CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL RAFAELA VIUDEZ DINIZ PENSANDO A DIFERENÇA: ESTIGMA E PRÁTICAS DE CONTRAESTIGMATIZAÇÃO ENTRE CADEIRANTES FORTALEZA 2012 RAFAELA VIUDEZ DINIZ PENSANDO A DIFERENÇA: ESTIGMA E PRÁTICAS DE CONTRAESTIGMATIZAÇÃO ENTRE CADEIRANTES Monografia submetida à aprovação. Coordenação do curso de Serviço Social da Faculdade Cearense, como requisito parcial para obtenção do diploma de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Prof. Ms. Igor Monteiro. FORTALEZA 2012 RAFAELA VIUDEZ DINIZ PENSANDO A DIFERENÇA: ESTIGMA E CONTRA-ESTIGMATIZAÇÃO ENTRE CADEIRANTES Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/ ____/____ Banca Examinadora ___________________________________________________ Professor Ms. Igor Monteiro Silva (Orientador) ___________________________________________________ Professora Ms. Joelma Freitas ___________________________________________________ Professor Ms. Mário Henrique Castro Benevides Dedico este trabalho a todos os integrantes do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão Social da Secretária de Trabalho e Desenvolvimento Social- STDS e a todas as pessoas que se dedicam a construção de uma sociedade inclusiva. E ao meu Pai Rui Carvalho Diniz, que pode não estar aqui de corpo presente, mas que sei que onde estiver está olhando por mim e sentindo muito orgulho por mais essa vitória alcançada em minha vida. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por iluminar os meus caminhos, conceder-me forças para nunca desistir, por me dar sabedoria, luz e discernimento para que eu possa ter conhecimento de fazer as escolhas certas. Agradeço a meus pais Rui Carvalho Diniz e Maria da Conceição Viudez Diniz, por estarem sempre ao meu lado, orientando-me na minha formação de cidadã. Agradeço também aos meus irmãos Luiz Henrique Viudez Diniz e Rui Carvalho Diniz Filho, pelo companheirismo ao longo dos anos. Gostaria de agradecer também a minha Avó Maria Milta e a minha cunhada, Ana Cláudia, pela colaboração e incentivo aos meus estudos. E a todos os meus amigos que estiveram comigo no decorrer desses quatros anos de formação acadêmica estando sempre ao meu lado a me apoiar, inclusive no momento em que eu mais precisei. Estarão para sempre guardados em meu coração. Agradeço especialmente a meu professor e orientador, Igor Monteiro, pela paciência, dedicação e disponibilidade em ajudar-me na minha formação acadêmica, e por me fazer enxergar as diferenças com novos olhos. ―Se a globalização se dispõe a construir um mundo para todos subestimando as diferenças, o conceito de sociedade inclusiva planeja um mundo para todos inspirado na glorificação das diferenças‖ (WERNECK, 1999, p.221). RESUMO A presente monografia busca refletir acerca do cotidiano de alguns cadeirantes no Município de Fortaleza, tomando como matéria privilegiada de reflexão as experiências de estigmatização e as estratégias de contra estigmatização elaboradas e vivenciadas por esse conjunto de sujeitos. O objetivo, assim, é tentar compreender como os cadeirantes lidam em seu dia a dia com as dificuldades que encontram – sejam elas de ordem física, estrutural ou social –, e quais os ―mecanismos‖ usados por eles na busca por melhores condições de estudo, emprego, lazer, relações familiares, sociais e de mobilidade urbana. A pesquisa, predominantemente qualitativa, tomou forma a partir de ―encontros‖, de ―situações de diálogo‖, com os interlocutores, sendo a entrevista a principal ferramenta metodológica utilizada. Palavras-chave: Estigmatização. Deficiência Física. Cadeirantes. Exclusão. Inclusão Social. ABSTRACT This monograph aims to reflect on the daily life of some wheelchair users in the city of Fortaleza, taking as a reflection of matter privileged experiences of stigma and stigmatization against strategies developed and experienced by this group of subjects. The objective therefore is to try to understand how the wheelchair in his deal with the day to day difficulties they encounter - be they physical, structural or social - and what "mechanisms" used by them in the search for better conditions of study , employment, leisure, family relationships, social and urban mobility. The research, largely qualitative, took shape from "dating" to "situations of dialogue" with the interlocutors, the interview is the main methodological tool used. Keywords: Stigmatization. Physical Disability. Wheelchair. Exclusion. Social Inclusion. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AMC – Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania de Fortaleza. CEDEF – Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência. COMDEFOR – Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Fortaleza. COPEDEF – Coordenadoria de Pessoas com Deficiência. CREAECE – Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará. CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social. ETUFOR – Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza S/A. INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social. ONU – Organização das Nações Unidas. PADEF – Política Municipal de Atenção às Pessoas com Deficiência. PPD – Pessoas Portadoras de Deficiência. SDH – Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza. SECEL – Secretária de Esporte e Lazer de Fortaleza. SESA – Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. SICORDE-CE – Sistema de Informação sobre Políticas, Direitos e Ações na Área da Pessoa com Deficiência do Município de Fortaleza e do Estado do Ceará. SMS – Secretaria Municipal de Saúde. SNPD – Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. SRTE –Superintendência Regional do Trabalho e Emprego. STDS – Secretária do Trabalho e Desenvolvimento Social. TRANSFOR –Transportes Fortaleza LTDA. SUMÁRIO Lista de Abreviaturas..................................................................................1 Introdução....................................................................................................3 CAPÍTULO I – Deficiência Física, Estigma e Exclusão. 1.1 O que é Deficiência Física.....................................................................6 1.2 Estigmatização: estigmas e estigmatizados............................................7 1.3 Os cadeirantes e os processos de exclusão.............................................13 CAPÍTULO II – Cadeirantes: Por uma trilha pedregosa. 2.1 Apresentando os interlocutores..............................................................17 2.2 No contexto da família...........................................................................20 2.3 No contexto do trabalho.........................................................................25 2.4 No contexto do lazer..............................................................................34 2.5 No contexto da sexualidade...................................................................36 2.6 No contexto da mobilidade urbana........................................................40 CAPÍTULO III – Lidando com as diferenças. 3.1 Políticas públicas...................................................................................45 3.2 Projetos de acessibilidade......................................................................53 3.3 A importância da inclusão.....................................................................57 Considerações Finais...................................................................................65 Referências Bibliograficas..........................................................................66 Anexos........................................................................................................68 INTRODUÇÃO A presente monografia busca refletir acerca do cotidiano de alguns cadeirantes no Município de Fortaleza, tomando como matéria privilegiada de reflexão as experiências de estigmatização e as estratégias de contra estigmatização elaboradas e vivenciadas por esse conjunto de sujeitos. A ideia, portanto, é buscar compreender esta tensão – entre estigma e contra estigma – no que diz respeito ao dia a dia dos cadeirantes, considerando, assim, aquilo de mais ―ordinário‖ (CERTEAU, 2004) em suas vidas: as relações de lazer, de trabalho, afetivas, de mobilidade urbana... A minha pesquisa foi feita na Secretária de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), o qual foi por mim indicado por uma amiga que trabalha na mesma e me informou que existe um Laboratório de Inclusão Social e Acessibilidade. O grupo de pessoas com acessibilidade dificultada se encontra todas as quintas- feira e ao conhecer o Coordenador do laboratório e informar a minha pesquisa, o mesmo me indicou três cadeirantes, um tetraplégico e dois paraplégicos onde busquei que houvesse uma mulher para que eu pudesse ter mais informações a respeito de suas particularidades, os quais foram por mim, posteriormente, entrevistados com base em um roteiro semiestruturado com as temáticas por mim selecionadas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), mais de 45 milhões de brasileiros, quase 24% da população, possuem algum tipo de deficiência física. De acordo com o estudo, nos municípios brasileiros, a maioria das faces de quadras (cada um dos lados da quadra, contendo ou não domicílios ou estabelecimentos) possui ruas pavimentadas (81,7%), dispõe de meio fio (77%) e oferece calçadas para circulação de pedestres (69%), mas apenas uma ínfima parcela (4,7%) possui rampas de acesso para cadeirantes. Esse índice sobe, ainda, para 5,6% em locais onde há maior incidência de moradores com idade acima de 60 anos, o que nos leva a pensar sobre toda a complexidade que envolve questões como as de democracia ou inclusão no cenário contemporâneo. É, ainda, importante ressaltar que o nível de detalhamento da pesquisa mencionada foi considerado inédito, tamanha a ênfase colocada em aspectos referentes à infraestrutura urbana, à circulação e ao meio ambiente. Esse olhar minucioso, no entanto, ao invés de revelar problemas pontuais no que diz respeito aos aspectos citados, fornece elementos para se pensar uma realidade ainda não acessível, onde grande parte dos espaços de circulação não sofreu ―adequações‖. É considerando esse contexto que uma das questões norteadores desse trabalho se apresenta: como os cadeirantes vivem o seu cotidiano? Está mais que claro que muitos sujeitos cadeirantes têm uma vida inteiramente ativa, estudam e trabalham, buscam lazer, e por isso precisam se movimentar pelas cidades. Esse é um dos grandes problemas atuais: sem transporte próprio, muitos precisam pegar ônibus, o que implica quase uma odisseia, diante de tantas dificuldades, pois nem todas as calçadas são acessíveis contendo rampas, por exemplo, e quando estas o são, passamos para a dificuldade de se pegar um ônibus que seja adaptado para o cadeirante. É verdade que existem ônibus adaptados, mas a frota não parece ser tão grande, e ainda assim existe uma espécie de ―falta de sensibilidade‖, informação e instrução de muitos motoristas em como lidar com estes passageiros. Por fim, chegando ao local desejado passamos para a consideração de outras dificuldades de acesso: como em algumas salas de cinema e teatro, bares e restaurantes que ainda não se adaptaram a esse público. A lei obriga órgãos públicos a se adaptar com rampas e elevadores, por exemplo, mas nem sempre todas as exigências são atendidas1. E foram, justamente, essas contradições que mobilizaram minha atenção quanto à temática em apreciação. Notadamente, elas começaram a se desenvolver no segundo semestre do curso de Serviço Social, mais especificamente na cadeira de Sociologia Contemporânea. À época, houve uma proposta de se fazer um seminário e o assunto escolhido pela equipe da qual eu fazia parte foi a respeito da acessibilidade dos cadeirantes. No decorrer da experiência de pesquisa para o referido seminário, uma curiosidade ímpar despertou em mim, eu queria saber como era a vida dessas pessoas, de pessoas que tinham que se utilizar de cadeira de rodas para se locomover. A relação com a cidade, com o estudo, com o trabalho, com os afetos, como, enfim, administravam suas vidas... Tudo isso me mobilizava! Com o tempo, essa curiosidade ficou mais intensa e, assim, foi que decidi fazer esse trabalho. 1 Pelo decreto 5296, de 02 de Dezembro de 2004, o prazo para prédios de uso público e de uso coletivo já existentes garantirem a acessibilidade foi de trinta e quarenta e oito meses, respectivamente. O decreto prevê apenas que, com o descumprimento, serão aplicadas sanções administrativas, cíveis e penais cabíveis. O termo ―cadeirante‖, de acordo com alguns fóruns de discussão de temas sobre deficiência, foi eleito e empregado pelos próprios usuários para se autodefinirem, sendo tal termo aceito somente num contexto coloquial, englobando, assim, toda e qualquer pessoa que precise fazer uso, temporário ou não, de uma cadeira de rodas para locomover-se. A construção de uma sociedade inclusiva deve configurar-se numa ação conjunta do Governo com a sociedade civil, para que – diante da realidade atual – a relação entre a sociedade e os cadeirantes que fazem parte dela seja cada vez mais livre de barreiras e preconceitos. As barreiras físicas demonstram o quanto à sociedade ainda enfrenta dificuldades para realizar um efetivo processo inclusão de pessoas com deficiência no cotidiano. São frequentes, por exemplo, as portas estreitas, as correntes protegendo as vagas destinadas aos cadeirantes, equipamentos de autoatendimento em alturas incompatíveis, dentre outros tantos obstáculos estruturais; e como se não bastasse, existem ainda as barreiras emocionais e comportamentais reproduzidas por pessoas que não sabem lidar corretamente com este público, pois não receberam treinamento adequado. Percebe-se que, diante deste segmento da população, localiza-se a necessidade de provocar a sociedade no sentido de atentar para as questões de inclusão, reconhecendo as pessoas com deficiência física como sujeitos de direito, assim como qualquer cidadão. É só a partir do fortalecimento de um debate, de ações de visibilidade, que tal processo talvez possa vir a concretizar-se, problematizando – assim – a manutenção de barreiras físicas e simbólicas no que concerne à acessibilidade. O interesse aqui, desse modo, é refletir sobre o cotidiano de alguns sujeitos parte dessa parcela da população. Como dito, o intuito é tentar perceber como eles encaram suas limitações, como a sociedade os trata, como eles se veem enquanto membros de uma sociedade capitalista – que visa cada vez mais o dinamismo, a proatividade, a rapidez, quantidade ao invés de qualidade –, que parece não se aperceber de que os cadeirantes também podem, e são, dinâmicos, proativos, rápidos tanto quanto qualquer pessoa que não se utilize de cadeira de rodas para se locomover, basta que lhes deem os instrumentos para isso. Por isso a importância de se fazer valer as políticas de ação contra a estigmatização, que leva a julgar o outro como incapaz, incompetente, desconstruindo também a cultura de exclusão do diferente. Lembrando que vivemos em uma democracia e por isso somos detentores dos mesmos direitos e deveres. CAPÍTULO I – Deficiência Física, Estigma e Exclusão. 1.1 O que é Deficiência Física Deficiência física é o termo utilizado para a caracterização de problemas que ocorrem no cérebro, ou no sistema locomotor, que levam a um mau funcionamento ou paralisia dos membros inferiores e/ou superiores. A deficiência física pode ter várias etiologias, e entre as principais se destacam: fatores genéticos, fatores virais ou bacterianos, fatores neonatais e fatores traumáticos (os medulares, de forma especial). As pessoas com deficiência de ordem física ou motora necessitam de atendimento fisioterápico, bem como psicológico, a fim de lidar com os limites e dificuldades decorrentes da deficiência e, simultaneamente, para desenvolver todas as suas possibilidades e potencialidades enquanto sujeitos. A deficiência física refere-se ao comprometimento do aparelho locomotor que compreende o sistema ósteo-articular, o sistema muscular e o sistema nervoso. As doenças ou lesões que afetam quaisquer desses sistemas, isoladamente ou em conjunto, podem produzir quadros de limitações físicas de grau e gravidade variáveis, segundo os segmentos corporais afetados e o tipo de lesão ocorrida. A seguir, uma breve lista de exemplos elaborada com intuito de nos familiarizar mais com o tema: Paralisia Cerebral: por prematuridade; anóxia perinatal; desnutrição; materna; rubéola; toxoplasmose; trauma de parto; subnutrição e outras. Hemiplegias: por acidente vascular cerebral; aneurisma cerebral; tumor cerebral e outras. Lesão medular: por ferimento por arma de fogo; ferimento por arma branca; acidentes de trânsito; mergulho em águas rasas. Traumatismos diretos: quedas; processos infecciosos; processos degenerativos e outros. Amputações: causas vasculares; traumas; malformações congênitas; causas metabólicas e outras. Má formação congênita: por exposição à radiação; uso de drogas; causas desconhecidas. Artropatias: por processos inflamatórios; processos degenerativos; alterações biomecânicas; hemofilia; distúrbios metabólicos e outros. Um breve olhar sobre a lista acima já é capaz, considerando a multiplicidade de causas, de revelar toda a complexidade da questão e sua dimensão desafiante, impelindo-nos a cultivar uma disposição de debate acerca deste tema. 1.2 Estigmatização: estigmas e estigmatizados. Segundo Goffman (1988), estigmatizado é o indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena. Isto porque é a sociedade que estabelece os meios de categorizar as pessoas. Por exemplo, quando conhecemos um estranho temos preconcepções no que diz respeito à sua identidade social (expectativas normativas, exigências apresentadas de modo rigoroso). Entretanto, ignoramos que fizemos tais exigências, fazemos, assim, uma ação de forma quase involuntária, a partir de certa internalização de padrões. Nós incorremos no erro de caracterizá-los, efetivamente, como se fosse uma identidade social virtual que é a imagem que um indivíduo que possui um estigma quer nos passar, ou seja: esconder que tem uma imperfeição e deixar transparecer apenas aquilo que ele sabe que não vai ser rejeitado ou mal entendido pela sociedade. Ele trabalha no sentido de evitar a percepção de atributos que na realidade possui, que são constituintes de sua identidade social real, que – assim como a de qualquer ser humano – é composta de ―qualidades‖ e de ―defeitos‖. E por acreditar que deficiências físicas não podem ser problematizadas ou deixadas a parte, tem-se a tendência de estereotipar o indivíduo e quando este não tem as características que nele procuramos, o excluímos. Generalizamos, como bem assinala Goffman (1998), uma limitação, concebendo o sujeito deficiente quase como um incapaz. Essa generalização das limitações, essa concepção de um sujeito incapaz, deve ser questionada, o fato de uma estar numa cadeira de rodas, por exemplo, não implica incapacidade ou limitação total, justificando processos de extrema tutela, sentimentos de pena ou mesmo comportamentos de exclusão. O indivíduo estigmatizado tende a ter as mesmas crenças sobre identidade que nós temos; isso é um fato central. Seus sentimentos mais profundos sobre o que ele é podem confundir a sua sensação de ser uma ―pessoa normal‖, um ser humano como qualquer outro, uma criatura, portanto, que merece um destino agradável e uma oportunidade legítima (GOFFMAN, 1988, p.16). Ou seja, que tem os mesmos direitos e deveres de quaisquer outros cidadãos. E que o normal seria que todos pudessem ir e vir, estudar, trabalhar e ter lazer como o tem todo e qualquer ser humano. Ainda de acordo com Goffman (1988, p.17), podemos perceber que o indivíduo que é estigmatizado ―baseia suas reivindicações não no que acredita ser devido a todas as pessoas, mas apenas a todas as pessoas de uma categoria social escolhida dentro da qual ele inquestionavelmente está incluído‖. Geralmente o estigmatizado é uma pessoa feliz e saudável, apenas quando o discriminam é que ele se vê com uma diferença e, a partir de então, passa a haver uma depreciação por parte dele. Ele pode vir a incorporar o sistema classificatório que sobre ele se abate. Percebemos, então, que sua relação, sua interação, com o meio em que vive é que vai moldar suas concepções de mundo. Por exemplo, se ele convive com pessoas que não o respeitam, não são ―sensíveis‖ à sua condição, ele inevitavelmente concluirá que todas as pessoas do mundo também o são, o que acabará o tornando uma pessoa antissocial, alheia às demais pessoas, que ao contrário das de seu ciclo mais próximo podem, muito bem, lhe ajudar a superar barreiras sejam elas físicas, morais ou sociais. Um esforço individual com o objetivo de superar tais barreiras, também, é bastante comum: O indivíduo estigmatizado pode, também, tentar corrigir a sua condição de maneira indireta, dedicando um grande esforço individual ao domínio de áreas de atividade consideradas, geralmente, como fechadas, por motivos físicos e circunstanciais, a pessoas com o seu defeito (GOFFMAN, 1988, p.19). É este esforço que acredito não ser relevante. A partir do momento que ele não é um incapaz, ele não deveria precisar demonstrar-se capaz. Procurar realizar ações que estão além do seu limite, ou que exigem um esforço quase sobre-humano, para ser aceito na nossa sociedade é um comportamento que a, meu ver, deveria ser interpelado. A sociedade precisa se mostrar capaz de fazer diferente do que vem fazendo, quando não respeita os espaços nas calçadas, ocupando-os de forma indevida, impedindo a passagem de cadeirantes, ou quando ocupam indevidamente vagas específicas para deficientes físicos. Ou até mesmo quando não se importam em estruturar os seus bares e restaurantes com portas largas o suficiente para se passar com uma cadeira de rodas, quando se esquecem de construir rampas nas calçadas para que não só os cadeirantes possam ir e vir com menos dificuldades, mas também os idosos e mães com suas crianças em carrinhos de bebê. Enfim, a sociedade não é composta apenas de pessoas que podem se desviar, mas também de pessoas que precisam ultrapassar barreiras. Porém, assim como não podemos exigir dos cadeirantes mais do que qualquer outro indivíduo normalmente pode fazer, não podemos também considerá-los ―coitados‖, tomá-los como sujeitos dignos de pena, tutelando-os. Pois, como afirma Goffman (1988), ele pode se valer de seu estigma para ganhos secundários e como desculpa pelo fracasso que chegou por outras razões: Até porque os ―normais‖ também têm suas limitações, tem todos os seus sentidos saudáveis e, no entanto, ―parecem estar completamente cegos para as coisas que estragam a sua felicidade, ou surdas aos apelos de bondade de outras pessoas. ........................................................................................................ Faltando o feedback saudável do intercâmbio social quotidiano com os outros, a pessoa que se auto-isola possivelmente torna-se desconfiada, deprimida, hostil, ansiosa e confusa (GOFFMAN, 1988, p.21-22). Por isso, devemos lutar pelos direitos destas pessoas e fazer valer as políticas públicas, elaboradas – a partir de reivindicações – para garantir e confirmar os seus direitos. Temos que desmistificar a ideia de inferioridade dos estigmatizados para que assim eles possam ter uma melhor qualidade de vida e, por conseguinte, conviver bem em sociedade, inclusive problematizar, igualmente, a imagem que a sociedade tem dos cadeirantes considerando-os incapazes de desenvolver tarefas do cotidiano como as outras pessoas que não necessitam de cadeira de rodas. Para a pessoa inabilitada, a incerteza quanto o status, somada à insegurança em relação ao emprego, prevalece sobre uma ampla gama de interações sociais. O cego, o doente, o surdo, o aleijado nunca podem estar seguros sobre qual será a atitude de um novo conhecido, se ele será receptivo ou não, até que se estabeleça o contato. É exatamente essa posição do adolescente, do negro de pele clara, do imigrante de segunda geração, da pessoa em situação de mobilidade social e da mulher que entrou numa ocupação predominantemente masculina. (BARKER apud GOFFMAN, 1988, p.23). As relações mistas que são travadas entre os estigmatizados e os normais podem causar um desconforto por parte do estigmatizado por achar que está sendo colocado em exibição e isso o leva a agir sempre na defensiva, achando que tudo e todos podem estar contra ele. Pois, não sabem em qual categoria serão colocados ou o que os outros, realmente, estão pensando dele. Outros exemplos que também podem ocorrer: se admirar com essas pessoas ditas incapazes, com as tarefas que elas conseguem realizar normalmente; ou o achar que se um cadeirante cair ele é um ―coitadinho‖ que caiu diferente de um não cadeirante, que poderia levar o mesmo ―tombo‖ e não ser socorrido porque as pessoas acham que ele pode se levantar sozinho. Há também situações em que estranhos abordam os cadeirantes e acham que pelo fato de serem simpáticos podem invadir a sua privacidade, fazendo perguntas descabidas e achando que por conhecerem outras pessoas com deficiência sabem de tudo sobre o assunto. [...] O indivíduo estigmatizado ou é muito agressivo ou é muito tímido e que, em ambos os casos, está pronto a ler significados não intencionais em nossas ações. Nós próprios podemos sentir que, se mostramos sensibilidade e interesse diretos por sua situação, estamos nos excedendo, ou que se, na realidade, esquecemos que ele tem um defeito, far-lhe-emos, provavelmente exigências impossíveis de serem cumpridas ou, inadvertidamente, depreciaremos seus companheiros de sofrimento (GOFFMAN, 1988, p.27). Novamente dialogando com Goffman (1988), existe por parte dos estigmatizados o controle ou pelo menos a tentativa do controle de informação de sua identidade, que pode se classificar em desacreditável, que é um desacreditado em potencial, ele ainda consegue esconder seu estigma, sua identidade real, deixando transparecer apenas sua identidade virtual, mantendo assim um controle de informação. Já o desacreditado é aquele indivíduo que não consegue esconder seu estigma, ou seja, sua identidade real é evidente, não o dando oportunidade de criar uma identidade virtual. Diante de sua condição de desabilitado ou de desacreditado, os indivíduos estigmatizados podem encontrar ―refúgio‖ entre outros indivíduos que tem suas mesmas limitações: Sabendo por experiência própria o que se sente quando se tem este estigma em particular, algumas delas podem instrui-lo quanto aos artifícios da relação e fornecer-lhe um circulo de lamentação no qual ele possa refugiar-se em busca de apoio moral e do conforto de sentirse em sua casa, em seu ambiente, aceito como uma criatura que realmente é igual a qualquer outra normal (GOFFMAN, 1988, p.29). Os estigmatizados formam redes de ajuda mútua, sejam fundando associações, seja através de blogs, instituições, grupos esportivos etc. O que se sabe é que os membros de uma categoria de estigma particular tendem a reunir-se em pequenos grupos sociais cujos membros derivam todos da mesma categoria, estando esses próprios grupos sujeitos a uma organização que os engloba em maior ou menor medida. ................................................................................................................. Com relação à luta destes indivíduos por seus direitos frente ao governo, eles podem, ―por exemplo, ter um escritório ou uma antecâmara da qual promovem os seus casos‖, onde ―uma pessoa igual a eles, um ―nativo‖ que está realmente a par das coisas‖ pode lutar com mais conhecimento de causa por seus direitos, entendendo exatamente qual a maior demanda, quais as suas principais dificuldades e os seus principais desejos. ―Uma tarefa característica desses representantes é convencer o público a usar um rótulo social mais flexível à categoria em questão‖ (GOFFMAN, 1988, p.32-33). Isto torna menos difícil o seu convívio em sociedade, e é uma forma deles se perceberem como pessoas atuantes, que lutam por seus direitos de uma forma concreta. Frequentemente, as pessoas que têm um estigma particular patrocinam algum tipo de publicação que expressa sentimentos compartilhados, consolidando e estabilizando para o leitor a sensação da existência real de ―seu‖ grupo e sua vinculação a ele (GOFFMAN, 1988, p.34). Por vezes, surgem líderes no grupo dos estigmatizados dando ao mesmo uma nova função: a de representar a sua categoria. Com este tipo de profissionalização surgem duas observações: os lideres ―nativos‖ são obrigados a lidar com representações de outras categorias, rompendo o círculo fechado de seus iguais, deixando de ser – em termos de participação social – os agentes das pessoas que eles representam, ou seja, percebendo-se capazes de novas vivências. E em segundo lugar, é que quer um escritor leve um estigma muito a sério ou o considere não muito importante, deve defini-lo como algo sobre o que vale a pena escrever. Mas nem só de apoio entre si vivem os estigmatizados, há também o grupo dos ―informados‖, que são os normais, mas que por alguma situação foram levados a ―simpatizar‖ com a vida do estigmatizado, e que tem ao mesmo tempo a aceitação do grupo dos estigmatizados. A pessoa simpatizante, nesse sentido, não deve apenas se oferecer, mas também esperar sua aceitação como membro do grupo: Um segundo tipo de pessoa ―informada‖ é o indivíduo que se relaciona com um individuo estigmatizado através da estrutura socialuma relação que leva a sociedade mais ampla a considerar ambos como uma só pessoa. Assim, a mulher fiel do paciente mental, a filha do ex-presidiário, o pai do aleijado, o amigo do cego, a família do carrasco, todos estão obrigados a compartilhar um pouco do descrédito do estigmatizado com o qual eles se relacionam (GOFFMAN, 1988, p.39). Devemos respeitar os seus limites, as suas percepções de mundo e compreendê-los, e quando necessário for ajudá-los em suas necessidades. Nos modelos de socialização há o caso em que os estigmatizados são superprotegidos por um grupo de amigos ou familiares e só passam a se perceber como pessoas com deficiência quando estão junto a desconhecidos, seja em suas relações nas instituições de ensino, seja em locais de lazer ou nos locais onde buscam emprego ou já trabalham. E também dos que se tornam estigmatizados numa fase avançada da vida ou aprendem muito tarde que sempre foram desacreditáveis- o primeiro caso não envolve uma reorganização radical da visão de seu passado, mas o segundo sim. Tais indivíduos ouviram tudo sobre os normais e estigmatizados muito antes de serem obrigados a considerar a si próprios como deficientes (GOFFMAN, 1988, p.43). Essa dinâmica da produção do estigma e das maneiras de encará-lo revela a complexidade da situação, revela uma pluralidade, assim, que não é somente referente aos fatores que desencadeiam a deficiência, mas que também diz respeito à forma de experienciar a condição de estigmatizado. 1.3 Os cadeirantes e os processos de exclusão A partir das experiências de contato com os cadeirantes, no decorrer da pesquisa, pude perceber que a exclusão ainda é uma situação muito real no cotidiano dos cadeirantes. Por mais que eles tenham uma boa condição financeira, que possam tirar o sustento do esforço do seu trabalho, ainda sim a sociedade parece não observar as dificuldades que esses sujeitos enfrentam no cotidiano. Pude perceber relatos dos cadeirantes mostrando que ainda existem muitas pessoas que questionam como os mesmos podem sair desacompanhados nas ruas, fazer tarefas comuns, e isto irrita as pessoas que não tem conhecimento a respeito da vida dos mesmos. Contudo, pior ainda é descobrir que pessoas que tem algum tipo de acessibilidade dificultada e conhecendo como é difícil transpor a barreira dos normais ainda tem preconceito com os ―iguais‖ que compartilham suas mesmas dificuldades, pelo fato destes terem um carro adaptado, um emprego melhor. Acredito que essa exclusão social, partindo desse viés econômico é tão comum quanto à exploração do capital com relação ao proletário, e é por isso que temos que sensibilizá-los, mostrando que existem outras formas de comportamento, outras formas de agir, começando com o respeito. Sabemos que todos nós somos seres portadores de direitos e estes tem que ser respeitados. Segundo Corrêa (2002), direitos de cidadania são direitos humanos. A cidadania é a consolidação da democracia de uma sociedade, dando direito de acesso aos espaços públicos e privados, fazendo valer a dignidade das pessoas. Cabe ao Governo a garantia desses direitos na busca da correção das desigualdades sociais. Para compreender o fenômeno da responsabilidade social é necessário conhecer as contingências que contribuíram para o seu advento. Uma destas contingências é o contexto de exclusão social e consequências derivadas: A discussão sobre a exclusão social apareceu na Europa na esteira do crescimento dos sem-teto e da pobreza urbana, da falta de perspectiva decorrente do desemprego de longo prazo, da falta de acesso a empregos e rendas por parte de minorias étnicas e imigrantes, da natureza crescentemente precária dos empregos disponíveis e da dificuldade que os jovens passaram a ter para ingressar no mercado de trabalho (DUPAS, 1999, p. 19). Ainda segundo o mesmo autor, a exclusão deve ser considerada ―um processo complexo, multifacetado, que ultrapassa o econômico do ponto de vista da renda e supõe a discriminação, o preconceito, a intolerância e a apartação social" (p.103). Essa exclusão pode tomar várias formas: na família, por exemplo, quando não a aceitação por parte dos parentes, quando não há entendimento acerca de uma pessoa que não nasceu cadeirante e passa, posteriormente, a ser. Nesse exemplo, a pessoa parece ter que lidar com bem mais processos de aceitação de si em relação à situação de outras pessoas que já nasceram com a deficiência. Portanto, fica mais difícil lidar com essa pessoa. Ou então, quando você conhece alguém que lhe trata bem, porém não quer incluir você na sua família, porque a partir do momento em que essa pessoa se faz presente todos os dias, você passa a perceber e participar de todos os seus problemas. E quem é que quer isso? Ninguém. Mas, quem disse que uma pessoa com deficiência é só feita de problemas? E as suas qualidades, suas capacidades, não deveriam ser consideradas? E quando voltamos nosso olhar para os locais de lazer, que não incluem, talvez inconscientemente, as pessoas com a acessibilidade dificultada, quando não se preocupam em colocar espaços maiores entre as mesas para que um cadeirante possa passar sem maiores constrangimentos. E os banheiros que não são adaptados? E as calçadas sem rampas de acesso? Devemos cumprir com o nosso papel de cidadão e fazer valer as leis que existem em prol dessa parcela da população, e não só dela como a das demais que se encontram em situação de vulnerabilidade em geral. Toda pessoa com deficiência é fonte de capital social. Um capital atrofiado, porque raramente tem sido usado. Mas que se multiplicará, a partir de estratégias definidas por movimentos em rede que unirão todo o país. Foi assim com os negros, as mulheres e, mais recentemente, com os jovens (WERNECK, 1999 p.69).2 Quando buscamos soluções e passamos a nos importar com o mundo do outro, estamos automaticamente nos importando com o nosso mundo. Temos que perceber também que existe uma linha tênue entre mostrar que essa parcela da sociedade tem seus direitos e que devemos garanti-los, porém, sem excluí-los ainda mais, os evidenciando como deficientes e não como seres humanos possuidores de direitos. A observação sociológica mais elementar mostra que a discriminação positiva torna-se facilmente discriminação negativa, dados os limites estreitos entre medidas específicas que visam a ajudar públicos em dificuldades e sua instalação em sistemas de categorização que lhes atribuem um status de cidadãos de segunda classe (CASTEL, 2000, p. 46). Portanto, devemos buscar a justiça social, porém com a participação de todos, a articulação de todos para que haja uma maior integração e uma nova cultura política que faça com que todos sintam-se pertencente ao todo social. Dentro dessa necessidade desse movimento, as palavras de Werneck soam com enorme importância: ―a indiferença em relação às necessidades e às dificuldades específicas das pessoas com deficiência é uma ameaça ao desenvolvimento cultural de uma nação‖ (WERNECK, 1999, p.44). 2 Entendendo capital social por: ―Recursos disponíveis na comunidade capazes de contribuir para a transformação dos indivíduos que dela dependem‖ (WERNECK, 1999 p.81). CAPÍTULO II – Cadeirantes: Por uma trilha pedregosa. O presente capítulo tem como finalidade principal expor as vivências dos cadeirantes em seus processos de formação como cidadãos do mundo, partindo de referenciais como os de família, trabalho e outros. Nesse sentido, a melhor metodologia encontrada, e utilizada por mim, foi a de pesquisa de campo: uma tentativa de análise qualitativa, baseada na interação, no contato, na busca de construir uma relação de interlocução (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998), com a finalidade de obter maiores informações pessoais no que se refere ao cotidiano de cadeirantes. Participaram desta pesquisa três cadeirantes que trabalham na Secretária de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), mais especificamente na área de inclusão social com deficientes. Estes foram escolhidos sem critérios de idade, classe social ou religião. Mas, com relação ao gênero, procurei tomar pelo menos uma mulher como interlocutora com o objetivo de perceber e buscar compreender as especificidades das experiências de deficiência entre homens e mulheres. Assim, os sujeitos da pesquisa foram: um indivíduo tetraplégico do sexo masculino; um paraplégico do sexo feminino e; um paraplégico do sexo masculino3. Eles serão denominados, respectivamente, de Charlie, Bete e Lino. A pesquisa se constituiu a partir de entrevistas feitas de forma semiestruturada, seguida apenas de um roteiro contendo cinco temáticas diferentes que totalizavam nove questões. Os entrevistados ficaram livres para falar sobre o que quisessem, cabendo a mim, posteriormente, fazer uma triagem do que me era necessário para estruturar de forma adequada aos tópicos por mim escolhidos o trabalho em questão. Tais entrevistas foram feitas com o uso de um gravador, onde pude perceber que este instrumento me deu liberdade para prestar atenção em detalhes da fala que, possivelmente, teriam passado despercebidos caso tivesse usado outra metodologia, como a simples anotação em diário. As entrevistas, assim, foram gravadas em áudio e transcritas posteriormente. A primeira entrevista teve duração de aproximadamente 01h30min e as outras duas entrevistas tiveram uma média de 30 a 40 minutos. Estas entrevistas aconteceram em uma sala reservada dentro da instituição mencionada, apenas uma delas foi realizada em 3 Buscando preservar a intimidade dos interlocutores, optei pelo uso de nomes fictícios. um anexo da STDS, lugar onde se realiza o projeto de inclusão através do primeiro emprego de adolescentes em vulnerabilidade social e/ou com deficiência. O capítulo ora apresentado, desse modo, constitui-se numa tentativa de articulação entre a experiência de partilha estabelecida entre os sujeitos e a pesquisadora e as informações obtidas a partir de leituras e discussões teóricas acerca de temas como estigma, exclusão, inclusão, preconceito etc. Passo agora a apresentar esses sujeitos, sendo seus depoimentos a matéria privilegiada de minhas reflexões; após tal apresentação, discutirei as experiências de estigma que se localizam em distintas dimensões da vida cotidiana desses sujeitos. 2.1 Apresentando os interlocutores Charlie é tetraplégico. Aos 19 anos já era empresário, trabalhava com vendas, aos 22 anos já tinha uma empresa de médio porte, era estudante de Sociologia na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Contudo, não concluiu a sua formação: em um passeio na praia da Caponga foi fazer um mergulho em águas rasas, quebrando o pescoço em nível de C44, tornando-se tetraplégico. Hoje, com 36 anos de idade, é palestrante e coaching5, prestando consultoria em diversas empresas. Devido ao acidente, Charlie permaneceu 06 meses na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) ligado em um respirador mecânico e por isso teve que vender a empresa. ―Foi um período que passei sem acreditar que um deficiente pudesse agregar valor ao mercado de trabalho‖, ele conta. Ao sair da UTI, passou 02 anos procurando, fora de Fortaleza, novos tratamentos, mas não obteve êxito. Hoje, devido as suas 4 A coluna vertebral é a estrutura que promove sustentação para a postura ereta, constituindo uma manga protetora, porém flexível para a delicada medula espinhal, além de assegurar locais para a fixação de músculos e servir para transferir e atenuar cargas da cabeça e tronco e para os membros inferiores e viceversa (RASH, 1991). Ela é composta por 33 vértebras, das quais 24 se unem para formar a coluna flexível. Sendo que estão subdivididas em: sete cervicais (C1-C7), doze torácicas (T1-T12), cinco lombares (S1-S5) e quatro coccígeas. Ver mais em www.fisioweb.com.br. 5 Coaching é um processo definido com um acordo entre o coach (profissional) e o coachee (cliente) para atingir a um objetivo desejado pelo cliente, onde o coach apoia o cliente na busca de realizar o objetivo, ou seja, as diversas metas que somadas levam o coachee ao encontro ao seu desejo maior estabelecido dentro do processo de coaching. Isso é feito por meio de reflexões e posterior análise das opções e da identificação e uso das próprias competências, como o aprimoramento e também o adquirir novas competências, além de perceber, reconhecer e superar as crenças limitantes, os pontos de maior fragilidade. Ver mais em http://pt.wikipedia.org/wiki/Coaching. limitações, possui 02 cuidadores que o auxiliam: ―24 horas eu tenho que estar com alguém, sou totalmente dependente‖. Morou por um tempo em São Paulo e lá fez cirurgias espirituais, a partir de tais experiências passou a ser espírita: ―base muito forte em nível de fortalecimento‖, ele observa. Costuma dizer, ainda, que é uma pessoa religiosa pela ação e menos pela crença, sempre teve muitas amizades e respeitou as pessoas, com isso viu uma oportunidade de interação, tendo a percepção de que mesmo estando deficiente, com sua autoestima, poderia ajudar as pessoas que frequentavam o local, participando de grupos de ajuda. Era monitor de grupo no espiritismo, grupo de atendimento espiritual (AE), fez 06 anos de estudos sistemáticos da doutrina espírita, aprofundando-se bastante. Fazia atendimento fraterno que consistia em escutar a pessoa para dar um conforto como um atendimento terapêutico, e a partir daí passou a se sentir útil e perceber que iria poder ajudar as pessoas com relação as suas dificuldades. Isto lhe dava certa sensação de utilidade. Diz que sempre gostou de ler muitos livros, sobretudo, aqueles que têm como tema descrever os seres humanos e suas diferenças, como os livros do autor Augusto Cury, e que deve ser este um dos fatores que o fazem ser hoje quem ele é. Bete tem 35 anos, é pedagoga, exerceu por um tempo sua profissão em sala de aula, depois continuou exercendo seu trabalho de pedagoga, só que agora em uma entidade chamada Centro de Apoio a Mães de Portadores de Eficiência (CAMPE6), atuando diretamente com essas famílias. Sua deficiência foi adquirida com um ano de idade, como consequência de uma poliomielite7, mais conhecida como paralisia infantil. 6 O Centro de Apoio a Mães de Portadores de Eficiência - CAMPE é uma associação civil, sem fins lucrativos, fundada em 2003 e tem como missão a defesa social de direitos fundamentais da Pessoa com Deficiência. O objetivo desta instituição é contribuir de forma direta para o processo de inclusão, tendo como foco principal a família e a Pessoa com Deficiência. A entidade se configura exercendo um papel fundamental na discussão do Plano Municipal de Fortaleza, pautando a EDUCAÇÃO INCLUSIVA, que, em decorrência disso, tornou-se entidade referência na cidade e no estado acerca da temática. Nossa Missão: Promover a defesa dos Direitos e Acessibilidade ao exercício da Cidadania de Pessoas com Deficiência, no Estado do Ceará, integrando-os na sociedade através do seu fortalecimento e de suas famílias sobre seus direitos e deveres. http://campefortaleza.blogspot.com.br/ 25/10/2012. 7 A poliomielite é uma doença infecciosa de origem viral que se desenvolve preferencialmente em crianças. Casos mais graves afetam o sistema nervoso central e, como consequência, dá-se a paralisia nos Lino tem 38 anos, há 14 anos sofreu um acidente por arma de fogo que o deixou paraplégico. ―Sou muito de acreditar que todo mundo é amigo, na época a pessoa que fez isso comigo era meu amigo, só que a gente só fecha a porta depois que o ladrão entra‖. Lino é de índole boa, de boa família e não percebia que o amigo não era do mesmo jeito dele, segundo suas próprias palavras. Em um feriado estávamos todos bebendo em um bar e esse meu amigo colocou o som muito alto, então o dono do bar pediu que ele baixasse, ele não baixou então eu fui interceder só que o homem não fala com outro com carinho, a gente discutiu, uma discussão banal, só que ele levantou e foi embora sem pagar a conta, e todos estranharam porque ele não era disso, daí ele voltou já com tudo premeditado, eu estava agaixado conversando com a filha do dono do bar e ele se aproximou, ficando a mais ou menos um metro e meio e colocou uma música do Roberto Carlos e disse Lino essa música é pra você, eu me levantei e ai ele efetuou cinco disparos contra mim, onde tudo que eu venha falar pra você agora foi pela boca dos outros (LINO, 38 anos). Foi levado para um hospital entre a vida e a morte, ―e só Deus sabe como eu escapei, porque Deus tem um propósito na minha vida‖, comentou. Quatro disparos atingiram-no, o quinto só não pegou porque outro amigo caiu em si e bateu no braço dele, o tiro então pegou no telhado e o telhado veio a cair em cima dele. Ele fugiu, na época minha família foi atrás dele e graças a Deus não encontrou, porque ia haver um crime na família e mesmo assim eu iria continuar com a minha paraplegia. Mas, tem a questão do outro lado, do como eu me sinto como eu vivo. Algum tempo depois, o amigo foi se apresentar na delegacia com um advogado. Foi condenado a cinco anos, mas não cumpriu a pena em regime fechado por não ter antecedentes criminais. Ele ficou indo apenas uma vez por mês ―assinar documentos‖, como afirmou Lino. Lino tem oito irmãos, mas não falam com ele. Hoje mora com mãe, sendo titular da pensão do pai falecido. músculos afetados. Há duas formas de poliomielite que afeta o sistema nervoso: a não-paralisia, que é parecida com a meningite, evoluindo benignamente no prazo de duas a seis semanas, e a forma paralítica, que é a que deixa lesões definitivas. Microbiologia e Parasitologia. 2.2 No contexto da Família Depois que Charlie sofreu o acidente, passou novamente a ser tratado como um ―menino‖ perante seus pais, mas percebeu que não poderia aceitar tal tratamento: ―o tempo de se aceitar pode ser positivo ou negativo‖, diz ele, pois, somente, o valor da aposentadoria dos pais não seria suficiente para custear os seus tratamentos e os remédios de seu pai. Há 04 anos atrás, quando seu pai sofreu um infarto, ele percebeu que tinha que fazer alguma coisa pra ajudar em casa: ―passei a ser empreendedor da minha vida‖. Foi a partir de então que teve que retomar a sua autoestima e procurar um meio de aumentar a renda familiar. Bete, juntamente com a mãe, nunca permitiram que as pessoas da família adotassem uma postura de tratá-la como incapaz, como uma pessoa cheia de limites. Diante desse comportamento, os membros da família passaram a aprender a vê-la como uma pessoa que não pode fazer determinadas coisas, mas outras, não só pode, como deve fazer. Sempre foi tratada como igual em relação aos irmãos: ―o que era pra mim, era pra eles... O que era pra eles, era pra mim... Na fila pra tomar remédio, estávamos todos e na hora da palmada também‖, assinala ela. Lino, por seu turno, falou que no começo sua família o ajudou muito: ―todos, do parente mais próximo ao mais distante, todos me ajudaram muito, porque eu não aceitava minha condição, na verdade eu nunca aceitei, só passei a conviver melhor com a minha paraplegia‖. Era como se ele próprio assumisse a condição do estigma, como nos alerta Goffman (1998, p.14): [...] um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode-se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma característica diferente da que havíamos previsto. Nós e os que não se afastam negativamente das expectativas particulares e questão serão por mim chamadas de normais. O fato de Charlie passar a ser tratado como um ―menino‖ logo depois do acidente e de Bete ter que provar que não era incapaz, assim como Lino – que por mais que ainda não se aceite – tentar levar a vida da melhor forma, só nos faz perceber as barreiras que nós normais impomos a eles, como se já não bastasse às dificuldades estruturais da nossa cidade, que já são muitas. Lidar com o diferente não é tarefa fácil, mas se desviarmos por alguns instantes o nosso olhar sobre a deficiência, poderemos perceber que aquele cadeirante tem tantas qualidades e capacidades como qualquer outra pessoa dita normal. Nesse sentido, vale a reflexão sobre as palavras de Goffman (1988, p. 13): ―Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem [...] Um estigma é, então, na realidade, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo‖. Como a cognição de Charlie estava inalterada, ele começou a fazer a contabilidade de empresas, como forma de aumentar a renda em casa. Por ter um programa especial no seu computador que facilitava o seu uso, digitando com a boca, ele obteve êxito em sua nova empreitada: ―Minha adaptação foi tranquila, sem revolta‖. Com esse resgate da autoestima, resolveu voltar para a faculdade, só que agora como estudante de Psicologia, devido ter conhecido a área médica mais profundamente por conta dos tratamentos que teve que fazer. Desde o começo, a mãe de Bete é o personagem mais marcante em sua vida, o ―que deve ser na maioria das histórias de pessoas com deficiência‖. Segundo Bete, ela cuidou bem, mas não a superprotegeu. Por isso, é uma característica forte na sua vida as possibilidades de superação, que vieram pelo fato de aprender a tomar suas decisões por conta própria, e saber que pode ir além, mesmo sem sua mãe estar por perto, ou até mesmo outras pessoas da família: ―Encaro a deficiência com muita tranquilidade‖. Lino tem um irmão que saiu do emprego na época do ocorrido para melhor auxiliá-lo, que o levou por duas vezes ao Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília. Lá, Lino conheceu outro cadeirante, cada um contou sua história e Lino veio colocar que seu pilar era sua família. Segundo Lino, o outro cadeirante por sua vez deu uma risada e disse: ―sua família é seu pai e sua mãe‖. Depois disso, Lino comenta que percebeu uma mudança: ―Meus irmãos, logo depois, realmente passaram a me ver como um problema pra minha família, como eu voltei a cometer erros, eu farreava muito, então meus irmãos me alfinetavam‖. Os pais não o condenavam, mas também não o apoiavam. Tudo parecia ser um motivo para que os irmãos o alfinetassem, até quando parou de beber por conta de um novo relacionamento, reclamavam dizendo que ele era mandado pela mulher. Eles queriam controlar minha vida e quando eu bati o martelo e resolvi não aceitar mais a opnião deles, a minha família inteira se afastou de mim, cada um tem direito de viver a sua vida, a minha família me isolou, meus sobrinhos e nem irmãos falam comigo, e minha própria mãe por quem eu tenho um sentimento muito doido (LINO, 38 anos). Por isso pude perceber que o se conceber capaz, a sua autoestima e uma família que lhe apoie é um bom começo para se desconstruir como pessoa com deficiência. Charlie tem uma irmã que já é casada e não mora mais com ele e seus pais: ―Ela tem uma vida paralela, não interfere em casa, não é participativa‖. Bete, por seu turno, tem um irmão e uma irmã mais novos que ela. Sua mãe a educou da mesma forma como educou os outros dois filhos, sem regalias. Sempre a respeitando mesmo na falta do conhecimento no que concerne à questão da acessibilidade. Minha mãe sempre me proporcionou acesso a muitas coisas. Os meus irmãos, pelo menos nunca disseram na minha frente: Você só é assim com a Bete porque ela usa cadeira de rodas. O limite existe e eu tenho que aprender a trabalhar com ele (BETE, 35 anos). A mãe de Lino concordou com os outros filhos e não dele. Sua irmã fez um juramento ao pai dizendo que nunca ia abandonar Lino, mas, segundo ele, não foi isso que aconteceu. O pai deixou uma pensão para ele, a qual ele resolveu dividir com a mãe, mas disse que quando precisasse pediria de volta. Contudo, quando ele veio a precisar, ela lhe foi negada, seus irmãos interviram não aceitando essa condição de devolução: ―Agora eu tenho que entrar na justiça pra poder ter a pensão inteira, mas eu não quero isso‖. Lino afirma não saber o motivo de tanta briga. Ver é interpretar. E interpretar só é possível quando se está imerso na cultura. Se os nossos olhos captam a imagem de algo que não pertence aos padrões aprendidos e desenvolvidos na organização simbólica que criamos, então ele não tem significado- e nós efetivamente não conseguimos interpretá-lo. A capacidade de ver consiste, portanto, na possibilidade que temos de decodificar, isto é, estabelecer significado e de representar por meio de linguagem inteligível. Se não conseguimos decodificar é porque não estamos vendo, por mais que os nossos olhos captem a imagem (RIBAS, 2011 p. 55). Se os integrantes de uma família não se percebem como fazendo parte de um mesmo grupo a tendência é a exclusão, o não se importar, o não interesse com relação à vida do outro, tornando o convívio cada vez mais inacessível. A avó de Bete achava que era uma perda de tempo ela ir à escola, mas sua mãe não acreditava nisso, por isso muitas vezes a levava à escola mesmo no colo. Na adolescência, diz que sempre teve liberdade de escolher as suas amizades, sempre participou de viagens dos encontros do grupo de oração Corpo Místico de Cristo, do qual participa até os dias atuais. Mesmo a mãe não podendo estar nos passeios, permitia que a filha fosse. Hoje, por ser mãe, tem noção de que como a sua mãe ficava com o ―coração apertado‖, porém a mãe sabia que precisava deixá-la ir: ―ela nunca mudou de metodologia comigo, foi até o fim‖. Se conseguiu graduar-se, e hoje tem um emprego, agradece e diz que é por conta do procedimento da mãe para com ela. Com isso, seus avós que tem outras vivências, outros costumes, puderam perceber que os seus pensamentos com relação aos estudos dela não estavam corretos, e que suas experiências a tornaram quem ela é hoje. Sofria dificuldades porque, às vezes, quando os irmãos e primos iam passear ela não podia ir, não tinham carro, então a locomoção era de ônibus: ―esse momento de passeio, em que eu não podia ir com os meus primos, era difícil‖. Sua mãe lutou contra muitas opiniões negativas, incluindo as externalizadas pelos próprios parentes, mesmo assim sua mãe permitiu que ela tivesse sua própria história. As dificuldades estruturais de acesso são reais: calçadas que não tem rampa de acesso, quantidade inexpressiva de ônibus com acesso para cadeirantes, incluindo a falta de capacitação e de sensibilidade de muitos motoristas. Sem falar nos bares e restaurantes que ainda não se preocupam em melhorar a estrutura dos seus estabelecimentos para que o direito ao acesso de pessoas com acessibilidade dificultada seja respeitado. O que leva também a estes cadeirantes a se tornarem ―fantasmas sociais‖, ou seja, a preferirem não sair de casa, como se não existissem, impossibilitando ainda mais o conhecimento dos direitos e das reais necessidades dessa parcela da população: ―Na prática, o todos da sociedade (ou do social) acaba sendo o todos que reflete as desigualdades sociais‖ (WERNECK, 1999, p.41). É nesse todos que procuramos refletir em que condições está a ―consciência social‖ da nossa sociedade, e por quais motivos, ainda, o nosso ―todos‖ não abrange o tudo de todos. Bete não viveu em função de um sofrimento, das dificuldades. Sabendo lidar com isso, diz ela, ―sofri na hora que tinha que sofrer, mas não alimentei, fui muito feliz nesse sentido, graças a Deus‖. O pai sempre esteve com eles, mas em uma dimensão muito mais financeira, sempre ficava a parte das consultas médicas, queria saber só o resultado final: ―ele estava na formatura, mas o processo ele não participou, mas não por ser ruim, e sim pela preocupação de dar o suporte financeiro. Não foi um ator participativo, mas nunca deixou faltar nada, sem ele financeiramente não seria possível‖. Sua sogra passou os sete anos de namoro do filho sem falar com ele. Não queria que o filho se relacionasse com ela, Bete. Só veio a falar com eles três meses depois do neto ter nascido, é como se os sete anos de silêncio não tivessem existido: Nada ficou conversado nem esclarecido, é como se isso nunca tivesse acontecido, ficou atrás. O preconceito sempre teve, e sempre vai ter onde eu for, mas eu não dou bola pra ele, se você me perguntar se lembro de alguma coisa eu não vou lembrar porque eu não valorizei. É da minha personalidade o que é bom à gente guarda o que não é a gente deixa passar. Nesse sentido, as palavras de Ribas (2011, p.12) merecem destaque: Vejo que são pessoas que querem se aproximar, ser minhas amigas, porque sabem que a palavra deficiência é pejorativa. Não tem jeito. Deficiência, na língua portuguesa, será sempre sinônimo de insuficiência, de falta, de carência e, por extensão de sentido, de perda de valor, falha, fraqueza, imperfeição. A palavra representa e estabelece a imagem. Bete, casou-se em Agosto e engravidou em Setembro: Mas já havíamos decidido que logo teríamos nosso primeiro filho, mesmo sendo planejada confesso que fiquei nervosa, pois não sabia como seria, passado o susto começamos a curtir, eu, meu marido e minha família, principalmente minha mãe, afinal mais uma conquista pra nós duas. Graças a Deus tive um excelente médico, que logo na primeira consulta me disse duas coisas importantes, só conseguiria chegar até os sete meses, no máximo sete e meio e que seria cesárea. Ela tinha plano de saúde com direito a parto, porém optaram, por orientação médica, a fazer na Maternidade Escola, pois lá os recursos são melhores para atender uma criança que nasce prematura. É bem mais difícil para uma mulher cadeirante, a gestação, pois fica sentada com um barrigão enorme o tempo todo, principalmente na questão da respiração, mas tirando as dores, o cansaço e todas as outras dificuldades, engravidar foi a maior e melhor experiência da minha vida, estamos nos preparando para o próximo, se Deus quiser! (BETE, 35 anos). Lino fala que quando se fez de ―coitadinho‖ só perdeu, afastando as pessoas dele. Em 2010, quando seu pai faleceu, disse realmente ter sentido falta de suas pernas. ―Meu pai me superprotegia demais, ele me entendia, nunca me negou algo, então quando ele faleceu achei que o mundo tinha caído na minha cabeça‖. Mesmo em meio a todas as dificuldades familiares, o pai ainda vivo pediu que eles não se separassem. Contudo, Lino afirma o que aconteceu foi o contrário: Minhas irmãs são todas mal casadas, eu tenho mágoa delas, já estou sentindo algumas sequelas devido a esses conflitos na minha família, que não estão me fazendo bem, estou até tendo problemas do coração, e isso não me faz bem. (LINO, 38 anos). Segundo Ribas, problemas de relacionamento ou justificativas para situações delicadas podem relacionar-se com a deficiência. O que talvez possa ser pensado, também, no que se refere às dificuldades de aceitação de Lino: A deficiência pode ser uma bela desculpa para explicarmos a nossa infelicidade. Mas ela não justifica inteiramente os nossos tropeços e embaraços. A vida é uma construção e nós mesmos somos os principais arquitetos (RIBAS, 2011 p. 65). Os irmãos de Lino não o procuram e nem ele, a eles. ―A minha mãe escolheu o lado dela, ela tem autonomia como mãe e dona de casa‖. Lino diz não ter autonomia dentro de sua própria casa, diz que os irmãos só lhe dirigem a palavra se for para lhe dar alguma notícia ruim. A mãe deu total autonomia ao filho mais velho, para que decidisse os assuntos da família, mas Lino diz que o irmão não tem ―moral‖ nem ―caráter‖ para isso: Nesse momento eu não tenho nem irmãos, nem família, só tenho minha mãe. O meu sentimento é mais de lamentação do que de mágoa com a minha mãe. Do lado de lá com certeza cada um tem sua versão, pelo lado dos meus irmãos deve ter muita mágoa, como eu falo eu não sou fácil, mas eu deveria ser melhor entendido, eu acho, é meu ponto de vista. (LINO, 38 anos). 2.3 No contexto do Trabalho. Charlie sempre dizia não por conta das barreiras físicas. Falta de vagas nos estacionamentos, de banheiros adaptados, de rampas, eram seus principais problemas. As desculpas, assim, sempre estavam pautadas nas barreiras físicas, era uma maneira de conseguir burlar, e não ter que experimentar o enfrentamento: tinha medo do fracasso e também não era capaz de perceber que poderia fazer algo em sua vida. Contudo, resolveu passar a dizer sim para as oportunidades que surgiam. Bete sempre teve o interesse de trabalhar, ―fui contra tudo e contra todos pra não me aposentar‖, disse ela. Um dia chegou para mãe e disse que não queria o rótulo de incapaz para o resto da vida, e que ela não escutasse o que os outros diziam, pois ela sabia que era capaz. Não queria ficar recebendo um beneficio de um salário mínimo quando sabia que tinha condições de estudar e se formar. Sua família tinha dinheiro suficiente para não passar por dificuldades, mas não tinham dinheiro sobrando, ela conta. Então, novamente, contou com o apoio da mãe para buscar sua formação acadêmica e, posteriormente, um emprego. Lino já havia trabalhado com carteira assinada antes do acidente. Depois que se acidentou, conheceu uma pessoa que ele diz ser um anjo da guarda que Deus colocou na sua vida, ―só lamento ter a conhecido naquela época, mas como era um anjo, veio para dar um equilíbrio na minha vida‖. Ela o incentivou, o fez buscar novos caminhos, trabalhar, voltar a estudar, procurar novas amizades, pois ele só queria farrear. Foi por intermédio dela que, em 2004, ele conheceu uma pessoa que trabalhava na STDS, a mesma que o indicou ao laboratório de inclusão social. Diz que se interessou de uma forma distante e, somente, em 2006 foi que se interessou de fato, em 2007 voltou a estudar, fez sua especialização em Gestão de Pessoas, pois já era formado em Recursos Humanos. Charlie, em sua trajetória, encontrou pessoas pessimistas, mas não desistiu, por saber que as pessoas ―veem às outras exatamente como se veem‖. Mas também encontrou pessoas otimistas, como um amigo que em um bate papo em uma rede social lhe enviou uma informação, mostrando que um palestrante poderia ganhar até 40 mil reais em cada palestra: ―O valor de cada um é aquele que cada um constrói, é o que ele se dá‖. Percebeu, então, que a questão está em a quem você se prende, se a pessoa otimista ou a pessimista, resolveu se prender a otimista que acreditava no seu potencial, e então se mostrou disposto a aumentar sua autoestima: ―Era o estopim de uma nova vida‖. Por conta dos seus exames médicos no Hospital Sarah Kubitschek, surgiu à oportunidade de fazer palestras no mesmo, por ter uma personalidade extrovertida, ser um piadista nato, saber lidar com as pessoas e ter uma autoestima elevada mesmo frente à adversidade. Essas palestras serviriam como forma de ajuda a outros pacientes que estavam em condições físicas iguais ou parecidas com a dele, colaboraria com um melhor estilo de vida, e como já estava na fase ―oportunista‖ não poderia mais dizer não aos convites que sempre lhe eram feitos, começou então sua fase de enfrentamento: ―Um novo desafio, eu tinha que dar a chance de algo acontecer em minha vida‖. A partir de então, acabou descobrindo uma vocação e um talento, o de palestrante. Teve um retorno altamente positivo. Percebeu que aquilo poderia ser rentável, saiu de lá com um projeto, se profissionalizar, encontrando sua fonte de renda. Até ficar de frente para o público, Charlie diz que o nervosismo era muito grande, e ele diz não gostar de lidar com as suas ansiedades, porém continuava dizendo sim a tudo, mas ainda não ia atrás das pessoas oferecendo suas palestras, elas é que vinham até ele. Uma época ele parou de ministrar palestras, mas depois continuou novamente. As pessoas passavam a ligar das empresas para ele, e ele começou a ―se vender‖. Pois, como se considera um grande empreendedor, sabia que ia conseguir. Há cerca de um ano, passou a se profissionalizar: ―O risco que se corre pra ter algo na vida‖. Passou a cobrar caro por cada palestra. Dá palestras corporativas e motivacionais é ―Personal‖ e Professional Coaching, consultor em relações humanas e está lançando um livro autobiográfico, intitulado: ―Minha Boca, Meu Caminhar‖. Diz não se considerar um deficiente convencional, nem as barreiras físicas nem as psicológicas fazem parte do seu cotidiano. A vida de Charlie tem muitos projetos, é muito dinâmica, pois tem muitos gastos, e por isso vive se qualificando fazendo vários cursos, agregando valor ao seu trabalho para posteriormente receber a devolutiva disso: ―fui motivado pela dor‖, ele afirma. Diz que sempre foi muito bem resolvido, salientando que a deficiência acaba passando despercebida, ele não se impõe as limitações. Charlie entende que os que são deficientes foram segregados por conta do arcabouço histórico, na antiguidade eram isolados e trancafiados, tendo o seu direito de ir e vir violado, não tinham transportes públicos acessíveis, nem atendimento diferenciado, sem escolas, o que dificultava ainda mais a sua qualificação passando a se tornar um peso social. Tornar a escola brasileira uma formadora de cidadãos (inteiros) é meta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados em outubro de 1997 pelo MEC. Os Parâmetros sugerem que temas transversais como ética, convívio social, pluralidade cultural, meio ambiente, educação sexual e trabalho-consumo, sejam abordados em quaisquer disciplinas (WERNECK, 1999 p.160). Porém, ele diz que prefere ser um ―peso social‖ a passar a receber só benefícios como os ofertados pelo Instituto Nacional de Seguridade Social-INSS, como exemplo de aposentadoria por invalidez. Charlie faz estágio na STDS, onde trabalha com mães de filhos com deficiência, demonstrando com sua experiência de vida que um tetraplégico pode sim estar inserido no mercado de trabalho. Adora trabalhar com grupos, por isso foi chamado para trabalhar na STDS. A STDS é reguladora de órgãos como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social- Creas, onde ele também atua como estagiário, trabalhando com grupos que tem mães de filhos que sofreram violência e abuso sexual. Isso fora seu trabalho como palestrante e coaching. O tempo que ele pode se doar está dentro da STDS. Também é conselheiro do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Fortaleza-Comdefor8, e também faz parte de uma ONG chamada ideiasdobrasil.org. Constata que alguns empresários já percebem que o deficiente tem vocações e talentos, uma transformação cultural e histórica está surgindo e por conta da ―ética do trabalho‖ que vem atrelado à moral capitalista, competitiva, teve que buscar muito mais sua profissionalização. No capitalismo quem agrega valor consegue emprego: ―No mundo que a gente vive a titularidade tem peso‖, alerta Charlie. Charlie pediu a transferência do curso de Sociologia para o de Psicologia, percebeu que tinha que ter uma formação para agregar valor ao que fazia, e se valorizar cada vez mais. Para conseguir uma bolsa de trinta por cento, passou a fazer seu curso com excelência, procurando sempre tirar as melhores notas. Passou, também, a publicar artigos, e encontrou na forma de prestação de contas dos seus estudos, para o Chanceler da instituição, uma forma de retorno pelo merecimento da bolsa enfim conquistada. Como a bolsa de trinta por cento era pouco, resolveu pedir mais, foi então falar com a secretária do Chanceler, mas ela não poderia fazer isso, então descobriu a que horas ele chegava, onde estacionava o carro, todas as informações que poderia obter para entregar em mãos a sua prestação de contas. Falou da sua realidade, e que estava lá 8 Órgão de controle social vinculado à Secretária de Direitos Humanos de Fortaleza/ Coordenadoria de pessoas com Deficiência, que tem como principais finalidades propor diretrizes e prioridades e fiscalizar as políticas públicas dirigidas à pessoa com deficiência do Município de Fortaleza. Para isso articula-se com os diversos setores do governo, da sociedade civil e da iniciativa privada buscando debater, defender e legitimar as reinvindicações deste segmento da população. como prestador de contas, e agradeceu por ele estar propiciando o sonho de sua formação. Conseguiu mais vinte por cento de desconto com essa sua estratégia. Como seus gastos são muito altos, no primeiro semestre da faculdade passou a procurar estágio: ―A impossibilidade consiste em não tentar‖. Foi em busca de empresas que queriam estagiários, encontrou uma que precisava de um aluno no sexto semestre, porém não informou que era cadeirante, e confirmou que tinha lido o edital e estava dentro dos padrões. Quando chegou à empresa, se deparou com uma escada como única fonte de acesso ao piso em que ele queria chegar. O empresário pediu desculpas pela falta de acesso, por conta das barreiras físicas da empresa. O dono da empresa o informou que a vaga não poderia se preenchida por ele. Mas, ele disse que agora como ele já estava lá que o deixasse então se vender, pois era autodidata, lia muitos livros e que as barreiras físicas não eram empecilho. Informou que conseguiria a melhor professora de Psicologia para ser sua supervisora, se assim a vaga fosse dele. Saiu de lá com esperanças, então resolveu no mesmo dia mandar um email para, segundo ele, a ―melhor professora de Psicologia da Unifor‖. No dia seguinte, já tinha resposta: conseguiu que ela o supervisionasse afirmando que o estágio na empresa já era seu. Diz que nunca se vendeu como deficiente. Consegue emprego sendo cadeirante, e não se promovendo como ―pobre coitado‖, e sim de maneira agressiva, projetista. Quando fala sobre suas palestras, diz que elas não têm nada a ver com deficiência, não gosta nem de dar palestra para pessoas com deficiência, mas mesmo assim o faz no Hospital Sarah. Usa muito de sua experiência como exemplo. Oferece consultorias em empresas para inclusão, diz que ―dança conforme a música‖ vai para conquistar espaços e não para ―bater de frente‖. Gosta de trabalhar com setores que estão com relações complicadas com o outro, não é defensor de causas, trabalha nas pessoas o autoconhecimento, fazendo resgate da autoestima. Busca remodelar as pessoas para um trabalho mais leve. Diz que no mercado de trabalho tem que ser agressivo e, segundo ele, qualquer investimento feito nele tem contrapartida garantida. Quando resolveu publicar o livro conseguiu patrocínio integral pelo Chanceler da faculdade. O livro será todo impresso na mesma, e isto sem falar dos outros 05 patrocinadores que conseguiu: ―Se eu tivesse me barrado, não teria conseguido!‖. De acordo com Charlie, seu livro é comercial, ―não é pra ficar na estante, é uma leitura dinâmica e prazerosa‖. E pelo boca a boca, ele espera conseguir vendas, tem lições sérias de vida, mas com muita descontração. Se constrói e descontrói no livro. O livro tem previsão de lançamento para Novembro. Mais um obstáculo vencido. Quando o perguntavam quem é Charlie? Ele respondia: ―não importa quem é, importa quem vai ser‖. As pessoas esperam de um deficiente uma coisa e ele escreve outra: ―Não é um livro para o segmento‖, Charlie alerta. Ele não é militante, a intenção é boa, ele se justifica, se protege, mas confirma que não é para o segmento. Não fala em tragédia, ―sofrida é a vida do outro, a minha é só alegria‖. Tudo, diz ele, consegue de maneira fácil, pois, segundo ele, a pessoa é vista como se mostra, nunca se fez de‖ coitado‖, não pedia ajuda e sim oportunidade de trabalhar. Ele mostra que as coisas são possíveis, desde que creia e possa se vender. É a favor da liberdade de expressão. Leva as situações que poderiam ser constrangedoras na gozação, desmistifica os preconceitos, sabe que tem pessoas que sofrem muito com isso, e a própria pessoa pode ser seu pior adversário. Os nossos limites reais não estão na possibilidade ou impossibilidade que temos de andar, enxergar, ouvir ou pensar da forma como acreditamos que todos fazem. Os nossos limites estão na dificuldade que encontramos nas relações que travamos com o mundo. Por isso, os nossos limites reais estão na nossa alma. Não existe nada mais deficiente do que um espírito amputado. E para esse espirito não há prótese (RIBAS, 2011 p. 115). Quando Bete entrou na faculdade e conseguiu concluir o seu curso, fala que no dia da formatura a vitória não era só dela, mas da mãe também. Relata que no primeiro dia de aula da faculdade, se deparou com uma escada que era totalmente íngreme e até uma pessoa sem dificuldades de locomoção encontraria dificuldades para subi-la, e a diretora disse que não podia modificar, não podia transferir a sala de aula, pois não tinha nenhuma sala no térreo disponível. O núcleo da Universidade Vale do Acaraú (UVA) que se situa no bairro Henrique Jorge, que era o mesmo de sua residência, foi onde ela encontrou dificuldade de acesso e por isso teve que ser transferida para o núcleo do bairro João XXIII: ―era um perto longe, muitas vezes minha mãe ia me deixar a pé às 06h00minhs da noite e voltava só às 10h00minhs‖. Enfim, concluiu o curso. No primeiro emprego foi trabalhar na escola Nossa Senhora das Graças, que fica no bairro em que morava, Henrique Jorge. Em sala, teve uma experiência maravilhosa, e pôde ver o quanto às crianças são sem preconceito, e que se elas forem trabalhadas na educação infantil se tornarão adultos sem preconceito: ―as crianças quando me viam ficavam felizes por ter uma professora que usava cadeira de rodas‖. Pediam pra ajudar a apagar o quadro, para copiar as tarefas, ajudar a ir pra sala dos professores, ―elas não tinha nenhum estranhamento, no primeiro dia de aula sim, mas depois achavam a coisa mais natural do mundo‖. Ficou pouco tempo na quarta série, e deu algumas aulas para adolescentes na oitava série, ―ai elas já tinham toda uma curiosidade a respeito da minha pessoa, perguntavam se eu tinha namorado se não tinha‖. Quando as instituições de ensino conseguem traduzir o conceito de ética e de bem público em experiências cotidianas, têm mais chances de despertar noções de cidadania entre seus alunos. E, consequentemente, de reduzir episódios de violência. Reivindicar para cada escola no Brasil o direito de ser um bem público é fundamental, porque sem bens públicos uma sociedade não consegue se transformar. Escola bem público é escola inclusiva. Escola inclusiva é escola bem público. Assim... Acreditar em sociedade inclusiva é perceber a sociedade como bem público. Para o bem de todos né. (WERNECK, 1999 p.185). Estar consciente das diferenças é um exercício contínuo que deve ser feito por todos os cidadãos do mundo, entender que as suas necessidades não são iguais a do outro, e vice-versa, tem que se transformar em um novo hábito cultural para que o respeito frente às desigualdades possa prevalecer. O que deve existir é uma construção contínua feita desde a primeira infância para que aconteça a não exclusão, o aprender com todos, viver com todos, respeitar a todos, pois todos são detentores de direitos e deveres como igual. Tornar a escola brasileira uma formadora de cidadãos (inteiros) é meta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados em outubro de 1997 pelo MEC. Os Parâmetros sugerem que temas transversais como ética, convívio social, pluralidade cultural, meio ambiente, educação sexual e trabalho-consumo, sejam abordados em quaisquer disciplinas (WERNECK, 1999 p.160). Depois da experiência na escola, Bete foi trabalhar em uma entidade chamada CAMPE, porém na parte burocrática. Atendia mais as meninas com deficiência. Via-se nelas e percebia que elas viviam outra realidade, diferente da que ela viveu, as adolescentes que eram atendidas não tinham perspectiva, a mãe fragilizada, o pai é que cuidava, dava banho. Então, ela tinha a preocupação de orientá-las para que tivessem sua independência, ―queria que pelo menos sua intimidade fosse preservada pra que elas tomassem banho só‖. Pôde contribuir muito, pois diz que sua vivência como cadeirante é bem tranquila, aberta, boa: ―A das outras era muito fechada‖. Diz que foi uma experiência muito boa, porque ficou muito próximo de situações diferentes da dela. Na CAMPE conheceu Joãozinho, João Monteiro Vasconcelos, que é Coordenador do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão Social da STDS, que foi quem a convidou para trabalhar na mesma, pois estava fazendo um trabalho de inclusão na Secretaria. Ela relata seus sentimentos diante do convite: Foi uma mistura de medo, mas com vontade de arriscar, a gente tem que ir pra frente, ver coisas melhores e maiores também pra nossa vida profissional, crescer‖. Ao chegar à Secretaria se deparou com mais um desafio, ―isso aqui parecia um mundo, a minha mãe quase que não deixa, (risos), enfim foi um salto, outro momento de superação, deu tudo certo (BETE, 35 anos). Já por seis anos trabalha na STDS, tem como chefes Verônica Maciel, que é Assistente Social, e Evaldo Monteiro, que é Terapeuta Ocupacional: ―São pessoas tão acessíveis e tão maravilhosas que às vezes tenho que dizer, Ei! Não esqueça a minha cadeira! Foi à superação do próprio medo, foi como ir à escola pela primeira vez‖. Quando começou a trabalhar contratou uma pessoa para deixá-la e buscá-la na Secretaria, nos levando a pensar no que Goffman (1988, p.40) afirma: As pessoas que tem um estigma aceito fornecem um modelo de normalização que mostra até que ponto podem chegar os normais quando tratam uma pessoa estigmatizada como se ela fosse um igual. (A normalização deve ser diferenciada da ―normificação‖, ou seja, o esforço por parte de um indivíduo estigmatizado, em se apresentar como uma pessoa comum, ainda que não esconda necessariamente seu defeito). O trabalho de Bete tem como fundamento estar sempre em contato com Prefeitos dos Municípios do interior de Fortaleza. O trabalho é voltado para o segmento das pessoas com deficiência, ―hoje faço coisas que jamais imaginei que pudessem ser feitas por pessoas com deficiência, trabalho várias capacitações, em eventos, um olhar mais para o interior, para os Municípios‖. Elabora projetos, realiza capacitações e eventos para a sensibilização dos gestores e os técnicos do CRAS, para que possa se ter cada vez mais um melhor atendimento para as pessoas com deficiência. Existe um edital, aberto todos os anos, para pleitear recursos para o trabalho com o segmento de pessoas com deficiência e pessoas idosas. Trabalha com eles, analisa projetos, monitora, e se eles têm dificuldades, os coloca em capacitações. Quando Lino começou a estagiar na STDS percebeu que valeria a pena ―voltar para vida‖. Foi contratado em 2010. Diz que valeu a pena ter aberto mão de muitas coisas que antes ele achava importante, amigos, bares, viver o que a família queria que ele vivesse: Embora eu não aceite ainda o acidente, eu não teria conseguido o que consegui hoje se não tivesse acontecido o acidente. Refleti muito sobre isso, a minha paraplegia não deixa de ser o carro chefe que me impulsionou, embora nunca tenha aceitado, mas aprendi muito a viver com o que tenho (LINO, 38 anos). É coordenador na área de jovens estagiários, trabalhando com adolescentes em situação de vulnerabilidade social, ou com alguma deficiência. Todo esse processo é feito por uma seleção rigorosa feita por mim e pelo laboratório de inclusão, não incluímos por incluir, incluímos por superação, os melhores, os capazes, os que querem se superar, são inclusos, estagiam em unidades conveniadas, particulares e do Governo e a maioria é contratada depois do estágio. Lino, assim, parece concordar com as palavras de Ribas (2011, p. 16), buscando cultivar, apesar da não aceitação, uma postura colaborativa no que tange aos processos de inclusão: Especializamo-nos em todos os procedimentos que procuram garantir a Inclusão Social e passamos a querer ajudar o poder público e privado a nos ajudar a superar obstáculos (RIBAS, 2011 p.16). 2.4 No contexto do Lazer. Como Charlie passou a dizer sim a todos os convites que lhe eram feitos, não poderia mais dizer não aos amigos: resolveu que quando recebesse algum convite, iria. E assim aconteceu em relação a uma boate que estava sendo inaugurada. Ao chegar ao local, ele e seus quatro amigos perceberam que não poderiam ficar lá, pois o acesso ao piso da boate só poderia ser feito através de uma escada, então ele com muito bom humor questionou porque não poderiam ficar lá se ele não faria o menor esforço pra subir, muito pelo contrário, um amigo poderia segurar o braço esquerdo, o outro o direito e os demais com as pernas, e ele poderia ainda ficar só administrando a subida. Os amigos riram e o informaram que subir não seria problema, o problema estaria em descer quando todos estivessem já bêbados. Mas, como para Charlie só existem soluções, no final da festa daria um jeito, e em meio a risos disse: ―nunca ouvi falar que um tetraplégico pudesse ficar pentaplégico”. E assim ficaram lá, ―a barreira física não impede, quando se quer pode-se delegar, a questão é se impulsionar a fazer‖. Em outra vez que saiu para ir a um show de reggae com a namorada e um amigo, e resolveu que não iria mais entrar porque estava cansado, então todos de comum acordo venderam seus ingressos e resolveram gastar o dinheiro com bebida. Depois disso, quando já estavam indo embora, e passaram em frente a casa de show, tiveram a sorte de encontrar o produtor do show, que gentilmente o perguntou se ele queria entrar para assistir ao show, e ele falou que não poderia, pois estava acompanhado da namorada e do amigo, e o produtor disse que poderiam entrar os três, e ao entrar percebeu que não só iria assistir ao show de graça como também assistir de camarote, pois foi este o local que o produtor o encaminhou. Tinha rampa, espaço e o local era bem mais acessível para um cadeirante, ―nada é mais universal e plural do que a deficiência!‖, o que nos remete imediatamente à uma reflexão sobre a potência da expressão ―convívio social‖(WERNECK, 1999 p.205). Sobre seus sentimentos, Charlie nos diz: Já fui pessimista, já fui realista, otimista, e quando me tornei louco de fazer aquilo que ninguém acreditava, foi que as coisas passaram a acontecer, não me encaixar em padrões, foi quando passei a conquistar tudo. Está sempre bem humorado, é o contraponto do que se vai encontrar na realidade de muitos outros cadeirantes. ―Tem muita gente que encontra muita porta fechada, existe o preconceito, mas é a forma como você olha‖. Ainda sobre o tema, Ribas comenta: [...] Não acredito que, se preconceito existe, nós que temos deficiência jamais tenhamos colaborado em algum grau com a distorção da nossa imagem. Acredito que Inclusão Social se pratica na convivência entre as pessoas e que, portanto, a maneira como as pessoas me veem reflete também a imagem da maneira como eu quero que elas me vejam, ainda que este possa ser um processo inconsciente (RIBAS, 2011 p.9). Bete fala que seus familiares e conhecidos pedem que ela faça certas coisas porque sabem que ela pode ir além: Os lugares, graças a Deus, muita coisa mudou, restaurantes, cinemas, shoppings, pizzarias, já estão se enquadrando dentro do processo de acessibilidade. Já temos carro e não me aventuro a ir de ônibus. Porém, ainda pensa em fazer o teste de como deve ser a locomoção de ônibus dentro da nossa cidade. Sobre demais dificuldades, ela comenta: ―Os banheiros são sempre a impossibilidade, tem que estar se regrando pra não beber ou comer muito, o que deixa sempre muito a desejar‖. Explica que é muito difícil, quando tem confraternização de Natal, porque tem que procurar muito até encontrar pelo menos um lugar com banheiro adaptado. Informa também que os eventos que acontecem nos hotéis são muito difíceis, pelo fato de buscar encontrar banheiro acessível, ―eles acham que o banheiro que eles têm é adaptado, mas o banheiro é tão perigoso como se não fosse‖. Vai muito à praia. Nos lugares onde não encontra acesso não gosta de brigar, se não tem rampa ou se não tem banheiro: Minha luta é de outra forma, sem gritos, o constrangimento já está exposto, deixo isso para outras pessoas, os militantes, eu não sei fazer isso, mas procuro não andar nesses lugares pra evitar o constrangimento. Agora com o meu filho estou me divertindo bem mais, eu digo que as coisas são pro meu filho, mas na verdade são pra mim. Lino diz que seu lazer é trabalhar, ―eu me divirto trabalhando‖. Antes de ter conhecimento dos direitos que têm sobre acessibilidade, conta que chegava aos locais e se este não tivesse acesso voltava para casa, agora como sabe que pode, entra e negocia com o responsável pelo local por melhores condições de acesso: ―Todo meu lazer tá atribuído ao meu trabalho‖. Não briga pelo acesso e sim negocia: Eu sei que sou uma liderança de inclusão dentro do Estado do Ceará, então quando você passa a assumir a responsabilidade de incluir alguém, quando você faz inclusão você não tem que ser singular e sim plural, nada pra mim e sim pro outro, se eu chegar num lugar sem acesso eu vou subir nos braços de alguém, não tenho constrangimento com isso, mas vou entrar e vou procurar o gerente e negociar com ele que ele faça do local um local acessível, pra melhoria de todos, é muito por ai que você tem que tirar, mas tem gente que não encara dessa forma e o Lino já foi assim. A inclusão, de acordo com Werneck (1999), não pode ser parcial, ela deve englobar o todo, daí a necessidade de observação, inclusive, da dimensão do lazer no que concerne à acessibilidade. Pois, ainda com o autor, ―sempre que a palavra inclusão estiver acompanhada de um adjetivo, há o risco de que seu sentido esteja restringido‖ (p.212). 2.5 No contexto da Sexualidade. No decorrer dos tratamentos de Charlie, o mesmo foi para um Hospital em Salvador, e por ser sempre brincalhão, ―paquerador‖, todas as enfermeiras e terapeutas, acabavam se ―prendendo‖ por mais minutos do que o esperado em seu quarto. Comenta que elas gostavam das suas piadas e do seu ânimo de vida, e consequentemente acabavam o comparando com outros pacientes que estavam em condições iguais ou até melhor do que a dele e, mesmo assim, viviam reclamando da vida, sempre mal humorados e tristes. Atualmente, não tem namorada, mas sempre namorou, nunca teve problemas, e isso não mudou depois do acidente, só que agora por frequentar mais hospitais, devido às terapias e tratamentos que sempre tem que fazer, acaba por se relacionar com as pessoas desse meio, passando a namorar enfermeiras, terapeutas e as alunas do curso de Psicologia. A partir do momento em que ele se aceitava, as pessoas passavam a aceitálo, segundo suas próprias palavras. ―Você conquista o amor não é da noite para o dia, e sim gradativamente‖. O convívio diário é que acaba convencendo, ―namorar o que é belo e fútil acaba cansando‖, diz ele sobre as experiências afetivas. Estar do lado de quem lhe faz feliz ,de quem lhe respeita, perceber o outro, o bom trato, elogiar, se tornaram consequência do seu estilo de vida depois do acidente. Hoje ele faz mais por uma namorada, em nível de percepção, do que antes, se define como mais ―curioso‖. É muito direto quando quer algo. Para ele, o convívio é salutar, então vai se aproximando, ―pagando pra ver‖, ―algumas ficam, outras não‖: Conhecemos o outro estando com ele mais vezes, de forma mais intensa, procurando perceber aquilo que ele tem pelo ponto de referência que é dele, e só dele (RIBAS, 2011 p.8). Ele faz a parte dele, a do outro ele diz que deixa acontecer gradativamente. Tem consigo a construção moral de saber que tem que fazer sua parte sem esperar pelo outro, não julgando. Está sempre se adequando as situações. Sabe lidar com as diferenças do outro, não busca, ele afirma, modificar ninguém aos seus modos, quase que talvez concordando com Werneck (1999, p.206): ―As pessoas no mundo de hoje são imediatistas, mas não é assim, as coisas são conquistadas gradativamente [...] Colocarse no lugar do outro, eis a solução‖! No começo, para ele, o olhar do outro era de pena, pois era um olhar como ele se enxergava, por isso não acreditava que estava sendo paquerado. Hoje, no entanto, ele diz que vive direto ―dando indireta‖, que o olhar do outro não lhe pertence, então ele não pode dizer que é de pena ou de paquera, se esta olhando e for do seu interesse ele vai olhar de volta. O seu relacionamento é mais dado pelo convívio diário. Na faculdade teve uma namorada, e veio a terminar com ela porque o pai teve outro problema de saúde, quase chegando a óbito, então como sua semana era muito ocupada com seus trabalhos e sua dedicação a família, e teve que passar a trabalhar aos sábados também, resolveu terminar o namoro. Sua prioridade era o trabalho. Por ser muito focado na questão da produtividade, e ter prazos a cumprir, tinha que modificar sua vida. O seu livro é uma parte muito importante da sua vida, o livro fala sobre empreendedorismo, e ele diz que vai gerar polêmica, pois fala sobre sexo de uma maneira bem despudorada, ele fala que não é pentaplégico, e sim tetraplégico, fala sobre a questão fisiológica, mas também fala da sua sexualidade, mas sempre dentro do bom humor. Não tem frustações em relacionamentos, porque é muito fácil de levar, ―ninguém está com ninguém obrigado, se estar é por que quer, é uma escolha‖. Mas não esquece que todos tem o direito a sua individualidade e respeita isso. Fala da sua elevada autoestima, do seu amor próprio, diz que é muito racional, e que se algum relacionamento der errado não é de chorar, sua realidade de vida não é essa. Depois que as pessoas o conhecem, mudam a sua visão, ―o preconceito não é negativo, é cultural e histórico, todos tem algum tipo de preconceito‖. E completa: Por que pra ser feliz tem que ter um padrão? Tudo é relativo. Será que uma pessoa deficiente não pode agregar, não pode trazer conhecimento? A perfeição esta atrelada a bela forma física, mas tem gente que sofre de bulimia, de vários Transtornos Obsessivos Compulsivos-TOC, que não consegue dar um passo em prol de seus objetivos. Isso sim, para mim, é deficiência. Bete conheceu seu esposo no mesmo grupo de oração que participava, mas começaram a namorar só no período da faculdade, como já estava na faculdade, durante o período de namoro ele passou então a revezar as idas e vindas da faculdade com a mãe dela. Logo as pessoas, ―amigos‖, passaram a falar sobre as condições de Bete, tentando fazer com que ele terminasse o seu relacionamento com ela, por questões de preconceito. ―Ele teve uma luta muito grande com a sociedade, inclusive com a família‖. A mãe era uma pessoa muito acessível, mas depois que ela percebeu que o filho estava namorando uma cadeirante deixou de falar com ele, ela não aceitava, e com isso passaram-se sete anos, ela relata. Mas ele não se intimidou e nem a deixou se intimidar, casaram, tiveram um filho, que é uma criança muito saudável, e tem três anos. Comenta que, na semana da entrevista, o filho aprendeu o que é uma pessoa com deficiência. Na STDS existe uma cartilha que fala sobre as várias deficiências que existem, e ele perguntou o que cada pessoa era, e sua mãe foi explicar, essas pessoas tem uma pequena deficiência, então ele questionou: ―você é uma pessoa com deficiência?‖. E ela respondeu que sim. ―Ele é uma criança que já sabe trabalhar com a s minhas limitações, quando eu vou passar por algum lugar, por ver o pai dele a me ajudar com a cadeira, tenta ajudar também‖. Ela fala que ele já tem entendimento, tanto que chegou para sua avó e disse: ―vovó minha mãe é uma pessoa com deficiência, anda numa cadeira de rodas, mas faz tudo que eu quiser‖. É uma relação muito boa, que nos três temos, eles não tem nenhum problema, não me impõe nada, mas sabem até onde posso ir, não preciso estar todo tempo provando as coisas, porque eu sei que as pessoas que me conhecem sabem até onde posso ir (BETE, 35 anos). Diz que de vez em quando é bom levar uma sacudida, porque o medo às vezes atrapalha, mas daí a importância de ter pessoas que estão sempre a lhe incentivar do seu lado. Menciona que o marido diz: ―Se eu estou lhe pedindo é porque sei que você pode!‖. E complementa: Ele não é aquele cara que só porque você tem uma deficiência diz vou fazer tudo que você quer, eu tenho minhas obrigações como dono de casa, mas você também tem as suas. Ele respeita meus limites, mas mostrando os meus deveres. Lino, em sua entrevista, já relata que teve e tem problemas em seus relacionamentos amorosos, foi rejeitado pela família da namorada atual pelo fato de ser cadeirante. Eles pareciam ver nesse equipamento um problema e não um item com significados positivos, como assinala Ribas: Os equipamentos usados pelas pessoas com deficiência têm vários significados positivos. São a extensão do próprio corpo, a mediação com o mundo, o recurso que leva ao contato com outras pessoas, o meio possibilita a convivência e a interação. As cadeiras de rodas nos levam para estudar, para trabalhar, para namorar, nos conduzem para o teatro e para o cinema (2011, p. 73). Diz que antes, quando conhecia uma menina e ainda não tinha a experiência de vida como sendo cadeirante e a estabilidade financeira que tem hoje, se deprimia, e concluía que tudo que ele não conseguia era por causa da sua deficiência. E hoje, ainda sofre a não aceitação, só que com uma diferença, já consegue ―bater de frente‖ com as pessoas, mostrando que não é só uma pessoa que utiliza cadeira de rodas para se locomover, e sim um ser humano que possui qualidades e defeitos como qualquer outro que não precise de cadeira de rodas para se locomover. Ele demonstra isso não pedindo ou se humilhando, mas apenas mostrando quem ele é: Te confesso que 14 anos depois com vários relacionamentos que eu tive, eu ainda sofro, a não aceitação. Características não se mudam é de cada um, cada um tem a sua, mas as atitudes podem e devem ser melhoradas e mudadas se possível. Fala que suas características são as mesmas, tanto antes quanto depois de ser cadeirante, ―mas algumas eu mudei e tenho que mudar muito mais, mesmo com a minha deficiência eu não deixei de ser um ser humano, sou a mesma pessoa, só que agora com dificuldade de acesso, peco da mesma forma, erro, talvez até mais, mas meus erros são todos passíveis de conserto. Então eu vivo, porque vida boa é a vida vivida, mesmo com todos os problemas de família, de acesso, de obstáculos, de preconceitos, eu procuro viver a minha vida da melhor forma possível. 2.6 No contexto da Mobilidade Urbana Charlie diz não ter problemas com a sua mobilidade, pois tem um cuidador que o acompanha constantemente. Exemplo disso foi a situação em que conseguiu seu primeiro estágio e se deparou com a escada, episódio já relatado no qual o empresário pediu desculpas pela falta de acesso por conta das barreiras físicas da empresa, e ele brincalhão disse: ―você tem que pedir desculpas ao Edson, meu cuidador, pois ele sim deve estar morto de cansado por ter me carregado nos braços!‖. Na diplomacia é que ele pede as melhorias como, por exemplo, nos banheiros, quando ele vai a bares, tentando convencer o dono do estabelecimento que a melhoria não será só para ele, mas também para idosos ou para quem em determinado momento venha precisar, é ―pra ter um ambiente bem quisto‖. Aprender sobre deficiências e doenças crônicas é aprender sobre nós mesmos. É conhecer-nos melhor. Esse tipo de informação faz parte da construção da cidadania (WERNECK, 1999, p.155). Ele se adequa, não briga, não grita, ―exemplos valem mais do que mil palavras‖, afirma. As pessoas fazem melhor, estando conscientes, não por imposição, segundo Charlie. Diz, ainda, que é preciso sair para conseguir modificar algo, senão para que a modificação se não há quem usufrua dela? Na sociedade inclusiva as ações, mesmo corretas, são um parâmetro insuficiente de análise. Vale, principalmente, a intenção. Uma única ação pode ter as mais contraditórias intenções (WERNECK, 1999 p.191). Frente a situações adversas, Charlie parece levar tudo com bom humor. As pessoas é que ficam constrangidas por ele, e não ele por si. Essa questão politicamente correta de nomenclaturas, não faz parte da luta dele, não há identidade por terminologias, o pejorativo, segundo ele, está mais na intenção que na fala em si, prefere ser chamado de ―aleijado‖ pelos amigos, porque sabe que estão tirando sarro da sua cara, que encontrar pessoas que usam as nomenclaturas certas, mas com a intenção de se fazerem superiores. O uso ou não-uso do vocábulo portador parece um detalhe bobo, insignificante, um exagero de retórica. Principal é a mudança de mentalidade, dirão muitas pessoas. Sim, mas um processo está acoplado a outro. Erro nosso é apartá-los (WERNECK, 1999 p.67). Conta que determinada vez, ao ir prestar um concurso público, ainda quando não tinha conhecimento dos seus direitos, teve que ir ao banheiro e se percebeu tendo que ser levado por uma terapeuta que estava lá para atender quem preciso fosse, por uma pessoa com a qual não tinha nenhuma intimidade, e teve que colocar sua vergonha de lado, pois não sabia que era um direito seu ser levado pelo seu cuidador. Diante disso, dos tratamentos desiguais, que acarretam vergonha, podemos pensar sobre a afirmação seguinte: ―As pessoas sem deficiência são, na maioria das vezes, o maior problema das pessoas com deficiência‖ (WERNECK, 1999 p.149). Bete não usa ônibus, mas sabe que muitos ônibus hoje em dia são acessíveis. Suas indagações, então, dizem respeito a como chegar ao ponto de ônibus se as calçadas, em sua maioria, são inacessíveis. A falta de educação, de compreensão, no trânsito tão é uma de suas principais preocupações. Ela relata que certa vez, ao chegar a um mercantil, sua cadeira de rodas bateu – sem querer – em um carro e a pessoa que estava no carro disse: ―Não sei como uma pessoa dessas vem pra um mercantil!‖. ―E isto aconteceu há pouco tempo‖, afirma ela com um semblante de incredulidade. Ainda existem pessoas com este tipo de pensamento preconceituoso. Diante disso, Bete acha que deveria ter educação de trânsito para falar sobre as pessoas com deficiência nos cursos estão de habilitação, uma vez que pessoas com deficiência também estão nas ruas e devem ter seus direitos garantidos. Sobre o tema, Werneck (1999, p. 56) assinala: ―A falta de informação, quando assumida, é um instrumento eficaz para fazer a democracia funcionar‖. Há algum tempo atrás, Bete foi no centro: ―fui fazer uma aventura no centro!‖. Durante tal ―aventura‖ pôde perceber que as praças têm calçadas rebaixadas, mas os carros ainda param em frente, impossibilitando o acesso. E que já existem elevadores em determinadas lojas, segundo ela: ―Há um tempo seria impossível ir ao centro, hoje não, as pessoas já abrem espaços pra dar passagem. Melhorou muita coisa, mas lógico, muita coisa ainda precisa ser feita‖. Confirma que muita coisa pode melhorar, mas que não devemos esquecer o que já foi feito: ―Se hoje a gente tem condição de sair de casa é porque já melhorou‖. Para Bete, as calçadas são as principais dificuldades, algo que a motiva a fazer protestos. Contudo, afirma ela, sua forma de protestar tenta ser diferente da dos outros: ela julga ser necessário dar forma a um processo de sensibilização, algo coletivo, que não atinja os sujeitos de forma pontual: ―Aqui a gente não se intimida diante de um carro em frente uma rampa, diante de um lugar sem acessibilidade, mas a nossa luta é na sensibilização de quem está na ponta, do técnico do Cras, dos gestores, dos Prefeitos‖. Lino, quando descreve a acessibilidade na cidade, diz que a mesma está longe do que deveria ser se comparada a Minas Gerais e Curitiba, por exemplo, mas também faz uma constatação interessante: ―Não podemos fechar os olhos pro que já foi feito, já tá mudando‖. Esperava, segundo ele, que o evento da Copa do Mundo acarretasse maiores transformações, fosse estímulo para melhorias relacionadas às condições de acesso para quem tem acessibilidade dificultada: Nós teríamos muito a ganhar, nós íamos recuperar o que deixamos de ter já há 50 anos. Mas, infelizmente por essa péssima gestão vamos ter uma copa do mundo de pente, vamos pentear aqui o que é mais visado e fazer um acesso meia boca, e estamos conversados, o que não deixa de ser um grão, não resta dúvida que o nosso acesso foi melhorado, mas tá longe de chegar ao equilíbrio. Suas opiniões, assim como as de Bete, fazem coro com as colocações de Ribas (2011, p.64): [...] A maioria das cidades brasileiras não está mesmo preparada para a circulação de cadeirantes. Mas eu costumo dizer a eles (embora não gostem muito de ouvir) que, por mais que se procure derrubar os obstáculos que dificultam os nossos acessos, o mundo não é plano. Portanto, cabe também a nós--- e não apenas aos outros---encontrar a forma mais adequada, a mais criativa, de vivermos e desfrutarmos daquilo que a vida tem de melhor. Fala que a Avenida Beira Mar é o nosso maior ponto turístico e que, no entanto, ―é vergonhoso‖ em termos de acessibilidade. De acordo com Lino, não há naquele lugar a possibilidade de usar um banheiro adaptado. Também menciona a precariedade das rampas de acesso no decorrer do calçadão. Com aproximadamente três quilômetros de orla, estendendo-se da Praia de Iracema ao mercado dos peixes no Mucuripe, a Avenida, segundo ele, só possui, no máximo, o número de oito a dez rampas: ―Do Subway até a estátua de Iracema não tem nenhuma rampa, inclusive filmei e vou fazer uma nota de repúdio, são coisas simples de se fazer‖. O novo Centro de Convenções, também, é foco de suas observações: ―É uma coisa monstruosa, mas o acesso é muito limitado, então temos que ver a quem vamos entregar a liderança, a quem vamos entregar os nossos projetos‖, assim revela, igualmente, preocupações políticas. Menciona também o medo que as pessoas não deficientes têm em não saber como lidar com pessoas com deficiência, parecendo concordar com a seguinte afirmação contundente: ―O preconceito é filho bastardo e degenerado da desinformação‖ (RIBAS, 2011 p.22). Nas palavras de Lino: Temos que ter pessoas sensíveis ou que tenha algum tipo de deficiência pra dizer, não é por aqui, porque a questão da barreira, do preconceito tá muito ligada à questão da ignorância, do medo de não saber lidar. Devem-se dar oportunidades a todos, pois são seres humanos, que falam, comem, estudam, são seres humanos independente de qualquer outra coisa, então quando você os vê como seres humanos você não vê cadeira de rodas, não limita por não enxergar, por não ouvir ou por algum problema cognitivo. Lino, ainda, questiona a sensibilidade das pessoas quando coloca que um marginal pode ser mais sensível às suas limitações que uma pessoa que não vive a margem da lei: Uma sociedade bruta que por incrível que pareça marginalizada, se eu me bater com um vagabundo ele vai me respeitar muito mais pela minha condição do que se eu andasse, então por mais ideias ruins que ele tenha, ele consegue me ver de forma diferente, é muito mais sensível do que um ser humano normal. Suas colocações permitem, talvez, pensar sobre as palavras de Goffman (1988, p. 1617) no que concerne a ser normal: A noção de ―ser humano normal‖ pode ter sua origem na abordagem médica da humanidade, ou nas tendências das organizações burocráticas em grande escala, como a Nação- Estado, de tratar todos os seus membros como iguais em alguns aspectos. Quaisquer que sejam suas origens, ela parece fornecer a representação básica por meio da qual os leigos usualmente se concebem. Diz que sofre preconceitos diários até mesmo por pessoas com deficiência, por ter uma condição de vida melhor, ter um carro adaptado, trabalhar: ―tudo isso é preconceito‖. É fácil verificar que duas pessoas com deficiência, que vivem em ambientes socioeconômicos e culturais diferentes, têm por oportunidades desiguais de acordo com a maneira como cada sociedade pratica--- ou não pratica--- a Inclusão Social (RIBAS, 2011 p. 64). Com relação às empresas, diz que estas é que devem ter uma consciência maior, ―não é o deficiente que tem que se adequar a empresa, e sim a empresa a ele‖. Diz que a lei de cotas não está sendo cumprida na grande maioria das empresas pela falta de qualificação dos deficientes que a procuram, ―mas como ele vai ter qualificação se não teve oportunidade de ir à escola?‖, indaga. Segundo ele, as empresas têm que contratar os deficientes mesmo não tendo ainda a qualificação devida, para que novas portas possam se abrir e, assim, o deficiente possa se qualificar no decorrer do seu trabalho, dando a eles a oportunidade de praticar. Diante do exposto, pudemos perceber todas as dificuldades como a aceitação social, barreiras estruturais, preconceitos são obstáculos, experimentados por esses três sujeitos em distintas dimensões de suas vidas. Tais dificuldades, acentuadas por processos de estigmatização que podem, inclusive, vir minar a capacidade de resistência dos sujeitos, colocam a temática em um plano de necessária reflexão. Apesar de trabalhar com a história, ou o depoimento de vida, de apenas três sujeitos, acredito que estas narrativas particulares oferecem elementos para se pensar uma realidade maior, mais abrangente. A compreensão do cotidiano dos sujeitos aqui interlocutores, assim, torna-se terreno de onde surgem questões mais gerais, que podem talvez contribuir para um entendimento mais ―encarnado‖, ―situado‖, ―informado‖, naquilo que diz respeito ao segmento das pessoas com deficiência, especialmente cadeirantes. CAPÍTULO III – Lidando com as diferenças As políticas públicas, por serem ações realizadas pelo Governo com o intuito de atender melhor determinados setores que precisam de uma maior intervenção, nascem a partir de uma demanda específica. No caso em questão, os cadeirantes conformam um segmento que reivindica a garantia de direitos junto ao poder público, às organizações não governamentais e também à iniciativa privada. A modificação dos espaços públicos, por um ensino de qualidade, por oportunidades de emprego aos de acessibilidade dificultada, enfim, a observação dos princípios democráticos, são suas principais causas de luta. Acredito que a união, o esforço e a luta desta parcela da população contribuem de forma direta para a criação de políticas e projetos que contemplem os cadeirantes. Por isso, o meu interesse em pontuar algumas políticas públicas, pois os atores sociais com os quais mantive contato sempre destacaram a importância dos esforços críticos, sendo eles próprios agentes contribuintes da formulação, execução e melhoria de tais políticas, seja a partir do trabalho com gestores dos Municípios de Fortaleza, do primeiro emprego de adolescentes em situação de vulnerabilidade ou, mesmo, a partir das relações estabelecidas com os pais de crianças e adolescentes deficientes ou que sofrem algum tipo de violência. Portanto, eles não buscam só o seu bem estar, são engajados, contribuindo para um debate que deve envolver toda a sociedade. 3.1 Políticas Públicas. As Políticas Públicas têm como espaço as áreas distributivas, redistributivas, regulatórias, constitutivas e da saúde. Tendo como fases: a formação de uma agenda, a formulação, a implementação, o monitoramento e a avaliação. Políticas Públicas são ações feitas pelo Estado em âmbito Estadual, Federal e Municipal, com o propósito de atender determinado setor da sociedade, elas podem ser desenvolvidas em parceria com organizações não governamentais e também com a iniciativa privada. As Políticas Públicas podem ser compreendidas como um sistema (conjunto de elementos que se interligam, com vistas ao cumprimento de um fim: o bem-comum da população a quem se destinam), ou mesmo como um processo, pois tem ritos e passos, encadeados, objetivando uma finalidade. Estes, normalmente, estão associados a passos importantes como concepção, negociação de interlocutores úteis ao desenvolvimento (técnicos, patrocinadores, associações da sociedade civil e demais parceiros institucionais), pesquisa de soluções aplicáveis, desenvolvimento de uma agenda de consultas públicas (que é uma fase importante do processo de legitimação do programa no espaço público democrático), eleição de opções razoáveis e aptas para atingir a finalidade, orçamentação e busca de meios ou parceiros para o suporte dos programas, oportunidade em que se fixam os objetivos e as metas de avaliação. Finalmente, a implementação direta e/ou associada, durante o prazo estimado e combinado com os gestores e financiadores, o monitoramento (acompanhamento e reajustamento de linhas - refinamento) e a sua avaliação final, com dados objetivamente mensuráveis. Em Fortaleza existem órgãos que atuam como coordenadores e monitores dessas políticas. tais como: - Coordenadoria de Pessoas com Deficiência (COPEDEF) A Coordenadoria de Pessoas com Deficiência (Copedef), da Secretária de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), coordena e monitora a Política Municipal de Atenção às Pessoas com Deficiência (Padef), que está sendo consolidada de forma transversal através dos diversos órgãos municipais. Em Fevereiro de 2011 foi criado o Conselho Municipal dos direitos da Pessoa com Deficiência de Fortaleza (Comdef Fortaleza), órgão representativo, paritário, normativo, de caráter permanente, propositivo, consultivo, deliberativo e fiscalizador das políticas públicas municipais de interesse das pessoas com deficiência. Esta é a primeira vez que uma gestão municipal de Fortaleza entende a necessidade de criar e implementar políticas públicas planejadas e articuladas, garantindo os direitos da população das pessoas com deficiência. - Conselho Municipal dos direitos da Pessoa com Deficiência de Fortaleza (Comdefor). Órgão de controle social vinculado à Secretária de Direitos Humanos de Fortaleza/ Coordenadoria de Pessoas com Deficiência, que tem como principais finalidades propor diretrizes e prioridades e fiscalizar as políticas públicas dirigidas à pessoa com deficiência do Município de Fortaleza. Para isso, articula-se com os diversos setores do Governo, da sociedade civil e da iniciativa privada buscando debater, defender e legitimar as reivindicações deste segmento da população. A importância de se terem órgãos com essa finalidade é a garantia dos direitos desses cidadãos e, consequentemente, a melhora na vida dessas pessoas que encontram tantas dificuldades de acesso à educação, ao trabalho, ao lazer. Pessoas que sofrem o preconceito, frequentemente, por parte da sociedade, que muitas vezes não é sensível à situação dos deficientes por não ter conhecimento das dificuldades e dos direitos que tais pessoas têm, ou até mesmo por serem incapazes de se enxergar em um mundo tão plural como o que vivemos. Temos que desmistificar a ideia de que uma pessoa com deficiência não é capaz de estudar ou de trabalhar ou de ter uma vida normal, como a de outra qualquer que não tenha determinadas necessidades especiais. Basta que lhe deem instrumentos necessários para que isto aconteça, como, por exemplo, rampas, elevadores de fácil acesso, profissionais capazes para garantir que a educação escolar seja transmitida da melhor forma para os que precisam. Lugares públicos que entendam que um banheiro acessível para cadeirantes é também um banheiro acessível para um idoso, e que se preocupando com este público ele não terá apenas uma melhoria na sua vida profissional, mas também estará fazendo o seu papel de cidadão garantindo um direito à determinada parcela da população. Como nos ensina Werneck (1999, p.88): ―A conscientização trabalha para a integração. É, de certo modo, passiva. A ação trabalha para a inclusão. É ativa.‖ Entendemos como acessibilidade a possibilidade e condição de alcance da Pessoa Portadora de Deficiência (PPD) para a utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos e esportivos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação. ―Considera-se barreira, qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança de pessoa portadora de deficiência‖. (Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Decreto Lei N. º 3.298, Regulamentada a Lei N. º 7.853, de Dezembro de 1989, Dispõe sobre a Política Consolida as Normas de Proteção e dá outras Providências). É de fundamental importância que estas políticas sejam cada vez mais divulgadas para que, cada vez mais, uma maior parcela da população esteja consciente dos seus direitos e também de seus deveres como cidadão. Artigo 2. - Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico. - Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência (Corde) Em 2009, a Corde foi elevada a Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD), sendo esta uma subsecretaria dos direitos humanos da Presidência da República que, por sua vez, é responsável pela articulação e coordenação das políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência. A Corde, portanto, tem a atribuição de coordenar e supervisionar o Programa Nacional de Acessibilidade e o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O objetivo é estimular todos os setores, públicos e privados, para que as políticas e programas contemplem a promoção, a proteção e a defesa dos direitos da pessoa com deficiência. Os direitos da Pessoa com Deficiência são inúmeros, alguns são citados a seguir: - Dignidade, direitos iguais e inalienáveis. Como fundamento da liberdade, justiça e paz no mundo. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos toda pessoa faz jus a todos os direitos e liberdades ali estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie. Com relação a esses direitos, podemos relembrar o fato que aconteceu com Bete que ao sair para ir a um mercantil, colidiu sem querer em um carro, cuja pessoa que estava dentro veio a lhe ofender dizendo que não sabia como uma pessoa ―dessas‖ poderia sair sozinha. Percebemos então, o desrespeito aos direitos humanos, à dignidade e liberdade dos cadeirantes. E vemos que as barreiras com as quais os cadeirantes se deparam não são só apenas estruturais, mas também sociais. - Universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Reconhecendo também que a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano. E então vamos a outro ponto, o da efetiva participação dessas pessoas na sociedade em busca de igualdade de oportunidades, que é feito tanto por Charlie, Bete e Lino que tem trabalhos na STDS, pois compartilham de suas lutas com outras pessoas com deficiência colaborando, assim, para uma maior integração dessa parcela da população, buscando a realização de seus direitos, sensibilizando não só gestores e técnicos, mas também atuando junto às famílias para um convívio mais salutar. Isso tudo sem esquecer os ambientes que estas pessoas podem vir a trabalhar, o que está sendo gradativamente modificado, buscando uma interligação de todos os funcionários para que os mesmos sejam mais sensíveis e esclarecidos sobre as particularidades do outro. Se nenhuma cultura é melhor do que a outra, e nenhum cidadão é superior ao outro, o desafio para o terceiro milênio é fazer com que a diversidade humana passe a agregar. Em vez de expulsar, como frequentemente tem feito (WERNECK, 1999 p.209). Podemos perceber que os direitos da pessoa com deficiência são, a meu ver, direito de todos, não há nenhuma especificidade por sua condição, o que ficou claro é o respeito que temos que ter com todos, os limites que devemos respeitar de todos, que cada um tem um instrumento de trabalho diferente, assim como todos, que todos merecem ter sua dignidade preservada, todos precisam de todos para viver em sociedade, todos tem suas particularidades e diferenças que não devem ser excluídas e sim incluídas, pois fazem parte da compreensão da realidade da nossa sociedade, não só de nosso Estado, mas do todos do Mundo. Sociedade inclusiva é o todos que será sempre tudo, embora inúmeras pessoas se utilizem do conceito de inclusão como apenas mais um sinônimo de integração. Inserção. É o seu coringa! Vejo que esta é a palavra genérica, quando não queremos nos comprometer nem com o conceito de inclusão nem com o de integração (WERNECK, 1999 p.217). A seguir, mais direitos e disposições jurídicas sobre o tema: - A Lei Nº 7.853, de 24 de Outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde) institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências. -Decreto nº 3.298, de 20/12/1999. Art. 14. Incumbe ao Ministério da Justiça, por intermédio da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, a coordenação superior, na Administração Pública Federal, dos assuntos, das atividades e das medidas que se refiram às pessoas portadoras de deficiência. § 1o No âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, compete à Corde: I - exercer a coordenação superior dos assuntos, das ações governamentais e das medidas referentes à pessoa portadora de deficiência; II - elaborar os planos, programas e projetos da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, bem como propor as providências necessárias à sua completa implantação e ao seu adequado desenvolvimento, inclusive as pertinentes a recursos financeiros e as de caráter legislativo; III - acompanhar e orientar a execução pela Administração Pública Federal dos planos, programas e projetos mencionados no inciso anterior; IV - manifestar-se sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, dos projetos federais a ela conexos, antes da liberação dos recursos respectivos; V - manter com os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e o Ministério Público, estreito relacionamento, objetivando a concorrência de ações destinadas à integração das pessoas portadoras de deficiência; VI - provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil de que trata a Lei no 7.853, de 24 de Outubro de 1989, e indicando-lhe os elementos de convicção; VII - emitir opinião sobre os acordos, contratos ou convênios firmados pelos demais órgãos da Administração Pública Federal, no âmbito da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência; VIII - promover e incentivar a divulgação e o debate das questões concernentes à pessoa portadora de deficiência, visando à conscientização da sociedade. § 2o Na elaboração dos planos e programas a seu cargo, a Corde deverá: I - recolher, sempre que possível, a opinião das pessoas e entidades interessadas; e II - considerar a necessidade de ser oferecido efetivo apoio às entidades privadas voltadas à integração social da pessoa portadora de deficiência. Art. 57. Fica criada, no âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, comissão especial, com a finalidade de apresentar, no prazo de cento e oitenta dias, a contar de sua constituição, propostas destinadas a: I - implementar programa de formação profissional mediante a concessão de bolsas de qualificação para a pessoa portadora de deficiência, com vistas a estimular a aplicação do disposto no art. 36; e II - propor medidas adicionais de estímulo à adoção de trabalho em tempo parcial ou em regime especial para a pessoa portadora de deficiência. Parágrafo único. A comissão especial de que trata o caput deste artigo será composta por um representante de cada órgão e entidade a seguir indicados: I - Corde; II - Conade; III - Ministério do Trabalho e Emprego; IV - Secretaria de Estado de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social; V - Ministério da Educação; VI - Ministério dos Transportes; VII - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; e VIII - INSS. As leis que regulamentam os direitos das pessoas com deficiência são de responsabilidade da Corde. - Art. 38. O art. 10 da Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 10. A coordenação superior dos assuntos, ações governamentais e medidas, referentes a pessoas portadoras de deficiência, incumbirá à Coordenadoria Nacional para a Pessoa Portadora de Deficiência-Corde, órgão autônomo do Ministério da Ação Social, ao qual serão destinados recursos orçamentários específicos. Parágrafo único. Ao órgão a que se refere este artigo caberá formular a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, seus planos, programas e projetos e cumprir as instruções superiores que lhes digam respeito, com a cooperação dos demais órgãos públicos. - Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) é um órgão superior de deliberação colegiado criado para acompanhar e avaliar o desenvolvimento da política nacional para inclusão da pessoa com deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer e política urbana dirigida a esse grupo social9. 3.2 Projetos de Acessibilidade. Aqui poderemos ver algumas informações sobre como os projetos são realizados nas instituições responsáveis pela garantia e cumprimento das normas de acessibilidade. - Sistema de Informação sobre Políticas, Direitos e Ações na Área da Pessoa com Deficiência do Município de Fortaleza e do Estado do Ceará (SICORDE-CE). Desenvolve e disponibiliza uma base de dados informativos, através de um sistema integrado de informação na área da deficiência, contribuindo para a socialização e democratização das informações. - Saúde da pessoa com deficiência. Realização de diagnóstico socioeconômico e da saúde da pessoa com deficiência do Município de Fortaleza, pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (SESA), em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza/ Coordenadoria de Pessoas com Deficiência (Copedef). - Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza S/A (Etufor). Em 2011, as pessoas com deficiência comemoraram os três anos de gratuidade nos transportes coletivos de Fortaleza, após quase 20 anos de luta. 9 Onde você pode encontrar as legislações, normas, portarias que falam a respeito das pessoas com deficiência, site: http://ideiasdobrasil.org.br. Onde um dos integrantes da minha pesquisa, Charlie, vem a fazer parte. Frota com 735 ônibus adaptados com elevador, sendo esse um número crescente, visando o cumprimento dos prazos estabelecidos no Decreto Federal nº5.296 que fixa para 2014 o prazo de adaptação de toda a frota. Adaptação de 90 vans seguindo os mesmos critérios e prazos do Decreto Federal 5.296. 40 táxis acessíveis/ inclusivos, adaptados com elevador, com tarifa igual a do táxi comum. Pontos de paradas acessíveis já entrando em fase de instalação (Programa Municipal de Acessibilidade). Acessibilidade nos corredores do Transfor. Acessibilidade na Praça Coração de Jesus e da Estação (faltando o ordenamento do comércio nos locais para evitar obstáculos para as rampas e o piso podotátil). - Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania de Fortaleza (AMC). Serviço de cadastramento de pessoas com deficiência e idosas para estacionamento nas vagas reservadas. Fiscalização da ocupação correta das vagas de estacionamento destinadas a veículos conduzidos ou que conduzem pessoas com deficiência e idosas. - Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Campanhas sistemáticas de vacinação para prevenção de doenças que causam deficiência. Programa de dispensação de órteses e próteses em processo de atualização da demanda. Dispensação de insumos para lesionados medulares. Farmácias populares nos terminais. Levantamento das condições de acessibilidade nas unidades básicas e nos postos de saúde, com vistas à adequação através das reformas e melhoria do atendimento. - Secretaria de Esporte e Lazer de Fortaleza (Secel). Incentivo ao paradesporto e inclusão das pessoas com deficiência nas atividades esportivas da Secel. Estimular os deficientes a disputarem competições desportivas em modalidades paraolímpicas; Associar a prática esportiva a recursos de reabilitação física, promovendo a inclusão e a integração da pessoa com deficiência. - Decreto Legislativo Nº186. Devemos reconhecer a importância da acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Compreender que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Não podemos evitar que pessoas com impedimentos de longo prazo de qualquer natureza sejam chamadas de deficientes, mas podemos evitar que a sua falta de interação com a sociedade se deem por conta das barreiras físicas/ estruturais ou sociais os impedindo de fazerem parte da sociedade contribuindo com o que são capazes. A diversidade humana e a desigualdade social influenciam-se o tempo todo. Se a miséria potencializa as dificuldades das famílias que têm filhos com deficiência (pela ausência de atendimento médico, terapêutico e educacional de boa qualidade e gratuito em suas comunidades), a deficiência revela a pobreza na sua capacidade de destruir o ser humano como, talvez, nenhuma outra situação seja capaz de fazer (WERNECK, 1999 p.43). Temos que perceber que não devemos só tornar os lugares acessíveis para as pessoas com acessibilidade dificultada e sim tornar as pessoas acessíveis, fazendo-as conviver de forma harmônica com os que o são diferentes. Não permitindo os julgamentos a partir, de conceitos infundados, não permitindo a intolerância, portanto sem discriminar o outro. Ainda segundo a lei Nº186 podemos compreender que ―discriminação por motivo de deficiência significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro‖. Como podemos perceber através dos relatos de Bete e Lino quando falam de seus relacionamentos amorosos, a primeira que tem uma sogra que por muito tempo a discriminou por não querer que seu filho se relacionasse com uma cadeirante e o segundo que ainda nos dias atuais sofre a discriminação por parte das famílias das namoradas que já teve, inclusive da família da namorada atual. Para a concretização da acessibilidade com esta lei Nº186 deve-se ser implantado o desenho universal que significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico. O "desenho universal" não excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias. Trazendo uma padronização, mas com qualidade, sem esquecer das particularidades das pessoas. Deve-se também realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações com desenho universal, conforme definidos no Artigo 2 da presente Convenção, que exijam o mínimo possível de adaptação e cujo custo seja o mínimo possível, destinados a atender às necessidades específicas de pessoas com deficiência, a promover sua disponibilidade e seu uso e a promover o desenho universal quando da elaboração de normas e diretrizes. Sem esquecer-se de realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, adequados a pessoas com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível. Promover a capacitação em relação aos direitos reconhecidos pela presente Convenção dos profissionais e equipes que trabalham com pessoas com deficiência, de forma a melhorar a prestação de assistência e serviços garantidos por esses direitos. Como podemos perceber no caso de Bete com relação ao seu trabalho que já foi comentado anteriormente. Ela trabalha junto a uma equipe multidisciplinar, promovendo essas capacitações com os gestores e técnicos dos Municípios do Ceará, para obter uma melhor qualidade de vida para as pessoas com deficiência. Nas palavras de Bete: ―Hoje faço coisas que jamais imaginei que pudesse ser feito por pessoas com deficiência, trabalho várias capacitações, em eventos, um olhar mais para o interior, para os municípios‖. 3.3 A importância da Inclusão. Ao participar do grupo de Inclusão e Acessibilidade da STDS pude perceber que existiam vários integrantes com vários tipos de AD, seja ela visual, cognitiva, física ou auditiva e percebi que todos trabalham dentro de suas limitações sem maiores dificuldades. Durante minhas visitas pude perceber que a Psicóloga, que é AD visual, não precisa enxergar com os olhos, pois os nossos outros sentidos também são capazes de enxergar, para perceber as necessidades reais das pessoas a quem ela atende, possivelmente seus demais sentidos estejam mais aguçados e facilitem ainda mais o seu trabalho de percepção. É baseada na singularidade e no reconhecimento das qualidades individuais e nos tipos de inteligência que se dará a construção de um mundo inclusivo. ................................................................................................................. Aprender a atuar dentro do conceito de sociedade inclusiva sem tropeçar nos limites de rotas estereotipadamente humanizantes ou desumanizantes, pois ambas abstraem, das pessoas com deficiência sua singularidade. (WERNECK, 1999 p.84). Pude também perceber que dois AD cognitivos que trabalham na parte de secretariado, não deixavam, por exemplo, que o telefone tocasse mais de três vezes para atendê-lo com toda educação e prestatividade. Sem contar que determinada vez quando uma estagiária normal precisou ligar para um dos números de outro setor e simplesmente não lembrava o número, perguntou ao AD cognitivo e ele prontamente disse todos os números, incluindo ramais que ela precisava saber, ou seja, para mim está muito claro que incluir as pessoas com deficiência deveria ser natural, pois todos têm qualidades, todos precisam de determinados instrumentos de trabalho para desenvolver seu trabalho com louvor e que determinadas características não são motivos para que outros venham a diminuir sua integridade e capacidade de estar junto a todos e contribuir para a melhoria da nossa sociedade como um todo. Como diz WERNECK(1999), todos são detentores de Capital Social: Toda pessoa com deficiência é fonte de capital social. Um capital atrofiado, porque raramente tem sido usado. Mas que se multiplicará, a partir de estratégias definidas por movimentos em rede que unirão todo o país. Foi assim com os negros, as mulheres e, mais recentemente, com os jovens (WERNECK, 1999 p.69). E essa inclusão pode ser feita não só através do trabalho, mas também através do lazer, dos esportes, como podemos constatar através da inclusão nas paralimpíadas. Os esportes que são praticados por pessoas com deficiência são muitos, dentre eles: Basquete: É praticado nas categorias masculino e feminino. Jogam o esporte apenas atletas com deficiência físico-motora. É amplamente praticado por paraplégicos, ou seja, deficientes que utilizam cadeira de rodas, o que torna a competição ágil e emocionante. As regras são praticamente as mesmas do basquete praticado por andantes (pessoas sem deficiência). Levantamento de peso: É uma modalidade esportiva paraolímpica dividida em várias categorias de deficiência e praticada por ambos os sexos. Futebol de cinco: A modalidade é praticada por deficientes visuais onde os jogadores se orientam por um guiso na bola. As condições de quadra e regras são as mesmas do futsal praticado por videntes. As dimensões são as mesmas da quadra de futsal 40mx20. Porém, há uma pequena mudança na área do goleiro, visto que a do Futebol de cinco é retangular, enquanto a do Futsal é semicircular e bem maior. Esta mudança serve para reduzir o espaço de ação dos goleiros. Os times têm oito jogadores e dois goleiros. Em quadra, jogam quatro na linha e um no gol. O goleiro é vidente. Atletas com diferentes graus de deficiência visual podem competir, porem são vendados para se igualarem. Golbol: Esta modalidade é praticada por deficiente visual onde os jogadores são orientados por um guiso na bola, esta modalidade é exclusiva para deficientes visuais, de ambos os sexos, onde os jogadores de uma equipe lançam a bola contra o gol da equipe adversária e os jogadores desta equipe se deitam em frente ao gol de sete metros, tentando evitar que a bola entre no gol. Natação: As competições são divididas em categorias masculinas e femininas. As baterias podem ser no individual ou por revezamento. Existem disputas nos quatro estilos oficiais: peito, costas, livre e borboleta. As distâncias vão de 50 a 800 metros. Participam atletas com todos os tipos de deficiência. As regras são as mesmas da Federação Internacional de Natação Amador (FINA), com adaptações - em especial, com relação às largadas, viradas e chegadas. Os nadadores cegos recebem um aviso quando estão se aproximando das bordas da piscina por meio de um bastão com ponta de espuma que seus técnicos colocam dentro d´ água. Tênis de mesa: As competições do esporte estão agrupadas nas seguintes categorias: atletas em pé e em cadeira de rodas. Participam da modalidade homens e mulheres com paralisia cerebral, amputados, cadeirantes e deficientes mentais. Os jogos podem ser individuais, em duplas ou por equipe. As partidas consistem em melhor de cinco sets, sendo que cada set é disputado até que um dos jogadores atinja onze pontos (em caso de empate em 10 a 10, vence o set quem primeiro abrir dois pontos de vantagem). As regras estabelecidas pela Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF) são aplicadas às competições paraolímpicas da modalidade, com sutis adaptações para os atletas em cadeira de rodas - principalmente no que se refere à distância entre os suportes da mesa e os atletas. Vôlei sentado: Entre o Vôlei paraolímpico e o convencional há menos diferenças do que possa imaginar. Basicamente, a quadra é menor do que a convencional (mede 10x6 metros contra 18x9) e a altura da rede é obviamente menor, pois os jogadores competem sentados. Outra diferença consiste no fato de o saque poder ser bloqueado. A quadra se divide em zona de ataque, zona de defesa e zona neutra (lado de fora do campo de jogo). É permitido o contato das pernas de jogadores de um time com os do outro. Porém, não se pode obstruir as condições de jogo do oponente. Contatos entre mãos são autorizados se pelo menos parte delas estiver em cima da linha central da quadra. Um atacante pode "queimar" a linha de ataque caso sua bacia não a toque até o atleta bater na bola. Somente se pode perder o contato com o chão para salvar bolas difíceis e, mesmo assim, por um curto momento. Bocha: Modalidade esportiva paraolímpica praticada por paralisados cerebrais e tetraplégicos. As características dos jogos são as mesmas dos jogadores não deficientes. Dança: A dança que é uma modalidade esportiva de jogos de inverno, também é amplamente praticada por pessoas com deficiência em seus vários estilos. Arremesso: O arremesso de disco, dardo e peso é praticado por atletas de ambos os sexos, divididos em categorias de várias deficiências. Rúgbi: Rúgbi, modalidade paraolímpica que começa ser praticada no Brasil, desenvolvida a partir do futebol americano, adaptada para cadeirantes, e praticada em ginásio de quadra coberta. Corrida de cego: A corrida é a modalidade esportiva que mais apresenta variedades e estilos, praticada por atletas de ambos os sexos e distribuídos em vários tipos de deficiência. Inclusive Síndrome de Down e mentais leves. Handebol: A adaptação das regras do Handebol de Salão para a prática com cadeira de rodas e tem por princípio facilitar o acesso de cadeirantes que não tem possibilidades de praticar outras modalidades esportivas. Utilizando como base para adaptações as regras do Handebol de Areia e tem como princípio desenvolver um jogo que apresente uma plasticidade que seja atrativa aos veículos de mídia, contribuindo para a difusão da prática do Handebol em Cadeira de Rodas. Diante de tantas possibilidades, incluir é assimilar a pessoa como um todo, rompendo com todas as barreiras do preconceito, tentando conhecer ou reconhecer a pessoa como ela realmente é com todas as suas qualidades e defeitos, acessibilidades ou limitações. Um tudo sem exceções! É o que propõe a sociedade inclusiva, movimento internacional criado e sustentado por pais e profissionais nas últimas décadas do século 20. Em 1990, o ideal de uma sociedade inclusiva foi da Resolução 45/91, assinada durante a Assembleia Geral das Nações Unidas. Esta resolução defende a implementação de uma sociedade para todos até ano de 2010 (WERNECK, 1999 P.26,27). E podemos lembrar-nos do esforço de Charlie quando percebeu que nem sempre as coisas iriam bater a sua porta, e resolveu, então, passar para fase oportuna, usar de sua criatividade, e deixar de dar a desculpa de dizer que a rua não é adaptada. Não é adaptada porque segundo ele o deficiente é um ―fantasma social‖ não aparece na sociedade, se ele não aparece como poderão acontecer mudanças se não a quem necessite de adaptações, e a partir de então as coisas passarem realmente a ser modificadas com o tempo. E como ele ressalta, este tempo já chegou com a lei de cotas que por sua vez pode vir a ser positiva ou negativa. Esses deficientes começaram a aparecer, serem vistos como consumidor, a trabalhar e ter remuneração, mas isto é gradativo, porém temos também o outro lado, o negativo onde pode vir a ser aumentado o preconceito por este não ter tido oportunidade de ir à escola. Escola esta que não esta adequada não só a acessibilidade física, mas também para os que se comunicam através da linguagem de libras ou braile ou para que tenha déficit cognitivo. E quando ele entra no campo de trabalho desqualificado se torna um peso social. Novos e inusitados desafios nos aguardam. Os do momento, eu resumo assim: 1) Utilizar a diversidade humana e, especificamente, a eficiência, como estratégia catalizadora de avanço e de justiça sociais; e promotora, como um ímã, da formação de redes de pessoas, profissionais, conselhos, entidades não-governamentais e governamentais que, juntos, articularão a construção de um mundo inclusivo. 2) Inserir o tema da inclusão de pessoas com deficiência na sociedade, visto como de interesse restrito da família, ou como problema da família, em um universo maior, o da dívida social brasileira. Isto no âmbito da saúde, do trabalho, da educação, da comunidade, da cultura, do esporte, da arquitetura etc. 9) Divulgar conceitos compatíveis coma a escola inclusiva: local onde as gerações se encontram, se entendem e se reconhecem como parte de um todos indivisível, desenvolvendo juntos a técnica, a intuição, a sensibilidade, a criatividade, a flexibilidade e a arte de formar, entre si, parcerias indispensáveis ao futuro da nação. Essa escola é o berço do exercício amplo, da cidadania, vivência que nos ensina a agir para as leis saírem do papel (WERNECK, 1999, p.29, 30). Estar consciente das diferenças é um exercício contínuo que deve ser feito por todos os cidadãos, entender que as suas necessidades não são iguais a do outro e viceversa tem que se transformar em um novo hábito cultural para que o respeito frente às desigualdades possa prevalecer. As questões relacionadas à diferença ainda não estão no todos do cotidiano da mídia porque ainda não fazem parte do todos do social, que exclui partes do todo maior, a humanidade (WERNECK, 1999 p.49). A partir, do momento em que se está consciente do não saber, da não informação, o primeiro passo é querer saber, estar informado, interagir. E é a partir, desse desenvolvimento que podemos melhorar, modificar nossas ideias e ideais. Contribuir para o bem estar do outro é contribuir para o coletivo, e se fazemos parte do coletivo consequentemente, estamos contribuindo para a nossa melhoria. Bete diz ―Mas, é claro que diante das limitações vem o choque, vem aquele momento de frustação o que é normal para qualquer pessoa, nós temos todo o direito de nos chatear de ficar triste, e até por alguns instantes ter o sentimento de revolta‖, o que não é permitido que foi o que ela buscou sempre trabalhar em si, foi não alimentar esse sofrimento, porque se não, como ela comenta iria ficar maior que do que ela. ―E isto gera uma inconsistência na personalidade da pessoa, um jogo de culpas para outra pessoa‖. Viveu momentos ruins, mas eles sempre passavam, e nunca deixou que eles passassem muito tempo com ela. [...] Pessoas existem com suas limitações e possibilidades, em maior ou menor proporção, dependendo da relação que têm com o ambiente. Ninguém descansa suas deficiências. Nem de seus talentos. Isso prova que a sociedade não deve ter sequer a ilusão de poder descasar também (WERNECK, 1999 p.67). Charlie diz que os deficientes têm que se qualificar para poder conseguir um emprego, e não deve se passar por coitado, que a sociedade em que vivemos é capitalista, imediatista e que qualquer pessoa de qualquer etnia, classe social, credo ou sexo, estando qualificada é capaz de conseguir um emprego. Estratégias são ações que, seguindo uma mesma diretriz, no contexto de missões bem definidas, possibilitam mudanças desejadas. ................................................................................................................. .......... Estratégias não combinam com políticas públicas compensatórias. Só transformadoras (WERNECK, 1999, p.92-93). A deficiência é o estopim de um processo de mudanças e também seu beneficiário (WERNECK, 1999 p.138). E dentre os processos de inclusão não podemos deixar de falar da inclusão que deve acontecer também nas escolas. Pessoas com deficiência precisam, infelizmente, além do esforço intelectual, gastar ainda mais energias com o esforço físico, as dificuldades estruturais encontradas nas nos locais de ensino, como foi citado por Bete em sua formação acadêmica, e como nós mesmos podemos constatar na maioria das escolas sejam elas públicas ou privadas ainda é deficitária. Assim como também a falta de preparo dos profissionais em saber lidar com esses deficientes em geral, pois não são todos que sabem a língua dos sinais ou que sabem lidar com as necessidades de deficientes cognitivos. Ter valores inclusivos não exclui enfrentar dificuldades na hora de implementá-los. Mas é bom que as dificuldades venham, para que cada escola vá construindo com solidez o seu próprio e particular modelo de ensino. Por isso são importantes as trocas diárias entre os profissionais e a direção da escola sobre os problemas e as soluções que com certeza aparecerão. Se não existe um manual, como se preparar para fazer inclusão? Fazendo (WERNECK, 1999 p.178). Uma escola inclusiva será consequência de uma sociedade inclusiva, que vê as diferenças não como uma questão de inferioridade e sim com um novo olhar para o outro, descobrir novas formas de percepção, de convívio, de usar de criatividade na busca da harmonia, pois o ser humano é capaz de transformar para melhor inúmeras situações do cotidiano, assim ele se esforce e queira verdadeiramente fazer. Pode parecer absurdo acreditar que toda criança tenha o direito de frequentar a escola regular, incluindo aquela cuja única forma de comunicação seja piscar os olhos, mas esta é a proposta da sociedade inclusiva. (WERNECK, 1999 p.195). São três as leis que garantem a construção de uma sociedade inclusiva: 1) 2) 3) A da ação da intenção; A de estar em minoria; A da incondicionalidade. (WERNECK, 1999 p.189). Portanto, fazer a inclusão é não fazer das diferenças motivos para segregar uma pessoa do seu convívio social como se ela não existisse, e sim buscar conviver, colaborar para que ela se sinta parte, não só porque ela realmente faz parte, mas porque somos capazes de aceitar o outro com suas deficiências e capacidades. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos concluir com esta pesquisa que pessoas com acessibilidade dificultada, neste caso os cadeirantes, ainda sofrem discriminação, são estigmatizados por serem diferentes dos demais. Mas, não deixam de lutar pela sua inclusão. No decorrer das pesquisas de campo ao conhecer melhor o cotidiano deles, pude perceber que eles são completamente normais, dentro de suas particularidades e necessidades, assim como os indivíduos que não usam cadeira de rodas para se locomover. Eles trabalham, estudam, namoram e se divertem. E buscam junto a instituições governamentais e também particulares o cumprimento das leis aos quais são detentores, assim como também sua formulação e fiscalização. São pessoas dinâmicas, inteligentes e capazes, diferente do que a maioria das pessoas infelizmente ainda pensa. A partir dessa pesquisa foi possível perceber de forma mais específica quais as políticas e projetos que são realizados para os cadeirantes e pensar também os avanços que vem acontecendo nesta área como, por exemplo, quando se consegue o passe livre junto ao prefeito de determinado Município do Ceará. Vemos também que as condições estruturais da nossa cidade ainda não são as melhores, e que a forma como as pessoas se comportam frente a uma pessoa com deficiência, é geralmente com preconceito e discriminação. Por isso fazer uma pesquisa que possa trazer maiores informações a respeito das suas experiências de vida, das leis e políticas que os protegem, e com isso buscar fazer a sensibilização dos desinformados com relação aos direitos dos cadeirantes. Tentando assim, desconstruir a imagem de que todos os deficientes são apenas pessoas com deficiência, ao invés de enxergá-las como seres humanos que tem inúmeras qualidades e capacidades. Pude perceber também como estes cadeirantes lutam pela inclusão, não só deles, mas também de toda a parcela da população com acessibilidade dificultada. E ao pesquisar em blogs vi que muitos deles se dedicam a esportes, pois além de existir uma gama muito grande de opções, é também uma forma de fazer parte, de estar incluso, pois infelizmente não são todos da sociedade que querem ampliar seus horizontes e se enxergar dentro da nossa sociedade que é tão plural. REFERÊNCIAS CARDOSO DE OLIVEIRA, R. O trabalho do antropólogo. São Paulo: Editora UNESP, 1998. CASTEL, R. As armadilhas da exclusão. In: BELFIORE-WANDERLEY, M.; BÓGUS, L.; YAZBEK, M.C. (Org.). Desigualdade e a questão social. 2 ed. São Paulo: EDUC, 2000. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. CORRÊA, Darcísio. (2002, 3ª ed.). A construção da cidadania: reflexões históricopolíticas. Ijuí: UNIJUÍ. DESLANDES, Suely Ferreira; Romeu Gomes; Pesquisa social: teoria, método e criatividade. DUPAS, G. (1999, 3ª ed. rev.). Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e o futuro do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa - 4. ed. - São Paulo: Atlas, 2002. GOFFMAN, Erving. Estigma- Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4º.ed. LTC- Livros Técnicos e Científicos Editora S.A. 1988. http://www.fortaleza.ce.gov.br/ sdh. Consultado em 03/11/2012. http://www.scielo.br/scielo.php. A questão social na história recente: implicações para a política de saúde no Brasil. Consultado em 16/11/2012. http://www.scielo.br/scielo.php. Exclusão social e responsabilidade social empresarial. Consultado em 16/11/2012. KONDER, Leandro. O que é dialética. 25. ed. São Paulo: Brasiliense, 2007. Maciel, Juceli Maria. Microbiologia e Parasitologia. / Juceli Maria Maciel. – 2.ed.— Canoas: Ed. ULBRA, 2003. MINAYO, Maria Cecília de Souza (organizadora). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde 31. ed.- Petrópolis, RJ : Vozes, 2012. RIBAS, João. Preconceito contra as pessoas com deficiência: as relações que travamos com o mundo/ João Ribas. -2.ed. -São Paulo: Cortez, 2011.- (Preconceitos; v.4). WERNECK, Claudia, 1957- Sociedade Inclusiva. Quem cabe no seu TODOS?/ Claudia Werneck. Rio de Janeiro: WVA- Ed. 1999. 240p. ANEXOS - INSTRUMENTRAL DE ENTREVISTA Família 1- Como é sua vida em família, a partir de um contexto geral? 2- Você percebe que suas dificuldades são tão grandes quanto às da sua família, ou eles sempre souberam lhe dar muito bem com a sua acessibilidade dificultada? Trabalho 3- A partir de que momento da sua vida você se percebeu querendo ter um emprego e atrelado a que situações da sua vida isso lhe ocorreu? 4- Como e onde foi seu primeiro emprego? Lazer 5- Quais as oportunidades de lazer que você acha que a sociedade como um todo pode lhe proporcionar? 6- Você acha que os locais de lazer que frequenta tem uma estrutura adequada para receber pessoas com acessibilidade dificultada? Sexualidade 7- Como são vivenciados seus relacionamentos amorosos dentro do contexto da sua acessibilidade dificultada. Mobilidade Urbana 8- Como você percebe a estrutura urbana todas as vezes que sai de casa para ir a qualquer determinado lugar? Ela está compatível com as necessidades dos cadeirantes? 9- O que você faz junto as organizações do Governo, Estado ou da Sociedade Civil para garantir os direitos de estrutura acessível a todos? CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL RAFAELA VIUDEZ DINIZ PENSANDO A DIFERENÇA: ESTIGMA E PRÁTICAS DE CONTRAESTIGMATIZAÇÃO ENTRE CADEIRANTES FORTALEZA 2012