha nunca tiveram a oportunidade de conversar sobre menstruação,
relações sexuais ou gravidez. Esses não eram assuntos discutidos claramente no
interior de sua família de origem, pelo contrário, sempre configuraram uma espécie de
assunto secreto, um tabu. A compreensão de tais temas, chegou de forma solitária,
somente com as vivências práticas.
“Essas coisas de relação sexual, gravidez, menstruação, eles não
conversavam, eu não ouvia eles falando sobre isso, nunca foi
conversado, foi aprendido sozinha mesmo, quando aconteceu”.
114
“Na verdade, eu nem sabia sobre o que era ser mãe, porque minha
mãe nunca comentava comigo, nunca falava comigo, nunca me
explicou. Sempre foi uma coisa meio escondida, porque eu aprendi a
ser mãe mesmo, depois que eu tive um filho, eu aprendi sozinha. Eu até
pensava comigo: ‘Será que é bom ser mãe, será que não é, será que
eu vou saber?’. Porque nunca ninguém me falou. Então foi onde eu
acabei aprendendo sozinha e agora, eu sei o que é ser uma mãe”.
Para Keila, uma das características essenciais da maternidade é a força, é ser
forte. Característica essa identificada e admirada em sua própria mãe.
“Eu acho que uma mãe tem que ter muita força, muita força para
agüentar muitas coisas. Eu percebo essa força na minha mãe, por ela
ter visto tudo o que eu passei, acho que se fosse no meu lugar, eu acho
que eu nem ia agüentar”.
Se por um lado Keila imaginava que seu pai não aceitaria seu namoro com
Adriano, quando questionada sobre a atitude do mesmo em relação a sua irmã mais
velha, Marisa, o mesmo não ocorria. Aliás, a história de sua irmã também foi
relembrada durante a entrevista como uma história cercada de sofrimento, turbulências
e mistérios.
Sua irmã morava com a avó desde os três anos de idade e, aos doze, conheceu
um homem, apresentado pela a avó; envolvendo-se com ele, engravidou após pouco
tempo. Esse envolvimento ocorreu contra a vontade de sua irmã, sendo praticamente
obrigada pela avó a deitar-se com ele. Até os dias de hoje, este fato não foi bem
assimilado pelos familiares e a avó recusa-se a tocar nesse assunto.
“[...] ela teve três filhos de um homem que ela nunca amou, ela nunca
chegou a amar ele, ela não sabia nem o que era um homem, uma
pessoa, o amor. Desde o começo, ele saia, largava ela sozinha e
quando voltava, batia nela. O apego do meu pai era mais comigo”.
115
Enquanto Keila estava namorando pela primeira vez, Adriano já havia sido
casado, enviuvando após três anos de casamento. Segundo sua concepção, o jeito
sincero de Adriano, aliado ao fato de ser mais velho, ter sido casado, enfim, ser mais
experiente foi o que chamou a sua atenção.
“[...] ele contou toda a vida dele para mim, e eu até gostei, foi onde eu
me apeguei e pensei comigo: ‘ele não está mentindo, ele está contando
toda a vida dele para mim’. Eu gostei dele ser aberto, sincero. Foi onde
eu me apeguei nele, acabei gostando dele, eu gosto, né, e acho que
vou gostar para o resto da vida”.
Entretanto, um dos principais traços de Adriano e que marcaria fortemente os
tempos de namoro – suas crises de ciúmes e desconfianças – ainda não havia sido
percebido por Keila.
Ao descrever o marido, ela novamente lança mão de um adjetivo atribuído ao pai
e a ela mesma: ser “ruim”. Esse traço seria uma herança advinda de seu sogro, pai de
Adriano e que, mais tarde, viria influenciar o relacionamento do casal.
“[...] ele puxou mais o pai dele, meu sogro, porque o pai dele foi muito
ruim com os filhos, com a mulher. [...] uma época, quando eles eram
mais novos, ele bebia, brigava com os filhos, e eu acho que um pouco
isso ele puxou, porque como se diz, ele é bom né, só que é bom de um
lado. Um lado ele é muito bom, ele é bom de conversar , de falar com
as pessoas, só que não pode deixar ele agitado, com raiva, porque
quando ele vê alguma coisa errada, ele já fala, então...”.
Em contrapartida, Keila não sabe explicar muito bem o que deixou seu marido
atraído por ela. Ela acredita que foram seu companheirismo e sinceridade, e que ambos
se apaixonaram à primeira vista.
116
“Eu perguntava o que ele tinha visto em mim, o que ele achou, porque
que ele se interessou justo por mim com tantas pessoas lá fora. Ele
falou para mim que tinha gostado de mim porque eu era sincera e ele
se apegou muito em mim, e eu acho que foi isso, acho que o amor,
quando o amor acontece... Ele falou que nunca tinha sentido por
ninguém aquilo que ele estava sentindo por mim, nem pela primeira
mulher dele”.
O casal continuou se encontrando secretamente durante todo o namoro.
Contudo, tal situação, aos poucos, foi incomodando Adriano, aflorando nele um intenso
sentimento de ciúmes e desconfianças a respeito da fidelidade de Keila.
Nesta fase, as brigas e desentendimentos do casal, em virtude do sentimento de
Adriano, eram constantes. Esse aspecto melhorou somente após a decisão de morarem
juntos.
“Ele tinha muito ciúmes de mim, ele falava: ‘você tem outro, você não
quer deixar eu ir conversar com o seu pai porque você tem outro’. E
falava para eu largar do outro, falava desse jeito. Não era sempre que a
gente se via, ele ficava mais bravo ainda quando não dava para se ver
e falava: ‘você tem outro, no final de semana você vai lá e fica com ele,
e aqui essa semana você fica comigo’. Eu falava para ele não ir
conversar com o meu pai porque o meu pai era ruim, ele não ia aceitar”.
As tentativas de explicar o porquê do temor em fazer tal revelação ao seu pai
eram infrutíferas frente a idéia fixa de Adriano. No entanto, ele somente foi capaz de
compreender os motivos de Keila quando, finalmente, após oito meses de namoro,
confrontou-se com o tão temido sogro para pedi-la em namoro.
“Quando eu tentei falar para o meu pai que eu estava namorando,
nossa, ele ficou uma fera, sabe? Mandou eu sair do meu serviço,
mandou eu ir embora, não aceitou de jeito nenhum, daí ele falou: ‘não
manda o moço vir aqui porque vai acabar sobrando!’. Daí, depois de
oito meses ele encarou meu pai, ele foi, pediu para o meu pai, meu pai
não deixou, mas mesmo assim eu continuei namorando escondido”.
117
“Daí foi onde eu fiquei brava, nervosa porque meu pai não aceitava e
acabei engravidando, engravidei eu tinha dez meses de namoro. Não
tinha nada pronto, casa nada, fui morar com a sogra, com a mãe dele.
Meu pai logo aceitou, ficou bravo no começo mas aceitou”.
A primeira gravidez ocorreu quando contavam com dez meses de namoro. O
casal não fazia uso de qualquer método contraceptivo e, por Keila não ter um ciclo
menstrual regulado, o atraso na menstruação foi visto como algo normal, natural.
Passados cerca de quatro meses da última data em que deveria ter menstruado,
um sentimento de preocupação levou Keila a conversar com sua irmã. Marisa alertoulhe da possibilidade de gravidez frente a um lapso de tempo tão significativo,
recomendando-lhe que realizasse um teste de gravidez.
“Ela me pegou, me levou, fiz o exame, depois de três dias ela foi buscar
o resultado para mim, e o resultado deu positivo, é claro, né?”
Diante da confirmação da gravidez, o casal teria um segundo empecilho a
enfrentar além da desaprovação do namoro; agora, esperavam um filho. Como dar tal
notícia aos pais de Keila, principalmente ao pai que se recusava a aceitar o
relacionamento da filha?
Sentimentos de medo, insegurança e decepção foram inferidos ao retomar a
passagem da confirmação da gravidez. Medo e insegurança pelo temor do
posicionamento paterno frente à notícia e decepção porque, em seu íntimo, Keila sabia
que aquele filho havia sido muito mais desejado por Adriano do que por ela.
“Ele queria muito um filho, ele queria muito. Ele até falava para mim: ‘eu
vou roubar você, você vai casar comigo, nós vamos embora’. Ele fazia
118
planos de fugir, só que eu tinha muito medo. Ele falava: ‘nós vamos
fugir, escondido ou sem esconder, mas vamos fugir’ “.
“Foi muito difícil, eu sofri muito. A gente não se prevenia, eu ainda
queria tomar remédio, só que ele não deixava. Ele queria muito ter um
filho, esse era o sonho dele. E quando ele me falava isso, eu pensava
que era bom, que era uma boa idéia, só que o medo, né? Eu tinha
muito medo do meu pai, medo de acontecer alguma coisa, medo de
não aceitarem, o meu pai falava que se acontecesse alguma coisa, eu
morava com a minha avó, minha avó que ia se danar”.
Deste modo, a gravidez não planejada repercutiu de forma contrastante em
ambos os cônjuges. Por um lado, Adriano almejava ter um filho, esse era seu maior
sonho; enquanto que, para Keila, ter uma criança naquele momento poderia
representar seu pior pesadelo. Diante dessa situação, a possibilidade de realizar um
aborto foi cogitada.
“Foi muito difícil, nossa... Eu até pensei em ... abortar. Eu pensei: ‘vou
abortar, ver se eu tento tirar’. Eu pensei nisso porque eu fiquei com
muito medo”.
Seguindo os conselhos da irmã Marisa e pensando no desejo de Adriano de ser
pai, Keila acaba afastando a idéia de interromper a gravidez.
O próximo passo seria contar a novidade ao companheiro. Este foi um momento
bastante difícil, pois se sentia decepcionada consigo mesma e com Adriano também,
chegando a acreditar que o mesmo possuía uma parcela de culpa frente ao ocorrido.
“[...] para mim, Deus o livre, foi uma decepção danada, decepção por
medo, né? Era muito medo que eu tinha, decepção com ele, porque eu
não queria que ele fizesse aquilo. Eu falava para ele que eu não queria,
que não era a hora ainda, só que ele... . Eu ficava brava com ele, eu
xinguei ele por telefone e falei: ‘a culpa é sua, agora você é que vai
levar!”.
119
As tentativas de esconder a gravidez de seus pais e de sua avó, com quem
residia na época, foram mal sucedidas; além de sentir um mal-estar generalizado e
enjôos freqüentes, o ventre de Keila crescia a olhos vistos, pois já estava no quarto mês
de gestação. Foi quando sua avó percebeu algo errado, puxou sua blusa e
imediatamente deu-se conta do que estava acontecendo.
“Ela perguntou se eu estava, eu acabei mentindo e falei que não. Ela
falou: ‘você não vai me enganar, eu sei que você está mesmo grávida’.
Eu falei: ’eu estou mesmo grávida, não vou mentir, só que eu quero que
por enquanto fique meio quieto’. Eu queria dar a notícia para o meu pai
e para a minha mãe, só que ela não agüentou. Ela ligou no dia seguinte
para a minha mãe e já soltou a bomba!”.
A notícia da gravidez deixou a mãe de Keila desconcertada e nervosa.
Combinaram então que a mãe comunicaria a novidade ao pai, pois Keila, sua irmã e
sua mãe temiam as reações do pai e que, segundo suas previsões, não seriam nada
acolhedoras.
Contrariando às expectativas, seu pai reagiu de forma um pouco diferente do que
imaginavam com a chegada de um neto. Mesmo tendo reagido de forma menos severa,
ainda assim deixou bem claro o seu posicionamento quanto à gravidez e como
deveriam ficar as relações familiares a partir dali.
“Minha mãe foi lá, contou para ele e ele falou: ‘nossa, mas como foi
acontecer uma coisa dessas ?’. Eu pensei que ele ia fazer uma
tempestade, só que eu acho que de tanto nervo que ele ficou, ele ficou
mais calmo do que eu esperava. Eu imaginava que ele ia matar o meu
marido, porque ele sempre falava que não queria, que não aceitava
[...]”.
120
Segundo a vontade do pai, Keila não deveria mais vê-lo e nem sequer passar
perto do portão da casa de sua família de origem. Grávida, praticamente expulsa da
casa dos pais e sem poder retornar a casa da avó, Keila e Adriano resolvem morar
juntos na casa dos pais de Adriano, numa fazenda.
Os pais de Adriano são descritos como pessoas simples, humildes, do meio rural
como ela e sua família de origem. A ausência de receptividade e acolhimento por parte
de seus familiares foi recompensada pelos de Adriano, que a receberam de braços
abertos, em especial a mãe dele, sua sogra.
“Eu fui acostumando com a idéia da gravidez, fui acostumando a morar
com a sogra porque ela é muito boa demais, nós nunca tivemos uma
discussão, a gente se dá muito bem. Ela não parece uma sogra, ela
parece minha segunda mãe”.
Keila acredita que a gravidez inesperada precipitou os planos de união do casal.
Haviam conversado sobre o assunto e Adriano em especial, nutria o desejo de
oficializar a união na época em que namoravam, mas o pai de Keila se opunha,
alegando que a filha era muito nova e que não assinaria os papéis do casamento em
hipótese alguma.
Os planos referentes à oficialização da união aparecem até os dias de hoje no
imaginário de Adriano, o qual planeja guardar dinheiro para tanto.
Para Keila,
entretanto, esse aspecto já não possui a mesma importância, já não tem o mesmo
significado que tivera nos tempos de namoro.
“Eu acho que agora que a gente tem filho, não compensa. Sei lá, eu
quero casar sim, mas eu fico meio insegura por ter filho, eu acho que
121
não é mais aquela coisa bonita, não vai mais ter graça. Eu penso
assim, mas ele já pensa diferente”.
Com a união do casal, a mudança de casa e a gravidez, Keila parou de trabalhar
fora como empregada doméstica e Adriano permaneceu trabalhando no meio rural com
criações de animais como vacas, cavalos e carneiros. Essa modificação no arranjo de
vida do casal foi sentida de forma ambígua e conformista.
“[...] eu fico contente de um lado porque ele está me ajudando, está
fazendo uma coisa que é coisa de homem. E por outro eu já fico triste
porque eu quero trabalhar para ajudar ele, é bom a gente poder ajudar.
É bom porque aumenta as coisas, dá mais coisas para os filhos da
gente, mas enfim... se eu não posso, fazer o quê?’’.
Assim, a função provedora ficou exclusivamente a cargo de Adriano, o qual
acreditava que o sustento da família devia ficar aos cuidados do homem. Esse
comportamento é percebido como uma demonstração de cuidado, afeto e proteção por
Keila.
“Eu até queria trabalhar fora de novo, mas ele fala que se ele amigou
comigo, é para ele tratar de mim, e não para eu precisar trabalhar. Ele
sempre fala para mim: ‘é, você trabalhava, só que antes não tinha eu,
agora como eu sou o marido, quem vai sustentar você e os filhos, sou
eu’”.
A primeira gestação foi marcada por recorrentes sensações de mal-estar, enjôos
e tonturas. A aceitação da mesma, segundo Keila, deu-se somente no último trimestre.
“Eu fui acostumando, estava gostando de ter um filho, de ser o primeiro.
Até que eu fui acostumando, chegou num ponto, uns sete, oito meses
que eu falei: ‘ah, eu estou contente, seja lá o que Deus quiser, vou ter
esse filho, vou cuidar e vai dar tudo certo’”.
122
Decorridos os nove meses de gestação, nascia de parto normal o primeiro filho
do casal, um menino. Adriano havia pensado em chamar o bebê de Vinícius, pois era
um nome que ele e sua mãe achavam bonito. Já Keila não gostava desse nome, queria
um nome curto e de fácil pronúncia como Alan ou Caio.
O bebê contava com cinco dias de vida, quando ao assistir uma telenovela,
Adriano viu um ator e gostou de seu nome – Renan – comunicando a Keila sobre o
nome escolhido por ele.
Apesar do casal não chegar a pensar sobre o sexo do bebê, em outras épocas
de sua vida, Keila relata que já havia cogitado nomes para o caso de gerarem uma
menina, Vitória ou Patrícia Carolina.
“Vitória porque eu acho que foi uma vitória o que aconteceu na minha
vida, porque eu sofri muito no começo da minha gravidez, fiquei com
muito medo, então eu acho que ter um filho é uma vitória. Patrícia
Carolina foi por causa da minha irmã, para fazer um gosto dela”.
Renan é descrito como uma criança esperta, arteira, difícil de obedecer e
bastante apegada ao pai, o qual tem mais paciência com ele. Enquanto o pai tenta
chamar a atenção do garoto, apontando as coisas erradas, conversando ou colocando
de castigo, a mãe logo perde a paciência e acaba dando umas boas palmadas.
Keila encontra algumas dificuldades na educação de Renan, principalmente por
ser novo ainda e não entender as coisas direito. Muitas das tentativas do casal de impor
limites acabam virando engraçadas cenas, onde pai e mãe se entregam ao riso.
“Por ele ser muito novinho ainda, ele não entende, então o que
acontece? Ele acaba saindo, acaba falando muito e a gente acaba
dando risada, a gente como pai e como mãe acaba derretendo”.
123
Após o nascimento de Renan, o casal começou a fazer uso de contraceptivos –
pílula anticoncepcional – a fim de evitarem uma nova gestação, pois ambos os
membros do casal não desejavam uma nova criança naquele momento.
“[...] ele falava para mim que não queria ter mais, ele não queria e eu
também não. Eu pensava comigo que eu até queria, mas não tão já
porque o outro estava muito novo, então eu achava que não
compensava ter uma gravidez adiantada porque eu ia sofrer, né? Ele
falava para mim: ‘evita, evita’. Eu também evitava, mas o que
aconteceu?”.
Apesar de usando a pílula de modo correto e regular, no término da última
cartela, não foi possível comprar novamente o medicamento, devido à distância da
fazenda onde a família morava e a farmácia da cidade mais próxima.
“[...] como a gente morava em outra fazenda, era muito longe para
chegar na cidade. Eu estava tomando o remédio certinho, na hora que
eu não pude comprar, porque eu não pude ir na cidade, no dia que era
para mim tomar, eu não tinha o remédio”.
“Eu fiquei sem o remédio e fui no médico para poder comprar, o médico
falou assim: ‘olha, você está regulada, certinho, não pode tomar o
remédio agora, no meio do período. Você espera descer um mês e aí
começa tudo de novo’. Eu falei que estava tudo bem, mas no meio
deste período, eu acabei ficando grávida, acho que foi nesses quinze
dias que eu fiquei sem [...]”.
Esta seria a segunda gravidez de Keila. Novamente, predominaram os
sentimentos de medo, ansiedade e ambivalência, tal como na primeira gestação. Além
de acreditar que aquele não era o momento mais propício para terem outro filho, uma
de suas principais preocupações era com relação à amamentação de Renan, que na
época estava com um ano e quatro meses de idade.
124
Para a família Soares, a concepção é vista sob dois enfoques aparentemente
opostos. Por um lado, aparece como uma dádiva, um “presente de Deus” e pelo outro,
representa uma espécie de desafio ao qual precisam se “acostumar”. Assim, tanto na
confirmação da gravidez de Renan como na última, há um lento processo de
assimilação e aceitação da chegada de um novo membro, até que a família possa lidar
realmente com este novo arranjo de vida.
“[...] eu fiquei muito nervosa e ele também: ‘nossa, não era para ter
acontecido, mas em todo caso, já aconteceu, não podemos fazer nada,
deixa que venha’. [...] parece que foi uma coisa, acho que foi Deus
quem mandou, porque a gente nada faz sem Deus [...]. Chegou um
ponto que a gente tinha que se acostumar, só que não entrava na
cabeça que eu estava de novo, eu tinha o outro muito novinho, eu
pensava no outro. Ficava com medo dele ficar doente se tirasse ele do
peito, se parasse de amamentar, porque eu não podia mais amamentar,
eu estava grávida”.
“Há um tempo atrás ele ficou sabendo que eu estava grávida de novo,
ele não ficou assim, muito contente, porque não estava nos nossos
planos ter um filho tão já perto do outro, só que agora ele acostumou”.
A receptividade da gestação para o casal e mais especificamente para Keila
assemelhava-se uma vez mais à primeira gravidez, quando surgem idéias de
interrompê-la por meio de um aborto provocado. Este ponto, aliás, foi fruto de uma séria
desavença entre os parceiros.
“Eu pensei assim: ‘vou ver se eu consigo tirar, porque eu já tenho o
outro, novinho, para mim, ter outro agora, vai ser difícil’. Eu só pensava,
imaginava. Mas um dia eu cheguei a comentar com o meu marido,
nossa, ele ficou louco de bravo comigo, xingou, falou: ’vai que você
pega um remédio e não dá certo, vai que prejudica você e o bebê’. Daí
eu pensei comigo: ‘vai que vai ser pior?’. Então eu achei melhor deixar
como estava”.
125
Esta segunda gravidez também foi marcada por episódios de mal-estar, tonturas,
enjôos e sono excessivo. O acompanhamento pré-natal foi iniciado somente por volta
do sexto mês de gestação, sendo que Adriano procurava estar ao lado da esposa
durante as visitas médicas sempre que podia.
“Eu comecei a fazer pré-natal certinho, só que eu já estava de seis
meses. Eu sabia e não sabia que estava grávida, eu tinha até medo de
ter muita certeza por causa do meu outro filho [...]. Nessa última
gravidez quem me acompanhava era o meu marido, ele mesmo queria
entrar e conversar com o médico. [...] ele me ajudou muito, todo lugar
que eu ia, ele ia junto, tanto que eu ia nos postos fazer o pré-natal, ele
ia junto”.
Por volta do sétimo mês, Keila começou a sentir fortes dores na barriga, sem
entender o motivo.
Pouco tempo se passou até que numa certa manhã, ao acordar e levantar de
sua cama, Keila teve a sensação de estar urinando involuntariamente. Assustada,
chamou sua sogra que estava passando uma temporada em sua casa para ajudá-la
nos afazeres domésticos e nos cuidados com Renan.
A sogra advertiu que aquele líquido não era urina e sim o líquido proveniente da
bolsa que havia rompido. Este seria um primeiro indício da necessidade de se realizar
um parto prematuro aos sete meses de gestação.
“[...] eu levantei da cama normal, do jeito que eu levantei, eu vi uma
água escorrendo, só que para mim, eu estava fazendo xixi na calça, eu
não sabia. Eu falei para a minha sogra que eu estava fazendo xixi na
calça e não estava sentindo, ela falou que achava que não era, que
achava que a bolsa tinha estourado. Eu falei: ‘nossa, mas não pode,
não é não’. Ela perguntou que tipo de líquido era, se tinha algum cheiro
e eu falei que era um líquido grosso e que o cheiro não era muito bom”.
126
Com o rompimento da bolsa, Keila foi levada ao hospital mais próximo da
fazenda onde moravam, sendo transferida para a cidade de Assis dois dias depois. Já
em Assis, a notícia do parto prematuro foi confirmada, causando apreensão, temor,
ansiedade e várias expectativas em relação ao estado de saúde do bebê ao nascer.
“[...] eu estava com muito medo, meu Deus, eu pensava comigo: ‘será
que vai sair bem, será que vai sair perfeito, será que não vai chegar a
morrer, por ser novinho demais?’”.
A preocupação preponderante do casal era saber se o bebê sobreviveria após o
parto e, se o fato de ser prematuro, poderia causar alguma espécie de dano posterior à
criança.
“Eu falava: ‘será que não vai acontecer nada, será que ele agüenta?’.
Meu marido ficou com medo também , aquele desespero, e agora? Ele
falava: ‘nossa, não era para ter vindo antes, e agora, será que...’. Ele
tinha medo de vir com problema, por ser prematuro, tinha medo de vir e
não agüentar”.
Mesmo não tendo apresentado qualquer problema de saúde durante a gestação
que indicasse uma gravidez de risco ou a necessidade de um parto prematuro, Keila
acredita que a prematuridade se deu em virtude de esforços físicos e de uma forte gripe
contraída poucas semanas antes.
“Eu desconfio que eu carreguei muito peso no começo, eu carregava o
meu outro filho, que é bem gordinho, então acho que acabou
prejudicando. Daí, logo no final eu tive uma gripe muito forte, acabei
tossindo e acho que forçou. Eu fui no médico e ele falou: ‘olha, essa
tosse aí está prejudicando sua barriga, quanto mais você tosse, mais
seu bebê desce para baixo’. Daí, não teve jeito, eu tive parto normal,
não agüentou mesmo, ele quis vir adiantando, acabou nascendo”.
127
Após o parto, o bebê foi transferido para a U.T.I. neonatal, enquanto Keila, após
a alta, instalou-se no Alojamento com as demais mães.
Inicialmente, sem entender muito bem o que estava se passando, a
prematuridade deixou-lhe receosa, apreensiva, temerosa frente ao destino do bebê que
agora estava distante dela, cercado pelas sondas e pelos vidros da incubadora.
“[...] eu fiquei com muito medo, passava tudo na minha cabeça, eu
pensava: ‘meu Deus, ficou por sete meses aqui na minha barriga e
agora eu vou perder meu filho?’. É muita dor demais”.
“Eu vi ele com os aparelhos, tudo, nossa, eu sofri muito, eu fiquei muito
nervosa, eu não acreditava, eu tinha dó, tinha medo de acontecer
alguma coisa com ele, tinha medo de perder ele, tinha medo dele não
agüentar”.
À medida em que o bebê da família Soares foi tendo uma boa evolução na U.T.I.
neonatal, aos poucos foram sendo retirados alguns aparelhos como a sonda de
alimentação. Esse foi um importante passo em direção à recuperação relembrado por
Keila. Frente a isso, sentia-se menos aflita e mais confiante por estar mais próxima de
seu filho, pegá-lo no colo e, sobretudo, por poder amamentá-lo em seu seio.
“[...] ele estava se alimentando pela sonda, estava com soro na veia, é
muito difícil pensar, ver ele nessa situação. Mas agora eu já estou mais
calma, porque ele já saiu do soro, já saiu da sonda e eu estou
amamentando ele no peito. O médico falou logo logo ele já pega alta e
pode vir junto comigo, nossa, é um alívio para mim”.
“Eu estou com bastante leite, ele mama bem até. Quando eu vejo ele
[...]. Agora eu me sinto mais aliviada, porque antes eu estava insegura,
com medo de perder ele, mas agora, como eu vi que ele tirou os
aparelhos, que está mamando em mim, acho que eu estou com mais
força”.
128
Até o momento da realização da entrevista, o casal ainda não havia escolhido o
nome do bebê. Se fosse uma menina, Keila manteria os nomes que haviam sido
cogitados anteriormente: Vitória ou Patrícia Carolina; enquanto que Adriano, apesar de
não mencionar nomes femininos, gostaria de colocar Lílian, nome sugerido por sua
mãe.
“[...] um dia ele falou que queria colocar Lílian, mas foi a minha sogra
também que indicou. Ela falou para ele que era um nome bonito. Aí eu
falei que não achava feio, que achava bonito, mas era melhor esperar e
ver o que era. Agora, veio menino e eu não sei, estou esperando ele
para a gente conversar, porque eu mesmo, não quero tomar a decisão
sozinha”.
A mãe relata que gostaria que tivessem uma menina, pois assim teriam um casal
de filhos. O pai, por outro lado, comemorou o nascimento de um menino, pois o mesmo
acreditava que uma menina poderia, posteriormente, trazer alguma dificuldade para o
casal em relação a criação de dois filhos de sexos diferentes.
“Ele gostou que foram dois meninos, porque ele sempre falava que uma
menina não ia muito bem não, porque já tinha um menino, talvez
brincassem de coisa que não deve, pode ficar pelada, agora menino... .
Ele pensava na diferença, então ele achava que não era bom”.
Com relação ao nome do bebê, o casal divergia, tal como na primeira gestação.
Pela vontade de Keila, deveriam chamá-lo de Alan, e pela vontade de Adriano,
deveriam chamá-lo de Vinícius.
“Eu pensei em Alan porque começava com a letra do nome do meu
marido e é quase igual ao nome do outro, então fica pequeno e
parecido. Agora, Vinícius, eu não sei de onde ele tirou, nem deu tempo
de perguntar, e a gente nem conversou sobre isso durante a gravidez.
129
Daí, ficou assim, está sem nome, ou Vinícius ou Alan, vai depender
dele”.
A relação com a família de origem de Keila foi retomada pouco tempo após o
nascimento do primeiro filho Renan. O casal voltou a freqüentar a casa dos pais dela
normalmente.
A família Soares não possui um círculo de amigos, sendo que as relações
estabelecidas fora do lar voltam-se praticamente para as famílias de origem de Keila e
Adriano.
“Amigo, essas coisas a gente não tem, nem da parte dele porque ele é
assim uma pessoa muito quieta, insegura, ele não gosta de pessoas
que bebem, fumam, ele detesta bêbado, ele não gosta de porta de bar.
Eu também não, então a gente se volta mais para a família, amigos
mesmo, não tem, é mais a família”.
Keila relata que pouco tempo antes da entrevista, o casal mudou-se da casa dos
pais de Adriano, onde residiam desde a primeira gravidez de Keila para uma outra
fazenda, em que Adriano passou a trabalhar. Apesar de gostar de morar na casa da
fazenda onde estão agora, de ser um lugar bonito e agradável, a família Soares sente
falta de ter um lugar que seja seu de fato.
“A casa não é nossa, ele arranjou emprego lá e a gente foi morar lá. Só
que às vezes eu sinto falta da gente não ter uma casa nossa, um lugar
nosso [...]. Eu sinto porque e se um dia a gente precisar mudar, não vai
ser minha, eu não vou poder colocar uma coisa aqui, outra ali, às vezes
não pode né? Então é difícil a gente não ter uma coisa realmente da
gente”.
130
Quando pensam no futuro dos filhos, o maior desejo do casal é que os mesmos
possam crescer, tornarem-se pessoas fortes e que possam construir sua própria
família.
A alta hospitalar do bebê prematuro e sua recuperação representam um
importante desafio, constituindo um momento especial, aguardado ansiosamente pela
família Soares.
“Espero que eles cresçam com saúde, com força, que tenham uma
casa, uma vida, que arrume uma pessoa que faça feliz. É tudo o que a
gente quer, que eles não sofram, que siga o rumo deles, que sejam
pessoas boas, que vivam com a mulher, que tenham os seus filhos
também. Para o meu filho que está aqui, que ele saia dessa situação,
que viva bem, cresça bem, pegue bastante saúde, desejo que ele saia
logo daqui, porque eu não vejo a hora de ir embora”.
131
3- Terceiro caso: A Família Alves
Mário
Ricardo
Angelina
Ap.
36 anos
23 anos
André
Ricardo
prematuro
Figura 3: Genograma da família Alves
História
Angelina teve uma história de vida inconstante. De origem humilde, morava com
sua mãe, seu padrasto e outros dois irmãos desta segunda união. Não chegou a
conhecer seu pai biológico e não demonstrou, ao longo de sua vida, qualquer interesse
em saber sobre seu paradeiro.
“[...] eu não tenho pai, esse, eu não considero, ele fez igual ao pai do
meu filho, fez e...”.
“Um dia, um estranho chegou na casa da minha tia, me pegou no colo e
falou: ‘ oi minha filha’. Eu falei: ‘opa, tira eu do colo que eu não sou sua
filha! O senhor é um estranho para mim, tira eu do colo que eu não sou
sua filha não!’ ”.
132
Quando contava com seis anos de idade, sua mãe veio a falecer, dois dias após
o parto de seu irmão mais novo. Poucas são as lembranças que restaram da figura
materna, apenas que era uma mulher muito atraente.
“[...] faz muitos anos, muito, muito tempo. Ela era uma morena, alta, de
cabelo longo, preto, sobrancelha preta, parecia uma índia. Ela era
calma igual eu, calmíssima. Muito namoradeira, é só isso”.
A morte da mãe foi um acontecimento pouco explorado pelos familiares junto aos
filhos. Poucos detalhes e informações foram compartilhados.
Por ter escutado na época alguns comentários sobre o acontecimento, Angelina
acabou construindo uma explicação sobrenatural para justificar a perda repentina.
Apesar de ter sido informada que a morte se deu em virtude de complicações no parto,
para ela, sua mãe fora alvo de “trabalhos espirituais”.
Por ser uma mulher muito bela e que inevitavelmente chamava a atenção dos
homens, sua mãe fora vítima da inveja e do mau agouro das próprias companheiras,
aquelas que se diziam suas amigas.
“Ela morreu dois dias depois do parto, se eu não me engano, naquela
época, falavam que era aquela doença de amarelão, tirícia, mas eu
acho que foi é coisa feita mesmo”.
“Naquela época, existia bastante isso, e até hoje ainda existe. Porque
eu ouvi comentários, minha tia fala que fizeram alguma coisa. Naquela
época tinha muito olho gordo, eles não gostavam, ela incomodava. Não
sei, acho que ela era muito namoradeira demais, bonita, inveja das
próprias colegas. É por isso que eu falo, amizade, é melhor ficar
sozinho do que mal acompanhado”.
133
Após a morte de sua mãe, passou a morar com uma tia, permanecendo com a
mesma até os dezesseis anos, enquanto que o irmão do meio continuou com o
padrasto e o irmão caçula foi morar com sua avó.
O contato com o irmão caçula é mais próximo, enquanto que com o irmão do
meio, a relação é mais distante, devido ao envolvimento deste com as drogas e o
álcool.
“Eu tenho contato com o irmão mais novo, agora com o do meio [...].
Ele só dá trabalho, não liga para nada, está perdido, na perdição. Então
eu abandonei, me afastei, só para passar nervoso? Então não adianta
ficar correndo atrás”.
Sua tia é descrita como uma pessoa ambígua, com qualidades e defeitos, sendo
que os defeitos, segundo ela, se sobressaem. O aspecto positivo refere-se ao
acolhimento por parte da tia, que a recebeu em sua casa, dando-lhe abrigo e
alimentação. O aspecto negativo refere-se à agressividade e distanciamento emocional.
Praticamente não havia diálogo entre ambas ou demonstrações de carinho e
afetividade por parte da tia, que ainda é descrita como uma pessoa autoritária, rude e
violenta.
“Eu estou falando para você que a minha tia era boa mas também era
ruim. Ela me dava o que comer, o que dormir, ela me dava tudo, me
dava casa. Só que também me dava surra, ela me batia sem motivo.
Então a relação com ela era assim, quando eu era menor, não era
aquelas coisas [...]. Me batia sem motivo, me espancava sem motivo.
Ela não conversava comigo, não tinha dessas coisas”.
“O meu tio, marido dela, era um coitado, comia na mão dela. Ela batia
sem motivo, parecia que queria descontar na gente a raiva que ela tinha
dos outros. Batia porque não estava fazendo o que ela queria, na hora
que ela queria”.
134
Cansada dos maus tratos e da vida que vinha levando, resolve sair de casa para
morar sozinha aos dezesseis anos de idade. A decisão de construir uma nova vida
longe da presença inconstante da tia é percebida como um importante marco na vida
de Angelina. Agora, além de não precisar mais conviver com as agressões, ela dava um
importante passo rumo ao que seria primordial para ela: a independência.
“Eu sempre fui uma pessoa independente. Desde quando eu saí da
casa da minha tia, eu sou independente. Eu saía da casa da minha tia,
do portão para fora, eu já era independente, não dependia mais de
ninguém. Eu mesma fui levando a minha vida, fui morando sozinha, fui
trabalhando, fui pagando aluguel, morando na casa de colega [...]”.
“[...] vixe, eu trabalhei a minha vida toda, tenho até mão grossa, olha só.
Imagina, eu fazia de tudo, ajudava meu tio a montar muro, depois entrei
nas usinas, de tudo um pouco eu já fiz, fui até pedreira”.
“[...] a minha vida é um livro aberto, todo mundo sabe, eu não gosto de
mentira”.
Deste modo, Angelina passou algum tempo morando sozinha. Ao conseguir
emprego numa usina de corte de cana conhece Ednéia, que viria ser sua melhor amiga
e que dividiria uma casa com ela, ajudando-a financeiramente.
Ednéia resolve sair de casa e morar sozinha após o falecimento de sua mãe,
convidando Angelina para morarem juntas. Mais tarde, ambas passariam a morar com
um tio aposentado de Angelina. Até os dias de hoje, Angelina, seu tio, sua colega
Ednéia e o filho dela, Emerson de oito anos de idade, residem todos juntos num imóvel
comprado pelo tio.
Ao relembrar do nascimento de Emerson e da própria criança, Angelina sente-se
feliz. A relação entre ambos é bastante estreita, visto que foi praticamente ela quem
135
criou o garoto, enquanto sua mãe trabalhava fora. A chegada de Emerson auxiliou a
exercitar seu lado maternal.
“Tudo que eu aprendi nesta vida, eu aprendi sozinha. Eu aprendi a lavar
roupa sozinha, eu aprendi a fazer a compra sozinha, eu aprendi a fazer
as coisas olhando os outros fazerem [...]. Eu fui aprender a fazer as
coisas quando eu cuidei daquele menino, quando eu tive que ser mãe
para ele, ali naquela hora, enquanto ela não podia ser. Tive que
aprender tudo ali na hora, lendo, vendo, olhando. Minha vida foi
baseada assim, só olhando, tentando, fazendo, querendo fazer, fazia,
do meu jeito, mas fazia”.
O relacionamento com o garoto é tão especial, que Angelina se sente um pouco
mãe dele.
“Eu morava na casa da Ednéia quando ela engravidou, então a
gestação dela toda eu fiquei na casa dela. Quando ela ganhou nenê, eu
que cuidei dele desde que ele nasceu, até no hospital, eu peguei ele no
colo, eu praticamente... .Ele até me chamou de mãe, até de mãe”.
A convivência dentro do lar é vista como boa de maneira geral, apesar de
algumas brigas e desentendimentos. Essas situações são resolvidas por meio do
diálogo e, quem acaba assumindo a liderança é Angelina. Aliás, foi ela quem ensinou
Ednéia a fazer as tarefas domésticas como cozinhar, arrumar a casa, fazer compras e
lavar roupas.
“A gente convive bem, sempre tem um bate-boca, mas resolve, né? [...]
Eu sou a cabeça da casa, eu não gosto de discutir, não gosto de briga,
não gosto de nada disso, comigo é na conversa. [...] Sou eu que tomo
as decisões em casa, em matéria de compra, se eu vejo que tem
alguma coisa errada ali, eu chamo a atenção. [...] as prestações
mesmo, eu não gosto que atrasa, então eu boto consciência na cabeça
deles, entende? Não é porque eu estou desempregada que eu não vou
dar ordem também, né?”.
136
“Eu sou o pai, sou a mãe, tudo. [...] O meu tio não apita muito dentro de
casa, ele é mais mandado do que apitado, quem apita lá sou eu e
quando não sou eu, é ela. [...] Coisa errada, eu não gosto de ver coisa
errada, não gosto de mentira e coisa errada. Eu chamo a atenção do
pessoal, eles não gostam muito, mas tem que gostar. Porque eu falo,
se não gostar, pega a malinha e zarpa, some daqui”.
Foi neste contexto, residindo com seu tio, sua colega e o filho dela que Angelina
conheceu seu vizinho Mário Ricardo. Foram se conhecendo, iniciando assim uma
amizade. Conversavam, trocavam intimidades, experiências e, aos poucos, foi surgindo
um interesse recíproco.
“Nós éramos só amigos, de confidências, sabe? Ele conversava comigo
as coisas dele, eu conversava com ele sobre as minhas coisas e assim
ia. E aí eu me interessei e ele também já estava afim, então rolou”.
O casal começou a se encontrar sem, contudo, firmarem um compromisso mais
sério. Angelina não tinha a intenção de namorar, pois para ela, não valeria a pena
investir naquele relacionamento.
“Só ficamos, ficamos umas quatro ou cinco vezes e aí aconteceu. Nós
não chegamos a ter um namoro. Não valia a pena levar adiante. E
ainda fez um filho em mim, sem autorização. Quando eu descobri,
nossa, eu quis morrer com aquilo, nossa, eu xinguei ele tanto”.
Os relacionamentos anteriores deixaram um rastro de desapontamento em seu
coração e, por causa disso, aquele seria mais um namoro que terminaria da mesma
forma que os anteriores, decepcionando Angelina.
Desses relacionamentos, um em especial marcou suas lembranças, foi quando
estava namorando com um rapaz e decidiram ficar noivos. A relação transcorria
normalmente, até Angelina pressentir que algo estava errado em relação ao noivo.
137
“[...] eu namorava com ele só que eu tinha aquele aperto, você sente
que tem alguma coisa errada, você sente aquele pressentimento. Eu
sentia pressentimento de que tinha alguma coisa errada ali. Eu chegava
da roça, ia estudar, ele ia junto e a prima dele junto. Ia nós três e ele
morava no fundo da casa da prima”.
Sentia um forte aperto no peito sem saber ao certo o porquê daquilo, a única
certeza é que algo de errado estava acontecendo. Esses presságios levaram Angelina
a romper o noivado com o rapaz. Mais tarde, ela viu suas suspeitas serem confirmadas:
o noivo a estava traindo com uma prima dele.
“Um dia eu fui trabalhar e briguei com uma mulher lá na roça, cheguei
nervosa em casa, ele chegou no portão, eu tirei a aliança, joguei no
meio da rua e falei: ‘você nunca mais pisa o pé no meu portão, vai
embora, vai’. Eu nem sabia o porquê eu tinha feito aquilo, eu coloquei
na cabeça e não falei para ninguém. E ele vinha atrás de mim, só que
vinha atrás e estava papando a prima. Você entende o coração como é
que estava? O pressentimento fala, eu não sou trouxa, aí depois foi só
decepção, né?”.
Se por um lado, Angelina já havia tido alguns relacionamentos anteriores, Mário
seria o seu primeiro parceiro sexual. O casal selou uma espécie de pacto em relação à
prevenção da gravidez, combinando que ela faria a “tabelinha”, enquanto que ele
interromperia a relação sexual momentos antes da ejaculação.
Entretanto, não foi exatamente isso o que ocorreu durante a última relação
sexual do casal, pois Mário não cumpriu a sua parte conforme o que havia sido
acordado.
“Eu fiz a minha parte, mas ele não cumpriu a parte dele e isso, eu
nunca vou perdoar. Ele me desrespeitou, infringiu todas as leis, que era
não ficar grávida, eu não queria de jeito nenhum, mas agora já está
feito, fazer o quê?”.
138
Angelina havia sido bem clara quanto ao seu posicionamento em relação a
concepção. A maternidade nunca fora alvo de sonhos ou planos até então. Para ela, o
fato de ter trinta e seis anos, problemas de saúde, uma condição sócio-econômica
desfavorável e ainda a tão prezada independência, configuravam uma situação onde
um filho decididamente não se encaixava.
“Eu não queria ficar grávida, queria não. Eu não posso ter liberdade, eu
não posso trabalhar [...]. Eu tenho um problema muito forte de dor de
cabeça, escoliose, infecção na bexiga. Eu não posso fazer esforço, eu
tenho vários problemas de saúde”.
“Eu sempre falava para ele: ‘eu vou ficar com você, mas eu não quero
filho, você sabe que eu tenho problema’. Eu explicava para ele que eu
tinha vários problemas, que eu não tenho condições de cuidar de um
filho, de tratar”.
“Eu nunca quis ter filho, eu não sei porque. Acho que é pelas condições
que eu não tinha para cuidar e eu imaginava que mais para frente,
quando eu arrumasse uma pessoa, juntasse, casasse, aí sim, né? Aí
sim, até poderia, teria uma pessoa para cuidar, para ajudar, eu não
imaginava, eu não pensava em ter filhos”.
Se Angelina não tinha planos de engravidar e apresentava uma resistência em
assimilar o novo fato, Mário por sua vez, parecia estar lidando melhor com a idéia.
Ao retomar a confirmação da gravidez e a figura do pai do bebê, sua postura e
entonação mudam radicalmente durante a entrevista. Sente-se enganada, frustrada e
tomada de ira ao relembrar que Mário não cumprira a sua parte no acordo estabelecido
em relação à contracepção.
“Ele falava que queria um filho, só que ele queria o filho mas não queria
assumir a mãe, entende? Eu não sei porque ele queria tanto um filho.
Eu não sei se é para se mostrar, porque ele é muito mentiroso. Tudo
139
que ele fala, ele pensa que é verdade. Você fala com ele, ele não olha
dentro do seu olho para falar, ele abaixa a cabeça, tipo falso,
dissimulado. Para ele, era uma aventura”.
Ainda assim, a gravidez alimentou uma esperança de que os dois pudessem se
reaproximar e até mesmo ficar juntos. Contudo, à medida em que o tempo foi se
passando, Angelina percebia que as atitudes de Mário não correspondiam às suas
expectativas.
“No começo eu até gostei, sabe? Eu gostei porque ele falava para mim
que não estava com ninguém, que estava sozinho. Só que eu não sou
trouxa, eu não sou tonta, só de olhar, ele conversa com a gente e não
olha no olho, então eu já sabia que ele estava mentindo. Sabe quando
você conversa com a pessoa e sente aquela angústia? Você vê que a
pessoa está mentindo? [...] eu pensei que ele ia melhorar depois disso,
só que em vez de melhorar, piorou, entende?”.
O sentimento de desilusão com o comportamento de Mário foi aumentando à
medida em que percebia que o mesmo, agora, estava mais ausente e indiferente que
antes. Vendo-se solitária e cansada da indefinição do parceiro, decide afastá-lo
definitivamente da sua vida e da do bebê que estava esperando.
“Senti mais responsabilidade só para mim. Daí eu peguei e falei: ‘bom,
já que a responsabilidade é só para mim, então vamos em frente, deixa
ele de lado’. Vou pensar só no meu filho, para que eu vou pensar nele,
ele não merece”.
Invadida pela emoção, deixa-se levar pelo desejo de vingança. Muito
amargurada e cheia de rancores, Angelina envolve-se numa pesada discussão,
rompendo relações com Mário e com a família de origem dele.
140
“[...] ele passava por mim e fingia que eu era invisível, já começou por
isso. Quando eu contei para ele e a barriga começou a aparecer, ele
começou a me desprezar. Esperei a mãe dele chegar e falei assim: ‘o
seu filho é um sem vergonha, um safado, ele não presta, para mim ele
é um moleque, ele não tem atitude. Ele ficou aí na sua casa com uma
fulana, transando o dia inteirinho, a tarde todinha dentro da sua casa e
a senhora acha isso correto? Fazendo fusquinha na minha cara? Não é
porque eu não estou casada com ele que ele não vai me respeitar’”.
“[...] ela olhou para a minha cara e disse: ‘você sabia que ele era assim
e agora você quer segurar ele? Você sabia que ele era biscateiro e
agora quer segurar ele? ‘. Eu falei assim: ‘a senhora está enganada, eu
não quero segurar ele, eu não gosto dele, eu jamais vou morar com ele,
eu só quero uma coisa dele, a pensão do meu filho, o resto que se
dane, que se lixe!’”.
Além de ter exposto o que sentia para a mãe de Mário, Angelina também fez
questão de dirigir-se ao próprio para dizer-lhe o que a incomodava pessoalmente.
“Eu peguei ele no meio da rua e falei: ‘olha, para mim você é um
moleque, um sem vergonha, um covarde, um safado. E faz um favor
para mim? Pega aquelas coisas que você comprou para o seu filho e
leva lá na zona para as biscates, que são mais bem tratada do que eu.
Quer saber de uma coisa? Nunca mais olha para a minha cara e não
conversa mais comigo não’”.
O distanciamento de Mário e de sua família de origem durante a gestação e após
o nascimento do bebê, seria essencial para poupar-lhe de aborrecimentos e cobranças
no futuro.
“Eu cortei com a família inteira, se eu deixasse que eles conversassem
comigo, eles não iam mais me deixar em paz, na fofoca, na mentira. [...]
eles dão o berço para você e falam que te deram os móveis inteiros da
casa, então eu cortei com a família inteira”.
No decorrer da gestação, Angelina não apresentou qualquer problema mais
sério, o único incômodo citado era o enjôo. E assim se passaram os dois primeiros
141
trimestres. No final do sexto mês de gestação, começou a apresentar um quadro de
hipertensão arterial inédito até então.
Sentindo-se
mal,
decide
procurar
um
pronto-socorro
em
sua
cidade,
preocupando o médico. Esse, Dr. André, era o mesmo que estava fazendo seu
acompanhamento pré-natal. O quadro começava a se agravar, chegando a apresentar
sintomas convulsivos, o que mobilizou o médico a providenciar sua transferência para a
cidade de Assis.
Já em Assis, a equipe médica constatou que os batimentos cardíacos do bebê
estavam acelerados e que isso colocava ambos, mãe e bebê, em risco de vida. A única
saída encontrada seria a realização de um parto prematuro.
“O médico falou assim para mim: ‘você acha que o seu bebê está bom
na sua barriga?’. Eu falei: ‘eu não sei, eu acho que sim’. Aí ele falou
assim: ‘você acha que ele está bom, mas ele não está, ele está com os
batimentos cardíacos muito fortes, então nós vamos ter que tirar ele’.
Eu falei: ‘ai meu Deus, lá vai eu, sozinha’. Na hora que eles estavam
fazendo cesárea, minha tia chegou”.
A prematuridade é lembrada como uma experiência difícil, cercada de
apreensão, expectativas e fantasias.
“[...] dá um aperto, um medo, sei lá, tudo pode acontecer. Então a gente
bota um monte de coisa na cabeça, medo dele não nascer chorando ou
medo de não dar certo a operação”.
Nascia então o filho de Angelina, um garotinho que foi chamado de André
Ricardo. Em meio ao parto inesperado, ao nascimento de um bebê tão frágil e à
142
passagem pelo hospital, Angelina reprime seus sentimentos para que os mesmos não
interfiram em seu estado de saúde.
“Dá um pouquinho de medo, porque a hora que a gente vai conversar
com o médico, vem a situação. Eu seguro para não chorar, porque se
eu chorar, não vai adiantar, vai me dar dor de cabeça, dor no corpo,
vou passar mal, minha pressão vai subir e eu vou voltar a ficar
internada de novo”.
Várias tentativas foram feitas no intuito de minimizar a ansiedade e a angústia
provenientes desta delicada situação, como a distração frente a programas de televisão
e músicas no rádio colocado no quarto das acompanhantes, assim como conversas
com suas colegas de quarto.
“Se eu começar a pensar, aí eu choro sozinha no quarto. Eu faço de
tudo para não pensar, eu não penso, a hora que vem aquela coisinha
assim na minha cabeça, eu não penso”.
Angelina permaneceu internada dois dias após ter dado à luz ao pequenino
André, para que sua pressão arterial pudesse ser estabilizada, enquanto que o bebê foi
removido para a U.T.I. neonatal. O contato entre mãe e filho ocorreu apenas após a alta
de Angelina.
Frente ao estado de seu bebê e todos os procedimentos a que estava sendo
submetido, Angelina relata não ter muitos temores. De acordo com suas palavras, as
leituras específicas efetuadas e as informações obtidas durante a gestação,
contribuíram para que pudesse encarar a situação de forma mais tranqüila.
“[...] eu não fiquei assustada e nem com medo, sabe por que eu não
fico assim? Porque eu leio muito livro de medicina, entendeu? Eu sou
143
mais assim, eu entendo mais as coisas, eu sou mais informada, eu
gosto de ler livro de medicina, coisa de médico, de gestante, eu li. Eu
tenho um livro de gestante, em casa, eu lia bastante para saber o que ia
acontecer. Eu já sou mais cabeça fresca. Não adianta a gente ficar
nervosa”.
Quanto ao sexo do bebê, a certeza de que seria um menino já estava presente
desde o início da gravidez. Mais uma vez, esta certeza veio por meio de
pressentimentos. Apesar de estar certa sobre o sexo do bebê, Angelina relata que se
tivesse gerado uma menina, esta seria bem-vinda.
A respeito da escolha dos nomes, se fosse menina, já o havia escolhido.
Gostaria que se chamasse Kelen, como a jogadora de vôlei da equipe do Brasil que
estava disputando um torneio na época.
Em contrapartida, se fosse um menino, não havia nome algum nos pensamentos
de Angelina. Colocaria qualquer nome, desde que não coincidisse com nomes
escolhidos por Mário ou sua família de origem; uma vez que os familiares do pai do
bebê e ele mesmo estavam traçando uma série de planos futuros para a criança,
inclusive como iria se chamar.
O nome André foi escolhido por Angelina, aparentemente ao acaso, durante uma
visita de Mário ao bebê. Ao ser questionada por ele sobre qual seria o nome escolhido
para registrar o garoto, Angelina verbalizou o primeiro que veio a sua mente naquele
momento.
“Foi assim, na hora, o pai dele veio para registrar, foi no quarto e falou:
‘qual o nome que você vai por no seu filho?’. Eu não tinha nenhum
nome em mente, eu nem tinha pensado. Eu olhei bem para a cara dele
e falei: ‘vai chamar André’. Veio assim, do nada”.
144
Posteriormente, deu-se conta de que André era o nome de uma pessoa
conhecida, era o mesmo nome de seu médico, o que estava acompanhando seu prénatal e que havia lhe atendido quando sua pressão arterial se alterou no pronto-socorro
de sua cidade.
“Você nem imagina, quando eu falei para ele colocar André que caiu a
ficha. André era o meu médico, que ficou nervoso comigo para mandar
eu para cá. ‘Dr. André, Dr. André’. Ai caiu a ficha, ai que eu me toquei,
fui ver que era o Dr. André, foi o momento, ali na hora. Porque eu
arrumei um nome para ele não colocar o nome dele, que ele queria,
entendeu? Eu só não queria que eles penetrassem, porque eles já
estavam planejando nomes”.
A necessidade de solicitar informações sobre a evolução do quadro de André é
praticamente inexistente segundo a mãe, visto que no momento da realização da
entrevista, já haviam se passado cerca de trinta dias do parto prematuro e da
hospitalização do bebê na U.T.I. neonatal.
Esse período foi de extrema importância para a adaptação de Angelina, que
passou a observar mais de perto a rotina e os procedimentos hospitalares adotados,
adquirindo maior intimidade com a equipe de saúde.
“Eu já sou da casa, eu nem preciso ficar perguntando que os médicos e
enfermeiras falam tudo que eu quero saber. E outra, eu fico observando
se tirou isso, aquilo, o leite entrando pela sonda. Mas isso tudo é um
processo, falta muito depois disso”.
Ao passo que resgatava forças e adotava estratégias próprias de enfrentamento
em relação à prematuridade e hospitalização, Angelina ainda não estava conseguindo
lidar de forma semelhante com Mário.
145
“Eu estou com muita raiva dele, eu não posso nem ver ele. Eu
conversei com ele, ele entrou na minha família para falar mentira, falou
para a minha prima e para a minha família que gostava de mim, que me
amava, que queria morar comigo [...]. Ele falou para a minha tia que a
gente tinha que se unir para cuidar do nosso filho. Eu olhei para a cara
dele e falei: ‘unido ou separado?’. Ele falou que era separado. Ah,
minha filha, para que ele foi falar isso?”.
A frustração em relação à atitude de Mário levou novamente a um
desapontamento com o sexo masculino de forma geral, tal qual ocorrera na época da
traição do antigo noivo. Para ela, os homens não valorizam mulheres que se dedicam
ao lar, maternidade ou mesmo aquelas que estão acompanhando o processo de
hospitalização dos filhos.
“Você pode ter certeza que a maioria das mulheres que estão aqui, os
maridos delas estão dando valor nas mulheres lá fora. Nenhuma tem
valor aqui dentro. As que vivem na zona, na porta de boteco, aquelas
tem valor”.
Por outro lado, manifesta o desejo de ter um companheiro futuramente e poder
desfrutar deste relacionamento e ainda gerar outros filhos, desde que este companheiro
seja um homem diferente de Mário.
“Se eu arrumar uma pessoa decente, que viva comigo de verdade, que
me ame, que goste de mim, eu terei outros filhos com certeza. Uma
pessoa que vai até entrar na sala de operação comigo, isso eu não vou
negar. [...] mas um dia ele vai sofrer, ele vai penar por tudo que ele fez”.
Quanto aos planos para o bebê, há a intenção de criá-lo sem a presença
paterna, exigindo do pai apenas aquilo que é do filho por direito, a pensão alimentícia.
Neste sentido, todos os esforços estão voltados para oferecer a André a melhor
assistência possível, dentro das condições de Angelina.
146
“Ele vai ser bem tratado, bem vestido, vai andar igual a um príncipe,
não vai faltar nada para ele. Vai ser só eu e ele e ele e eu, papai vai ser
só visita”.
147
4- Quarto caso: A Família Pereira
Valter
idade não
confirmada
mais velho
Simone
Ap.
21 anos
Maria
Clara
prematura
Figura 4: Genogama da família Pereira
História
Simone era a sétima de oito filhos. Aos dez anos de idade, apenas ela e sua irmã
caçula residiam com seus pais, sendo que os outros irmãos já haviam se casado. Foi
nessa época que Simone presenciou a morte de sua mãe, vítima de um enfarte
fulminante.
Ao retomar esse episódio, emergem uma série de emoções e lembranças que
ainda marcam de forma significativa sua dinâmica. Para ela, a relação com sua mãe
nunca fora das melhores, além de sentir-se rejeitada e inferiorizada perante os outros
irmãos, a bebida era um outro fator que contribuía para que ambas se distanciassem
ainda mais.
148
“A minha mãe bebia e eu também fui muito rejeitada pela minha mãe,
não é que eu estou falando mal, Deus tem ela no céu, mas a gente
sente as coisas, a gente não é boba nem nada. Ela não ligava mesmo,
ela falava para os outros que eu não era filha dela. Ela não gostava de
mim porque ela quase morreu quando eu nasci, então ela não gostava
de mim por causa disso. Mas eu tenho alguma culpa? Eu não tinha
culpa não”.
“Ela sempre me batia bastante, sempre me xingava, agora eu não sei
se é por causa da bebida, ou se ela bebia porque o meu pai também,
por causa da angústia, do sofrimento que ela passava, só que ela
descontava a raiva dela em mim, nos outros ela não batia, era só em
mim, ela só pegava no meu pé”.
O fato de ter visto a mãe agonizando desencadeou uma reação semelhante a um
choque emocional. Naquele momento, Simone não conseguiu esboçar reação alguma,
não derramou uma lágrima sequer. Somente após algum tempo é que conseguiu
chorar, mas mesmo assim continuou impressionada com aquilo, sentindo fortemente a
presença materna.
“Ela morreu dentro de casa, eu vi ela morrer, eu tinha dez anos, eu
lembro tudo certinho. Deu enfarte nela e eu estava dormindo, a gente
estava tudo dormindo. Aí ela pegou e começou a se estremecer e
morreu nos braços do meu pai e meu pai deixou ela com a gente ainda,
enquanto ele foi atrás de funerária”.
“Só que eu fiquei meio assim, eu lembro que eu não consegui chorar,
eu chorei depois que passou alguns meses, depois que eu estava mais
grandinha. Aí que eu comecei a chorar. Eu não sei se é porque ela fazia
aquilo comigo que eu não conseguia chorar, todo mundo chorava e eu
não. Eu não senti medo, eu não senti nada, só que depois, parecia que
eu estava vendo ela dentro de casa, andando, mexendo nas coisas,
fazendo comida”.
Após o falecimento da mãe, Simone promete a si mesma que não aceitaria ver
seu pai vivendo com outra mulher. Assim, ela e sua irmã mais nova começaram a tomar
149
conta dos afazeres domésticos ainda que não soubessem muito bem como proceder
quanto à limpeza e organização da casa ou à comida.
Passado um curto espaço de tempo da morte de sua mãe, seu pai resolve juntarse a uma pessoa, trazendo-a para morar com ele e com as duas meninas. Simone
acredita que a segunda esposa de seu pai exercia uma influência tão forte sobre ele a
ponto do mesmo ficar contra os próprios filhos.
Deste modo, além da promessa feita por ela e da personalidade da segunda
esposa, um outro fato que contribuía para a não aceitação desta segunda união por
parte de Simone era que a segunda esposa exigia que ela e sua irmã caçula a
chamassem de “mãe”. Isso causou um sentimento de revolta em Simone.
“Mãe é uma só, nunca que eu vou chamar de mãe alguém que meu pai
dava o carinho que não dava para a minha mãe. Eu não aceito. Por
mais que a minha mãe fosse ruim, eu gostava dela, eu cuidava dela”.
As desavenças se agravaram e Simone acabou saindo da casa de seu pai.
Morou na casa de vários parentes até que uma tia assumiu os cuidados e levou-a para
morar com ela.
Na época em que se mudou para a casa da tia, conheceu Valter, amigo de seus
primos que costumava visitar a casa freqüentemente. Quando o conheceu, Simone
estava envolvida com outro rapaz. Estavam namorando, mas apesar deste rapaz
parecer ser um bom moço, ela não estava verdadeiramente apaixonada por ele. Um
sentimento mais intenso começava a surgir por Valter.
“Foi assim, primeiro eu namorava um rapaz, aí não deu certo, eu
comecei a gostar dele, eu já gostava dele. Ele não saia da casa da
150
minha tia, porque os meus primos eram todos solteiros, ele ia lá
conversar. Mas ele também sentia interesse por mim, só que tinha
vergonha de chegar em mim, então ele mandava recado pelos outros. E
eu como namorava o outro, não tinha jeito, não tinha nem como, né?”.
“Aí eu comecei a sair com ele e larguei do outro. Eu gostava dele, mas
não gostava do outro, o outro era bonzinho, era boa pessoa. Então eu
ficava achando: ‘não gosto, não adianta, né?’. Não é aquela pessoa
para a gente ficar junto. Aí eu larguei dele”.
Mesmo tendo alguns relacionamentos anteriores, Simone nunca havia tido
relações sexuais com os demais namorados, sua primeira vez foi com Valter.
Sobre este tipo de assunto, relata que tinha medo de engravidar e vergonha de
falar disso com os namorados. Procurava evitar tais situações, além de acreditar que os
namorados
poderiam “aproveitar-se”
dela, ou seja, ter relações sexuais e,
posteriormente, não assumirem um relacionamento mais sério.
Tendo isso em mente, evitava sua primeira relação sexual a todo custo,
principalmente ao se recordar das recomendações da tia que havia lhe pedido que “não
aprontasse”. Entretanto, a primeira experiência sexual ocorreu com o então namorado
Valter, após uma série de cobranças dele neste sentido.
“Eu saia, eu fugia enquanto dava, até que um dia ele me prensou na
parede e perguntou se eu gostava dele, então eu tive que fazer”.
Simone não fazia uso de métodos contraceptivos. Frente à possibilidade de
engravidar, questionou se Valter possuía o preservativo masculino para usarem
naquele momento. Este, por sua vez, disse que não possuía nenhum preservativo,
afirmando que “se fizesse uma vez só, não engravidava” e que Simone não deveria se
preocupar com aquilo.
151
A virgindade de Simone foi descoberta pelo parceiro frente ao rompimento do
himem e os indícios de sangue no lençol. Valter demonstrou surpresa, pois acreditava
que Simone “era mais experiente, que já havia feito isso antes”.
A medida em que o tempo foi passando, Simone percebeu um atraso
significativo no ciclo menstrual, além de enjôos e algumas modificações corporais. A
suspeita de gravidez fez com que procurasse um posto de saúde sozinha e fizesse um
exame de sangue, deparando-se com o resultado positivo quanto à gravidez.
A primeira pessoa a saber da confirmação foi Valter, que passou a cobrar a
revelação da notícia a sua tia. Contudo, o temor frente às reações nada acolhedoras
desta impediam-na de contar a novidade.
Por outro lado, a tia começou a perceber que a sobrinha andava quieta,
preocupada e que não estava usando os absorventes comprados para ela.
Estas percepções levaram-na a questionar o que se passava com Simone que,
frente a isso, viu-se praticamente obrigada a revelar a realidade. De fato, a reação da
tia não foi das mais tranqüilas.
“Ela ficou brava, xingou e falou que então tinha que juntar”.
O namoro do casal foi breve, durando cerca de três meses. Após a confirmação
da gravidez, decidiram morar juntos. Esta decisão, na verdade, foi praticamente imposta
pelos familiares de Simone, sobretudo seus primos.
“[...] eu fiquei grávida e eu tive que ir morar com ele, porque meus
primos não iam aceitar eu barriguda dentro de casa”.
152
“A minha tia, se dependesse dela, ela não queria que eu fosse morar
com ele, é que minha tia também depende dos meus primos [...]. Quem
tem que dar dinheiro para comprar as coisas, é meu primo que chama
Pedro, é ele que controla as coisas em casa, e como meu primo falou:
‘olha, se ela ficar, eu vou ter que sair’, não tinha condição, os outros iam
ficar falando de nós”.
O casal passou a morar numa pequena casa nos fundos da casa da mãe de
Valter. Simone relata que gostaria de ter oficializado a união, mas o parceiro ainda
nutria dúvidas a respeito.
“Minha tia perguntou porque a gente não casava no cartório, mas ele
não quis. Ele falou que não queria casar porque não sabia se ia dar
certo, então ele já ficou com essa intenção na cabeça. Eu queria casar,
mas como eu vou obrigar a pessoa a casar na marra? Minha tia sempre
ficou do meu lado, ela falava que era para eu decidir. Se dependesse
dela, eu estava morando até hoje com ela, mas ficava mal para os
filhos. Ela falava que o povo era muito fuxiqueiro, então, para ela não
passar vergonha, ela falava: ‘você vai ter que ir, como é que vai ficar a
nossa fama?’”.
Se por um lado Simone estava lidando melhor com a gravidez e se acostumando
à vida de casada, tanto Valter como sua família de origem não estavam agindo da
mesma forma.
A medida em que convivia de forma mais íntima com o agora marido, algumas
mudanças no comportamento deste passaram a ser mais evidentes.
“Eu pensava que ele gostava de mim, porque quando eu estava
namorando, ele era de um jeito, aí depois que casou, ele se tornou
outro tipo de pessoa, mais diferente”.
Dentre as principais mudanças observadas estavam o distanciamento e
indiferença para com a companheira e o uso freqüente de álcool. O uso da bebida
153
gerava preocupação por parte da mãe de Valter, que passou a controlar a vida do filho
e do casal, sobretudo em relação aos honorários. A postura da sogra gerou desconforto
e apreensão em Simone.
“O problema dele é que ele é uma pessoa que trabalha, só que a mãe
dele domina o dinheiro dele, ele dá o dinheiro para a mãe dele sabe por
que? Porque ele bebia e ainda bebe [...]. Mas de primeiro, eu estava
grávida e em vez dele dar apoio para mim sabe?”.
“Quando eu precisei, ninguém, só minha tia que me dava apoio, porque
da família dele, ninguém dava, só ficavam me xingando. Ele chegava
bêbado em casa e ficava gritando na minha cabeça, não me dava
carinho nem nada. E aí eu fiquei muito nervosa, porque você sabe, a
gente fica muito sensível quando fica grávida. A gente sozinha, com
filho na barriga e ainda sem experiência também. Com um marido que
fica só com os colegas bebendo”.
Com isso, as atitudes do marido estavam se assemelhando às atitudes de
alguém que lhe fora muito próximo no passado e que havia marcado sua infância e
suas vivências ao longo dos anos de modo bastante peculiar: a mãe de Simone.
“[...] eu tinha medo de morar com ele porque ele bebia e eu tenho
trauma com esse negócio de bebida. A minha mãe bebia muito sabe,
vivia brigando com o meu pai, tinha muita bebida naquele meio, no
meio daquele povo, sabe? Eu peguei trauma”.
Com o passar do tempo, as intervenções da mãe de Valter junto ao casal
passaram a ser cada vez mais freqüentes. A mesma não estava lidando muito bem com
a gravidez de Simone e com a união de seu filho, gerando assim, uma série de
discussões e desentendimentos.
154
As desavenças estavam na maior parte das vezes relacionadas à falta de
prevenção pelo casal em relação à concepção. Um outro ponto onde as interferências
da sogra também se faziam presentes era com relação ao dinheiro.
Temendo que o filho gastasse seu salário em bares, a mãe passou a administrar
suas economias, determinando a quantia a ser utilizada pelo casal em seu lar. O
posicionamento adotado pela sogra incomodou Simone, que passou a ver sua vida
pessoal controlada e, cada vez mais, dependente da figura da mãe do marido. Para não
se indispor com Valter e ainda mais com sua família, Simone decide não intervir nessa
dinâmica sufocante.
“A mãe dele tira o dinheiro dele , pega o dinheiro dele e vai fazer
compra para nós. [...] como ela não confia nele porque ele tem o
costume de sair e ficar moendo dinheiro com os amigos e com cerveja.
Desde solteiro, ela nunca confiou nele, ela acha que ele é
irresponsável, tem medo de soltar o cheque na mão dele. E nisso,
quem sofre sou eu, eu preciso das coisas e tenho que ficar pedindo
para ela, a gente fica sem graça né? Eu achava que quem casa, quer
ter as suas coisas né?”.
“Eu acho que a mãe dele fica controlando nós. [...] ele nunca vai crescer
se ela ficar fazendo isso, ele nunca vai ser independente. Ele fala
assim: ‘tem a minha mãe para cuidar de tudo para mim, por que eu vou
ficar esquentando a cabeça?’. É isso que eu tentei explicar para ela,
mas ela não entende, ela acha que eu estou sendo ambiciosa. Mas eu
não vou me intrometer, se eu brigar com ela, ele fica contra mim e fica
pior para o meu lado, entendeu? E eles falam o que eles querem”.
Assim, o uso constante de bebida e as reações advindas disso, passaram a ser
um problema freqüente na vida de Simone e Valter, instaurando uma crise no
relacionamento do casal.
Ainda que pedisse para que ele não abusasse do consumo, seus pedidos não
eram atendidos. Isso levava Simone a sentir-se cada vez mais nervosa e carente, além
155
de começar a enxergar certos traços de imaturidade no comportamento do
companheiro.
Na tentativa de absorver toda essa dinâmica e assimilar tal instabilidade, Simone
procura explicações que justificassem o desinteresse do marido em relação a ela, à
gravidez e à união do casal.
“Eu ia falar para ele que eu não gostava que ele bebia e que ele
fumava. [...] ele achava que eu estava muito chata demais, falava que
eu ficava pegando muito no pé dele, e no fim, ele não ficava mais
comigo, eu ficava mais sozinha do que com ele. [...] ele não é uma
pessoa muito ligada a mim, mas eu não sei se é vergonha, sei lá,
porque ele é muito tímido. Eu não entendo, às vezes eu fico achando
que é por causa de mim, ou talvez um pouco mimado quando criança,
sei lá”.
“Quando ele chegava bêbado, eu ficava com medo porque ele ficava
gritando e a gente quando está grávida, não pode ficar passando nervo
e eu passava muito nervo, sentia muita falta de ar, ficava com medo. E
ele não me dava atenção, não me dava o carinho que eu precisava, não
gostava de ficar dentro de casa. [...] eu ia conversar com ele das coisas
do casamento e ele não se interessava. Para ele parecia que o
casamento era uma brincadeira de casinha, que não era para levar a
sério. Mas, sei lá o que se passava na cabeça dele”.
Um intenso sentimento de decepção é inferido quando retoma o momento em
que a notícia da gravidez é dada a Valter, o qual não reagiu da forma que ela esperada.
“Eu fui falar para ele e você sabe o que é a pessoa parece não gostar?
Ele não gostou, ele falava que se acontecesse alguma coisa, ele ia
assumir, mas na hora, eu pensei que ele ia ficar feliz sabe, porque eu
acho que todos os homens iam ficar felizes, só que ele não ligou. Eu
fiquei chateada porque é duro para a gente. Aí eu imaginei: ‘vou ter que
cuidar sozinha’. Sabe que quando eu fiquei grávida ele não passou a
mão na minha barriga. Eu tive que pegar a mão dele e passar na minha
barriga. Sabe o que é você sentir que tem um filho e o próprio marido
está rejeitando?”.
156
Em contrapartida, nas fantasias da futura mãe, os filhos possuem um lugar
especial e representam um acontecimento importante na vida de um casal. Ainda que
não tivesse vivenciado uma relação maternal carinhosa e acolhedora, existe a crença
de que tal experiência exerceu poucas influências em seus planos quanto à
maternidade.
“Eu fui uma criança assim, que não tive muito carinho, então era para
eu nascer assim, meio revoltada com criança né? Porque quando a
gente geralmente sofre, não quer nem ver criança na frente da gente.
Só que eu não, eu sempre fui amorosa, sempre cuidei muito de criança,
cuidava das crianças dos outros, dos meus sobrinhos, sempre gostei,
sabe?”.
“[...] eu pensava, eu queria muito ter um filho, sempre gostei muito de
criança, e eu para mim, eu não ligava, entendeu? Eu gostava muito, eu
passava a mão na minha barriga, da minha parte, o que eu podia fazer,
eu fazia. Só que você sabe, a gente mora com uma pessoa, já viu,
né?”.
Diante das dificuldades enfrentadas, Simone cogita a possibilidade de uma
separação. Entretanto, o desejo de ter filhos e de constituir uma família fala mais alto.
Ela acredita que com o passar do tempo, seu marido se conscientize e mude seu jeito
de agir, passando a assumir mais pontualmente o papel de companheiro e pai.
“[...] eu penso assim na minha cabeça, que a gente ter um filho sozinha
é difícil, porque eu acho que um filho, igual ao primeiro filho da gente,
acho que precisa do pai e da mãe, não é? Eu pensava em largar dele,
minha tia falava para eu largar dele e tocar a minha vida, só que eu
pensava no nenê, porque depois ia crescer e ia perguntar para mim:
‘cadê o meu pai?’. Ai eu ia ficar sem jeito de falar: ‘ai, eu larguei do seu
pai porque ele era isso e isso’. Então eu falei: ‘talvez com o tempo ele
mude, depois de nascer, talvez ele mude’”.
157
Ao mesmo tempo, há a sensação de que Valter, talvez, tenha escolhido
permanecer ao seu lado por causa do filho que estava por vir. Essa sensação puxa
novamente Simone para a realidade, distanciando-a dos sonhos e expectativas de ter
um casamento feliz.
“Parece que eu estou morando com uma pessoa que está comigo por
causa da criança. Você sabe o que é você deitar no colo da pessoa,
fazer carinho e você sentir, parece que a pessoa te rejeita, parece que
se sente incomodada de você relar nela? Porque ele é assim. Sabe o
que é a pessoa ficar olhando para cima, você estar conversando e
parece que a pessoa está querendo mudar de assunto? Que só está
com você por obrigação?”.
“Quando eu namorava, eu sentia, parecia que ele gostava de mim, só
que depois que descobriu que eu estava grávida, mudou. Ele achava
que o casamento era uma brincadeira, que só tinha que por as coisas
em casa, malemá ainda, não levava a sério, sabe o que é a pessoa não
conversar com você sobre o casamento, sobre a gravidez, não ficar
feliz, se você falar do filho, parece que incomoda? Ele fala: ‘eu sei, eu
sei’, e muda de assunto. É o jeito que ele fazia”.
Esse estado de coisas perdurou durante toda a gestação de Simone. Quando
questionada sobre a gestação em si, ela relata que sentia dores e enjôos constantes,
falta de apetite e falta de ar ante aos mínimos esforços. Ao lado dos sintomas físicos, o
sentimento de raiva e nervoso diante das vicissitudes do momento eram marcantes.
Ao realizar as primeiras consultas médicas em sua cidade de origem, foi
advertida de que aquela era uma gravidez de risco e que deveria ficar de repouso
absoluto.
“[...] eu passava muita raiva, sozinha ainda, muita raiva. O médico já
tinha falado para mim que era para eu ficar de repouso, porque era
perigoso eu perder a criança, era para eu ficar bastante de repouso”.
158
As recomendações médicas não foram bem recebidas pela família de origem de
Valter, sobretudo sua mãe, a qual não acreditava no risco ou necessidade de repouso.
Sendo assim, a tia com que Simone residia anteriormente, decide levar a sobrinha para
sua casa.
“Eu passava muito mal porque eu ficava muito tempo sozinha, tinha que
ir para a casa da minha tia longe, eu andava muito e eu tinha que ficar
lavando roupa porque eu não tinha máquina. A família dele ficava brava
comigo, eu tinha que lavar as roupas dele, de roça, na mão. [...] a
família dele não entendia, achava que eu estava com frescura, achava
que eu não estava fazendo o serviço ali”.
“Um dia eu estava deitada porque não estava me sentindo muito bem,
essa mulher fez o maior escândalo na minha porta. Eu me assustei, ela
entrou lá dentro e eu sempre acordava tarde porque eu ficava com
nervo porque ele bebia. Aí aquele dia eu estava com tanta raiva que eu
falei: ‘a gente não tem mais sossego na casa da gente não?’. Ela saiu
da minha casa, fez o maior escândalo, falou que eu tinha xingado ela,
tinha ofendido ela. As filhas dela falaram: ‘ai mãe, deixa essa peste aí
que morra!’. Como se eu fosse a ruim da história, eu não tinha liberdade
para dormir, eu não podia ficar assistindo televisão, eu não podia nada”.
Os sintomas físicos e a atmosfera familiar conturbada nutriam fantasias e
especulações sobre a normalidade da gestação, ainda que seu médico tivesse afirmado
que suas queixas não deveriam ser motivo de preocupação.
“Porque a minha gravidez foi meio esquisita, eu sentia umas dores meio
esquisitas dentro de mim, muita falta de ar, não é normal isso. Eu tinha
muita falta de ar à toa, na sombra, dentro de casa, deitada. Meu pé
inchava sozinho, minha barriga estava muito inchada. [...] eu não
achava a minha gravidez normal, igual as outras. Minha barriga ficou
brilhosa, muito grande demais, brilhosa, muito esquisita. [...] depois que
eu fiquei grávida eu também tive um pouco de febre, mas também é um
pouquinho de nervo também, porque mulher nesse estado, não pode
passar raiva”.
159
No final do último trimestre de gestação, por volta da trigésima quarta semana,
Simone teve um sangramento com rompimento da bolsa logo a seguir. Ao chegar no
hospital da cidade de origem, a equipe decide transferi-la para a cidade Assis.
Já em Assis, a equipe constata a necessidade de internar Simone e realizar o
parto prematuro. Segundo ela, a realização do parto demorou várias horas desde a
internação e ao início das contrações, sendo que esta demora ocorreu pela insistência
da equipe em realizar um parto normal.
Várias tentativas foram feitas para que o nascimento do bebê ocorresse sem a
necessidade de cesárea. Ao relembrar daquele momento cercado de espera e
incerteza, bem como a insistência da equipe, Simone narra todo o incômodo e
sofrimento vivenciado frente àquela delicada situação.
“[...] elas queriam fazer normal e eu não conseguia ganhar normal, eu
fazia força e a criança não nascia. A criança em vez de descer para
baixo, subia para cima, era uma coisa estranha, né? Subia para cima e
eu sentia muita falta de ar [...]. A médica insistia no parto normal, vinha
um e enfiava a mão, vinha outro e enfiava a mão, foi uns três toques e
nada”.
“Minha tia falava: ‘vocês vão acabar matando a menina’. Eu achava que
eu não ia ganhar normal, eu não estava sentindo dor, eu só sentia
aquele sangue. Eu falei para a mulher que eu estava sangrando e ela
falava que era assim mesmo e que tinha que esperar a dor. Mas nunca
que a dor vinha e o sangue estava aumentando, colocaram soro por
causa da dor e aí eu quase morri. Eu acho que não era para ganhar
normal, mas eles ficavam insistindo”.
Posteriormente, a equipe tentou realizar o parto por fórceps. Além da aflição e
desconforto deste procedimento extremamente invasivo, Simone era incapaz de
entender o que estava se passando. Chegou a cogitar que tudo aquilo estava sendo
fruto de alguma omissão ou erro médico.
160
“Quando a gente ganha nenê, por que ficar enfiando aquele ferro na
gente? Não tem que ser com a mão? Elas enfiaram aquele ferro em
mim, deram injeção. Depois eu pensei: ‘mas eu nunca vi isso’. Minha tia
viu, elas fazendo aquilo na cara da minha tia, ela viu aquela confusão e
achou melhor deixar quieto. Demorou muito o parto. Eu pensei em
perguntar para a médica o que tinha acontecido, mas eu tenho medo
que se foi por erro dela, depois ela não vai querer falar, né?”
Decorridas várias horas da internação e das primeiras tentativas obstétricas,
finalmente Simone deu à luz uma menina, Maria Clara. Logo após o nascimento a mãe
estava exausta, apresentando um quadro febril que foi medicado em seguida.
Tendo estabilizado o quadro, Simone foi transferida para o Alojamento do
hospital, enquanto que seu bebê foi imediatamente removido para a U.T.I. neonatal,
sem qualquer contato com a mãe.
A experiência da prematuridade ainda representa para Simone um desafio a ser
transposto e compreendido. É extremamente difícil entender o que desencadeou o
parto prematuro. Na busca de explicações para o acontecimento, sentimentos de
perplexidade, culpa e frustração emergem durante o relato.
“Eu não sei porque minha filha nasceu desse jeito, acho que é porque
eu estava passando muita raiva. Às vezes eu fico pensando, porque a
gente se culpa, né? Só porque eu fiquei passando muito nervoso a
minha filha nasceu desse jeito? Eu fico pensando assim, fico me
perguntando, sabe? Eu passei muito nervoso com a família dele, eles
viraram a cara para mim”.
“Eu não entendo porque aconteceu isso com a minha filha. Tanto que
eu me cuidei. Eu fico pensando, tem tantas mães que bebem, fumam
maconha essas coisas e os filhos dela nascem perfeitos e só o da
gente que nasce assim. Tem vez que eu não entendo, eu fico pensando
e ainda a gente tem que ficar presa dentro desse hospital, eu fico com a
minha cabeça cheia de coisa”.
161
De forma semelhante, a vivência do processo de hospitalização, evocam na mãe
sensações de vazio, solidão e impotência. Simone tem vontade de retornar à sua
cidade de origem e passar alguns momentos em sua casa, mas sabe que seu bebê
precisa dela.
“Eu me sinto sozinha, eu vim para cá nesse hospital, eu tenho que ficar
agüentando a barra sozinha [...]. Eu vou lá na U.T.I visitar ela,
coitadinha, dá dó em mim. Eu tinha planejado tanta coisa para a minha
filha, eu ficava conversando com ela dentro da minha barriga, falava
assim para ela que quando ela nascesse eu ia cuidar bem dela, eu ia
dar carinho. A filha da gente sofre e a gente nem pode tocar, nem
pegar, nem trocar, nem pode dar de mamar, vixe, é uma dor. Eu até
que sou forte, tem uma mães que ficam chorando”.
“Eu entrego na mão de Deus, eu falo assim: ‘se for para ser minha, vai
ser, se não for para ser, fazer o quê’. Eu entrego na mão de Deus. [...]
da minha parte, eu não tomava remédio nenhum para tirar, quando eu
fiquei grávida eu fiquei feliz da vida. Eu até entrei num cursinho para
fazer as coisinhas dela. Mas daí eu passava nervoso, ficava meia
tensa”.
A preocupação com o estado delicado da filha e o fato de não poder tê-la em
seus braços e oferecer seus cuidados, deixam Simone triste e desorientada. Ainda que
questione junto aos médicos sobre o estado clínico da criança e sua evolução, as
respostas obtidas pouco contribuem para elucidar as dúvidas e minimizar a tensão.
“Eu vejo as outras criancinhas, com as mães trocando, ai eu já começo
a chorar, sentindo falta, sabe? Eu fico triste, mas fazer o quê, Deus
sabe o que faz. [...] os médicos falam que ela não está bem, que está
com infecção, alguma coisa de intestino por dentro. Eles tentaram dar
as coisas para ela comer mas nem o medicamento eles estavam
conseguindo, estava mal do intestino. Eu perguntei e eles falaram que
ela nasceu assim, com o intestino mal formado”.
162
Após alguns dias do nascimento de Maria Clara, Simone recebeu a primeira
visita do marido Valter. Segundo ela, esta e as visitas posteriores ocorreram devido aos
conselhos da tia, a qual insistia para que o pai do bebê mudasse seu comportamento
frente ao nascimento da criança, orientando Valter a ser um pai e um marido mais
presente.
“Minha tia conversou com ele e falou: ‘olha, você tem que dar mais
atenção para ela, porque é duro para ela, tem que ver que o filho é seu
também, não é só dela’. [...] agora que aconteceu isso com a menina,
ele está dando mais atenção, está mudando. Acho que de tanto minha
tia conversar com ele. [...] eu acho que ele está mudando, porque ele
vai lá dentro da U.T.I., olha ela, vê tudo que aconteceu com ela. Ele não
está muito aquelas coisas, mas está tentando mudar, tomara que mude,
né?”.
O sexo do bebê foi descoberto por volta do quarto mês de gestação. Ao saber
que seria uma menina, Simone sentiu-se realizada. Desde os tempos de solteira,
quando ainda cuidava das sobrinhas, ficava imaginado o momento em que poderia
cuidar da própria filha, arrumando-a com vestidos e amarrando seus cabelos.
A mesma realização, entretanto, não ocorreu com Valter. Apesar de não querer
ter filhos naquele momento, o mesmo desejava que aquela criança que Simone
carregava em seu ventre fosse do sexo masculino. Para ele, cuidar de meninos era
mais fácil que cuidar de meninas, que eram do sexo diferente do seu.
“[...] ele não gostou muito não, ele queria que fosse moleque, ele queria
que fosse menino de qualquer jeito. Ele não se conformava, ele dizia
que só ia acreditar que era menina mesmo no dia que nascesse”.
Sobre a escolha do nome do bebê, o casal combinou que se fosse um menino, a
escolha ficaria a critério do pai e se menina, a critério da mãe. Caso nascesse um
163
menino, Valter gostaria que se chamasse Sílvio, pois era um nome que começava como
o nome da mãe – Simone.
A escolha do nome do bebê ficou então a cargo de Simone. Havia pensado em
diversos nomes, mas nenhum era do gosto de seu marido. A família de Valter sugeriu
que o bebê se chamasse Diana, mas este nome por sua vez, não agradou Simone.
A mãe resolveu então chamar a pequenina de Maria Clara. Havia escutado este
nome numa canção romântica de uma banda jovem de muito sucesso.
“O nome fui eu mesma que tive a idéia, eu gostava muito daquela
música, eu era fã daquela música, uma música bonita. [...] de nenhum
nome ele gostava, ainda nem desse ele gostou, falou que era feio. Mas
todo mundo gostou do nome, todo mundo adora o nome dela. Todo
mundo fala que o nome é lindo, aí de tanto os outros falarem que a
menina também é linda, ele acabou se conformando”.
“Eu achei o nome bonito e falei: ‘vai esse nome mesmo’. Todo mundo
gostou, a minha família achou bonito, mas a família dele não gostou
muito não. Eles queriam que colocasse Diana. Eles falaram que era
mais bonito, mais fácil de falar, falaram que o outro era muito difícil e eu
falei que não era não, que era facinho de falar”.
Quando questionada sobre os planos para o futuro, sobre os sonhos e
expectativas, Simone fala daquilo que espera para a filha e para o marido. Mais uma
vez, surge o desejo de que Maria Clara possa alcançar aquilo que Simone não pôde,
como os estudos e, principalmente, aquilo que lhe deixaria muito feliz e que lhe faz
mais falta, uma família.
“Eu planejo que ela cresça, que aprenda as coisas, que aprenda a ler,
que tenha um serviço. Que o pai dela tenha juízo, ajude a cuidar dela,
que ela saia deste hospital sã e salva. Que ele tenha mais juízo, que
me dê mais carinho, para a gente ter uma família, é isso que é o meu
164
sonho. Porque eu sempre queria, desde solteira, e queria ter uma
família, eu queria viver em paz”.
“Eu sofri demais, o que eu sofri com a minha família e agora o que eu
estou sofrendo com a minha filha. Eu queria viver um pouco em paz,
que antes de eu morrer eu tenha um pouco de paz e um pouco de
felicidade na minha vida”.
A felicidade para Simone é algo que nunca esteve presente em sua história de
vida. Mais recentemente, ao juntar-se a Valter, sonhava com um casamento repleto de
cumplicidade e carinho; porém, à em medida que o tempo foi passando, viu seus
planos ruírem como um castelo de areia.
Quando engravidou de Maria Clara, também sonhava com a parentalidade ideal,
cercada de cuidados e dedicação. Tais sonhos também se dissolveram frente à
experiência da prematuridade e da postura de Valter enquanto pai.
“Eu nunca tive felicidade na minha vida, não sabia o que era ter alegria
na vida. [...] sempre teve um flagelamento, porque quando eu estava
com a minha filha, Deus fez isso com a coitadinha. Eu queria ver ela
saindo daqui boa, para eu poder tocar ela, ver ela andando. Ver meu
marido largando de beber, ter um pouco de juízo. É duro você viver
numa vida que você tem que ficar pedindo as coisas para as pessoas,
pedir para a pessoa mudar e ela não está nem aí. Ou muda ou então a
gente vai ter que largar, viver sozinha”.
165
7- DISCUSSÃO
No intuito de facilitar a apreensão da discussão dos resultados obtidos, optamos
por organizar nossas reflexões nos seguintes eixos temáticos: a) a escolha do parceiro:
como os pais se conheceram, reações dos avós frente a escolha e o arranjo de vida do
casal;
b) mitos e segredos na dinâmica familiar: traços dos avós, comunicação e
conflitos no grupo; c) os filhos no desejo dos pais: o papel da maternidade, a gravidez,
o nascimento e os cuidados iniciais; d) os papéis familiares e suas relações com o
poder no interior do grupo; e) o sexo e o prenome dado a criança; f) as noções de
tempo e espaço familiar; g) o eu familiar: sentimento de pertença, habitat interior e ideal
do ego e, h) a interfantasmatização.
a) A escolha do parceiro: como os pais se conheceram, reações dos avós frente a
escolha e o arranjo de vida do casal
Um primeiro apontamento sobre a escolha dos parceiros nas famílias
participantes da pesquisa é que o encontro entre os mesmos foi de certa forma
facilitado por serem vizinhos ou por serem próximos de algum familiar do parceiro do
sexo oposto.
Este encontro e conseqüente envolvimento dos parceiros parece ter causado
reações adversas em suas famílias de origem, sobretudo em seus pais, avós dos
prematuros. Em linhas gerais, podemos apontar que as adversidades demonstradas
pelos pais dos parceiros, ou seja, pelos avós dos bebês prematuros se voltam
166
principalmente para as companheiras (Vanda, Angelina e Simone), com exceção do
segundo caso apresentado (família Soares), onde fica nítida a dificuldade de aceitação
do avô do bebê prematuro em relação a Adriano, o companheiro escolhido por Keila.
A reação dos avós dos bebês prematuros frente à escolha do (a) companheiro
(a), seja os avós paternos (os pais de José Paulo, Mário e Valter) ou os avós maternos
(os pais de Keila), pode afetar o arranjo de vida do casal. Notamos que em alguns
casos, a presença e interferência das avós maternas dos bebês prematuros (sobretudo
as mães de Mário e Adriano) é tão marcante a ponto de criar dificuldades não somente
no relacionamento com as mães dos prematuros, mas dificuldades que se refletem no
relacionamento do próprio casal.
Assim, a figura dos avós presentes (e os ausentes também) passa a assumir
posições relevantes na psicodinâmica dos grupos familiares em questão. Por ser este
um ponto crucial em nossa proposta de estudo, examinaremos este aspecto mais
detalhadamente um pouco mais adiante.
Acompanhando a história das famílias participantes da pesquisa, somos levados
a verificar a relação existente na escolha do parceiro pelos casais Vanda e José Paulo
(família Cruz), Keila e Adriano (família Soares), Angelina e Mário (família Alves) e
Simone e Valter (família Pereira).
Observamos que Vanda, Keila e Simone procuraram sanar suas carências
afetivas através do envolvimento com uma pessoa mais velha que elas, depositando
grande parte de suas expectativas na relação conjugal.
Angelina, por sua vez, envolveu-se com uma pessoa bem mais nova que ela,
mas ainda assim, podemos averiguar que ela também depositou grandes expectativas
na relação conjugal.
167
Isto nos remete às idéias trazidas por Pincus e Dare (1981), ao afirmarem que as
motivações que levam as pessoas a se unirem é, na maior parte das vezes,
inconsciente. Assim, instala-se uma espécie de contrato velado, um acordo
inconsciente entre os parceiros, regido por processos de projeção e identificação.
Neste acordo inconsciente que envolve a dinâmica do casal existem, também,
outros princípios que abarcam uma complementaridade de necessidades, desejos e
medos, os quais derivam dos relacionamentos da infância de ambos os parceiros.
Especificamente no caso da família Cruz (primeiro caso) e da família Pereira
(quarto caso), encontramos a projeção das necessidades infantis de Vanda/ Simone em
José Paulo/ Valter e a identificação com aspectos dos parceiros almejados por elas na
condição infantil e inconsciente: cuidado, carinho, atenção e aceitação incondicional.
Na família Soares (segundo caso), também encontramos a projeção de
necessidades infantis de Keila em Adriano e a identificação com aspectos do parceiro
almejados por ela na condição infantil e inconsciente. Contudo, neste caso em
particular, observamos que Adriano representa a figura heróica associada aos pais da
infância. Como num conto de fadas, esse herói luta bravamente para proteger, salvar e
conquistar algo ou alguém.
Em relação à família Alves, notamos que a necessidade e o desejo se referem
sobretudo à busca de uma figura masculina, uma vez que Angelina nunca teve contato
com seu pai, nem sequer chegou a conhecê-lo.
Aliás, essa ausência da figura masculina proporciona um desapontamento com o
sexo masculino de forma geral, pois todos os homens que passaram pela vida de
Angelina, inclusive Mário, imprimiram em seu inconsciente um padrão, uma espécie de
168
lei, um mito de que “homens não prestam”, que não valorizam as mulheres tidas como
“corretas”.
Percebemos que a escolha mútua do casal, se concebida dentro do primeiro
organizador inconsciente do psiquismo familiar trazido por Eiguer (1985), ocorre sob a
forma de uma escolha objetal anaclítica ou dissimétrica em todas as famílias
observadas; os Cruz, os Soares, os Alves e os Pereira.
Este tipo de escolha é caracterizada como uma escolha regressiva, onde ambos
os parceiros buscam um no outro um apoio semelhante ao oferecido pelas figuras
parentais.
Ao analisarmos a escolha do parceiro, notamos uma similaridade na dinâmica da
família Cruz (primeiro caso) e família Soares (segundo caso). Ambas têm em comum
uma complementaridade de necessidades infantis no que se refere à figura paterna.
Assim, os maridos vivenciam inconscientemente papéis paternais e as mulheres, papéis
filiais.
No caso da família Cruz, mesmo José Paulo sendo fortemente ligado à sua
família de origem, tendo uma filha de um outro relacionamento, sendo doze anos mais
velho e um homem sem estudos, ainda assim é visto como uma pessoa maravilhosa,
com um coração imenso na fala de Vanda.
Talvez as qualidades apontadas no parceiro, pudessem ser atribuídas a uma
importante figura de sua infância, seu pai. Em contrapartida aos defeitos do pai, ou às
qualidades não tão evidentes deste, Vanda escolhe um companheiro que, ao seu ver,
não possui defeitos.
Em relação à família Soares, Keila escolhe um parceiro ciumento e possessivo,
semelhante ao pai infantil que teme perder a filha caçula e, na tentativa de evitar esta
169
perda, proíbe seus namoros. Adriano, por sua vez, dispõe-se a enfrentar as vicissitudes
e temores representados pela reprovação da autoridade paterna real frente ao
envolvimento do casal, propondo inclusive fugir secretamente com a namorada.
Quando decide juntar-se a Adriano, parece-nos que Keila procura substituir o pai
verdadeiro – o pai “ruim” – e todas as suas representações por um pai idealizado – o
pai “bom”, o pai “herói” – aquele que oferece apoio e amor incondicional, além da
coragem e determinação.
Já na família Alves e na família Pereira, a dinâmica inconsciente que envolve a
escolha do parceiro aparece de outra forma, as companheiras assumem um papel
maternal ao passo que os companheiros é que ficam na condição de filhos.
Na família Alves, percebemos em vários momentos, que Angelina se coloca
como uma verdadeira líder, é ela quem comanda, quem decide, enfim, quem detém o
poder e a autoridade. É ela quem cobra Mário dos posicionamentos e das
responsabilidades, enquanto que o mesmo, permanece como um adolescente
inconseqüente e aventureiro.
Ao analisarmos a situação da família Pereira, também notamos traços de uma
escolha com claras nuanças regressivas. Assim como a família acima, percebemos que
Simone adota o papel maternal, enquanto que Valter parece permanecer imerso na
vivência infantil de uma criança descompromissada, irresponsável e dependente.
Complementando esta ótica, existe ainda a presença da figura materna real (mãe de
Valter), interferindo e controlando a vida do casal e competindo com Simone. E mais,
inconscientemente, Simone escolhe um parceiro que tem o defeito mais abominado por
ela – o alcoolismo, exatamente o mesmo vício pertencente à distante mãe da infância,
aquela que a comparava, agredia e a rejeitava.
170
b) Mitos e segredos na dinâmica familiar: traços dos avós, comunicação e conflitos no
grupo
Considerando os mitos e segredos na dinâmica familiar das famílias participantes
deste estudo, apreendemos a existência de uma ligação com alguns traços dos avós
dos bebês prematuros que interferem na comunicação do grupo, gerando com isso
conflitos pessoais e interpessoais no dinamismo das mães acompanhantes.
Freqüentemente, os segredos abarcam temas e assuntos de difícil acesso para
os avós dos prematuros, principalmente para as avós, mães das mães entrevistadas.
Isso contribui para a perpetuação dos segredos que acabam se transformando em
mitos e tabus para as filhas que agora também são mães.
Ao nos remetermos às afirmações de Pincus e Dare (1981) acerca dos efeitos
dos segredos e mitos na dinâmica familiar, os quais pontuam que os segredos
familiares referem-se aos momentos mais marcantes do ciclo vital como nascimento,
sexo e morte, vemos uma correlação com o passado de todas as mães entrevistadas.
Na família Cruz (primeiro caso), parece-nos que Vanda investe não somente na
escolha de um parceiro adequado, capaz de oferecer-lhe segurança e carinho, como
também em manter um bom casamento, mais especialmente em não repetir a história
do casamento de seus pais, marcado pela infidelidade paterna, pela submissão
materna e pelo segredo gerado em torno deste tema.
É no intuito de evitar a repetição do padrão de relacionamento dos pais que
Vanda acaba mergulhando numa contradição: a submissão e dependência frente à
figura masculina, e a contrastante importância atribuída à mesma, é algo constante em
sua história. A figura masculina emerge seja sob a égide da perfeição intocável do
cônjuge, seja sob sua ausência, representada pelo pai infiel e pelo filho homem tão
171
sonhado, perdido pelo casal. Posteriormente, voltaremos a examinar este aspecto mais
detalhadamente.
Assim como assuntos que envolviam o sexo (infidelidade paterna) se tornaram
um segredo e um tabu para a família acima, na família Soares, notamos ligações dos
segredos familiares com o nascimento e o sexo. Temos que a própria constituição da
família Soares configurava um segredo, pois o casal Keila e Adriano, namorou vários
meses às escondidas, encontrando-se secretamente por medo da desaprovação
paterna.
Além disso, Keila deixa claro que os assuntos referentes à menstruação,
relações sexuais e gravidez nunca puderam ser conversados abertamente com sua
mãe. Segundo ela, a compreensão dessas temáticas ocorreu de forma solitária, com as
vivências práticas. Isto corrobora as afirmações de Pincus e Dare acerca dos segredos
familiares, ou seja, ao analisarmos a situação da família Soares, percebemos o quanto
os momentos mais marcantes do ciclo de vida humano como nascimento e sexo
transformaram-se em segredo no interior da família de origem de Keila.
Se na família Cruz e na família Soares os segredos referem-se ao nascimento e
ao sexo, na família Alves (terceiro caso) e na família Pereira (quarto caso), os segredos
possuem uma estreita ligação com outro momento fundamental do ciclo de vida,
apontado por Pincus e Dare (1981): a morte. Os mistérios envolvendo a morte e as
vivências frente a perda da mãe de Angelina e da mãe de Simone aparecem de forma
evidente nos relatos, ratificando o que a dupla de autores postula quanto aos segredos
e mitos familiares.
172
c) Os filhos no desejo dos pais: o papel da maternidade, a gravidez, o nascimento e os
cuidados iniciais
Conforme salientamos no início do segundo capítulo, “Aspectos psicológicos da
gestação”, a decisão de ter um filho é resultante da interação de uma série de motivos,
conscientes e inconscientes.
As respostas à pergunta “a que veio esta criança”, ou seja, a representação dos
filhos no desejo dos pais pode contemplar uma vasta gama de motivos, como aponta
Maldonado (1985): aprofundar e dar uma expressão criativa a uma relação homemmulher importante; concretizar o desejo de transcendência e continuidade; manter um
vínculo muitas vezes já desfeito; competir com outros membros da família; “dar” um
filho para a própria mãe; preencher o vazio de um companheiro ou garantir que a mãe
não vai permanecer sozinha; busca de extensão de si próprio, entre outros tantos.
Dessa forma, o significado da concepção, gestação e da parentalidade, enfim o
significado dos filhos no desejo dos pais e as respostas ao questionamento “a que veio
esta criança”, apresenta variações em cada uma das famílias estudadas e correlações
com aquilo que propõe a autora mencionada acima.
Se a decisão de ter um filho é o resultado de várias motivações, conscientes e
inconscientes, devemos nos aprofundar então na situação especifica elegida como foco
do presente estudo, a prematuridade.
Analisando as motivações (ou desmotivações) inconscientes presentes na
situação da prematuridade por parte das mães, um primeiro ponto que merece ênfase
quanto ao significado da gestação e papel da maternidade é o sentimento de
ambivalência.
173
Observamos que no primeiro e no segundo caso (família Cruz e Soares), a
chegada concreta dos filhos era adiada em face dos abortos espontâneos sofridos por
Vanda e dos abortos planejados por Keila. Neste sentido, os abortos podem indicar
uma divergência entre a fala consciente, o desejo de ser mãe, e o conteúdo latente, a
rejeição à maternidade.
Se analisarmos a psicodinâmica da família Soares mais detalhadamente,
verificamos que os filhos, apesar de existirem na realidade, custam a tomar forma no
inconsciente parental. Prova disso é a ausência de diálogo dos pais durante a gravidez
e após o nascimento, sobre a escolha de um nome para os bebês, tanto para o primeiro
como para o segundo.
Levando-se em conta o terceiro caso (família Alves) e os conteúdos trazidos por
Angelina durante a entrevista, notamos que a rejeição à gravidez é ainda mais evidente
que nas famílias anteriores. Em algumas passagens ela lança mão de várias
justificativas para não querer ter filhos, como sua idade, seus problemas de saúde, sua
condição sócio-econômica desfavorável e a tão prezada independência.
Para Simone (família Pereira), esse filho possui um importante papel na
superação das vivências traumáticas na infância com a maternidade. Como ela mesma
nos coloca, por tudo aquilo que passou junto de sua mãe, ela poderia nutrir um
sentimento de revolta e repulsa em relação a crianças e filhos. Todavia, ela relata o
contrário, Simone pretende, enquanto mãe, dar tudo aquilo que não teve oportunidade
de receber enquanto filha.
Soifer (1980), esclarece que toda gestação implica inicialmente num sentimento
de ambivalência básica: de um lado, o desejo de ter a criança, ou seja, sua aceitação;
de outro, a rejeição à gravidez, ou seja, o temor da gestante ser destruída pela
174
gestação. Desta forma, quando uma concepção se realiza e é mantida, o desejo de ser
mãe é predominante à rejeição.
Se analisarmos a situação de prematuridade, podemos pensar numa primeira
instância que as concepções dos bebês foram mantidas (pois eles nasceram),
indicando que o desejo de ser mãe foi predominante à rejeição. Todavia, é exatamente
a não manutenção da gestação e o parto prematuro que nos fornecem indícios de uma
dinâmica um pouco mais complexa. Na verdade, as gestações não foram mantidas,
elas foram interrompidas por fatores aparentemente externos às mães (como o fato de
ter contraído uma forte gripe, ter carregado peso ou ter passado nervoso).
Simbolicamente, na esfera inconsciente, o que estaria levando as mães a terem
seus bebês prematuramente? Por que não conseguiam “esperar” os nove meses de
gestação e acabavam “expulsando” os filhos de seus ventres? Por que a maternidade
por vezes tão almejada em alguns relatos, é colocada em perigo frente a uma gestação
de risco e um bebê de risco?
As respostas a tais questionamentos podem encontrar expressão e significado
na análise do sentimento de ambivalência materna. Recorrendo novamente aos
pressupostos de Soifer (1980), podemos supor que a prematuridade parece indicar uma
rejeição inconsciente à gestação e à maternidade, uma vez que a concepção não é
mantida até o bebê atingir a maturidade.
Tal aspecto é corroborado ao retomarmos os estudos de Parker (1997), acerca
da ambivalência materna. Este sentimento é uma experiência compartilhada de
diversas formas por todas as mães, na qual coexistem lado a lado, em relação aos
filhos, sentimentos de amor e ódio.
175
A autora propõe que grande parte do sentimento de culpa ao qual as mães estão
habituadas origina-se na dificuldade de enfrentar os sentimentos complexos e
contraditórios provocados pela ambivalência materna. Deste modo, podemos vislumbrar
que a prematuridade poderia representar o sentimento de ambivalência materna levado
ao extremo.
Roziska Parker (1997), ainda acentua que inerentes ao sentimento de
ambivalência materna estão os mecanismos psíquicos de projeção e identificação.
Segundo esta autora, a projeção fornece um meio de comunicação de
inconsciente para inconsciente, entre mãe e filho que pode ser benigno ou maligno. Em
sua forma maligna, envolve partes contraditórias ou indesejáveis do eu que são
expelidas e projetadas em outras pessoas, às quais são atribuídos vários papéis na
subjetividade da pessoa. Se uma mãe projeta inconscientemente aspectos repudiados
de si mesma em seu filho, percebe então no filho esses aspectos repudiados nela
mesma (PARKER, 1997).
Esta concepção acerca do mecanismo de projeção aplicado à maternidade
ilustrado pela autora é particularmente importante para a apreensão da psicodinâmica
familiar das acompanhantes.
A vivência da prematuridade leva as mães a se confrontarem com suas próprias
limitações enquanto mães, ao se depararem com a fragilidade de seus bebês e delas
mesmas ante à tal vicissitude – a visão do recém-nascido prematuro, o processo de
hospitalização e a atmosfera de urgência e perigo representados pela U.T.I. neonatal –
simbolizam os aspectos indesejáveis, repudiados do eu que são expelidos e atribuídos
a outras pessoas, no caso aos bebês prematuros. É o drama pessoal inscrito na
176
subjetividade de cada mãe que toma forma, é o sentimento de fracasso, de rejeição
interna que se extrapola e se traduz na concepção inacabada.
Talvez por isso as mães sejam impelidas a buscar uma série de justificativas
para a necessidade da realização do parto prematuro. Comumente nos relatos,
podemos verificar algumas fantasias no intuito de justificar ou compreender a
necessidade da realização de um parto prematuro.
Principalmente nas famílias Soares e Pereira este aspecto fica claro quando
observamos as falas de Keila, ao referir que a prematuridade pudesse ter sido causada
por uma forte gripe contraída e por ter carregado peso durante a gravidez, e as falas de
Simone, ao referir o estado de raiva e tensão vivido junto ao companheiro.
Com efeito, as mães projetam no externo algo que está presente em sua própria
subjetividade. Como uma mãe pode rejeitar um filho, querer “expulsá-lo” antes dele
estar pronto para nascer, sem que isso represente um risco para ambos, mãe e bebê?
No plano da consciência e da cultura ocidental (aspecto este que será examinado
posteriormente), tal reação não encontra expressão, mas no plano inconsciente sim. A
imaturidade do bebê é a representação da imaturidade das próprias mães, ou seja, a
prematuridade dos bebês representa a “pré-maturidade” das mães.
Além da tentativa de atribuir o parto prematuro a causas externas, um outro
ponto onde o mecanismo de projeção também aparece de forma evidente é a visão que
as mães das famílias Soares, Alves e Pereira, ou seja, Keila, Angelina e Simone
respectivamente, possuem acerca da relação sexual e da conseqüente fecundação,
concepção e gestação.
Para elas, o ato sexual e a gravidez parecem estar exclusivamente relacionados
à figura masculina. A figura feminina parece exercer uma postura passiva e submissa,
177
ao passo que o homem exerce uma postura ativa, sendo considerado como o
“responsável” e até mesmo o “culpado” pela gravidez.
Mais uma vez, percebemos o mecanismo de projeção ratificando a atribuição dos
aspectos inaceitáveis do eu ao externo, como afirma Parker (1997). Segundo seus
relatos, nenhuma das três mães tinha intenções de ficar grávida, não haviam planejado
a gravidez e, no caso de Angelina, mais especificamente, nem sequer desejava ter um
filho.
A gravidez ocorre então pela falta da pílula anticoncepcional que não pôde ser
adquirida, pelo rompimento do trato estabelecido ou ainda pelas instruções de que se
fizesse apenas uma vez, não teria problema. Deste modo, as acompanhantes projetam
a “responsabilidade” da gravidez ao externo, uma vez que conscientemente, não
podem assumir sua “irresponsabilidade” e, sobretudo, o sentimento de rejeição à
maternidade e à gestação.
A projeção pode ainda se relacionar de acordo com Parker (1997), à sensação
familiar, na qual as mulheres sentem que estão reproduzindo, ou repudiando, no próprio
estilo de maternidade, o tratamento que receberam de suas próprias mães.
De maneira análoga, quando uma mulher se torna mãe, uma identificação com a
própria mãe pode ser revivida; despertando medos, desejos e ressentimentos em
relação à sua mãe, pela condição de mãe em que ela mesma se encontra.
Estes dois aspectos – a projeção através da sensação de reproduzir ou repudiar
o tratamento das mães e a identificação com as próprias mães – parecem ficar bem
claros ao considerarmos os relatos das mães acompanhantes e suas histórias de vida.
No caso de Vanda e Keila, apesar de desfrutarem da presença concreta de suas
mães, relataram não desfrutar ou não compartilhar de uma intimidade maior com as
178
mesmas;
ainda
que
estivessem
presentes
fisicamente,
sentiam-se
distantes
emocionalmente. Segundo elas, nunca tiveram demonstrações claras de afeto ou
oportunidade de conversar mais abertamente sobre questões relacionadas à
feminilidade, sexualidade e até mesmo sobre a maternidade.
Angelina e Simone tiveram oportunidade de desfrutar da presença concreta de
suas mães durante poucos anos, perdendo as mesmas ainda na infância. A perda da
figura materna desencadeou em suas dinâmicas uma série de sentimentos confusos e
mecanismos para lidarem com a ausência de uma figura tão importante e significativa.
Angelina apresenta uma certa resistência em retomar a figura de sua mãe
durante a entrevista, demonstrando recordar-se apenas de algumas características
físicas como a bela aparência e de alguns traços como a calma e o sucesso entre os
homens. Após a morte da mãe vai morar com uma tia que, segundo ela, é uma pessoa
ambígua, “boa” e “ruim” ao mesmo tempo.
Na tentativa de elaborar a perda de sua mãe e a dolorosa vivência ao lado da tia,
Angelina parece acreditar que não pode contar com mais ninguém a não ser com ela
mesma e começa a fazer de tudo para ser uma pessoa “independente”. Talvez por este
motivo um filho não tenha espaço em seus planos, pois além de todas as justificativas
lançadas para tanto, ainda poderia estar sujeita a perder sua independência.
Para Simone, a figura materna também evoca sentimentos contraditórios. A mãe
real é aquela que diz que Simone não é sua filha, aquela que a compara, diminui,
agride e está constantemente sob o efeito do álcool. Ao mesmo tempo, esta mãe é
importante e insubstituível, a ponto de Simone jurar para si mesma que não aceitaria
ver seu pai ao lado de mulher alguma, afinal “mãe é uma só”. Ainda assim, esta mãe
179
nos coloca que, mesmo tendo passado por tudo que passou enquanto filha com sua
mãe, sempre desejou também ser mãe.
Assim, o significado dos filhos no desejo das mães das famílias entrevistadas,
parece guardar nítidas correlações com aquilo que foi vivenciado por elas mesmas na
condição de filhas, ou seja, as acompanhantes apontam “falhas” e evidenciam o
repúdio ao estilo de maternidade exercido por suas mães, ratificando as colocações de
Parker (1997).
Ao passo em que esse mecanismo se instala, podemos refletir que em se
tratando da situação da prematuridade, as mães acompanhantes acabam sendo
“arrastadas” inconscientemente para a identificação com suas próprias mães, pessoas
que elas criticam e que não gostariam de estar tão próximas, sobretudo em relação à
maternidade.
Verificamos que a ocorrência comum entre os dados coletados é justamente a
vivência de uma relação mãe-filha por vezes insatisfatória ou até mesmo negativa e que
não deverá ser repetida pelas acompanhantes com seus filhos.
Todavia, diante do parto prematuro, as mães entrevistadas acabam repetindo o
estilo de maternidade de suas mães, ou seja, inconscientemente, a prematuridade
representa um “fracasso” quanto à maternidade (a capacidade de gerar um bebê a
termo, “maduro” e saudável), o mesmo “fracasso” que elas apontam em suas mães ao
longo da entrevista, constituindo-se assim como uma espécie de legado a ser
transmitido psiquicamente ao longo das gerações.
Uma vez que os medos, desejos e ressentimentos em relação à mãe podem ser
despertados pela condição de mãe em que elas mesmas se encontram (PARKER,
180
1997), torna-se muito difícil a não confrontação com a limitação e o “fracasso” de suas
mães ante a vivência da prematuridade.
Sinteticamente, podemos conceber a seguinte reflexão a fim de tentarmos
apreender o esquema inconsciente que envolve os mecanismos de projeção e
identificação apontados por Parker (1997) aplicando-os na situação de prematuridade:
as mães “expulsam” seus bebês antes de estarem prontos porque talvez elas mesmas
não estejam prontas para serem mães. Elas geram bebês imaturos porque elas
mesmas são imaturas e não se sentem responsáveis pelos bebês (e por isso atribuem
ao externo, como trabalhamos anteriormente). Dessa forma, as acompanhantes
repetem a história da “irresponsabilidade” e “fracasso” de suas mães transmitidas
psiquicamente a elas na atualidade, agora não mais como filhas, mas sim como mães.
Da mesma forma que a análise do sentimento de ambivalência pode nos
fornecer indícios importantes para a compreensão do significado dos filhos no desejo
dos pais e o papel da maternidade, a ansiedade e os conflitos advindos da forma como
o gestante lidou com tal sentimento, também pode ser relevante para os objetivos
lançados na presente investigação.
Verificamos que o sentimento de ansiedade foi constantemente trazido pelas
acompanhantes em diversos momentos da entrevista. A ansiedade se fez presente
inicialmente frente à confirmação da gravidez, no decorrer da gestação, frente à notícia
da realização do parto prematuro (gestação de risco e bebê de risco) e durante o
processo de hospitalização.
Rappaport et al. (1981), apontam que, muitas vezes, à medida em que o final da
gestação e o momento do parto se aproximam, se houve o predomínio de ansiedade na
gestação, podem se acirrar alguns conflitos básicos na dinâmica materna.
181
Dos três conflitos distinguidos pelos autores, aquele que parece se fazer mais
presente entre as acompanhantes é o temor de morte, ou seja, o parto prematuro ativou
no psiquismo das mães a fantasia específica de morte durante a realização do parto.
Poderíamos supor que o predomínio da ansiedade levando à ocorrência específica
deste conflito básico – o temor de morte – refletiria uma espécie de “castigo” para as
mães, devido à rejeição inconsciente da gestação e dos filhos, como trabalhamos em
outro ponto deste eixo temático.
Ao nos aprofundarmos na questão da adaptação ao papel materno, salientamos
que a vivência da prematuridade abrevia a fase de transição provocada pelo parto e
posterga o contato com a figura real do recém-nascido. Assim sendo, as mães de
bebês prematuros poderão sofrer interferências na adaptação ao papel materno como
nos mostra Burroughs (1995), além de não terem a oportunidade de vivenciar as duas
fases inerentes à adaptação ao papel materno – fase do aceitar e do assumir –
propostas por Rubin (apud BURROUGHS, 1995).
Ainda sobre a adaptação ao papel materno, se retomarmos os estudos efetuados
por Alves (1993) sobre a construção social da maternidade e sexualidade enquanto
componentes da identidade feminina em onze mulheres de classe baixa, numa cidade
do interior do estado do Paraná e as conclusões provenientes de sua investigação,
apreendemos que o discurso consciente das mães acompanhantes parece se encaixar
no segundo grupo de mulheres, onde o
ser mãe representa a essência de suas
identidades femininas.
Quanto à influência do momento histórico e das variáveis sócio-econômicas na
maternidade dentro do grupo de mães acompanhantes que participaram do presente
estudo, observamos que as concepções de Stasevskas (1999), Mazzini (2003) e Rosa
182
(2001) podem ilustrar os conteúdos que emergiram durante a realização das
entrevistas.
A primeira autora buscou a compreensão do que um grupo de quinze jovens
mães pensava sobre ser mãe, considerando as influências histórico-sociais e concluiu
que tanto o desejo de ser mãe quanto a maneira de sê-lo sofrem influências muito
antigas e ainda muito atuantes, criando um descompasso entre a antiga e a atual
condição de mulher também no seu modo de ser mãe (STASEVSKAS, 1999).
Os resultados alcançados pela segunda estudiosa acerca do processo de
construção da identidade materna em mulheres gestantes, apontam que seu início
ocorre na própria família, sendo mantido pela ação sócio-cultural e estando
estreitamente relacionado à reprodução (MAZZINI, 2003).
A terceira autora concluiu através de um estudo sobre a percepção do papel
materno em três mulheres de diferentes gerações que as práticas educacionais, os
modelos e as normas a que as mulheres estiveram submetidas parecem influenciar e
delinear suas condutas no papel de mãe, além de constatar que o momento histórico
com suas variáveis sócio-econômicas pode ampliar ou restringir a possibilidade dos
indivíduos vivenciarem papéis sociais (ROSA, 2001).
Os achados de Chodorow (2002), que acrescenta à vivência do papel materno a
questão de gênero, caminham no mesmo sentido das contribuições das quatro autoras
discutidas acima – Alves (1993), Stasevskas (1999), Mazzini (2003) e Rosa (2001).
Seu enfoque sobre o relacionamento mãe-filho na sociedade industrial ocidental
revela as atitudes e expectativas conscientes e inconscientes que todas as pessoas –
masculinas e femininas – possuem de suas mães em particular e das mulheres em
183
geral, sendo que essas expectativas integram-se na reprodução da maternidade
(CHODOROW, 2002).
Em suma, parece-nos que os aspectos levantados pelas produções acima
descritas estão muito presentes na dinâmica das entrevistadas, manifestando-se
claramente em seu discurso.
A identidade materna e a maternidade como um todo aparecem fortemente
ligadas à identidade feminina, ao ser mulher; enquanto que o ser mulher em várias falas
significa ser mãe (sobretudo nos casos das famílias Cruz, Soares e Pereira e menos no
caso da família Alves). Igualmente, o ser mulher e o ser mãe guardam nítidas relações
com aquilo que foi vivenciado dentro do grupo familiar (na relação com as próprias
mães) e com aquilo que é almejado pela cultura e sociedade.
Focalizando a adaptação ao papel materno em situação de prematuridade e
seus desdobramentos no inconsciente materno, somos levados a refletir um pouco mais
sobre as influências que a cultura e a sociedade ocidental exercem neste sentido.
Vimos que as mães parecem projetar no externo algo que está presente em sua
subjetividade. A rejeição inconsciente é simbolizada pela “expulsão” de uma criança
antes do tempo completo de gestação, sendo que no plano da consciência e na cultura
ocidental tal rejeição não consegue encontrar expressão. Talvez por este motivo é que
as mães participantes de nossa coleta de dados tenham a necessidade de pontuar a
aspiração e satisfação por terem se tornado mães (principalmente nos casos de Vanda
da família Cruz e Simone da família Pereira) e a preocupação com o destino de seus
bebês prematuros.
As dificuldades em lidar com o sentimento de rejeição à maternidade como um
todo e ao próprio filho podem ser devido ao mito instaurado acerca desta temática em
184
nossa sociedade, presente nas concepções de Badinter (1985), Parker (1997) e Forna
(1999).
A primeira autora discute a criação de um mito acerca do “amor materno”, ou
seja, o amor materno como um sentimento natural e instintivo, presente em todas as
mulheres nas mais diversas épocas da história da humanidade, desconsiderando-se as
variações sócio-econômicas da história na construção deste sentimento (BADINTER,
1985).
A segunda autora postula que a representação da “maternidade ideal” ainda é
exclusivamente composta de espírito de renúncia, amor irrestrito, conhecimento intuitivo
na criação de filhos e um prazer genuíno em cuidar de crianças. Para ela, a cultura
ocidental desempenha um papel primordial na produção da dificuldade de enfrentar os
sentimentos complexos e contraditórios provocados pela ambivalência materna,
praticamente proibindo o tipo de discussão plena e análise que poderiam revelar a
contribuição oculta que a vivência da ambivalência na maternidade poderia dar ao
exercício criativo da própria maternidade (PARKER, 1997).
Forna (1999), explica que o mito contemplado na maternidade é o mito da “mãe
perfeita”, aquela que deve ser devotada não somente aos filhos, mas ao seu papel de
mãe; aquela que compreende, que oferece amor e que se entrega totalmente; aquela
que deve ser capaz de enormes sacrifícios, ser fértil e ter instinto maternal, enfim, é
aquela que deve incorporar todas as qualidades tradicionalmente associadas à
feminilidade como acolhimento, ternura e intimidade.
A autora também enfoca outro sentimento que se faz presente na dinâmica da
maternidade – a culpa, a qual aparece paralelamente à imagem idealizada da
maternidade. Segundo sua concepção, a culpa ficou tão fortemente associada à
185
maternidade que passou a ser considerada como um sentimento natural, sendo que na
realidade, as mães sentem-se culpadas porque a sociedade as faz se sentir assim
(FORNA, 1999).
Notamos que o sentimento de culpa aparece de forma evidenciada nos relatos
das mães, sobretudo em relação ao primeiro caso (Vanda da família Cruz), segundo
caso (Keila da família Soares) e quarto caso (Simone da família Pereira). Seguindo
nossa linha de análise, a culpa pode emergir como uma espécie de “punição” para a
“rejeição” dos filhos.
Observamos um forte desejo de proteção em relação ao bebê, as mães
acreditam que se tivessem ficado com ele durante mais tempo em seus ventres,
poderiam ter proporcionado maior proteção e, talvez, evitado todas as intercorrências
posteriores. Especificamente para Simone, a culpa aparece de maneira ainda mais
clara ao evocar o sempre presente desejo de ser mãe, as carícias e conversas com a
filha ainda em seu útero e o fato de ter tido todos os cuidados necessários à gravidez,
enfim, ter feito tudo o que cabia a ela.
Diante da realização do parto prematuro, vemos que o mesmo desencadeou
reações e expectativas parecidas em todas as mães entrevistadas. Sentimentos como
frustração, solidão, angústia, culpa, impotência, estranheza, apreensão, temor e
ansiedade apareceram de forma significativa, tais como apontam os estudos de Avery
(1978), Klauss e Fanaroff (1982), Brazelton (1988), Klauss e Kennell (1993), e Valle
(2002).
Da mesma forma, tais sentimentos também se evidenciaram em relação ao
processo de hospitalização, a visão do bebê prematuro na U.T.I. neonatal e a
expectativa quanto a estabilização do quadro e alta hospitalar, como mostram as
186
produções de Hymovich (1976), Brunner e Suddarth (1980), Belli (1999) e Shimitz et al.
(2000).
Considerando que a interação mãe-bebê nos primeiros meses e anos de vida
influencia de maneira notável certas características de personalidade mais ou menos
permanentes que se manifestam no processo de desenvolvimento de uma criança,
somos levados a refletir sobre as contribuições de Spitz, Winnicott e Bolwby acerca do
vínculo do bebê com sua mãe, aplicando-as a prematuridade.
Spitz (1991), afirma que no processo de comunicação entre mãe e filho, cada
parceiro consciente ou inconscientemente percebe o afeto do outro e responde com
afeto, numa troca recíproca e contínua. Para Winnicott (1999), além do apoio oferecido
pelo ego materno facilita a organização do ego do bebê, a “mãe suficientemente boa”
também poderá oferecer uma base positiva para o desenvolvimento psíquico deste,
através dos cuidados e da experiência comum de “segurar” seu bebê (holding).
Os estudos de Bolwby (1984, 1988, 1990) sobre o comportamento de apego
indicam que enquanto uma criança está na presença incontestada de uma figura
principal de apego, ou a tem a seu alcance (mãe ou figura substituta que desempenhe
o papel materno de forma permanente, regular e constante), sente-se segura e
tranqüila; sendo que a ameaça de perda dessa figura gera ansiedade e uma perda real,
tristeza profunda e cólera.
A partir desses pressupostos, deparamo-nos com o fato de que a situação de
prematuridade pode influenciar de maneira singular o processo de comunicação entre
mãe e filho e o intercâmbio das trocas afetivas como coloca Spitz.
Igualmente, a ausência de contato inicial entre mãe e bebê acarretada pelo
processo de hospitalização, pode dificultar a atuação do ego materno como um suporte,
187
uma base positiva para a organização do ego do recém-nascido, além de exercer
influências no estabelecimento do vínculo e apego entre ambos.
Assim, a transferência do prematuro para a U.T.I. neonatal momentos após a
realização do parto, impede mães e filhos de desfrutarem de um contato mais íntimo, o
das mães “segurarem” seus filhos e oferecerem o “holding”, prejudicando aquilo que
Winnicott e Bolwby consideram essencial para o desenvolvimento psicológico ulterior da
criança.
Retomando as vivências das acompanhantes com suas mães, é possível
estabelecermos um paralelo se levarmos em conta as colocações de Spitz, Winnicott e
Bolwby. Apreendemos que a comunicação consciente e inconsciente na díade mãefilha, as trocas afetivas, o apoio oferecido pelo ego materno, enfim o holding e o apego
não foram vivenciados de forma significativa ou positiva nos quatro casos
apresentados. Uma vez que a “mãe suficientemente boa” não foi internalizada pelas
acompanhantes, é provável que as mesmas encontrem alguma dificuldade em
reproduzirem este comportamento, este “ideal” com seus filhos.
d) Os papéis familiares e suas relações com o poder e no interior do grupo familiar
Retomando a discussão realizada no eixo temático anterior, percebemos que a
vivência dos papéis familiares e do materno em especial (e os conflitos existentes nesta
adaptação), demonstra relações com as expectativas culturais e sociais (ALVES, 1993;
BADINTER, 1985; FORNA, 1999; MAZZINNI, 2003; PARKER, 1997; ROSA, 2001), as
quais se pautam nas diferenças de gênero (CHODOROW, 2002).
Deste modo, ao observarmos os quatro grupos familiares, somos levados a
concordar com esses posicionamentos.
188
Na família Cruz, vislumbramos que Vanda está buscando corresponder às
solicitações externas que lhes são feitas. Estas solicitações aparecem sob a forma do
desempenho dos papéis sociais comumente atribuídos à mulher: ser uma esposa
exemplar e uma cuidadosa mãe. Daí resultam os conflitos mediante a dificuldade de
conceber e parir uma criança e à impossibilidade de amamentar. Esta última dificuldade
gera preocupação e sentimentos de angústia e impotência.
Em contrapartida, enquanto procura atender às solicitações do parceiro, deixa a
desejar nas solicitações feitas por parte da família de origem de José Paulo, que
enxergam nela uma ameaça.
Mesmo realizando escolhas diferentes das expectativas dos sogros e cunhados,
expectativas essas que remontam desde a época do namoro e casamento e,
principalmente, àquelas referentes à figura feminina – mulher deve ser esposa, mãe e
ajudar nas despesas da casa trabalhando fora – ainda assim, há a necessidade de
aceitação e aprovação junto dos familiares de José Paulo.
Esta necessidade de aceitação e aprovação junto dos familiares do companheiro
também ocorre na família Pereira. Em seu relato, Simone evidencia as desavenças
enfrentadas junto da família de origem de Valter, principalmente com a mãe dele. Para
que não se crie um mal-estar ainda maior, ela prefere permanecer calada a argumentar
com sua sogra sobre suas interferências na vida financeira e até mesmo afetiva do
casal.
Em relação às atividades desenvolvidas fora do lar, as três mães, com exceção
de Angelina, cedem aos apelos dos maridos e decidem parar de trabalhar fora para se
dedicarem aos afazeres domésticos e à maternidade. Vanda e Keila trazem isso
189
durante a entrevista, referindo que mesmo desejando continuar com suas atividades
fora do lar, concordam com a proposta dos companheiros de deixarem seus empregos.
Angelina por sua vez, faz questão de salientar em sua fala que sempre foi
“independente”; sempre trabalhou, pagou suas contas e que ela “é o pai, é a mãe, é
tudo” em sua casa. Se ela é a provedora, é quem faz compras, quem lidera e “quem
apita”, demonstrando características tidas como “masculinas” em nossa cultura,
seguindo esta lógica, ser “mãe” (ser “feminina”), não é um papel que pode encontrar
expressão em seu imaginário.
Tal ocorrência nos faz refletir novamente sobre como ainda se faz presente na
sociedade atual a mentalidade patriarcal quanto ao desempenho das funções e papéis
no interior do grupo familiar. A diferença de gênero é nítida, o homem ainda é visto
como o responsável pelo sustento, o provedor. A mulher, por sua vez, ainda é vista
como a principal responsável pelos cuidados com os filhos, e mais, as cobranças
quanto a maternidade perfeita perduram até os dias de hoje, como já discutimos.
Aplicando os pressupostos de Eiguer (1985), sobre o primeiro organizador
inconsciente do psiquismo familiar – a escolha do parceiro – à questão dos papéis
familiares e suas relações com o poder no grupo familiar, ainda que a escolha mútua
dos casais pareça pender para uma relação complementar infantilizante para um e
paternal para o outro, podemos apreender que a situação de prematuridade aparece
para ambos os parceiros das famílias estudadas como uma oportunidade de
transcender esta expectativa inconsciente, pois cada um, diante da crise instaurada,
está procurando vivenciar os papéis familiares de uma forma diferenciada, com exceção
da família Alves.
190
A prematuridade levou os grupos familiares, de forma geral, a se reorganizarem
e buscar um novo arranjo para lidar com a situação. As mães precisaram adaptar-se ao
clima de incerteza e rotinas hospitalares, aceitar o auxílio de outrem no cuidado com
demais filhos e suas casas e aprender a acompanhar a evolução do quadro médico dos
bebês prematuros sozinhas, com mais independência e iniciativa. Os maridos, em
especial José Paulo e Adriano, precisaram assumir de forma mais pontual os cuidados
paternos e domésticos na cidade de origem da família e Valter está caminhando nesse
sentido, está “melhorando”, nos termos de Simone.
Consideramos pertinente neste ponto, fazer uma referência a Puget e Berenstein
(1993, p.4), ao abordar aquilo que rege a constituição de um casal ao seu ver.
A marca de uma primeira contradição fundamental para constituição de
um casal (matrimonial) surge da dificuldade psíquica de cada um de
seus membros, derivada da resolução trabalhosa, difícil, nem sempre
terminada da separação de seus vínculos familiares.
Se psicanaliticamente poderíamos pensar em casal enquanto indivíduos que se
desprendem da família de origem, de onde se originam modelos a serem seguidos,
constatamos que as famílias estudadas ainda estão percorrendo este caminho.
Nas famílias Cruz (primeiro caso) e Soares (segundo caso), ambos os parceiros
estão trabalhando no sentido de se desligarem das famílias de origem e estabelecerem
com as mesmas uma relação mais madura, menos simbiótica. Nas famílias Alves
(terceiro caso) e Pereira (quarto caso), no entanto, não constatamos a mesma
ocorrência; a relação conjugal ainda é bastante influenciada e permeada pelas figuras
das famílias de origem dos maridos.
191
e) O sexo e o prenome dado à criança
As expectativas quanto ao sexo do bebê prematuro nos quatro casos estudados
aponta para uma direção convergente, observamos nas falas conscientes e nos
conteúdos latentes a vontade, principalmente dos pais, de gerar um bebê do sexo
masculino.
Ainda que durante os relatos, as mães não apontem preferências de forma
direta, em algum ponto a preferência pelo sexo masculino aparece. Na família Cruz, tal
aspecto é bastante claro, conforme pontuamos anteriormente. Na família Soares,
apesar da mãe verbalizar que havia planejado nomes femininos e que para ela o sexo
não faria diferença, é possível apreender que o nascimento de um filho foi visto com um
certo alívio para Adriano.
Para Angelina, a certeza de ter um filho homem sempre esteve presente, pois a
mesma intuía, pressentia desde o início da gestação que seria um menino. Já para a
família Pereira, o nascimento de uma menina criou um atrito entre as expectativas do
casal. Uma menina e todos os mimos como vestidos e fitas no cabelo já povoavam os
sonhos de Simone há muito tempo, e que, frente ao nascimento, viu seu sonho
realizado, enquanto que para Valter, o fato de ser pai, principalmente de uma menina,
representava uma difícil realidade a ser assimilada.
A ocorrência comum quanto às expectativas do sexo do bebê nos leva a refletir
sobre dois pontos: o temor inconsciente da repetição (transmissão psíquica) e as
questões de gênero.
Parece-nos que, para as mães, a experiência da maternidade é única, sendo
menino ou menina, ainda que inconscientemente almejem gerar uma criança que esteja
em conformidade com as expectativas paternas e, talvez, com suas próprias
192
expectativas. Tendo gerado filhos meninos, o risco de repetição da história de
“rejeição”, “fracasso” e sofrimento quanto à maternidade (na relação com suas próprias
mães e agora, elas mesmas enquanto mães), como um forte elemento de transmissão
psíquica, torna-se mais distante do que se tivessem gerado filhas meninas.
Para os pais, todavia, encontramos o desejo de perpetuação, resquícios de uma
mentalidade patriarcal e talvez até mesmo machista. Para eles, é importante e decisivo
ter um filho homem, pois uma filha mulher acarretaria cuidados diferenciados e
redobrados durante o processo educativo.
A escolha (ou não escolha) do nome dos filhos certamente não parece ter
ocorrido ao acaso nas famílias estudadas, conforme postula Isidoro Berenstein: “A
indicação de um nome próprio pode se referir a um sentimento familiar, a um
sentimento religioso, à moda, à praticidade ou serve para denominar um representante
familiar significativo” (BERENSTEIN, 1988, p.125).
A família Cruz decidiu colocar o mesmo nome destinado aquele bebê perdido
aos oito meses de gestação. Gabriel, e a decisão de chamarem o novo bebê de
Gabriela coube ao pai, que também escolhera o nome da primeira filha, Joana, ainda
que o casal tivesse estabelecido que a escolha ficaria a cargo do pai se menino e da
mãe, se menina.
A partir destes dados, observamos de forma nítida que a escolha dos nomes dos
filhos pelo casal acaba se referindo também à história deste grupo, e ao tipo de
estrutura familiar do mesmo.
Apesar do acordo estabelecido entre pai e mãe quanto à escolha dos nomes –
se menino ou menina – mesmo tendo gerado duas meninas, a escolha coube ao pai.
193
Percebemos novamente traços da forte presença masculina no interior da família com o
homem à frente das decisões, poder e liderança.
Levando-se em consideração o acordo estabelecido entre o casal para a escolha
do nome dos filhos, o mesmo mecanismo se repete no segundo caso (família Soares).
Keila nos afirma que “não queria tomar a decisão sozinha”, que preferia aguardar a
presença de Adriano para decidirem sobre o nome do bebê prematuro.
Analisando a decisão da família Cruz, temos que o nome Gabriel remete-nos a
um ente espiritual que, segundo a religião católica habita os céus, é o nome de um
anjo. Quando pensamos na figura de um anjo, é praticamente impossível não nos
lembrarmos do “anjo da guarda”, ou do adjetivo que atribuímos às pessoas generosas e
de bom coração: “aquela pessoa é um anjo”. Assim, anjo, angelical, tornam-se
sinônimos de proteção e bondade. De forma similar, anjos são entidades assexuadas,
tanto podem ser meninos como podem ser meninas.
Aqui reside a peculiaridade da escolha do nome de um anjo para o bebê
prematuro: Gabriel, agora pode tornar-se Gabriela e este nome pode sugerir
expectativas positivas de serenidade e generosidade. Gabriela também parece exercer
a função de proteção e manutenção da continuidade da família, a proteção da estrutura
familiar que se centra quase que exclusivamente nas funções sociais de parentalidade;
uma vez que o casal dificilmente poderá gerar uma nova criança.
Por outro lado, percebemos que no imaginário do casal, falta um filho do sexo
masculino. O casal decide então colocar o mesmo nome daquele bebê homem perdido
agora em Gabriela. Poderíamos pensar se, inconscientemente, a escolha deste nome
não indicaria novamente uma gestação que “não daria certo”, uma nova perda para o
casal, mais um “anjinho” (vide expressão popular usada frente a morte de crianças
194
pequenas) para o casal? Se seguirmos este pensamento, verificamos que a própria
condição do nascimento prematuro de seu bebê, concretiza esta “lógica inconsciente”,
esta gestação que “não deu certo”; uma vez que o relato de Vanda é marcado por
várias passagens que demonstram seu receio, temor e angústia frente a possibilidade
de perder o bebê prematuro.
Ainda sobre a importância atribuída aos nomes próprios para a compreensão das
nuanças inconscientes presentes na dinâmica familiar, podemos apontar as relações
existentes não somente nos prenomes dados às filhas, bem como o próprio sobrenome
da família, Cruz. Igualmente, à medida em que fazemos associações ao imaginarmos e
visualizarmos um anjo, também associamos a imagem de uma cruz ao sofrimento da
figura central da religião católica, Jesus Cristo.
Podemos traçar um paralelo entre a saga final deste personagem e as vivências
da família Cruz em relação à paternidade e à maternidade. Toda a trajetória dos Cruz
em gerar e conceber filhos é marcada por dificuldades, o que pode nos remeter à
própria trajetória de Jesus e seu calvário, caminhando com a cruz sobre os ombros
rumo à sua própria morte. Resta-nos um questionamento: conceber, gerar e dar à luz
um filho, diante de tantas tentativas frustradas poderia representar um calvário, um
martírio para a família Cruz também?
Arriscamo-nos a responder este questionamento. Embora tenham passado por
experiências difíceis e frustrantes neste sentido, e que poderiam representar um
martírio para a família, ainda assim os Cruz triunfaram e conseguiram gerar duas
meninas. O sofrimento, o martírio, agora parece apontar para uma outra direção, a luta
pela sobrevivência de um bebê prematuro, Gabriela, na U.T.I. neonatal.
195
Voltando ao segundo caso, a escolha do nome dos filhos na família Soares
coube a Adriano, ainda que Keila houvesse cogitado nomes femininos, no caso de
gerarem uma menina. Os nomes cogitados por ela trazem indicadores interessantes.
O nome Vitória e a justificativa citada por ela em seu depoimento parece indicar
um movimento de progressão quanto a aceitação da maternidade. Os outros nomes
femininos cogitados – Patrícia Carolina e Lílian – indicam um movimento de regressão,
no sentido de manutenção da dependência e aspectos infantis presentes em seu
dinamismo inconsciente, já que seriam nomes desejados por outras pessoas, sua irmã
e sua sogra.
Por fim, o casal gerou dois meninos. Diante da escolha de nomes para os
mesmos, verificamos aquilo que já salientamos antes, o casal nunca havia conversado
sobre nomes durante a gravidez. O nome do primeiro filho foi escolhido aparentemente
ao acaso, quando Adriano assistia a uma telenovela e viu o nome de um ator que lhe
chamou a atenção, Renan.
Este nome refere-se a um ator jovem de muito sucesso na ocasião da realização
da entrevista. Talvez, no imaginário de Adriano, colocar o mesmo nome de um galã
televisivo em seu filho, pudesse suscitar expectativas de que a criança futuramente
pudesse ter sucesso, principalmente junto às mulheres. Novamente, se faz notar uma
tendência patriarcal no inconsciente familiar do grupo em questão.
Quanto ao bebê prematuro, até o momento da coleta de dados, o casal não
havia decidido sobre seu nome. Mais uma vez fica clara a dificuldade do casal em lidar
com a aceitação da chegada de um filho no plano inconsciente.
196
No terceiro caso, notamos que na família Alves, a escolha do nome do bebê
prematuro é algo que reforça ainda mais os conceitos de Berenstein (1988), acerca dos
indicadores inconscientes presentes no momento da escolha.
Angelina e Mário, tal qual a família Soares nunca chegaram a conversar sobre o
nome do bebê. Entretanto, a escolha coube exclusivamente a Angelina, que em seu
relato frisou que colocaria qualquer nome desde que não fosse o indicado por Mário ou
algum sugerido pela família de origem dele. Da mesma forma que na família Soares,
Angelina já havia pensado em um nome feminino, Kelen, jogadora de voleibol da
seleção brasileira, que disputava um importante torneio na época.
Quais seriam os significados inconscientes presentes na homenagem que
Angelina queria prestar ao bebê se fosse uma menina? Seguramente, temos que o
nome escolhido, de uma atleta da seleção brasileira, indica a expectativa de que essa
criança fosse uma vencedora. Tal qual em qualquer esporte, as características básicas
presentes nos jogadores são a garra, a força, a perseverança e, sobretudo, o desejo de
vencer.
Contudo, a expectativa de gerar um filho “vencedor” foi frustrada, em face da
realização de um parto prematuro, da visão de um bebê internado na U.T.I. neonatal,
dentro de uma incubadora, frágil e pequenino. Visto de outro ângulo, o bebê prematuro
pode também ser encarado como um vencedor, pois mesmo diante de todas as
vicissitudes enfrentadas, o pequeno André continuava a lutar pela vida, ele estava
vencendo uma partida, rumo a conquista de um campeonato. Já estava sem a sonda
de alimentação e já era amamentado no seio da mãe quando ouvimos o depoimento de
Angelina.
197
Aliás, a escolha do nome André para o filho de Angelina nos chama a atenção de
modo particular. Foi uma escolha feita aparentemente ao acaso, no intuito de evitar
nomes da vontade de Mário ou de sua família de origem. Segundo Angelina, quando
solicitada acerca do nome do bebê, respondeu o primeiro que veio a sua mente, André
Ricardo.
Ainda que tivesse afirmado que não colocaria nomes da vontade de Mário no
bebê, vemos que o segundo nome escolhido coincide com o segundo nome do pai da
criança, Ricardo. Isso denota uma disparidade entre o discurso consciente e o conteúdo
presente no inconsciente de Angelina. A afirmação categórica sobre a decisão de
distanciar-se da figura de Mário se perde frente à escolha do segundo nome de seu
filho.
.Conforme suas palavras, disse o primeiro nome ocorrido em seus pensamentos
e, posteriormente, deu-se conta de que era o mesmo nome do médico que a havia
acompanhado e feito exame pré-natal em sua cidade de origem. A homenagem que em
sua fala aparece como sendo ao acaso, guarda uma interessante ligação inconsciente
com o dono do nome.
A medicina é a ciência da prevenção, tratamento e cura dos sintomas e doenças,
enquanto que o médico é tido como alguém que restabelece a saúde, que cuida,
remedeia o mal, presta socorro, auxilia, aconselha.
Devemos lembrar de que durante toda a história da humanidade e até os dias de
hoje em algumas culturas, a medicina foi e ainda é exercida por pessoas fortemente
ligadas as atividades religiosas, com dons, poderes espirituais e dotados de grande
sabedoria, como os sacerdotes.
198
Além disso, a relação estabelecida entre médico e paciente e vice-versa também
contempla uma série de conteúdos emocionais que merecem destaque. É uma relação
antes de tudo paternal, onde o médico é o cuidador e o paciente o que recebe seus
cuidados; o médico também assume a representação do respeito, saber e autoridade. É
uma relação fortemente marcada por processos de projeção, onde grandes
expectativas são depositadas na figura do médico por parte do paciente, enfim, por tudo
o que acabamos de frisar é uma relação altamente suscetível aos processos de
transferência e contratransferência.
Por toda a trajetória de Angelina, vemos que o médico, Dr. André aparece como
uma figura paterna em sua dinâmica psíquica inconsciente. Angelina busca o
desconhecido pai da infância em todos os homens com que teve algum tipo de
envolvimento e se frustra ao perceber que todos os homens são iguais, “não prestam”,
não valorizam as mulheres “corretas”, não merecem ter com ela um relacionamento
mais sério, dito de outra forma, nenhum permanece ao seu lado, como seu pai.
Angelina engravida, mesmo contra a sua vontade e, neste ato, percebe o quanto
foi traída e enganada pelo pai do bebê. Mais uma decepção com o sexo masculino.
Todavia, foi nesse contexto que Angelina encontrou o ausente pai da infância, o
médico, com todas as características que um pai idealizado deve ter: ser cuidadoso,
atencioso, preocupado, sábio.
Talvez, este filho que não havia sido desejado possa representar uma ruptura no
mito instaurado acerca da figura masculina de que “homens não prestam”. Aliás
acreditamos que este mito já havia sido abalado quando Angelina descobriu um homem
que “presta”, que não a decepcionou, pelo contrário, a acolheu e cuidou dela: o médico
199
Dr. André, que mais tarde foi agraciado com a homenagem a um outro homem que
“presta”, o pequenino André
Analisando a escolha do nome no quarto caso (a filha da família Pereira), temos
que como no caso dos Cruz e dos Soares, a escolha se relaciona diretamente com o
sexo da criança: se menino, os pais escolhem, e se meninas, a escolha cabe as mães.
Simone relata que escolheu o nome Maria Clara por ser fã da música e por
gostar muito do nome. Ao atentarmos para a mensagem presente na canção,
verificamos que é uma declaração de amor de um jovem a uma jovem que não
corresponde aos seus apelos apaixonados.
Se compararmos os conteúdos da letra com a história de Simone, veremos uma
clara correlação com seu relacionamento conjugal. Na verdade, ela gostaria de ser uma
“Maria Clara” para Valter, queria ser desejada, amada, cortejada, querida. Ainda que
ele não fosse quem ela sempre sonhou, como diz a música, e realmente não é, Simone
aceitaria Valter.
Assim, hipotetizamos que o nome da filha do casal traz ainda na fantasia de
Simone toda a esperança de que seu companheiro mude, como ela mesma nos coloca;
ela espera que, conforme o tempo se passe, Valter mude e comece a dar mais atenção
a ela e ao bebê.
Assim como a expectativa do jovem apaixonado da canção em relação ao seu
objetivo, é a expectativa de Simone em relação a Valter. Com isso, a filha do casal,
para Simone, exerce um importante papel regulador dentro do grupo, sendo a portadora
de inúmeras projeções maternas, pois o casal e a família se formaram em virtude de
sua existência.
200
Desta forma, ao contemplarmos a escolha dos nomes dos filhos nos quatro
grupos familiares, somos levados a concordar com as proposições de Berenstein
(1988). O autor explica que a escolha de um nome próprio pode indicar uma relação
significativa entre o receptor e o doador do nome, e que muitas vezes denota a
expressão de indicadores inconscientes sobre o sistema de relação entre ambos,
informando inclusive o tipo de equilíbrio e origem da estrutura inconsciente da família.
O nome próprio refere-se a um indivíduo determinado e permite, além
do mais, segui-lo através da história pelo uso do mesmo nome próprio.
[...] Existe a crença de que os indivíduos portadores do mesmo nome
têm uma relação em comum (BERENSTEIN, 1988, p.126 - 127).
f) As noções de tempo e espaço familiar
De acordo com as proposições de Isidoro Berenstein, ainda estão presentes
outros dois conceitos ao lado dos nomes próprios que nos auxiliam na compreensão da
trama inconsciente presente no dinamismo familiar de um grupo, são as noções de
espaço e tempo familiar.
O espaço familiar serve para estabelecer representações de proximidade e
distância no interior do grupo, onde a distância espacial pode servir para representar a
distância afetiva.
Temos que o espaço humano, freqüentemente, pode conter a
representação inconsciente do próprio corpo, prolongado no âmbito espacial e da
distância na qual um sujeito permite a aproximação do objeto.
O espaço nos permite recuperar dimensões psicológicas e, neste
sentido, pode ser considerado como uma linguagem. [...] A significação
da distância que regula o intercâmbio entre os membros de um grupo
familiar corresponde mais a um modelo inconsciente do que às
201
explicações e modelos conscientes dos membros
particularidade (BERENSTEIN, 1988, P. 155 – 156).
sobre
esta
Notamos que o espaço familiar das famílias estudadas foi intensamente
modificado em função da situação de hospitalização de mães e bebês prematuros. A
partir da notícia da internação, instaurou-se dentro dos grupos uma distância real entre
a mãe e os demais membros, ficando esta isolada e dividida do restante. Isso foi
sentido de forma peculiar por todas elas.
A vivência das acompanhantes diante desses fatos nos lembra o que foi
discutido no eixo temático “os filhos no desejo dos pais: o papel da maternidade, a
gravidez, o nascimento e os cuidados iniciais”, sobretudo as concepções de Shimitz et
al. (2000), ao apontarem que em nossa cultura, tanto a sociedade como a própria mãe,
exigem que esta última assuma grande parte da responsabilidade dos cuidados com os
filhos hospitalizados e que isso pode determinar sentimentos de culpa, confusão,
inadequação e infelicidade.
Por outro lado, ao passo que a hospitalização resultou no distanciamento dos
demais membros, de seus lares e de suas cidades de origem, houve também uma
aproximação entre Vanda, Keila, Angelina e Simone e seus respectivos bebês
prematuros, exigindo-lhes neste momento uma dedicação maior à maternidade diante
desta delicada situação.
Esta proximidade foi sentida de maneira positiva pelas mães entrevistadas, pois
as vivências proporcionadas em face da prematuridade e conseqüente hospitalização
estão ao mesmo tempo exigindo-lhes um trabalho de (re) significação de sentimentos e
cognições, conforme ilustram as proposições de Belli (1999), Oliveira (1998) e Valle
(2002).
202
Relembramos que a proximidade é de extrema importância para o trabalho de
ajuste entre o “filho idealizado” e o “filho real” (KLAUSS e FANAROFF, 1982), bem
como para o progressivo desenvolvimento do vínculo e apego entre ambos (BOWLBY,
1990; DIAS, 2000; PAULI e BOUSSO, 2003; ROSSATTO – ABEDE e ANGELO, 2002;
SCOCHI et al., 2003; SPITZ, 1991; WINNICOTT, 1999).
Ainda em relação ao espaço familiar, outro fato torna-se claro numa época um
pouco mais remota que a atual, o momento em que se formaram os casais Vanda e
José Paulo, Angelina e Mário e Simone e Valter (primeiro, terceiro e quarto caso,
respectivamente). Retrocedendo um pouco no tempo, observamos que na ocasião do
início do namoro Vanda e José Paulo e Angelina e Mário eram vizinhos; ao passo que
Simone encontrava-se com Valter freqüentemente na casa de sua tia, onde residia na
época, quando o mesmo costumava visitar seus primos.
Isso pode denotar uma aproximação espacial e afetiva no passado e que perdura
até os dias de hoje no caso de Vanda e José Paulo, sendo que para Angelina e Mário e
Simone e Valter, o que antes representava uma aproximação, transformou-se nos dias
de hoje em uma distância quase que intransponível.
Considerando a aproximação espacial das famílias Soares e Pereira em relação
às famílias de origem dos maridos, somos levados a concordar com as colocações de
Berenstein (1988), ao salientar que o espaço nos permite recuperar dimensões
psicológicas e, neste sentido, pode ser considerado como uma linguagem.
A aproximação espacial é vivenciada de forma positiva por Keila, que se mostra
grata e satisfeita por ter sido recebida e acolhida pela família de origem de Adriano no
momento da gravidez (família Soares). Para Simone, entretanto, a aproximação
espacial é vivenciada de forma extremamente negativa, uma vez que segundo ela, o
203
fato de ter a sogra como vizinha traz uma série de inconvenientes, sobretudo a
dependência e o controle de sua intimidade (família Pereira).
Em suma, verificando a organização do espaço familiar das famílias Cruz,
Soares, Alves e Pereira, averiguamos a proximidade com o que Berenstein postula
acerca da maneira como cada grupo organiza seu espaço. Para ele, essa organização
é antes de tudo, uma representação das relações familiares e do conjunto de imagens,
idéias e lembranças das relações familiares tal como existem no inconsciente de seus
membros.
Em relação ao tempo familiar, Berenstein (1988), esclarece que cada família
ordena os acontecimentos vividos num tempo que retém todas as características da
estrutura familiar.
Considerando que a história de uma família surge como o relato dos
acontecimentos
significativos
que
incidiram
em
sua
constituição
e
em
seu
desenvolvimento, notamos que no primeiro caso (família Cruz), seu tempo familiar, sua
história gira em torno das concepções, das gestações. Enfim, gira em torno do
nascimento (ou não) dos filhos.
No segundo e quarto caso (família Soares e Pereira), por outro lado, verificamos
que o tempo familiar parece estar pautado não nas gestações, mas sim no período de
namoro, na etapa referente à formação do casal, ou seja, na etapa de conexão com a
família materna, conforme a designação usada por Berenstein (1988).
Este período aparece de forma evidenciada nos relatos das duas mães, Keila e
Simone. A primeira narra toda a trajetória do namoro com Adriano e todas as agruras
enfrentadas pelo casal para ficarem juntos: os segredos, a reprovação paterna, a
204
expulsão de casa, a gravidez. Já Simone se firma nos bons momentos vivenciados ao
lado daquele Valter que nos dias de hoje, segundo ela, não existe mais.
Analisando a situação de Angelina, da família Alves, o tempo aparece
relacionado com as modificações vivenciadas desde a morte de sua mãe: as várias
casas, as várias pessoas com quem conviveu, os empregos e a progressiva conquista
de sua “independência”. Da mesma forma, podemos pontuar a temporalidade neste
terceiro caso de acordo com o surgimento das figuras masculinas ao longo de sua vida:
seu pai, seu noivo, seu tio, Mário, seu médico e, por fim, seu filho.
Caminhando neste sentido, verificamos que a leitura dos acontecimentos
significativos na história do grupo familiar permite perceber certas regularidades entre
as seqüências dos acontecimentos: as gestações de Vanda, a etapa do namoro de
Keila e Simone e as modificações causadas pela perda materna e a passagem de
figuras masculinas, no caso de Angelina.
Uma vez que a análise do tempo consciente nos permite fazer inferências sobre
a estrutura familiar inconsciente, oferecendo configurações estáveis e instáveis,
correspondentes a modelos encobridores e ainda assim bastante informativos conforme
conceitua Eiguer (1985), podemos redesenhar o tempo familiar dos Cruz, dos Soares,
dos Alves e dos Pereira num novo modelo de tempo inconsciente, representado pela
relação inconsciente entre a família conjugal e a família materna, de acordo com aquilo
que é trazido pelas mães ao abordarem as relações com sua família de origem, aspecto
este discutido no eixo temático “os filhos no desejo dos pais: o papel da maternidade, a
gravidez, o nascimento e os cuidados iniciais”.
Encontramos também nas produções de Eiguer (1985), que a temporalidade se
inscreve no inconsciente familiar através das representações oscilantes entre a
205
memória do passado e do futuro. Se para este autor, toda crise implica na perda
momentânea e quase inevitável do horizonte temporal, de modo que a ruptura se
acompanha de um sentimento de eternidade, onde o tempo parece não mais passar,
verificamos que o tempo familiar dos grupos estudados parece estancado no momento
presente, ou seja, na última gestação, no nascimento prematuro dos bebês,
acontecimento este vivenciado como crítico para os casais e para as famílias como um
todo.
g) O eu familiar: sentimento de pertença, habitat interior e ideal do ego
É neste ponto que se faz presente a idéia referente ao segundo organizador
inconsciente do psiquismo familiar mencionado por Eiguer (1985): o eu familiar.
Este segundo organizador é entendido como o investimento que cada membro
de um grupo familiar faz em sua própria família, percebendo e reconhecendo esta
família como sua, tanto na dimensão espacial quanto na temporal.
Um dos componentes do eu familiar seria o sentimento de pertença, ou seja, a
noção consciente e inconsciente de pertencimento a uma determinada família, a noção
de identidade familiar.
Este aspecto pode ser nitidamente identificado nas famílias Cruz e Soares,
quando o casal anseia pela recuperação dos bebês prematuros e quando Vanda e
Keila têm a certeza da continuidade da vida familiar, mesmo estando ausentes
fisicamente, mesmo sentindo a falta dos esposos, elas sabem que eles estão na cidade
de origem cuidando de seus outros filhos; sabem também que podem contar com suas
sogras e sua mãe, no caso de Vanda. Este desejo de superar as adversidades quanto à
206
crise causada pela prematuridade, juntos, enquanto um grupo, é que caracteriza o
sentimento de pertença.
O sentimento de pertença familiar, de grupalidade, torna-se bastante evidente
ainda quando analisamos a ligação da família Cruz com a religião. Praticamente todos
os nomes próprios deste grupo são homenagens a santos da religião católica:
Aparecida, José, Paulo, Gabriela. Para os Cruz, irem juntos à missa, rezarem,
participarem dos movimentos católicos, enfim, a crença traduz uma forma concreta de
consolidar o sentimento de pertença.
Entre os quatro grupos familiares participantes da pesquisa, o aspecto referente
ao sentimento de pertença foi menos caracterizado pelas famílias Alves (terceiro grupo)
e Pereira (quarto grupo), já que com estes, não verificamos que o nascimento
prematuro e a hospitalização puderam mobilizar de forma significativa o grupo. Aliás,
podemos notar a presença de conflitos referentes à dinâmica das acompanhantes e dos
casais anteriores a ocorrência da prematuridade e hospitalização.
Sendo assim, ao analisarmos o eu familiar e o sentimento de pertença nas
famílias Alves e Pereira, podemos supor que a dificuldade encontrada no presente pode
guardar ligações com as dificuldades enfrentadas no interior de sua família de origem.
Angelina e Simone não tiveram oportunidade de vivenciar junto às mães e às
famílias um sentimento de identidade familiar, de pertencimento, pois a perda das
mães, quando ainda eram muito novas, acarretou a passagem por várias casas e várias
famílias, mas nenhuma que pudesse ser caracterizada de fato como “sua família”.
Se o sentimento de pertença, a familiaridade está claro para os Cruz e os
Soares, apreendemos que há uma tentativa de resgatar tal sentimento entre os Alves e
os Pereira, sobretudo por parte das mães, Angelina e Simone. Ainda que Angelina
207
traga em sua fala consciente toda a raiva e decepção diante da postura do parceiro, ela
parece demonstrar um desejo latente de que essa união se consolidasse, no fundo ela
parece nutrir o desejo de que Mário e ela pudessem formar uma família e que ele
pudesse ser um participante deste grupo.
De modo similar, Simone nos traz por diversas vezes a expectativa de que Valter
mude, seja um bom marido e um bom pai, enfim de que ele, assim como ela, esteja
inserido na família e encontre expressão na interação familiar.
Um segundo componente do eu familiar refere-se ao habitat interior, o qual
representa uma espécie de “pele” real e fantasmática da família, sendo entendido como
o espaço ocupado por cada um dos membros na relação estabelecida com o outro.
Relembramos que enquanto o sentimento de pertença trabalhado anteriormente nos
remete à identidade, o habitat nos remete ao sustentáculo desta identidade, à imagem
corporal, ao corpo familiar.
Com efeito, o grupo composto de indivíduos, de corpos, mas nunca
unidade corporal, é sem cessar, ameaçado pelo desmembramento.
Psiquismo composto, este grupo ‘tem medo’ de que cada parte
somática, cada indivíduo, retire seu investimento do soma coletivo. A
fim de aliviar este temor, a família tenta investir um lugar geográfico real
que a contenha: o lar, a casa familiar (EIGUER, 1985, p.40).
Frente ao temor de desmembramento familiar causado pela prematuridade,
hospitalização e possibilidade de morte, as mães retomam por diversas vezes o lar
distante. Este lar é retomado por Vanda, Keila e Simone não somente no intuito de
resgatar lembranças acolhedoras, mas também como uma fonte de segurança externa
que pode vir a se tornar um sentimento de segurança interno para lidar com o novo,
com o desconhecido.
208
A segurança encontrada neste lar, imaginário ou real, é a “pele” que une,
sobretudo, as famílias Cruz e Soares; é um fator de aproximação entre cada um dos
membros, o que mais se deseja neste momento é o retorno ao lar, é a possibilidade de
curar esta ferida na “pele” familiar, ou melhor, é a possibilidade de ver esta ferida
cicatrizada e o “corpo” familiar novamente intacto, saudável.
Por outro lado, este aspecto não pôde ser observado de forma tão clara na
família Alves. Para Angelina, o nascimento prematuro e a hospitalização não
mobilizaram o espaço físico do lar.
Ao considerarmos o habitat no segundo, terceiro e quarto caso, somos levados a
refletir acerca das relações existentes entre o habitat interior e o exterior. As constantes
mudanças de residência em toda a história de Angelina, bem como a saída da casa do
pai e da tia no caso de Simone e a saída da casa dos pais de Keila, podem nos sugerir
não somente uma desestruturação espacial familiar prévia à formação do casal, mas
nos fornecer alguns indícios sobre um enfraquecimento na interiorização da noção de
habitat para cada uma delas.
Ainda em relação ao habitat, ao considerarmos o relato de Keila, da família
Soares, vemos a dificuldade ante a ausência de um lugar para morar que seja da
família de fato, pois as mudanças de emprego de Adriano afetam as instalações da
família. A cada novo emprego, a cada nova fazenda que ele passa a trabalhar, toda a
família Soares se desloca para acompanhá-lo. Isso deixa Keila chateada, “sentindo falta
de um lugar que seja da família”, de poder arrumar sua casa de acordo com seu gosto.
O terceiro componente do segundo organizador inconsciente do psiquismo
familiar de Eiguer, é o ideal do ego. O sentimento de pertença e o habitat interior
referem-se às épocas mais remotas, ao passado da família ou ao tempo presente,
209
enquanto que o ideal do ego abarca o futuro, por pressupor planos e expectativas tanto
individuais como grupais.
Com efeito, temos no ideal do ego familiar os projetos a serem efetivados, as
missões a serem cumpridas, os ideais a serem atingidos pelo grupo. Para Eiguer
(1985), o ideal do ego representa um importante organizador dos vínculos e da
estabilidade do grupo, por possuir uma função reguladora que facilita os compromissos
entre desejo e defesa.
Dentro deste organizador há uma espécie de conluio, de encontro entre os ideais
pessoais de cada um dos membros, sendo que, ao lado da representação de ideal do
ego individual, temos a representação de ideal do ego familiar.
Encontramos nas famílias observadas um primeiro ideal do ego familiar presente
na evidente preocupação com um futuro próximo, a recuperação e sobrevivência dos
bebês prematuros.
Se a utilização da noção do ideal do ego ao psiquismo familiar supõe o encontro
dos ideais pessoais de cada membro, ou seja, os projetos e planos da família, então
esses planos numa primeira instância entrecruzam-se no desejo de vivenciar a tão
sonhada alta dos pequeninos da U.T.I. neonatal, bem como o tão sonhado regresso
das mães ao lar com os bebês em seus braços.
Fundido ao ideal do ego familiar, emerge o ideal do ego pessoal de cada uma
das mães. Examinando seus relatos, torna-se claro que o ideal do ego pessoal de cada
uma delas se refere àquilo que, de alguma forma, mostra-se ausente em sua
subjetividade ao longo de suas histórias, reiterando as idéias trabalhadas nos eixos
temáticos anteriores.
210
Para Vanda, este ideal do ego pessoal é representado pelo desejo de não repetir
a história do casamento de seus pais. Como já mencionamos em outros pontos do
presente estudo, sua expectativa, sua missão, seu ideal é ter um outro tipo de
casamento, de relação, diferente daquela assimilada pela filha Vanda. Embutido neste
desejo também está a aspiração de construir uma imagem cada vez mais diferenciada
de sua mãe, como pessoa e como mãe mesmo.
Nos planos de Keila aparece o desejo de que os filhos tenham aquilo que ela não
pode ter no momento presente, uma casa. Também aparece o desejo de que os filhos
não sofram, que possam se vincular a pessoas que os façam felizes e, que,
futuramente, possam ter seus próprios filhos. De modo geral, o ideal do ego pessoal e
familiar para os Soares é que os filhos possam dar continuidade à família, ao
sentimento familiar, à identidade familiar, como trabalhamos anteriormente.
A aspiração de construir uma imagem cada vez mais diferenciada de sua mãe
quanto à maternidade, assim como para Vanda, também está presente para Simone,
da família Pereira (quarto caso). O ideal do ego pessoal se funde com o ideal do ego
familiar para esta mãe, uma vez que grande parte dos planos futuros se volta para a
estabilização dos vínculos conjugais e familiares. Ela deseja ser feliz, ter alegria, ter
paz, sendo que seu maior sonho desde a época de solteira era ter uma família.
Já para Angelina, o ideal do ego pessoal está imerso num sentimento de
vingança e castigo em relação a Mário. Uma crença de que essa vingança possa
ocorrer através do pequeno André emerge em suas palavras. Ao mesmo tempo, nutre a
vontade de que no futuro possa encontrar uma pessoa e unir-se a ela, bem como ter
outros filhos.
211
Assim, somos levados a pensar que as mães acompanhantes de bebês
prematuros, cada uma dentro de suas especificidades, denotou estar em busca de uma
projeção para um tempo distante.
Há a mobilização dos ideais pessoais na tentativa de representar grupalmente
aquilo que é almejado quanto ao seu destino. Este destino, todavia, está voltado para
as relações familiares em todas aquelas que assentiram em participar da coleta de
dados para a presente pesquisa. Sobretudo em relação a Vanda e Keila, vemos que
seus ideais pessoais fundem-se em algo maior, o ideal do ego familiar.
Com efeito, o conluio estabelecido entre os ideais do ego pessoais e familiares
de cada uma das famílias observadas aponta para a expectativa de uma realidade
próxima em que a situação crítica instalada no presente possa ser transposta e
superada.
A angústia, o estresse, a incerteza e a finitude cedem lugar aos planos que
contemplam o resgate de uma identidade familiar, onde sentimentos de tranqüilidade,
alegria, harmonia e continuidade possam redesenhar a história dos Cruz, dos Soares,
dos Alves e dos Pereira.
h) A interfantasmatização
O
terceiro
organizador
inconsciente
do
psiquismo
familiar
é
a
interfantasmatização, ou seja, o ponto de encontro dos fantasmas individuais de cada
membro, próximos por seu conteúdo, onde é possível um intercâmbio entre a
subjetividade de cada um, bem como de seus ancestrais.
212
Na construção subjetiva conjunta dos casais estudados, podemos identificar o
ponto de encontro dos fantasmas dos parceiros sob duas vertentes. Uma delas referese aos fantasmas representados pela família de origem de cada um dos companheiros.
Nesta primeira vertente que abarca os fantasmas das famílias de origem dos
parceiros, a aparição do fantasma principal se dá na forma de uma metáfora em
comum: “a boca”.
Enquanto as famílias de origem das mães – Vanda, Keila, Angelina e Simone –
assumem a forma fantasmática de uma “boca emudecida”, calada, seja pela vergonha,
pelo segredo ou pela ausência; a família de origem dos companheiros – José Paulo,
Mário e Valter – assumem a forma fantasmática da presença incessante, como uma
“boca sugadora”, faminta, à espera de alimento.
De qualquer modo, durante a análise dos conteúdos que emergiram nas
entrevistas,
fomos
levados
encarar
mais
profundamente
as
relações
das
acompanhantes com a maternidade em dois momentos diversos: no passado enquanto
filhas e no presente, enquanto mães.
Diante disso, supomos que a própria maternidade configura-se como uma
experiência fantasmática, cercada de mistérios e sentimentos desconhecidos e
contraditórios, principalmente para as famílias Alves e Pereira, onde as acompanhantes
perderam repentinamente suas mães ainda na infância.
A segunda vertente refere-se ao fantasma contido na oscilação entre a vida e a
morte presente em cada etapa do ciclo familiar. Uma vez que a existência é
freqüentemente marcada por um percurso cheio de acidentes dolorosos, com traumas e
lutos
consecutivos,
a
existência
das
famílias
descontinuidades nas histórias de cada uma das mães.
parece
ser
abalada
pelas
213
Nos Cruz, isso é representado por cada aborto sofrido por Vanda; nos Soares,
por cada gestação; nos Alves, por cada mudança e decepção que Angelina tem com o
sexo oposto e nos Pereira pelas disparidades entre o esperado e o real.
A família – organização psíquica, a família-grupo como entidade
psíquica e a relativa autonomia dos componentes familiares do
psiquismo predispõe-nos a pensar numa ‘existência familiar própria’: um
nascimento, uma vida e uma morte. Podemos imaginar a vida de uma
família confrontada historicamente com traumas, crises e lutos
(EIGUER, 1985, p.72).
Com efeito, se pensarmos na noção de ciclo familiar sob a ótica da estrutura ou
funcionamento inconsciente, perceberemos que o ciclo com suas fases, crises e
respectivas resoluções, poderá entrar em conflito com a estrutura inconsciente
permanente delineada pelo grupo familiar.
Se as reações familiares diante dos traumas são fundamentais para as
experiências recentes de acordo com o que nos postula Eiguer (1985), notamos que a
ruptura familiar causada pela crise diante da prematuridade e hospitalização serviu, no
caso da família Cruz e da família Soares, para que os membros se reconhecessem
mais do que nunca uns aos outros no interior do grupo, mantendo as posições
anteriormente ocupadas por cada um deles.
E mais, para que se reconhecessem como capazes de assumir posições
diferenciadas, conforme apontamos em relação ao segundo organizador inconsciente, o
eu familiar (eixo temático intitulado “o eu familiar: sentimento de pertença, habitat
interior e ideal do ego”), o que, sem dúvida, é essencial para a continuidade do
sentimento de coesão e grupalidade.
214
A mesma incidência, entretanto, não pôde ser observada em relação às famílias
Alves e Pereira (terceiro e quarto caso). Ainda que Angelina e Simone almejassem
modificações frente à gravidez e frente à prematuridade em relação aos parceiros,
parece-nos que estes dois acontecimentos podem ter contribuído justamente para o
contrário.
Ao invés de proporcionar a continuidade do sentimento de coesão e grupalidade,
tanto a gravidez como a prematuridade parecem ter representado uma ruptura na
relação conjugal e familiar, de acordo com o que pontuamos em outros momentos de
nossa investigação.
A sustentação das fantasias grupais em torno da dialética presente no processo
vital, vida – morte – vida, assim reconhecida no âmago das vivências dos grupos
observados, é o que poderia mobilizar seus membros a enfrentarem as vicissitudes de
um processo de hospitalização e o constante encontro com aquilo que pode ser visto
como ameaçador num primeiro momento: a finitude.
Não há possibilidade de vida sem a morte, assim como não há possibilidade de
continuidade familiar sem a experiência de viver novos arranjos familiares diante de
uma situação crítica. A finitude, aqui, não pode ser entendida no seu sentido mais
estreito, mas como a transcendência de padrões de relacionamento estanque rumo à
conquista de novos padrões de relacionamento no interior da família, definindo assim,
novas perspectivas.
215
8- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizamos este trabalho, acreditamos ser importante salientar que o relato
de cada uma das mães entrevistadas foi único, singular. Ainda que cada uma delas
tenha apresentado uma construção peculiar de sua subjetividade, foi possível
percebermos que várias das vivências trazidas por elas guardam pontos em comum.
Ao concordarem em participar da entrevista e dar seus depoimentos sobre
assuntos que abarcam sua intimidade, percebemos que a coleta de dados representou
um momento especial de catarse e reflexão. A atmosfera de aceitação e livre expressão
através da fala podem ter se configurado como uma oportunidade única de confrontar
sentimentos e percepções.
A cada relato, a cada encontro abria-se a possibilidade de adentrar num mundo
novo de histórias marcadas pelo sofrimento, por sentimentos complexos, intensos e, por
vezes, contraditórios: a prematuridade.
Esta ocorrência aponta para a importância dos processos de humanização no
contexto hospitalar e suas influências sobre a recuperação do paciente e mobilização
de recursos não somente desse, mas de todo o grupo familiar em que está inserido.
Percebemos a necessidade de se favorecer a criação de um espaço no ambiente
hospitalar onde seja possível a troca de experiências, bem como a implantação de
ações interventivas que envolvam a equipe multiprofissional como um todo.
A atuação do psicólogo hospitalar como profissional de saúde inserido na equipe
multiprofissional, deve ser do mesmo modo ampliada, seja através de grupos de
216
orientação a pais e profissionais, objetivando não somente o tratamento e
acompanhamento das disfunções e conflitos já existentes, mas também se
preocupando em prevenir o surgimento de sofrimentos que podem decorrer dos
processos de hospitalização. Assim, estaríamos mais próximos de oferecer um
atendimento humanizado de fato, contribuindo para a redução de angústias,
minimização do estresse e até mesmo abreviação do período de hospitalização e com
isso, os gastos hospitalares.
Somos levados a refletir sobre o impacto causado pela experiência da
prematuridade não somente na psicodinâmica das mães acompanhantes, mas em todo
o grupo familiar. Percebemos que esta vivência envolve todos os membros da família;
quer seja no tempo passado ou presente, de forma direta ou indireta, sendo da família
atual ou de origem, todos são mobilizados diante desta delicada situação.
Quando analisamos os desdobramentos e as representações da prematuridade
no psicodinamismo das famílias observadas, vemos que a situação presente foi capaz
de evocar um tempo distante representado pelo passado e, simultaneamente, lançar o
grupo rumo a um tempo futuro, cercado de planos e expectativas.
A forma como as mães acompanhantes e suas respectivas famílias lidam com a
prematuridade indicou a prevalência de sentimentos ambíguos; ao mesmo tempo em
que almejam a recuperação do bebê prematuro e alta hospitalar, são confrontados com
suas fragilidades tanto pessoais como grupais e levados a encarar a possibilidade real
de finitude.
A vivência do papel materno e a relação com o bebê pré-termo, também sugeriu
ligações com aquilo que foi vivido pelas mães acompanhantes na condição de filhas, ou
seja, a construção do papel materno parece ter sido influenciada, pela história familiar
217
de cada uma delas. E essa história familiar apontou para um sentimento em comum
encontrado na relação mães-filhas e que parece se reeditar na relação mães-bebês
prematuros: a ambivalência materna em sua forma extrema, simbolizada pela “rejeição”
inconsciente à maternidade.
O papel ou lugar que o bebê prematuro ocupa no interior do grupo familiar
apresentou variações em cada uma das famílias observadas, se levarmos em conta a
narrativa consciente. Por outro lado, ao lançarmos um olhar mais subjetivo,
contemplando os significados inconscientes, vemos que esta criança parece assumir
um papel regulador dentro do grupo. O nascimento dos bebês prematuros e o processo
de hospitalização para as acompanhantes, apareceram como fatores que podem
contribuir para a continuidade do sentimento de coesão e grupalidade e para o resgate
da identidade familiar.
As expectativas em relação ao futuro dos bebês prematuros se referiram àquilo
que de alguma forma mostrou-se ausente na dinâmica das mães ao longo de suas
histórias de vida. Todas as famílias estudadas, porém, possuem a expectativa de uma
realidade próxima em que a situação crítica instalada no presente possa ser transposta
e superada; onde sentimentos de tranqüilidade, alegria, harmonia e continuidade
possam redesenhar a história dos Cruz, dos Soares, dos Alves e dos Pereira.
Lembramos que a vida familiar não parte de um marco zero; ao contrário, do
ponto de vista psíquico existe toda uma história pregressa que envolve a mãe e o pai
na qual já se encontram reservados alguns padrões de relacionamento a serem
seguidos com a chegada de um bebê. A história pregressa, os padrões de
relacionamento e os modelos a serem seguidos, ao nosso ver, nem sempre estão
próximos da consciência dos membros de um grupo familiar.
218
Este aspecto ilustra como a identificação dos componentes inconscientes dos
vínculos familiares pode nos auxiliar na compreensão da constituição, funcionamento e
estrutura
familiar,
quando
nos
propomos
a
analisar
as
continuidades
e
descontinuidades entre passado, presente e futuro.
No decorrer da realização da análise dos dados coletados, averiguamos o
surgimento de outros temas que extrapolam os objetivos propostos por nós no presente
estudo e que mereceriam uma investigação mais aprofundada, como por exemplo, as
questões de gênero, o ideal de amor romântico, a transmissão psíquica de elementos
inconscientes entre as gerações no que se refere à maternidade e prematuridade e o
próprio sentimento de ambivalência materna.
Sendo assim, não tivemos a pretensão de esgotar as reflexões acerca da
prematuridade e seus desdobramentos na psicodinâmica familiar. Nossa proposta foi
desenvolver um trabalho que procurasse contemplar não somente a figura materna,
como comumente encontramos nas produções sobre o assunto, mas sim, o grupo
familiar como um todo, com as especificidades e a subjetividade que lhe são próprias.
219
9- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, R. das N. Maternidade: um estudo com mulheres grávidas em Maringá. São
Paulo: 1993. 92 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Instituto de PsicologiaUniversidade de São Paulo.
AVERY, G. B. (coord.) Neonatologia: fisiopatologia e cuidado do recém-nascido. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1978.
BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
BELLI, M. A. de J. Mães com filho internado na UTI neonatal: um estudo sobre
representações sociais. São Paulo: 1999. 130 f. Tese (Doutorado em Enfermagem)Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
BERENSTEIN, I. Família e doença mental. São Paulo: Escuta, 1988.
BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevista e grupos. São Paulo: Martins Fontes,
1989.
BOWLBY, J. Separação: angústia e raiva. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
---------------. Cuidados maternos e saúde mental. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes,
1988.
---------------. Apego. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
BRASIL. Ministério da Saúde. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos. CNS
196/96 e outras. Brasília: Distrito Federal, 2000.
220
BRAZELTON, T. B. O desenvolvimento do apego: uma família em formação. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1988.
BRUNNER, L. S.; SUDDARTH, D. S. A criança hospitalizada. 2.ed. Rio de Janeiro:
Interamericana, 1980.
BURROUGHS, A. Uma introdução à enfermagem materna. 6.ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1995.
CHODOROW, N. Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. 2.
ed. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 2002.
DE FELICE, E. M. Estudo psicodinâmico do puerpério em mulheres primíparas. São
Paulo: 1999. 111 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia)- IP Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo.
DIAS, I. M. A. V. Apego mãe e filho: bases para assistência de enfermagem neonatal.
Ribeirão Preto: 2000. 152 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)- Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
EIGUER, A. Um divã para a família: do modelo grupal à terapia familiar psicanalítica.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
----------------. O parentesco fantasmático: transferência e contratransferência em terapia
familial psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
ERIKSON, E. H. Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.
--------------------. Identidade: infância e juventude. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972.
FALSETTI, L. A. V. Criança, sua doença e a mãe: um estudo sobre a função materna
na constituição de sujeitos precocemente atingidos por doença ou deficiência. São
Paulo: 1990. 205 f. Tese (Doutorado em Psicologia)- IP Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo.
221
FÉRES-CARNEIRO, T. Família: diagnóstico e terapia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
FILHO, N. A.; CORREA, M. D. Manual de perinatologia. Rio de Janeiro: Medsi, 1990.
FONSECA, L. M. M. Cuidados com o bebê prematuro: cartilha educativa para
orientação materna. Ribeirão Preto: 2002. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
FORNA, A. Mãe de todos os mitos: como a sociedade modela e reprime as mães. Rio
de Janeiro: Ediouro, 1999.
FREITAS, M. de Recém-nascido com peso de nascimento inferior a 2000 gramas:
aspectos perinatais, neonatais e no primeiro ano de vida. São Paulo: 2001. 121 f.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem)- Faculdade de Saúde Pública, Universidade
de São Paulo.
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Fragmentos da
análise de um caso de histeria, três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros
trabalhos (1901-1905). Vol. 7. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas
completas de Sigmund Freud. 2 ed. Rio de Janeiro: Imago, 1989.
FURLAN, C. E. F. B. et al. Percepção dos pais sobre a vivência no método mãecanguru. Revista Latino- Americana de Enfermagem, v. 11, n. 4, p. 444-452, jul./ago.,
2003.
GANDRA, M. I. de S. A psicologia na unidade de neonatologia. In: ANGERAMI –
CAMON, V. A. (org). Urgências psicológicas no hospital. São Paulo: Pioneira
Thompson, 2002. p. 81-99.
GOETZMAN, B. W.; WENNBERG, R. P. Manual de tratamento intensivo ao recémnascido. São Paulo: Santos, 1992.
GOSSELIN, C. Função dos comportamentos parentais: revisão dos conceitos de
sensibilidade materna. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v.16, n.2, p.103-111, mai/ ago.,
2000.
222
GOMES, A. L. H. As especificidades do vínculo da mãe com o bebê pré-termo na
situação de internação. São Paulo: 2001. 119 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia)IP Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.
GRANATO, T. M. M. Encontros terapêuticos com gestantes à luz da preocupação
materna primária. São Paulo: 2000. 106 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia)- IP
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.
GUIMARÃES, A. M. F. Interação mãe- bebê: estudo em recém-nascidos pré-termo
submetidos a um programa de estimulação fonoaudiológica e ao método mãe-canguru.
Ribeirão Preto: 2001. 115 f. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
HYMOVICH, D. P. Parents of sick children their needs and task. Pediatric Nursing, v. 2,
n. 5, p. 9-13, sept./ oct., 1976.
JANICAS, R. C. S. V. Identificação dos fatores na implementação da prática do contato
corporal precoce entre mãe e recém-nascido em uma maternidade pública. São Paulo:
2001. 100 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)- Escola de Enfermagem,
Universidade de São Paulo.
KESSERLING, B. B. de C. Preparando-se para enfrentar o parto e o pós- parto: a
experiência da participação em grupo de gestantes. São Paulo: 2001. 93 f. Dissertação
(Mestrado em Enfermagem)- Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
KIMURA, A. F. Manifestações do comportamento de interação mãe-filho nos primeiros
dias após o parto. São Paulo: 1993. 90 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
KLAUSS, M. H.; FANOROFF, A. A. Alto risco em neonatologia. 2.ed. Rio de Janeiro:
Interamericana, 1982.
KLAUSS, M. H.; KENNELL, J. H. Pais e bebê: a formação do apego. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1993.
KLEIN, M. et al. A educação de crianças. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
223
MALDONADO, M. T. P. Psicologia da gravidez: parto e puerpério. 8.ed. Petrópolis:
Vozes, 1985.
MARBA, S. T. M.; FILHO, F. M. Manual de neonatologia Unicamp. Rio de Janeiro:
Revinter, 1998.
MAZZINI, M. de L. H. A construção da identidade materna na adolescente grávida.
Ribeirão Preto: 2003. 120 f. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
MEIRA, B. B. A.; VALLE, T. G. M. do Nível de estresse das acompanhantes de
pacientes internados no setor pediátrico e os aspectos sócio-emocionais interrelacionados. In: NEME, C. M. B.; RODRIGUES, O. M. P. R. (orgs). Psicologia da
saúde: perspectivas interdisciplinares. São Carlos: Rima, 2003. p. 193-222.
MOURA, M. L. S.; RIBAS, A. F. P. Desenvolvimento e contexto sociocultural: a gênese
da atividade mediada nas interações iniciais mãe-bebê. Psicologia Reflexões Críticas, v.
12, n. 2, p. 245-256, 2000.
OLIVEIRA, I. de Vivenciando com o filho uma passagem difícil e reveladora da
experiência da mãe acompanhante. São Paulo: 1998. 162 f. Tese (Doutorado em
Enfermagem)- Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
PARKER, R. A mãe dividida: a experiência da ambivalência na maternidade. Rio de
Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1997.
PAULI, M. C.; BOUSSO, R. S. Crenças que permeiam a humanização da assistência
em unidade de terapia intensiva pediátrica. Revista Latino- Americana de Enfermagem.
v. 11, n. 3, p. 280-286, maio/jun., 2003.
PEDROSO, G. E. R. O significado do cuidar da família na UTI neonatal: crenças da
equipe de enfermagem. São Paulo: 2001. 89 f. Dissertação (Mestrado em
Enfermagem)- Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
PEIXOTO, S. Pré- natal. 2.ed. São Paulo: Manole, 1981.
224
PICCININI, C. A. et al. Diferentes perspectivas na análise da interação pais-bebê/
criança. Psicologia Reflexões Críticas. v.14, n. 3, p. 469-485, 2001.
PINCUS, L.; DARE, C. Psicodinâmica da família. 2.ed. Rio de Janeiro: Artes Médicas,
1981.
POSTER, M. Teoria crítica da família. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
PUGET, J.; BERENSTEIN, I. Psicanálise do casal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
RAMOS, J. L. A. et al. O recém-nascido de baixo peso. São Paulo: Sarvier, 1986.
RAPPAPORT, C. R. et al. (coord.). Psicologia do desenvolvimento- a infância inicial: o
bebê e sua mãe. São Paulo: EPU, 1981.
RIBAS, A. F. P.; MOURA, M. L. S. de Manifestações iniciais de trocas interativas mãebebê e suas transformações. Estudos Psicológicos. v.4, n. 2, p.273-288, jul./ dez., 1999.
ROSA, L. H. H. Mulher & maternidade: um estudo da percepção do papel de mãe por
mulheres de diferentes gerações. Ribeirão Preto: 2001. 123 f. Dissertação (Mestrado)Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São
Paulo.
ROSSATTO-ABEDE, L. M.; ANGELO, M. Crenças determinantes da intenção da
enfermeira acerca da presença dos pais em unidades neonatais de alto risco. Revista
Latino Americana de Enfermagem, v.10, n. 1, p. 48-54, jan., 2002.
SCHMITZ, M. E. et al. A enfermagem em pediatria e puericultura. São Paulo: Atheneu,
2000.
SCOCHI, C. G. S. et al. Incentivando o vínculo mãe-filho em situação de prematuridade:
as intervenções de enfermagem no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Revista
Latino- Americana de Enfermagem. v. 11, n. 4, p. 539-543, jul./ago., 2003.
225
SILVA, O. P. V. da Análise descritiva do desenvolvimento de recém-nascidos
prematuros que participaram do Programa Método Mãe- Canguru. São Paulo: 2003.
122 f. Dissertação (Mestrado)- Universidade Presbiteriana Mackenzie.
SOARES, A. V. N. Representação social da puérpera em sistema de alojamento
conjunto sobre o seu processo de hospitalização. São Paulo: 2000. 81 f. Dissertação
(Mestrado em Enfermagem)- Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
SOIFER, R. Psicologia da gravidez, parto e puerpério. 6.ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1980.
SPITZ, R. A. Hospitalism. Psychoanalitic study of children I. N. Y.: Univ. Press, 1945.
----------------. O primeiro ano de vida: um estudo psicanalítico de desenvolvimento
normal e anômalo das relações objetais. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
STASEVSKAS, K. O. Ser mãe: narrativas de hoje. 1999. 175 f. Dissertação (Mestrado)Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
SUGANO, A. M. et al. A enfermeira e a equipe de enfermagem: segundo mães
acompanhantes. Revista Latino- Americana de Enfermagem. v.11, n. 5, p. 601-607,
set./out., 2003.
TOMA, T. S. Método mãe-canguru: o papel dos serviços de saúde e das redes
familiares no sucesso do programa. Cadernos de Saúde Pública, v.19, n. 2, p. 233-242,
2003.
VALLE, L. de M. S. do Fatores de alto risco e ansiedade em mães de recém-nascido
pré-termo. São Paulo: 2002. 143 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia)- IP Instituto
de Psicologia, Universidade de São Paulo.
YAVO, I. S. A espada e a crina: um estudo com famílias de crianças submetidas ao
transplante de medula óssea. Assis: 2003. 152 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia)Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista.
WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
226
ZAMBERLAN, M. A. T. Interação mãe-criança: enfoques teóricos e implicações
decorrentes de estudos empíricos. Estudos Psicológicos. v. 7, n. 2, p. 399-406, jul./dez.,
2002.
227
10- ANEXOS
ANEXO A- Termo de consentimento livre e esclarecido
ANEXO B- Ficha de identificação das entrevistadas
ANEXO C- Roteiro de entrevista
228
ANEXO A- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ________________________________________________________
concordo em participar como sujeito de estudo da pesquisa “Prematuridade: um estudo
sobre a psicodinâmica familiar das mães acompanhantes de bebês prematuros”. Estou
ciente do propósito, procedimentos e duração do meu envolvimento, como estabelecido
a seguir:
Propósito da pesquisa: compreender a dinâmica emocional e familiar das mães
acompanhantes de bebês prematuros.
Procedimentos:
1. Serei entrevistada sobre informações pessoais, por meio de um roteiro com temas
sobre o assunto da pesquisa, elaborado e aplicado por uma pesquisadora com
preparo adequado para utilizar o instrumento proposto. Meu relato será gravado em
fita cassete e depois transcrito, ficando sob a responsabilidade da pesquisadora.
Estou ciente de que poderei participar de mais de um encontro com a pesquisadora
para a coleta de dados, caso apenas um não seja o suficiente para obtenção de
informações consideradas importantes para a pesquisa.
2. A pesquisadora está obrigada a esclarecer questões ou dúvidas sobre os
procedimentos ou sobre a metodologia da pesquisa durante a coleta de dados.
3. Minha participação é voluntária e eu posso me recusar a participar ou retirar meu
consentimento e interromper minha participação neste projeto, sem prejuízos ou
penalidades.
229
4. Sei que não receberei nenhuma compensação financeira pela minha participação,
bem como não terei nenhuma despesa em relação aos procedimentos envolvidos
com a pesquisa.
5. Sei ainda que minha participação não acarretará nenhum tipo de desconforto ou
risco para a minha pessoa.
6. Autorizo a utilização dos dados fornecidos em minha entrevista, para finalidades de
publicação científica e didática.
7. Sei que minha identidade será mantida em sigilo, de modo que todos os nomes
citados sejam modificados, evitando assim uma exposição direta sobre os dados por
mim fornecidos.
Assis,
___________________________
de
_________________________
Paciente
Pesquisadora
Pesquisadora responsável: Bruna Burneiko Alves Meira.
Endereço residencial:
Telefone:
de 200 .
230
ANEXO B- FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DAS ENTREVISTADAS
Primeiro encontro – data:
I- Dados da mãe:
Nome:
Local de origem:
Data de nascimento:
Idade:
Local de nascimento:
Estado:
Nacionalidade:
Sexo:
Cor:
Religião:
Grau de escolaridade:
Profissão:
Estado civil:
Renda familiar:
II- Dados do bebê:
Nome:
231
Local de origem:
Data de nascimento:
Local de nascimento:
Estado:
Nacionalidade:
Sexo:
Diagnóstico médico (segundo prontuário):
Nascimento: ____ semanas e ____ dias.
Setor:
Filiação (pai):
Data de nascimento:
Idade:
Profissão:
232
ANEXO C- ROTEIRO DE ENTREVISTA
Para alcançar os dados da história e pré-história familiares:
•
Como os pais do bebê prematuro se conheceram.
•
Como se deu a escolha do parceiro.
•
Quais foram as reações dos avós frente à escolha.
•
Dados sobre o noivado e casamento.
•
Arranjo da vida do casal.
•
Crises enfrentadas pelo casal.
•
Qual o significado e a imagem dos filhos para os pais.
•
Dados sobre a gravidez e nascimento.
•
Escolha do nome do bebê.
•
Aleitamento e cuidados iniciais.
•
As funções paternas.
•
Descrição sumária dos traços dos avós e,
•
Posição de cada pai em sua própria família.
- Para alcançar a interação familiar:
•
Qual é a situação social da família.
•
Como são as relações no trabalho e instituições.
•
Como se dão os vínculos com o resto da família e com os amigos.
•
Dados sobre o habitat da família.
•
Conflitos familiares.
233
•
Como se dão as relações de poder na família: decisões, regras e liderança.
•
Papéis familiares.
•
Qual o papel da maternidade na família.
•
Como se dá a comunicação no grupo.
•
Qual é a importância dos segredos para o grupo familiar.
•
Quais as expectativas dos pais para o futuro dos filhos.
Download

meira_bba_me_assis