REFLEXÕES SOBRE AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NO MUNDO
CONTEMPORÂNEO
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Laura Monte Serrat Barbosa
Pedagoga, psicopedagoga, mestre em Educação março/2007
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Quando falamos sobre dificuldade de aprendizagem, estamos falando, principalmente, do ato de
aprender. Aprender é uma ação que supõe dificuldade; quando não se sabe, sendo o não-saber
condição necessária para aprender, é esperado que as dificuldades apareçam. Temos, portanto,
dificuldades que nos desequilibram e na busca do equilíbrio, aprendemos.
O fato de estarmos mergulhados num mundo de consumo, que apregoa a perfeição, de termos
pressa para tudo, de acreditarmos que as pessoas devem ser regidas pelos prazeres, de acharmos que
tudo que não acontece como esperamos é doença, de termos sempre um remédio para os males
existentes faz com que acreditemos que ter dificuldades para aprender é algo inconcebível.
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Queremos chegar a tal grau de perfeição que pensamos que ter dificuldade é ruim, que nos faz
diferentes dos outros, que nos afasta dos normais e que nos faz acreditar que somos menos.
Esquecemos que é a dificuldade que nos faz crescer, que nos obriga a pensar, que nos estimula a
buscar alternativas e a encontrar soluções para os problemas que a vida nos impõe.
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Atualmente, temos percebido dois movimentos decorrentes das dificuldades para aprender: um
deles que protege demais o sujeito que vive a dificuldade e outro que o exclui completamente das
rodas consideradas normais. Tanto um quanto outro apresentam resultados muito semelhantes: o
primeiro não acredita que o sujeito possa desenvolver suas possibilidades e, por isso, protege-o para
evitar embates nos quais o sujeito possa se dar conta de que não sabe; o segundo afasta o sujeito por
acreditar que ele não será capaz de acompanhar seus colegas, anunciando que ele não sabe e nem
tem chance de saber.
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Protegendo ou atacando, incluindo ou excluindo, temos mandado a mensagem de que o
aprendiz que apresenta dificuldades com a aprendizagem, ou dificuldades para aprender, ou ainda
dificuldades de aprendizagem, tem poucas chances neste mundo do instantâneo, consumista,
individualista, que cultua a perfeição.
Por que será tão difícil admitirmos algo que faz parte do desenvolvimento humano: a dificuldade?
Temos lidado com o ser humano de tal forma que ele tem ficado escondido atrás de suas
dificuldades. Ouvimos as pessoas referindo-se a outras pessoas: “O sujeito é disléxico”; “Meu filho
é hiperativo”; “Minha filha é distraída”; “Meu aluno é inibido” e assim por diante. !
Penso que as pessoas não são as suas dificuldades. Penso que as pessoas possuem dificuldades,
apresentam dificuldades, mostram dificuldades, mas não precisam carregar um fardo de parecerem
ser o que não são. Uma criança que não sabe ler não é a sua dificuldade para ler, e sim possui dificuldades de
linguagem que podem ser passageiras ou não, mas que podem ser trabalhadas na direção da
mudança, ao passo que ser disléxico resulta em um título difícil de ser modificado. É como se a
pessoa não tivesse a chance de, mesmo apresentando um quadro de dificuldades de linguagem,
superar obstáculos e tornar-se um escritor, por exemplo. O mesmo acontece com outros quadros, e
percebo que, quando uma criança recebe um “título”, mesmo que ela esteja superando-o, a escola
quando se refere a ela, em outros momentos históricos, lembrando que um dia ela distraiu-se, um
dia ela bateu em um amigo, um dia ela agitou-se...
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Na minha experiência, tenho percebido que, anos mais tarde, algumas escolas ainda lembram o
motivo que fez com que elas pedissem o atendimento psicopedagógico para uma determinada
criança, como se o fato tivesse acontecido no dia anterior, independente da permanência do sintoma
inicial. !
Às vezes, surpreendo-me dizendo: “Mas ele ainda faz isto?” E somente aí a professora dá-se
conta de que ela está falando de um menino real, não daquele que está estigmatizado em sua mente.
O mesmo acontece com os pais. Por mais controlado que possa estar o quadro, muitas vezes os pais
temem se decepcionar e, por isso, ficam sempre esperando o surto ou qualquer que seja o aspecto
que consideram negativo e acreditam possa aparecer no comportamento do filho.
Se conseguirmos considerar a dificuldade como parte integrante da aprendizagem, será muito mais
fácil lidarmos com ela. Independente se a pessoa apresenta um quadro de dificuldade orgânica,
emocional, social – patológico ou não, a dificuldade deve ser encarada como elemento próprio do
desenvolvimento daquele sujeito.
Todos poderemos aprender, apesar de nossas dificuldades; sem elas, certamente não cresceríamos.
Uma criança de dez anos, por exemplo, que não está alfabetizada, apresenta esse dado que precisa
ser enfrentado em seu processo de aprender. De nada adianta considerarmos sua dificuldade de
leitura como uma entidade à parte, pois isso torna sua aprendizagem mais difícil e mais inatingível.
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Hoje, conversava com uma criança de seis anos que me dizia: “Eu não sei ler e nem escrever,
por isso você nunca pode me pedir que faça isso”. Nessa frase, a criança diz que ela colocou sua
dificuldade em outro plano, no qual ela acredita que nunca será mexida.
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Como essa criança poderá aprender se ela acredita que nunca aprenderá; se a professora acredita
que ela não consegue aprender; se a mãe acredita que ela precisa é ser feliz e, se não aprender, não
tem importância? Se, ao menos, alguém acreditasse nas suas possibilidades, no tempo que é
necessário para que a alfabetização aconteça, no processo de maturação a partir da interação, no
fato de que crianças de seis anos, às vezes, não aprendem com seis anos, mas podem aprender com
sete anos, essa criança estaria protegida de um grande fardo, chamado incapacidade.
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Essas reflexões podem nos auxiliar a encontrar um caminho para uma Educação para a
Diversidade que valorize os indivíduos, mas também considere o grupo, a coletividade. O aprender
acontece dentro de cada um de nós, mas é fruto da interação com o espaço coletivo. Se todos
aprendêssemos a conhecer nossas possibilidades e nossas limitações, isso poderia nos aproximar
muito mais da realidade, aquela que supõe que, para aprender, é preciso não saber e que não saber,
muitas vezes, faz com que tenhamos dificuldades maiores ou menores, mas que tais dificuldades,
certamente, não somos nós.
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