CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO AÇÕES DAS ASSOCIAÇÕES PROTETORAS DOS ANIMAIS DO VALE DO TAQUARI EM RELAÇÃO AOS CRIMES CONTRA ANIMAIS DOMÉSTICOS E DOMESTICADOS Angélica Senger Lajeado, novembro de 2009 CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) CURSO DE DIREITO AÇÕES DAS ASSOCIAÇÕES PROTETORAS DOS ANIMAIS DO VALE DO TAQUARI EM RELAÇÃO AOS CRIMES CONTRA ANIMAIS DOMÉSTICOS E DOMESTICADOS Angélica Senger Monografia apresentada no Curso de Direito, como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Ms. Luciana Turatti Lajeado, novembro de 2009 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço ao Léo e a minha família com ele construída, que me compreendeu e apoiou durante o processo de elaboração deste trabalho. Aos amigos que aqui conquistei, parceiros nesta caminhada de já quase uma década. Em especial, Ada, Anas, Janaína, Kátia, Michele, Sumika, que colaboraram para ser possível este momento. Por fim, agradeço a orientadora Luciana que me auxiliou na elaboração deste trabalho, com uma tranqüilidade que ainda não consegui aprender a ter. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Entre a brutalidade para com o animal e a crueldade para com o homem, há uma só diferença: a vítima. Alphonse de Lamartine BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) RESUMO Este trabalho examina a proteção aos crimes ambientais praticados contra animais domésticos e domesticados ao amparo do artigo 225 da Constituição Federal e do artigo 32 da Lei dos Crimes Ambientais. Inicialmente, expõe a evolução da legislação de proteção ambiental no Brasil e no âmbito internacional. Aborda também, a evolução dos pensamentos éticos e da relação entre homens e animais. No segundo momento são analisados os instrumentos de proteção aos crimes praticados contra a fauna, confrontando a legislação vigente com a efetiva proteção, como também os crimes que são praticados contra estes animais atualmente no Brasil. Analisa o papel da Sociedade Civil Organizada na proteção aos animais, a previsão constitucional para a sua existência, para ao final tratar da pesquisa realizada nas Associações de Proteção aos Animais existentes no Vale do Taquari e concluir sobre a efetividade da tutela do artigo 32 da Lei 9605/1998 aos animais domésticos e domesticados. PALAVRAS-CHAVE: Fauna. Animais domésticos e domesticados. Maus tratos. Proteção Ambiental. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AEPA Associação Estrelense de Proteção aos Animais APAAM Associação Protetora dos Animais Arroiomeiense APANTE Associação Proteção aos Animais de Teutônia APASFA Associação Protetora dos Animais São Francisco de Assis Art. Artigo Arts. Artigos CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente Coord. Coordenador Des. Desembargador Ed. Edição ONGs Organizações não governamentais p. Página PATRAM Patrulha Ambiental Rel. Relator RS Rio Grande do Sul SP São Paulo BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 2 A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA ÉTICO-FILOSÓFICA E JURÍDICA ........................................................................... 10 2.1 Evolução da legislação de proteção ambiental no Brasil .............................. 10 2.2 Evolução da legislação de proteção ambiental no mundo ............................ 19 2.3 Evolução dos pensamentos éticos .................................................................. 25 2.3.1 A evolução da relação entre os homens e os animais................................ 25 3 INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO: CRIMES AMBIENTAIS PRATICADOS CONTRA A FAUNA .................................................................................................. 35 3.1 A proteção da fauna no Brasil .......................................................................... 35 3.1.1 A proteção constitucional da fauna .............................................................. 35 3.1.2 A proteção penal da fauna ............................................................................. 38 3.2 Considerações sobre a Lei 9.605/98 ................................................................ 44 3.3 Legislação vigente x efetiva proteção ............................................................. 47 3.4 Crimes praticados contra os animais domésticos e domesticados atualmente no Brasil ............................................................................................... 50 4 A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E A PROTEÇÃO AOS ANIMAIS .............. 57 4.1 O desenvolvimento da sociedade civil organizada na proteção aos animais ..................................................................................................................... 57 4.2 Previsão Constitucional.................................................................................... 61 7 4.3 O panorama das entidades do Vale do Taquari/RS ........................................ 64 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 70 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 74 ANEXOS ................................................................................................................... 78 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 1 INTRODUÇÃO O descaso com que são tratados muitos animais domésticos e domesticados, em razão de seu entendimento como mera propriedade material, não poucas vezes descartável, traz como comuns cenas de abandono, maus tratos, abuso na condição de instrumento de trabalho e tantas outras formas de crueldade. Considerando que essas ações constituem crimes ambientais, tipificados no art.32 da Lei 9.605/98, surpreende o desrespeito ao preceito legal com a aparente certeza de impunidade, o que configura um problema dos municípios do Vale do Taquari(RS). Dificuldade de implementação da lei? Medo ou desconhecimento da possibilidade de denunciar e alterar esta situação? Enfim, qual a proteção efetiva que existe na região do Vale do Taquari(RS) para coibir a prática de crimes contra animais domésticos ou domesticados? Este foi o motivo que instigou a escolha do tema em estudo, qual seja: a proteção contra a prática de atos de abuso, maus tratos, ferimento ou mutilação de animais domésticos ou domesticados, considerando o limite geográfico do Vale do Taquari (RS). O levantamento de dados das ações de proteção aos animais existentes nos municípios delimitados pode fornecer estas respostas e auxiliar na busca de uma melhor solução. Por este motivo, a relevância dessa pesquisa. 9 A abordagem da proteção aos crimes praticados contra animais domésticos e domesticados, tratada no presente estudo, tem por fundamento a proteção BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) constitucional e o amparo da Lei dos Crimes Ambientais. Assim, no primeiro tópico é tratada a proteção dos animais a partir de uma perspectiva ético-filosófica e jurídica, por meio da evolução da legislação da proteção ambiental no Brasil e também no mundo, com a consequente evolução dos pensamentos éticos e da relação entre os homens e os animais. No seguinte momento abordam-se os instrumentos de proteção aos crimes ambientais praticados contra a fauna, sua proteção no Brasil e considerações sobre a Lei 9.605/98, confrontando a legislação vigente e a efetiva proteção existente. Ainda, são apresentados crimes praticados atualmente no Brasil contra os animais domésticos e domesticados, a construção do conceito crueldade por meio da jurisprudência, como também, a leitura da abordagem antropocêntrica da legislação pátria para uma melhor compreensão do que é considerado crime com relação aos animais e a crueldade legalmente consentida. Por fim, é abordada a Sociedade Civil Organizada e a proteção aos animais, a partir de informações coletadas nos órgãos municipais do Vale do Taquari e análise dos resultados obtidos, para verificar se é efetiva ou deficitária a proteção contida no artigo 32 da Lei 9605/98. O método utilizado no desenvolvimento deste trabalho de monografia é o dedutivo, partindo de argumentos gerais, através da pesquisa bibliográfica, para, ao final, buscar informações nas Secretarias de Meio Ambiente dos Municípios e nas Associações de Proteção aos Animais existentes no campo delimitado da pesquisa. A pesquisa é apresentada com enfoque qualitativo, buscando dados e identificando sua natureza dentro da realidade local, como também de forma descritiva, pois com a leitura dos dados observados, é analisada a existência efetiva ou não da proteção aos animais domésticos e domesticados no Vale do Taquari. Enfim, por meio da pesquisa pretende-se contribuir para o aumento do conhecimento acerca da realidade das instituições que trabalham na proteção dos animais, como também instigar o sentimento de responsabilidade que o homem tem em relação a estes seres. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 2 A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA ÉTICO-FILOSÓFICA E JURÍDICA O Direito Ambiental é constituído de uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica, que devem ser compreendidas de forma integrada e em equilíbrio. Assim, a cada intervenção humana sobre o ambiente, o aplicador do Direito Ambiental deve ter a capacidade de captar os diferentes pontos de tensão entre as três dimensões e ponderar frente ao caso concreto, qual delas precisa mais de tutela em um dado momento (Antunes, 2007). A proteção da vida dos animais deve também se fazer presente nesse entendimento, conforme descreve-se a seguir. 2.1 Evolução da legislação de proteção ambiental no Brasil A legislação ambiental que vigorou no Brasil a partir do século XVI, durante o período colonial, diz respeito às leis portuguesas. A evolução dessas leis no país, até o início do século XIX, portanto, deve-se a Portugal. Assim, para compreender a legislação ambiental daquele período, é necessário analisar conjuntamente a história, pois grande parte dessas leis buscava proteger riquezas do Brasil Colônia que eram matéria- prima de Portugal. O objetivo 11 maior era proteger o lucro, principalmente com o comércio de madeiras, muito mais do que o cuidado com as florestas brasileiras. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) A fauna, desde cedo, foi marcada pela exploração sem compromisso, e tratada como recurso natural infinito e renovável, sem qualquer consideração pela vida dos animais, visão diversa do povo nativo que aqui se encontrava. Nesse entendimento, manifesta-se o professor Serra-Freire: Analisando os fatos relativos ao Brasil, a partir de registro de sua descoberta pelos navegadores portugueses, desde a carta de Pero Vaz de Caminha à El Rey D.Manuel, até os dias de hoje, constatam-se constantes embates entre a herança cultural dos nativos que já viviam aqui, e a insensatez introduzida com os colonizadores. [...] perda da tradicional cultura ecológica dos nativos do Brasil, que tinham como ponto fundamental o respeito à vida animal, inclusive com politeísmo, em que muitos dos animais eram considerados deuses e mostravam comportamentos que eram seguidos pelos humanos (SERRA-FREIRE, 2003, p.352-353). As florestas brasileiras foram devastadas pela exploração da madeira e os animais capturados e levados para fora do país, em condições precárias nos navios, em que a maioria perecia antes de chegar ao destino. Em relação a esta exploração da fauna, manifesta-se também Serra-Freire, conforme segue: Na passagem histórica que descreve o retorno da Nau Bretoa à Portugal, em 1511, se deu a inauguração da rota marítima das grandes explorações predadoras da fauna e contrabando zoofílico – a Nau Pèlerine, uma caravela pirata francesa, é apreendida com 3.000 peles de felinos, 600 aves e 300 macacos, presos como marginais, em gaiolas de dimensões pequenas para a quantidade. Esse fato registrou, já no início do Brasil, a implantação de uma cultura predatória, impiedosa, egoísta e mercantilista, que não atentava para a qualidade de vida dos animais, ou mesmo para o sofrimento do ser vivo (SERRA-FREIRE, 2003, p.353). No entanto, apesar de todo descaso para com os animais, as Ordenações Afonsinas, legislação portuguesa vigente no Brasil, ao tempo do seu descobrimento, era considerada, com relação às normas ambientais de então, muito evoluída para a época. Preocupava-se inclusive com a falta de alimentos, especialmente cereais. De acordo com Lanfredi et al. (2004), o pão e a farinha não podiam ser exportados, e em relação às aves, seu furto para efeitos criminais era equiparado a 12 qualquer outro delito. Havia, também, conforme o mesmo autor, proibição para o corte deliberado de árvores frutíferas, considerado como crime de “injúria ao rei”. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Em 1521, passaram a vigorar as Ordenações Manuelinas, obra do rei D. Manuel, que se mostrou mais detalhada e moderna com relação ao direito ambiental. Esta legislação proibia a caça de animais, como perdizes, lebres e coelhos, com instrumentos capazes de causar-lhes a morte com dor e sofrimento; proibia também a comercialização de colmeias sem a preservação da vida das abelhas, e manteve tipificado como crime o corte de árvores frutíferas, sendo a reparação do dano tratada com maior rigor. A partir de 1580, o Brasil transfere-se ao domínio espanhol sob Filipe I, que faz uma compilação das leis lusitanas criando as Ordenações Filipinas, que passam a vigorar em 1603. Referia-se à matéria ambiental em questões urbanísticas com programas de obras públicas, calçadas, plantio de árvores em terrenos baldios, conforme Lanfredi et al. (2004). Essas normas introduziram o conceito de poluição, proibindo a qualquer pessoa jogar material que pudesse matar os peixes em seu habitat, reiteraram a tipificação como crime o corte de árvores frutíferas, prescrevendo degredo para o Brasil como pena. As Ordenações Filipinas deram ênfase maior à proteção dos animais, cuja morte “por malícia” determinava ao infrator mudar-se definitivamente para o Brasil. Proibiam também a pesca com determinados instrumentos e em certos locais e épocas estipuladas, a exemplo do que leis atuais hoje determinam, de acordo com Marcondes (2007). Destaca-se colocação de Serra-Freire em relação a estas normas: A própria Lei vigente na Europa, [...] que vigorou na metrópole para a ordem social, previa como uma das penas mais graves, impostas àqueles que infringissem determinados artigos, o “degredo perpétuo” para o Brasil; foi assim que malfeitores, da pior categoria, e inimigos da fauna e da flora, foram sendo, sucessivamente, introduzidos na Colônia do Novo Mundo, entrando ativamente na composição do genoma brasileiro (SERRAFREIRE, 2003, p.353). 13 O tráfico de animais perdura ainda nos dias de hoje, movimentando consideráveis valores em todo o mundo. São comuns notícias de apreensão de BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) animais transportados em malas, caixas, inclusive enviados pelo correio, em que acabam restando sem vida, face às precárias condições em que são acondicionados. De acordo com Bechara (2003, p.62), “de cada dez espécimes traficadas [...] em fundos de mala, dentro de tubos de PVC, normalmente dopados... - nove morrem antes de chegar ao seu destino”. A autora afirma que o comércio desses animais estimula a caça ilegal, em que “o caçador não tem a menor preocupação com a função ecológica que os espécimes capturados cumprem no ecossistema e com o desequilíbrio ambiental que sua retirada pode causar” (Bechara, 2003, p.61). Não há um respeito aos ciclos de reprodução, o que acaba levando à extinção de espécies. O tráfico de animais silvestres só perde para o tráfico de drogas e de armas em movimentação de valores. Nesse sentido, Castro (2006, p.72), coloca que: [...] o contrabando de aves, animais silvestres e produtos da fauna brasileira atravessam as fronteiras nacionais, sem ou com pouco controle, em evidente prejuízo ao ecossistema e ao interesse econômico da nação. Também recebemos animais exóticos de outros países, com enormes riscos à biota nacional e à saúde humana, já que o ingresso se dá sem controle sanitário. Na evolução da legislação brasileira, veio em 1824 a Constituição do Império, que “não fez qualquer referência à matéria ambiental”, conforme Antunes (2007, p.51). Embora na época o país fosse exportador de produtos agrícolas e minerais, a Constituição não manifestou qualquer mecanismo para proteção dos recursos a fim de garantir a sua sustentabilidade. Tem-se como primeira norma que tratou da crueldade contra os animais no Brasil o Decreto 16.590, de 1924. Regulamentava as Casas de Diversão Pública, não permitindo corridas de touros e novilhos, brigas de galos, brigas de canários entre outras determinações, segundo Calhau (2003). Em julho de 1934, o então presidente Getúlio Vargas promulgou o Decreto Lei 24.645, que estabelecia medidas de proteção aos animais. Tal decreto tem força de 14 lei, pois que o Governo Federal, então Governo Provisório, havia avocado para si a atividade legislativa em período de excepcionalidade política. Este decreto BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) permanece em vigor, estabelecendo em seus 17 artigos medidas de proteção aos animais que serão destacadas a seguir. De acordo com o artigo 3º, do Decreto 24.645/34, das atitudes que importam em maus tratos: Consideram-se maus tratos: I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II – manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; III – obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo o ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que razoavelmente não se lhes possam exigir senão como castigo; IV – golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em benefício exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interesse da ciência; V – abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; VI – não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não; VII – abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período de gestação; VIII – atrelar, no mesmo veículo, instrumento agrícola ou industrial, bovinos com eqüinos, com muares ou com asininos, sendo somente permitido o trabalho em conjunto a animais da mesma espécie; IX – atrelar animais a veículos sem os apetrechos indispensáveis, como sejam balancins, ganchos e lanças ou com arreios incompletos, incômodos ou em mau estado, ou com acréscimo de acessórios que os molestem ou lhes perturbem o funcionamento do organismo; X – utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado, sendo que este último caso somente se aplica a localidades com ruas calçadas; [...] XVII – conservar animais embarcados por mais de 12 horas, sem água e alimento, devendo as empresas de transportes providenciar sobre as necessárias modificações no seu material, dentro de 12 meses a partir da publicação desta lei; XVIII – conduzir animais, por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de mãos ou pés atados, ou de qualquer outro modo que lhe produza sofrimento; XIX – transportar animais em cesto, gaiolas ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e número de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rede metálica ou idêntica, que impeça a saída de qualquer membro do animal; XX – encerrar em curral ou outros lugares animais em número tal que não lhes seja possível moverem-se livremente, ou deixá-los sem água e alimento mais de 12 horas; XXI – deixar de ordenar as vacas por mais de 24 horas, quando utilizadas na exploração do leite; XXII – ter animais encerrados juntamente com outros que os atemorizem ou molestem; BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 15 XXIII – ter animais destinados à venda em locais que não reúnam as condições de higiene e comodidade relativas; XXIV – expor, nos mercados e outros locais de venda, por mais de 12 horas, aves em gaiolas, sem que se faça nesta a devida limpeza e renovação de água e alimento; XXV – engordar aves mecanicamente; XXVI – despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos à alimentação de outros; XXVII – ministrar ensino a animais com maus tratos físicos; [...] XXIX – realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado; XXX – arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculo, exibi-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias; XXXI – transportar, negociar ou caçar, em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros canoros, beija-flores e outras aves de pequeno porte, exceção feita para as autorizações com fins científicos, consignadas em lei anterior. Embora extensa e aparentemente completa a relação do artigo 3º, estas situações de maus tratos são apenas um rol exemplificativo, pois o homem “tem uma capacidade extraordinária de criar novas formas de praticar tipos diferentes de crueldades”, destaca Castro (2006, p.82). Em outubro de 1941, foi instituída a Lei das Contravenções Penais, por meio do Decreto-Lei nº 3.688, tipificando a conduta de crueldade contra animais: Art.64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena: prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês, ou multa. §1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo. §2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público. Segundo Gordilho (2009, p. 28), “no final dos anos 60, a partir dos diversos alertas de risco ambiental feitos por cientistas, seguidos de forte pressão da opinião pública sobre a questão, que se iniciou a denominada era do meio ambiente”. Neste período foram adotados novos valores individuais e sociais frente à sociedade de consumo, com uma forte conotação filosófica. Passou a existir outra leitura da questão ambiental, qual seja, o entendimento de que preservando o meio ambiente o homem estava preservando a si mesmo. Deste modo, a legislação ambiental e a postura dos Estados frente a ela começou a mudar, e surgiram bases mais efetivas para sua proteção. A Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho da Europa e a Organização da Unidade Africana direcionaram a questão ambiental de 16 forma definitiva na agenda do direito internacional, alertando que os problemas ambientais podem ultrapassar as fronteiras dos Estados. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Assim, a partir deste movimento ecológico mundial significativo, passaram a ser editadas leis mais diretamente voltadas para preservação e controle da poluição e degradação ambiental também no Brasil, que por sua vez, igualmente contemplavam disposições acerca da proteção da fauna. Foi instituída então a Lei Federal 5.197, de 3 de janeiro de 1967, de proteção à fauna, também conhecida como o Código de Caça, determinando diversas figuras penais. Definiu fauna silvestre e estabeleceu como propriedade do Estado também “ninhos, abrigos e criadouros”. Além disso, reiterou a proibição de utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de espécimes da fauna silvestre, cominando como pena para estes delitos as previstas no Código Penal. O artigo 18 da referida lei, proibia expressamente a exportação para o exterior de peles e couros de anfíbios e répteis. No entanto, mesmo com esta lei em vigor, o Brasil exportou no ano de 1969, conforme Teresa Urban, apud Marcondes (2007, p.2), “1.670 toneladas de couros e peles de animais silvestres, volume bem maior que em anos anteriores. [...] 70.000 peças de onças e gatos-do-mato.” Segundo Marcondes (2007), o Brasil permanece entre os países que mais comercializam espécies da fauna de forma ilegal. No mesmo ano, em 28 de fevereiro de 1967, surge o Decreto-Lei nº 221, – Código de Pesca, regulamentando toda e qualquer forma de pesca no território brasileiro, inclusive proibindo-a no ciclo produtivo. Posteriormente, em 8 de maio de 1979, passa a vigorar a Lei Federal 6.638, contendo disposições sobre vivissecção de animais. De acordo com Castro (2006), esta lei permitia a prática de experimentação científica com o corpo dos animais e estabelecia também regras que, descumpridas, acarretavam as penalidades determinadas pelo art. 64 da Lei das Contravenções Penais. 17 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Dizia a Lei Federal 6.638/79: Art.5º Os infratores desta Lei estarão sujeitos: I – às penalidades, cominadas no art. 64, do Decreto-Lei 3.688, de 03 de outubro de 1941, no caso de ser a primeira infração; II – à interdição e cancelamento do registro do biotério ou do centro de pesquisa, no caso de reincidência. A legislação sobre Política Nacional do Meio Ambiente foi instituída pela Lei Federal 6938/81, que definiu a fauna como meio ambiente, disciplinou a ação governamental com a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Introduziu também a responsabilidade civil e administrativa pelo dano ambiental, conforme Rodrigues (2003). Foi seguida pela Lei Federal 7347/85, que instituiu a Ação Civil Pública Ambiental por danos ao meio ambiente, protegendo os interesses difusos e assim, consequentemente, a fauna. A Constituição Federal de 1988 reconheceu a importância da fauna para o equilíbrio ambiental e disciplinou de forma precisa e atualizada a proteção ao meio ambiente, elevando-a à categoria de direito fundamental de todo cidadão, conforme Freitas e Freitas (2001). A partir de então, contido no caput do art. 225, está expresso ser o Direito Ambiental um dos direitos humanos fundamentais, que acrescido de normas esparsas para proteção ambiental, passa a representar uma nova postura com preocupações realmente direcionadas à utilização e conservação dos recursos naturais, conforme segue: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 18 V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. [...] A Constituição Federal de 1988 faz expressa menção à proteção penal do meio ambiente, o que se justifica pelo fato de o Estado conferir proteção aos valores fundamentais, segundo os autores Freitas e Freitas (2001). Na mesma direção pronuncia-se Rodrigues (2003, p. 65): “A Carta Magna deixou claro o objetivo do auxílio do direito penal ambiental, qual seja, a efetividade das sanções penais aplicadas aos infratores que praticam condutas lesivas ou ameaçam a vida em todas as suas formas”. Esta norma constitucional foi posteriormente regulamentada pela Lei 9605/98, também conhecida como Lei de Crimes Ambientais, que definiu os crimes ambientais e tratou dos tipos específicos de crimes contra a fauna. A Lei Federal 9605/98 elevou à categoria de crimes, as contravenções penais contidas no artigo 64 do Decreto-Lei 3688/41, ou seja, tipificou as práticas de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos e domesticados, nativos ou exóticos, ampliando o tipo penal. No que se refere à experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, mesmo que para fins científicos ou didáticos, considerou crime, se para tal existirem recursos alternativos. Desta maneira, no entendimento de Castro (2006, p.100), a Lei de Crimes Ambientais igualmente revogou a Lei Federal 6638/79 das Vivissecções, pois “o legislador não pode permitir e regulamentar a prática de crime”. De acordo com o mesmo autor, embora a justificativa para tais experiências sejam o progresso da ciência na busca por curas e medicamentos para a humanidade, escondem também outros propósitos, como segue: 19 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Os defensores não referem, no entanto, vivos para a fabricação de cosméticos e que nada tem a ver com ciência, homem com vaidade, interesses econômicos, destruição (CASTRO, 2006, p.180). as experiências feitas em animais em atividades militares de guerra, e meio ambiente, e tem tudo a ver conquista de território, guerra, Conforme Rodrigues (2003, p.65), a Lei dos Crimes Ambientais “tutela direitos básicos dos animais, independente do instituto da propriedade privada”, valorando sua existência. Em relação às Constituições Federais anteriores do Brasil, observa-se que trataram o meio ambiente basicamente em sua dimensão econômica. A Constituição Federal de 1988 não desconsiderou esta dimensão, mas sim, aprofundou as relações entre ela e o meio ambiente, base para o desenvolvimento de infraestrutura econômica, conforme Antunes (2007, p.56), pois que reconheceu a necessidade de sua proteção “como forma a assegurar uma adequada fruição dos recursos ambientais e um nível elevado de qualidade de vida às populações”. Assim, o legislador procurou, “estabelecer um mecanismo mediante o qual as naturais tensões entre os diferentes usuários dos recursos ambientais possam ser amenizadas dentro de uma perspectiva de utilização racional” (ANTUNES, 2007, p.56). Núcleo deste pensamento é o desenvolvimento sustentável com utilização racional e inteligente dos recursos ambientais, restando à fauna a proteção em razão de seu valor como qualidade de vida ao homem. No entanto, ao reconhecer sua importância passa-se a tecer novo olhar sobre a sua utilização. 2.2 Evolução da legislação de proteção ambiental no mundo O Direito Internacional por meio de convenções e tratados, demonstrou a preocupação do mundo com os recursos naturais como um todo, estabelecendo relações de cooperação para sua proteção. As ações iniciais, no direito ambiental internacional, a partir do século XIX, eram tomadas pontualmente com objetivos específicos, tais como: proteger a terra da poluição pela fumaça, pelo lixo e proteger os cursos d‟água. Em relação à fauna, 20 no dizer de Gordilho (2009, p.26), “só muito raramente protegiam as espécies, que continuavam a ser simples recurso econômico.” BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) De acordo com Séguin (2002), data de 1861 a criação do Parque Nacional de Yosemita, nos Estados Unidos, o primeiro do mundo a preservar a flora e a fauna em sua totalidade. A partir do século XX observa-se uma postura diferente do direito internacional ambiental quanto à proteção de algumas espécies da fauna selvagem. A Convenção de Paris, assinada em 1902, embora protetiva, ainda conservava uma visão centrada no recurso econômico do meio ambiente, uma vez que protegia somente algumas espécies de pássaros, enquanto outros eram considerados animais nocivos. Progressivamente foram surgindo novos documentos internacionais com uma abrangência de proteção à fauna de maior significado, embora preservassem forte viés de proteção de recurso econômico. Assim, foi celebrada, em 1933, a Convenção de Londres, que tratava da conservação da fauna e da flora silvestre. No entanto, esta proteção restringia-se à África colonizada da época, protegendo apenas algumas espécies da fauna selvagem. A Convenção de Washington de 1940 procurou dimensionar melhor esta proteção. Sucedeu-as a Convenção Africana, assinada na Argélia em 1968, tendo como objeto a conservação da natureza e dos recursos naturais. A Convenção Africana de 1968 foi a primeira a adotar uma visão abrangente da proteção ambiental, ponderando a conservação e a utilização do solo, das águas, da fauna e da flora de maneira sistematizada com princípios de proteção não apenas dos indivíduos das espécies ameaçadas, mas também de seu habitat, com a consequente responsabilidade dos Estados, segundo Gordilho (2009). Outro evento ambiental marcante para o Direito Ambiental Internacional foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, que aconteceu em junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia. Dessa conferência resultaram os seguintes documentos: a Declaração de Estocolmo, o Plano de Ação para o Meio Ambiente, uma resolução sobre aspectos financeiros e organizacionais no âmbito da ONU e o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. Conforme Castro (2006, 21 p.15), “no documento final, os países signatários fixaram princípios comuns em vista da necessidade de orientar os povos de todo o mundo na preservação e melhoria do BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) meio ambiente.” O Brasil não foi signatário da Declaração de Estocolmo. As posições defendidas pelos governantes sofreram muitas críticas da comunidade mundial, pois o projeto de desenvolvimento do país não considerava a proteção ambiental. Conforme Antunes (2007, p.95), “a posição brasileira oficial era de que as agressões à natureza eram secundárias, sendo mais importante o desenvolvimento econômico”, ou seja, primeiro o progresso, a dimensão econômica. A Declaração de Estocolmo, com seus 26 princípios, denota uma preocupação com relação à degradação do meio ambiente, que no entender de Lanfredi (2002, p.71) foi “o primeiro grande passo dado, em nível internacional, para a tutela jurídica do meio ambiente, tendo a mesma importância que a Declaração dos Direitos do Homem.” A Declaração da Conferência da ONU no Ambiente Humano alerta no sentido de ser necessária constante avaliação das ações humanas, conforme segue: O homem deve fazer constante avaliação de sua experiência e continuar descobrindo, inventando, criando e progredindo. [...] a capacidade do homem de transformar o que o cerca, utilizada com discernimento, pode levar a todos os povos os benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a oportunidade de enobrecer sua existência. Aplicado errônea e imprudentemente, o mesmo poder pode causar danos incalculáveis ao ser humano e a seu meio ambiente (www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc. Acesso em 07 set. 2009). Em relação à proteção à fauna, o Princípio 4 da mesma Declaração assim se manifesta: O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu habitat, que se encontram atualmente, em grave perigo, devido a uma combinação de fatores adversos. Conseqüentemente, ao planificar o desenvolvimento econômico deve-se atribuir importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres (www.mma.gob.br/estruturas/ agenda21/_arquivos/estocolmo.doc. Acesso em: 07 set. 2009). A partir desse documento, ocorre uma aceitação dos princípios pelas nações em geral, e uma evolução cada vez mais observável, mediante assinatura de 22 acordos, protocolos, além de convenções internacionais de proteção ao meio ambiente, conforme aponta Lanfredi (2002). Nesse sentido também manifesta-se BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Freitas e Freitas (2001, p.23), afirmando que “a presença dos mais importantes países e os princípios que foram nela consagrados acabaram por influenciar o Direito em todo o mundo”. No ano de 1973 foi celebrada a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), da qual o Brasil é signatário, evento que instituiu a cooperação internacional como mecanismo fundamental ao combate do tráfico internacional de animais, de acordo com Rodrigues (2003). O aumento significativo de acidentes ambientais marcou o despertar de uma nova consciência ambiental, conforme Séguin (2002), o que levou a Assembléia Geral da ONU a convocar uma nova Conferência Ambiental – a ECO-92, também conhecida como Cúpula da Terra, que teve espaço no Rio de Janeiro, com a participação de 178 governos. Desse evento resultou a assinatura das Convenções: Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e a Convenção sobre a Diversidade Biológica, além de outros documentos, dentre os quais a Agenda 21. A ECO-92 reafirmou a ideia de desenvolvimento sustentável, já referida pela Declaração de Estocolmo há duas décadas, em que a utilização dos recursos naturais pelo homem, em seu benefício, não signifique a destruição da natureza, conforme Castro (2006). Assim, garante a soberania dos Estados na exploração de seus recursos, porém exige a adoção de medidas protetivas ao ambiente natural, a fim de garantir o desenvolvimento sustentável. Fixou também responsabilidades por danos ambientais, e estabeleceu os princípios da precaução e do poluidor-pagador. No entender do mesmo autor, apesar de não ter expressamente se referido à fauna, ao falar em recursos ambientais, certamente estava estabelecendo regras também com relação à proteção dos animais. Não obstante, a destruição ambiental continua ocasionando a extinção de espécies da fauna e flora silvestres, e consequentemente o comprometimento de recursos para as gerações futuras. Nesse sentido, preceitua Gordilho (2009, p.31): 23 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) [...] os instrumentos jurídicos apresentados pelo direito internacional ambiental esbarram sempre nas questões da soberania dos Estados e na necessidade de exploração dos recursos naturais pelos países periféricos, que, muitas vezes, encaram a proteção ambiental como um entrave ao seu desenvolvimento econômico. Na mesma direção, segundo Margarida Cantarelli, apud Gordilho (2009, p.53): [...] embora existam interesses comuns e convergentes entre os Estados na denominada sociedade internacional, o individualismo fundado no conceito de soberania tem sido um fator de conflito, cujo efeito desagregador tem dificultado a convergência dos interesses comuns que poderiam constituir não uma simples sociedade, mas uma verdadeira comunidade internacional. Por fim, importante mencionar a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em 27 de janeiro de 1978, em Bruxelas, pela Organização das Nações Unidas para a Educação – UNESCO, da qual o Brasil é signatário, em que é conferido aos bichos uma série de direitos, conforme colacionado abaixo: Artigo 1º Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência. Artigo 2º I - Todo o animal tem o direito a ser respeitado. II - O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais III - Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem. Artigo 3º I -Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. II - Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia. Artigo 4º I -Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir. II - Toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito. Artigo 5º I - Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie. II-Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito. Artigo 6º I -Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. II-O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 24 Artigo 7º Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso. Artigo 8º I -A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação. II-As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas. Artigo 9º Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor. Artigo 10º I -Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem. II-As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal. Artigo 11º Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é, um crime contra a vida. Artigo 12º I -Todo o ato que implique a morte de um grande número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie. II-A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio. Artigo 13º I -O animal morto deve de ser tratado com respeito. II-As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal. Artigo 14º I -Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível governamental. II-Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem. Para Santana, apud Castro (2006, p.32), mesmo que “a linguagem dos direitos universais não obriguem as nações, servindo, no máximo, como exortação moral”, o governo participa das discussões que podem levar à transformação dessas resoluções em legislações internas. Consequentemente a proteção da fauna sai fortalecida com todo este arcabouço de tratados, convenções, textos normativos, enfim, porém somente uma mudança comportamental do homem, uma tomada de consciência capaz de ampliar a percepção humana fará a diferença e levará a ações de proteção em razão do valor da vida em si, que também tem seu motivo de existência nos animais. 25 2.3 Evolução dos pensamentos éticos BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 2.3.1 A evolução da relação entre os homens e os animais No princípio, o homem era somente mais um ser que se formou no contínuo desenvolvimento do planeta a cumprir as funções vitais de se alimentar, crescer e reproduzir. Tempos depois, o homem descobre o som e inicia-se a comunicação, que se constitui em importante instrumento de socialização da espécie. E então, da necessidade de perpetuar os conhecimentos e habilidades, evolui o sentido de crença, que se constitui em importante marco dentro da sociedade primitiva, de acordo com Serra-Freire (2003). Este fato é destacado pelo autor: A crença gera a fé e essa subsidia a religiosidade do Homem; acreditar sem ver ou experimentar; construiu-se o terceiro grande pilar de sustentação da sociedade, a Religião. [...] Tudo o que o homem não consegue explicar por si, ele aceita por fé nas explicações comunicadas por outros (SERRAFREIRE, 2003, p.343). Com a vida sedentária, o convívio dos humanos com os animais ganha novas formas. Ocorre a formação de clãs e tribos e o homem começa a domesticar os animais. Primeiramente como parceiros com relações de respeito às espécies domesticadas. Depois, com a necessidade do cultivo dos alimentos pela troca da vida nômade, os animais foram utilizados como aliados, na função de trabalhadores, executando as tarefas em que eram necessárias forças maiores. Sua utilização segue também como meio de transporte, ampliando o domínio territorial do homem. Com o aumento das populações, cresce a demanda por alimentos e os animais domesticados são também utilizados como fonte alimentar. Passam assim a ter a função também de reserva de alimento para o homem, cuja vontade “assume o poder divino de decretar o fim de suas vidas” (SERRA-FREIRE, 2003, p.345). A dominação dos animais pelo homem tem origem também na tradição judaico-cristã, em que o homem é percebido como criatura a imagem e semelhança de Deus - o Criador, conferindo-lhe uma posição especial no universo. 26 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Assim ensina a Bíblia, apresentando em Gênesis a seguinte citação: Produza a Terra os seres viventes segundo as suas espécies. Façamos o Homem à imagem e semelhança de Deus; que ele domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, os animais selvagens e sobre todos os répteis que se arrastem na Terra. Nesse sentido, percebe-se que, historicamente, o pensamento pré-cristão aborda a criação do universo estabelecendo a relação de submissão da natureza, dos animais com os homens, da mesma forma que a concebia o povo hebreu, conforme o filósofo australiano Peter Singer (2004). Para este autor, as condutas ocidentais com os animais têm origem nas tradições do judaísmo e da antiguidade grega, que confluem no cristianismo, cujas ideias se tornam predominantes na Europa. Uma visão mais esclarecida em relação às atitudes com os animais vai surgindo a medida que os pensadores assumem posições independentes da Igreja, o que no entanto, “com relação a alguns aspectos fundamentais, ainda não rompemos com as atitudes aceitas de forma inquestionável na Europa até o século XVIII” (SINGER, 2004, p.211). Observa Serra-Freire (2003, p.349) que os judeus ortodoxos transformaram, por meio da leitura literal, o Gênesis em manual de comportamento, permitindo que “esse ensinamento, aos poucos, fosse sendo deturpado e o Homem passasse a se considerar dono da natureza e dos animais”. Para Singer (2004), além do pensamento hebraico, também a tradição da antiga Grécia teve forte influência no mundo ocidental, apesar das tendências conflitantes entre seus pensadores divididos em escolas rivais. Assim, Pitágoras, vegetariano, influenciou seus seguidores a tratar com respeito os animais, por acreditar que as almas dos homens mortos eram acolhidas por eles. No entanto, a escola mais importante foi a de Platão e seu discípulo Aristóteles. De Aristóteles ressalta-se o seu apoio à escravidão, com o argumento de que alguns homens são escravos “por natureza e a escravidão [...] era correta e vantajosa para eles” (SINGER, 2004, p.214). Tal posicionamento explica sua atitude para como os animais. Afirma que sua existência justifica-se para servir aos interesses dos homens. 27 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) O posicionamento de Aristóteles: Não nega que o homem é um animal; de fato, ele define o homem como um animal racional. Compartilhar uma natureza animal comum, contudo, não é o bastante para justificar uma igual consideração. [...] o homem que é escravo por natureza é, sem dúvida, um ser humano tão capaz de sentir prazer e dor quanto qualquer outro ser humano; no entanto, como é considerado inferior ao homem livre quanto ao seu poder de raciocínio [...] considera-o um instrumento vivo (SINGER, 2004, p.214). Desta forma, são desnecessários argumentos com relação ao direito dos seres humanos de dominarem os animais, que parecia evidente para este pensador. Afirmava que a natureza era uma hierarquia em que a existência dos que possuem menos capacidade de raciocínio justifica-se em benefício dos mais capazes. Conforme Singer (2004), foi o posicionamento de Aristóteles que se firmou como parte da tradição ocidental. Também nesse entender, destaca Rodrigues (2003, p.37), “na cosmovisão aristotélica, imperava a supremacia do ser humano sobre a Natureza e sobre todos os outros seres, os quais estariam a serviço do homem”. Este pensamento influenciou a formação de uma visão antropocêntrica. De acordo com Bahia (2006, p.88), Aristóteles pregava que “os seres vivos encontravam-se dispostos numa ordem hierárquica, onde cada um possuía determinada utilidade, devendo servir àqueles que se encontram acima deles na pirâmide”. A partir destas constatações, a razão é utilizada como critério para a exclusão de seres humanos e demais animais da esfera de consideração moral. No pensamento cristão houve com o tempo a assimilação das ideias judaicas e gregas com relação aos animais, no entanto, sua influência no Império Romano, construído com guerras de conquista, nas quais o caráter dos cidadãos era fortalecido pelos jogos em que cristãos eram atirados aos leões no Coliseu, teve seu maior impacto ao introduzir a ideia da sacralidade de toda a vida humana e somente da vida humana, conforme Singer (2004). Nesse entendimento, Não que os romanos não tivessem qualquer sentimento moral. Demonstravam grande consideração pela justiça, dever público e até bondade com os outros. O que os jogos mostram, com repulsiva clareza, é que havia um limite preciso para esses sentimentos morais. Se um ser se BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 28 ajustasse a esses limites, atividades comparáveis às que ocorriam nos jogos seriam consideradas ultrajantes e intoleráveis; quando um ser se situava fora da esfera de consideração moral, contudo, a imposição de sofrimento era considerada mero entretenimento. Alguns seres humanos – sobretudo criminosos e militares cativos – e todos os animais situavam-se fora dessa esfera (SINGER, 2004, p.216). Assim, o cristianismo trouxe a ideia da singularidade da vida humana, estando reservada ao homem uma vida depois da morte. Melhorou as atitudes na esfera moral da vida humana, mas com relação aos animais reforçou a ideia de sua inferioridade com relação aos humanos. Os jogos romanos com combates entre gladiadores restaram extintos no final do século IV. No entanto, os jogos em que eram mortos e torturados animais continuaram sem qualquer crítica. Segundo Singer (2004), o cristianismo deixou os animais fora da esfera da compaixão e as atitudes para com eles continuaram tão brutais como nos tempos da formação do Império Romano. Muito tempo mais tarde, São Tomás de Aquino, representante da filosofia cristã anterior à Reforma, manifestou-se sobre as relações homens e seres não humanos, afirmando não haver pecado em usar os animais para o bem do homem, confirmando a posição de Aristóteles. Para ele, a questão se justifica pelo fato de humanos serem considerados “mais perfeitos”, podendo matar os animais por esta razão. Na visão de Singer (2004, p.220), no arcabouço moral deste religioso, estas ações não se constituem em pecado, pois “divide os pecados entre aqueles cometidos contra Deus, contra si próprio e contra nossos semelhantes. [...] os limites da moralidade excluem os seres não-humanos”. Conclui que a única razão contra a crueldade com os animais é ser uma atitude que pode levar à crueldade com seres humanos. Nesse entender, Bahia (2006) diz que a obra de Tomás de Aquino apresenta forte influência do pensamento aristotélico ao considerar natural qualquer forma de utilização animal, não avaliando maus tratos praticados como pecado, pois que os animais existiam para uso humano. A influência de Tomás de Aquino foi duradoura. Conforme Singer (2004), somente em 1988 uma afirmação autorizada da Igreja Católica Romana sinalizou que a questão ecológica começava a afetar os seus ensinamentos. Assim, o papa João Paulo II, na Encíclica Sobre a Solicitude Social, 29 apela para que o desenvolvimento humano leve em consideração os seres que fazem parte do mundo natural. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Muitos católicos, como São Francisco de Assis, esforçaram-se para melhorar a posição da Igreja com relação aos animais, preocupando-se com o seu bem-estar. Na verdade, segundo Singer (2004, p.223), ”muitas lendas falam de sua compaixão e a história de sua pregação aos pássaros certamente parece implicar que o abismo entre eles e os seres humanos era menor do que supunham outros cristãos”. Em seguimento, vem o humanismo renascentista e a ideia de que “o homem é a medida de todas as coisas” – frase buscada dos gregos clássicos que de acordo com Singer (2004), enfatizavam a ideia da singularidade da vida humana, com avanços em relação às atitudes para com seres humanos. No entanto, em relação ao comportamento com os não-humanos nada se alterou. Mais tarde, já no século XVII, iluministas como René Descartes concluíram que os animais eram desprovidos de consciência, sendo desta forma incapazes de sentir dor, o que veio a confirmar a ideia cristã de que “os animais são mental e espiritualmente vazios”, conforme Chuahy (2009, p.12), que veio legitimar qualquer forma de utilização dos animais. Descartes sustentou sua teoria mecanicista, ou seja, tudo que consiste de matéria é dominado pelos princípios da mecânica, como o funcionamento de um relógio, segundo Singer (2004). Para evitar que tal conceito se aplicasse aos seres humanos, introduziu a ideia de alma, assim, para tal filósofo, existiam coisas da alma e coisas de natureza física. Identificou a consciência presente nos humanos com a alma imortal criada especialmente por Deus. Deste modo, apenas os homens possuem alma, concluindo-se que os animais não possuem a alma imortal e tampouco consciência. Tais seres são dirigidos pelos mesmos princípios de um relógio, não sentem dor nem prazer, e, se suas ações são mais complexas que as da máquina “é porque o relógio é uma máquina feita por seres humanos, ao passo que os animais são máquinas infinitamente mais complexas, feitas por Deus” (SINGER, 2004, p.227). 30 Descartes acreditava que o seu método seria capaz de originar todas as leis da natureza. Conforme François Ost, apud Bahia (2006, p.91), ele “terminou por BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) ocupar o lugar do Criador e por substituir o caos natural pela matéria mecanizada”. Nessa época, a prática da experimentação em animais vivos difundiu-se na Europa, segundo encontramos em Libertação Animal: Como então não havia anestésicos, esses experimentos devem ter feito os animais se comportar de tal forma que indicaria, para a maioria de nós, estarem sofrendo dor intensa. A teoria de Descartes permitia aos experimentadores que desconsiderassem quaisquer escrúpulos que pudessem ter nessas circunstâncias. O próprio Descartes dissecou animais vivos com o objetivo de aumentar seus conhecimentos de anatomia, tendo muitos fisiologistas renomados da época se declarado cartesianos e mecanicistas (SINGER, 2004, p.228). A influência de Descartes, nos dizeres de Serra-Freire (2003, p.350), foi tão significativa que ainda hoje existem cientistas que continuam achando que “o sistema cartesiano é o único seguro para as conclusões”. As experiências em animais vivos acabaram revelando uma enorme semelhança com a fisiologia dos humanos e, embora suas conclusões fossem coerentes com os argumentos de Descartes, seu ponto de vista passou a ser questionado, como aborda Singer (2004). Nesse sentido, expressou-se Voltaire, apud Singer: Há bárbaros que pegam este cão, que tanto excede o homem em fidelidade e amizade, e o pregam numa mesa para dissecá-lo vivo, só para mostrar-te as veias mesentéricas! Encontras nele os mesmos órgãos que também existem em ti. Responde-me, mecanicista, a Natureza dispôs todas essas fontes de sentimento nesse animal para que ele não possa sentir? (SINGER, 2004, p.228). De acordo com o mesmo autor, mesmo não ocorrendo uma radical mudança de postura com relação aos animais, houve gradual reconhecimento de que os animais não humanos também sofrem e que merecem consideração. Na mesma linha de pensamento, manifesta-se Bahia (2006, p.92), “o surgimento de novas sensibilidades modificou, ainda no período moderno, a forma como boa parte das pessoas percebiam a sua relação com os animais”. Assim, Thomas Keith, apud Bahia (2004, p.92 e 93) afirma: BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 31 [...] é no quadro da tradição que estimava pelos animais que devemos compreender como aumenta, no início do período moderno, a tendência de cientistas e intelectuais de romper a rígida fronteira que os teóricos anteriores procuravam construir entre homens e animais. Aos poucos e com base nos novos conhecimentos científicos, a diferença intelectual entre homem e animal passou a ser vista não como uma questão de gênero, mas, como uma questão de grau e as pessoas mais familiarizadas com os animais começaram a acreditar que a linguagem não era exclusividade do homem. Conseqüentemente, a fronteira entre homem e animal tornou-se cada vez mais vaga. A idéia da superioridade humana sofreu o seu golpe decisivo com a descoberta da anatomia comparada que evidenciava a semelhança entre a estrutura dos corpos humano e animal. Aos poucos, sobreveio uma mudança de postura em relação aos animais, porém, somente com a obra de Jeremy Bentham publicada em 1789 é retomando o pensamento ético da antiga Grécia pertinente a eles (MASCHIO, 2002). Singer (2004, p.210) argumenta que “para acabar com a tirania precisamos, antes de tudo, entendê-la”. Deste modo, atitudes como “o assassinato de animais selvagens por esporte ou para lhes tirar a pele” podem ser apropriadas e compreendidas como “manifestações da ideologia de nossa espécie”, ou seja, atos que nós, animais humanos dominantes, temos em relação aos outros animais naturalmente. No entanto, as atitudes das gerações passadas com os animais, no entender do mesmo autor, não nos convencem mais, pois que possuem seus argumentos embasados em pressupostos religiosos, morais ou metafísicos, arcaicos. Hoje não são defensáveis atitudes para com os animais como São Tomás de Aquino defendia em seu tempo, portanto “temos de estar dispostos a aceitar que ele utilizou ideias religiosas, morais e metafísicas do seu tempo para mascarar os simples interesses dos seres humanos quanto ao modo de lidar com os animais” (SINGER, 2004, p.211). Assim, no seu entendimento, conclui que: Se pudermos ver que as gerações passadas aceitaram como certas e naturais atitudes que reconhecermos como camuflagens ideológicas para práticas que nos são convenientes – e se, ao mesmo tempo, não pudermos negar que continuamos a utilizar animais para defender nossos interesses menores em detrimento de seus interesses maiores – poderemos ser convencidos a examinar, com uma visão mais cética, as justificativas de práticas que tomamos como certas e naturais (SINGER, 2004, p. 211). 32 De acordo com Rodrigues (2003, p.29), Charles Darwin ao publicar A Origem das Espécies, em 1859, mudou radicalmente a concepção sobre todas as criaturas BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) existentes, inclusive o ser humano, que passou a ser entendido “a partir de uma mudança evolucionária e modificativa das espécies e não uma criação de Deus”. Em sua obra, Darwin apontou que as diferenças entre os homens e os animais não eram tão significativas quanto se imaginava, e compara no capítulo 3 de A Origem do Homem os poderes mentais dos humanos e animais ditos inferiores, conforme abaixo se transcreve: Vimos que os sentimentos e a intuição, as várias emoções e faculdades, tais como amor, memória, atenção e curiosidade, imitação, razão, etc., das quais o homem se orgulha, podem ser encontradas em estado incipiente, ou mesmo, por vezes, numa condição bem desenvolvida, nos animais inferiores (DARWIN apud SINGER, 2004, p.233). No entanto, apesar das evidências também retratadas no trabalho subsequente deste estudioso A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, em que são analisadas as diferentes manifestações das expressões e comportamentos observáveis na vida emocional de humanos e não-humanos, há uma forte resistência a estes conhecimentos. Assim, nos dizeres de Singer (2004, p.233), “a idéia de que somos produto de um ato especial da criação e que os outros animais foram criados para nos servir não seria abandonada com facilidade”, apesar de as provas científicas com relação à teoria de Darwin serem indiscutíveis. Conforme o mesmo autor, Somente aqueles que preferem a fé religiosa a crenças assentadas em raciocínio e em provas podem ainda afirmar que a espécie humana é a „queridinha‟ especial de todo o universo, que os demais animais foram criados para fornecer-nos alimentos ou que temos autoridade divina sobre eles e permissão divina para matá-los (SINGER, 2004, p.233). Também com esse discernimento, Gordilho afirma que: Apesar da destruição das estruturas da tradição antropocêntrica moderna, promovidos por Darwin, ao provar que existe uma continuidade entre os homens e as demais espécies, estes últimos continuam excluídos da esfera de consideração jurídica ou moral (GORDILHO, 2009, p.129). Assim, compreende-se que, apesar de cientificamente provada a Teoria de Darwin, ainda não houve uma repercussão de suas ideias na esfera da ética. 33 Segundo o mesmo autor, pesquisas científicas sobre as atividades mentais dos animais têm sido implementadas significativamente, com resultados que vêm BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) derrubando as velhas teorias que diziam ser intransponíveis as fronteiras entre os humanos e as demais espécies. Conforme argumento de Gordilho (2009, p.131), “o que a ciência tem demonstrado é que o homem é apenas mais uma espécie na cadeia evolucionária, inexistindo qualquer característica que o distinga dos animais”. Ao comparar o homem aos grandes primatas, a semelhança entre os códigos genéticos do homem e do chipanzé são quase idênticos, 99,4%, de acordo com pesquisa publicada, conforme expõe Gordilho (2009). O autor conclui dizendo que as descobertas científicas inevitavelmente nos levarão a mudanças nas esferas da moral e do direito, e atitudes que hoje são dispensadas aos animais certamente causarão indignação às gerações seguintes. Relato de Sagan (2008, p. 249-250) em relação ao comportamento dos animais versa que: No século XX, pela primeira vez os pesquisadores de campo viveram com outros primatas, observando cuidadosamente o seu comportamento nos seus habitats naturais e descobrindo compaixão, previsão, ética, caça, guerrilha, política, uso de ferramentas, fabricação de ferramentas, música, nacionalismo rudimentar e uma legião de outras características que antes se considerava serem unicamente humanas. O debate sobre a lingüística dos chipanzés ainda está em curso. Mas há um bonobo em Atlanta chamado Kanzi que usa com facilidade uma linguagem simbólica de várias centenas de caracteres e que também aprendeu sozinho a fabricar instrumentos de pedra. Deste modo, as semelhanças dos comportamentos vão se comprovando de forma indiscutível, cada vez mais. Embora todos os avanços científicos, a natureza ideológica das justificativas humanas para a utilização dos animais são consideráveis. Segundo Singer, concluise que: Quando as fundações de uma posição ideológica são solapadas, novas fundações devem ser encontradas, caso contrário, a posição ideológica simplesmente se manterá suspensa, desafiando o equivalente lógico da lei da gravidade. No caso da atitude para com os animais, parece que foi o que aconteceu. Embora a visão moderna de nosso lugar no mundo difira enormemente de todas as que estudamos antes, no tocante a prática de BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 34 como agimos com relação aos demais animais pouco mudou. Se os animais não estão mais completamente fora da esfera moral, ainda se encontram numa seção especial, próxima da borda externa. Seus interesses são levados em conta somente quando não se chocam com os interesses humanos. Quando há colisão – mesmo uma colisão entre uma vida de sofrimento e a preferência gastronômica de um ser humano – o interesse do não-humano é desconsiderado. A atitude moral do passado está demasiadamente arraigada em nosso pensamento e prática para ser perturbada por uma mera mudança no conhecimento que temos de nós mesmos e de outros animais (SINGER, 2004, p.239). Assim, a construção deliberada de ideias para legitimar a submissão dos animais às vontades humanas parece distante de ser abolida. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 3 INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO: CRIMES AMBIENTAIS PRATICADOS CONTRA A FAUNA 3.1 A proteção da fauna no Brasil A fauna como importante elemento da vida no planeta é também um dos mais ameaçados pela ação do homem. Em defesa dos animais encontra-se na legislação brasileira a Constituição Federal, as Constituições Estaduais, Leis Orgânicas dos Municípios, demais leis extravagantes e estatutos. Neste segmento será analisada a proteção consagrada pela Constituição Federal e a proteção penal conferida pelas demais legislações. 3.1.1 A proteção constitucional da fauna O ordenamento jurídico brasileiro traz presente a proteção constitucional dos animais. O artigo 225 da Constituição Federal em seu parágrafo 1º, inciso VII, expressa esta proteção, conforme segue: Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Estabelece o § 1º 36 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Do exposto artigo percebem-se diferentes leituras. Autores divergem quanto ao entendimento dessa proteção ser em razão de valores intrínsecos da natureza e dos animais ou somente por seu valor instrumental ao homem. Antunes (2007, p.27) defende que a Constituição estabelece ser o homem “o centro das preocupações do Direito Ambiental que existe em função do Ser Humano e para que ele possa viver melhor na Terra”. Segue argumentando que tal princípio: [...] precisa ser reafirmado com veemência, pois é cada vez mais freqüente a tentativa de estabelecimento de uma igualdade linear entre as diferentes formas de vida existentes sobre o planeta Terra, gerando situações extremamente cruéis que, sempre – e não tenho medo de afirmar de forma peremptória – prejudicam os setores mais pobres e desprotegidos da sociedade. A relação com os demais animais deve ser vista de uma forma caridosa e tolerante, sem que se admita a crueldade, o sofrimento desnecessário e a exploração interesseira de animais e plantas. Mas, evidentemente, não se pode perder de vista o fato de que o Homem é a medida de todas as coisas, como já nos ensinaram os gregos. A compaixão pelos animais é uma imposição para todos aqueles que se acreditam frutos da criação de um Poder Superior que a todos deu origem (ANTUNES, 2007, p.27). Observa-se, no entanto, que o direito ambiental vem demonstrando rompimento com o antropocentrismo, reconhecendo o homem como parte integrante da natureza e também o valor intrínseco de cada ser. Sarlet e Fensterseifer (2008) argumentam que ao determinar a proibição de práticas que provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, a Constituição Federal manifesta proteção não apenas em relação ao homem, mas também a outras formas de vida não-humanas considerando o seu valor não somente como instrumento em benefício do bem estar humano. Percebese que o constituinte revela, “preocupação com o bem-estar dos animais nãohumanos e a refutação de uma visão meramente instrumental da vida animal”, afirmam Sarlet e Fensterseifer (2008, p.197), reconhecendo dessa maneira a vida animal como um fim em si mesmo. 37 Também com relação à proteção constitucional, porém com diferente BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) reconhecimento quanto aos animais, Felipe (2008, p. 56) assim expressa: Ao estabelecer normas para coibir ações capazes de destruir a integridade ambiental, social e emocional dos membros da comunidade, as constituições democráticas determinam a igualdade, a liberdade, a dignidade e a autonomia como princípios éticos, políticos e jurídicos universais. Diferenças biológicas, étnicas, religiosas, filosóficas, estéticas ou de outra natureza não podem, de acordo com o que ditam as constituições democráticas, servir de critério para excluir da justiça na distribuição dos bens, membros que formam, juntamente com os cidadãos, a comunidade maior dos interesses ligados à preservação da vida. Assim, a todos os seres que agregam algum valor em sua existência, ainda que sejam tidos como meras coisas vivas, assim considerados os animais e os elementos físicos da natureza, não-sujeitos-de-direitos, reserva-se um âmbito na Constituição, o da tutela jurídica, para resguardar seu valor, entendendo-se sua destruição como acarretadora de danos ao sujeito tutor. Na explanação da autora, embora as Constituições tenham acolhido a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, há dificuldade em admitir a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em 27 de janeiro de 1978. Ou seja, somente a seres humanos dotados de razão, consagram-se estes princípios: respeito à liberdade, à igualdade, dignidade e autonomia com relação à própria vida. No entanto, a partir do momento que consagrados como referenciais nas Constituições ocidentais, a liberdade e a igualdade, tidas como: Princípios racionais [...], passaram a ser investigados pelos filósofos morais, em suas possibilidades de serem extensivas, ou não, para atender às necessidades da vida e da sobrevivência de animais não-humanos, destituídos de razão, mas dotados de sensibilidade (FELIPE, 2008, p.59). De acordo com o entendimento da autora: Enquanto não se alcançar o devido respeito a todos os seres capazes de sentir dor e de sofrer, não se poderá afirmar que uma constituição respeita a condição de vida dos seres vulneráreis. O respeito devido aos animais restabelece o respeito a humanos em condições ameaçadas pela hostilidade do poder e dos interesses alheios (FELIPE, 2008, p.82). Assim sendo, para muitos autores é com a compreensão de que a natureza e os animais existem para servir aos interesses dos cidadãos como um bem jurídico, reconhecendo sua importância para um ambiente ecologicamente equilibrado, que o Estado lhes concede a tutela. 38 Na interpretação de Bechara (2003, p.72), embora seja uma posição egoísta, “nosso ordenamento jurídico não confere direitos à natureza, aos bens ambientais BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) [...] que são tratados como objetos de direito, não como sujeitos”, e desta forma eles atendem aos interesses dos sujeitos de direito que são os seres humanos. Conclui que a preservação da natureza “não poderá prevalecer contra os interesses da humanidade, ainda que possa prevalecer contra os interesses particulares de alguns grupos ou de algumas pessoas” (BECHARA, 2003, p.73). Sob um outro olhar, Levai (2006) entende que a legislação brasileira leva em consideração o sofrimento animal sob os seguintes argumentos: Nosso Direito Ambiental, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, não se limita a proteger a vida do animal em função dos chamados bons costumes, do equilíbrio ecológico ou da sadia qualidade de vida. A noção de crueldade, longe de permanecer afeita apenas à saúde psíquica do homem, é universal e anterior ao direito positivo. Ações agressivas e dolorosas, longe de constituir simples conceitos abstratos, recaem sobre um corpo senciente. A dor é real, ainda que nosso sistema jurídico muitas vezes a desconsidere em relação aos animais. Ao dispor expressamente sobre a vedação à crueldade, o legislador pátrio erigiu um dispositivo de cunho moral que se volta, antes de tudo, ao bem-estar do próprio animal e, secundariamente, da coletividade. Apesar de sua acentuada feição antropocêntrica, a Constituição da República reconhece que os animais podem sofrer, abrindo margem para interpretação biocêntrica do preceito que veda a crueldade (LEVAI, 2006, p.178). Entretanto, mesmo não compreendidos como sujeitos de direitos, é reconhecida a necessidade da proteção á fauna, motivo porque uma série de determinações instituídas na legislação pátria, em especial a Lei 9.605/98. 3.1.2 A proteção penal da fauna A política criminal com relação ao direito ambiental não foi muito significativa no Brasil até a promulgação da Lei 9.605/98. Sua evolução foi lenta, sendo que a legislação penal na área ambiental não continha previsões normativas eficazes e atuais para a proteção ambiental. Conforme Lanfredi et al. (2004, p. 9), “foi a preocupação internacional com o meio ambiente que forçou o desenvolvimento da tutela jurídica dessa área em nosso País.” 39 A Carta Constitucional brasileira não só manifesta a tutela ao meio ambiente, como também “estabelece a indispensabilidade da proteção penal ecológica como BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) um dos aspectos mais importantes para proporcionar uma resposta jurídica às agressões ao ambiente” (Lanfredi et al., 2004, p.11). A Carta contém em seu art.3º a seguinte determinação: § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Além disso, instituiu que para assegurar a efetividade do direito ambiental, incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam animais a crueldade.” Deste modo, a legislação infraconstitucional que se seguiu, ao criminalizar as condutas humanas que resultem em crueldade e maus tratos contra os animais, realizou os princípios estatuídos na Lei Maior. No entanto, é somente como último recurso que a legislação de crimes ambientais se utiliza do instrumental penal para proteção do meio ambiente. Os tipos se caracterizam como de perigo, não sendo necessário o dano efetivo para que seja configurada a conduta delitiva. Desta forma, a tendência da moderna ciência penal é entender o crime ecológico como crime de perigo, conforme Lanfredi et al. (2004). Nesse sentido, expressam Costa Júnior e Milaré, como segue: O crime de perigo se verifica sempre que a lei transfira o momento consumativo do crime da lesão para aquele da ameaça, aperfeiçoando-se o crime no instante em que o bem tutelado encontrar-se numa condição objetiva de possível ou provável lesão. Obtém-se dessa forma a confortadora perspectiva de avançar a fronteira protetora de bens e valores, merecedores de tutela. De um ponto de vista político-criminal, portanto, o recurso aos crimes de perigo permite realizar conjuntamente finalidades de repressão e prevenção, sendo certo que o progresso da vida, moderna está aumentando em demasia as oportunidades de perigo comum, não estando a sociedade em condições de refrear certas atividades perigosas, tidas como condições essenciais do desenvolvimento que se processa. Em tal contexto [...] uma técnica normativa assentada na incriminação do perigo é a mais adequada a enfrentar as ameaças multíplices trazidas de muitas partes e por meios estranhos ao sistema ecológico (COSTA JÚNIOR e MILARÉ, 2002, p.1-2). 40 Desta forma, por meio dos tipos de perigo, procura-se antecipar a tutela penal do meio ambiente, pois que uma vez ocorrido o dano, muitas vezes não é mais BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) possível a sua reparação, de acordo com Lanfredi et al. (2004). No entender de Sarlet e Fensterseifer (2008, p.199), a Lei 9.605/98 ao mesmo tempo que pune as práticas que atentam contra a vida e o bem-estar dos animais ao positivar a reprovação social suscitadas por estas condutas, “reconhece, em certa medida, um valor (dignidade?) inerente à vida animal, tutelando-a de forma autônoma e independentemente da sua utilidade ao ser humano”. Também nesse sentido, Castro (2006, p.41) diz que: No que se refere à preservação ambiental, certamente que, qualquer ato que possa prejudicar, danificar, modificar, extinguir ou ferir um animal, terá uma repercussão social bem mais intensa do que os danos à flora ou aos bens culturais, exatamente em função da já referida ligação pessoal do homem aos bichos. A primeira legislação de proteção aos animais no Brasil foi o Decreto 24.645/34, no Governo de Getúlio Vargas, que referia atitudes que importavam em maus tratos contra os animais. É considerado, conforme Castro (2006, p.71), como “Código de Defesa dos Animais e tem sido aplicado no dia-a-dia como norte das atividades de proteção destes recursos naturais”. De acordo com o mesmo autor (2006, p.73), ao estabelecer em seu artigo 1º a tutela do Estado, o Decreto 24.645/34 determina que “o Estado, como entidade política representativa da vontade da população, tem a obrigação de preservar e defender o interesse dos animais”, como segue: Art. 1º. Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado. Em 1941, instituída através do Decreto-Lei 3.688, a Lei das Contravenções Penais proibia a crueldade contra os animais, tendo tal conduta permanecido como contravenção por uma longa data, de acordo com Dias (2005). Somente com a Lei dos Crimes Ambientais, houve uma tentativa de melhor sistematização para a aplicação da legislação penal ambiental no Brasil, compilando e aperfeiçoando as normas legais anteriores desde as Ordenações do Reino, a fim de “criar um „Estatuto dos Crimes Ambientais‟, com fulcro no mandamento 41 constitucional (art. 225, § 3º), além de prever sanções administrativas e estabelecer termos de cooperação internacional para a preservação ambiental”, observa Lanfredi BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) et al. (2004, p. 11). No entanto, tal sistematização também apresenta contrapontos, conforme manifesta Santana: [...] ao organizar em um único diploma a legislação penal de proteção ao meio ambiente, o legislador buscou produzir um ambiente que favorecesse a preservação dos valores ambientais, tornando a mensagem normativa mais acessível aos cidadãos. Acontece que essa função de acessoriedade administrativa faz com que o direito penal perca visibilidade e credibilidade perante a generalidade dos cidadãos, pois a matéria costuma ser objeto de negociação direta entre o administrador e o potencial infrator (SANTANA, 2004, p.138). O autor também relata a dificuldade para a imputação da responsabilização individual pela conduta tipificada, para a aplicação da pena, pois que muitas vezes a infração tem como autoria “todo um conselho de administração de uma sociedade comercial ou toda a direção de um estabelecimento industrial”, afirma Santana (2004, p.138), ou seja, há uma série de vontades reunidas naquele proceder. Cabe ressaltar que “o caminho do direito penal ambiental é um caminho bastante árduo, pois não existe afirmação e aceitação sociais claras de que os atentados contra o meio ambiente sejam, de fato, considerados criminosos”, no entender de Antunes (2007, p. 790). Dessa forma, a evolução do direito penal ambiental mostra-se lenta e a legislação vigente de difícil aplicação, conforme os autores Calhau (2003) e Dias (2005). Acaba existindo uma tolerância da crueldade contra os animais não humanos na legislação brasileira, uma vez que ao proibir práticas que os submetam à crueldade, a Constituição Federal não explicita todo e qualquer ato praticado contra o animal, tendo na interpretação de Bechara (2003, p.69), a própria Constituição possibilitado, “ainda que implicitamente, a prática de algumas atividades que, embora cruéis [...], atendem a direitos fundamentais da pessoa humana”, ou seja, algumas práticas são devidas para garantir qualidade de vida ao homem, razão maior da Carta Magna. 42 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Observa também que: A questão mais tormentosa para os cientistas do Direito diz respeito ao discernimento entre as atividades praticadas contra os animais consideradas cruéis, dentro do conceito jurídico indeterminado „crueldade‟ utilizado pela Constituição, e as demais atividades praticadas contra a fauna, mas em nome da sadia qualidade de vida do homem, e que, justamente por isso, não são tomadas por cruéis, no sentido que a Lei maior empresta ao termo (BECHARA, 2003, p.69-70). A mesma leitura se faz também em outros autores como Levai (2006, p.172), ao expor que, apesar de ser contrário à violência aos animais, “nosso sistema jurídico, permissivo de condutas cruéis, admite, aceita e muitas vezes até estimula as atrocidades cometidas pela espécie que se diz racional [...]”, para tanto, basta observar a realidade dos espetáculos públicos nos picadeiros, nas criações de animais nas fazendas e a exploração de animais na miséria das ruas. Percebe-se também tal tratamento cruel na Lei dos Rodeios (Lei Federal 10519/02) na qual houve algumas restrições ao uso de equipamentos torturantes, de modo a adequá-los e afastar a aplicação do art. 32 da Lei 9605/98. No entanto, tal prática não deixa de produzir sofrimento ao animal. Houve apenas flexibilização e uma certa tolerância aos procedimentos utilizados em nome do direito ao lazer, conforme Silveira (2008). Da mesma forma a Lei Federal 6638/79 – Lei de Vivissecção – que estabelecia apenas a vedação quanto ao não emprego de anestesia, tolerava práticas de crueldade em nome da ciência; o que a Lei dos Crimes Ambientais mudou radicalmente ao estabelecer limites criando a conduta penal em seu art. 32, § 1º conforme abaixo: Art. 32 [...] Parágrafo Primeiro – Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Silveira (2008) refere também que a Lei 51.987/67 – Código de Caça embora proíba a caça profissional e a caça amadorista, permite a realização da caça esportiva1. 1 Apesar de antigo, vários artigos do código de caça ainda continuam vigentes, posto que as leis posteriores não o revogaram por completo. No entanto, as penas e sanções não estão mais previstas neste, e sim na lei dos crimes ambientais. 43 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) De acordo com os §§ 1º e 2º, do art. 1º desta lei, [...] existe a possibilidade da utilização, perseguição, caça ou apanha de espécies da fauna silvestre se peculiaridades regionais comportarem o exercício da caça sendo a permissão estabelecida em ato regulamentador do Poder Público Federal, e se fosse praticado em terras particulares, o proprietário assumiria a fiscalização de seus domínios (CASTRO, 2006, p. 111) No entender do autor, esta prática a partir da Constituição Federal de 1988, com o disposto no art. 225 e também na Lei dos Crimes Ambientais, está proibida. Nesse sentido, argumenta que: O artigo 225 da Constituição Federal determinou que o meio ambiente é bem de todos e a todos cabe protegê-lo. Ora, se os animais fazem parte do meio ambiente, que é de todos, como poderia o proprietário de terras particulares permitir ali a caça, como se fosse dono dos animais? [...] o artigo 29 da Lei Federal 9605/98 considera crime matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre. A lei não pode permitir e regulamentar o exercício de ato considerado criminoso (CASTRO, 2006, p.112). A mesma leitura faz Gordilho (2009, p. 140), afirmando que: [...] desta forma o sistema jurídico brasileiro não garante sequer o direito à vida destes animais, que continuam sendo capturados e mortos diariamente, legal ou clandestinamente, tornando letra morta a norma constitucional que proíbe as práticas que coloquem em risco a função ecológica dos animais, provoquem a sua extinção ou submeta-os à crueldade. Pondera Bechara a inconstitucionalidade da prática da caça esportiva no Código de Caça: a caça esportiva, ainda que não ocasione danos ambientais, é inconstitucional, mesmo porque não é exatamente o temor de extinção dos recursos faunísticos que torna essa prática repugnante [...], mas sim as razões que levam à sua prática, ou seja, a sua razão de existir (BECHARA, 2003, p.113). Segue argumentando que: Não se pode admitir que o homem se sinta realizado em sua dignidade e equilíbrio emocional matando, por esporte, seres indefesos como são os animais. A morte dos bichos, às vezes inevitável, deve ser motivada por fatores mais relevantes, ou seja, por fatores que revelem que esta atitude é indispensável à sobrevivência humana. Fora disso, o animal estará sendo submetido, desnecessariamente, a um mal e, este quadro, para o Texto 44 Maior, importa em tratamento cruel, nos exatos termos do art. 225, 1º, inciso VII, in fine. (BECHARA, 2003. p.112). BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Também em espetáculos públicos como circos frequentemente são usados animais sem que haja uma fiscalização efetiva com relação a maus-tratos praticados no seu treinamento e manutenção. Desta forma, embora o amparo constitucional contido no art.225 é necessário atentar para que nenhuma lei infraconstitucional legitime a crueldade, que nenhum princípio de natureza econômica a releve, que pesquisas científicas que possam ser conduzidas com diferentes metodologias prossigam utilizando cobaias. Do mesmo modo, não se justificam mais manifestações culturais e religiosas que perpetuem rituais em que animais são desnecessariamente expostos a crueldades. Assim, traz a lei 9605/98 a tipificação de todas estas condutas a seguir abordadas. 3.2 Considerações sobre a Lei 9.605/98 Aprovada no ano de 1998, após tramitação longa e difícil, a Lei 9.605/98, trata dos crimes ambientais. Procurou “criar um dimensionamento mais adequado entre delito e pena, buscando-se um equilíbrio entre a gravidade do fato e a medida punitiva a ser aplicada”, conforme Antunes (2007, p. 787). Percebe-se uma função caracteristicamente preventiva e direcionada para a reparação do dano ou para a recuperação do ambiente lesado, além de atribuir a multa como função inibidora das condutas tipificadas. Nessa lei, muitas contravenções penais foram elevadas à categoria de crimes. No entender do mesmo doutrinador, aspecto importante também é a sistematização dos crimes ambientais produzida pela 9.605/98, que buscou ser uma lei uniforme e única sobre os ilícitos ambientais, que, no entanto, acabou não alcançando o resultado desejado, pois a cada nova lei ambiental surge um novo tipo penal. Ou seja, ”há uma produção legislativa descolada da realidade e fortemente influenciada por uma mentalidade „punitiva‟ que, na prática, se transforma em cestas básicas nos juizados especiais criminais”, observa Antunes (2007, p. 788), enquanto o dano causado não tem reparação. 45 Lanfredi (2006) aponta que o Estatuto dos Crimes Ambientais trouxe alguns aspectos inovadores, sendo principalmente, a responsabilidade penal e co- BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) responsabilidade da pessoa jurídica nos crimes ambientais; sanções com efeito educativo-penal como as penas alternativas à prisão, a função inibidora das multas e a previsibilidade de condenação da pessoa jurídica para custear programas ambientais, além de contribuir com entidades ambientais ou culturais públicas, e a adoção dos institutos da justiça penal com caráter consensual e reparatório. A Lei 9.605/98 estabelece nos artigos 29 ao 37 condutas para defesa da fauna. Destes, será analisado o determinado no artigo 32 que trata da proteção aos animais contra abuso ou maus tratos. A redação do artigo 32 é a seguinte: Art. 32 – Praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre na mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º a pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se ocorre morte do animal. A objetividade jurídica deste mandamento busca tutelar a fauna silvestre que integra o meio ambiente, a fauna doméstica ou domesticada, nativa ou exótica, ameaçada ou não de extinção contra abusos e maus tratos. Como sujeitos desses delitos, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa física ou pessoa jurídica imputável, e o sujeito passivo, a coletividade em geral. Sendo que os animais, conforme Milaré e Costa Júnior (2002), constituem o objeto material da conduta. O tipo penal do artigo em comento prevê várias modalidades de condutas, assim, como puníveis o legislador elenca: 1- “praticar ato de abuso”, ou seja, extrapolar os limites do animal, exigindolhe esforço além de sua capacidade; 2- “maus-tratos”, como castigo desnecessário; 46 3- “ferir”, que seria o lesionar ou cortar o animal; BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 4- “mutilar”, privar o animal de parte do corpo. Como maus tratos o artigo 3º do Decreto 24.645/34 ainda em vigor, contém um rol exemplificativo em seus 31 incisos, de condutas enquadráveis nestas ações. A responsabilidade nestas condutas é objetiva, independe de dolo ou culpa, ou seja, vontade consciente e livre de praticar qualquer das condutas elencadas, bem como realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, quando houver recursos alternativos. No entanto, conforme Milaré e Costa Júnior (2002, p.89), se o sofrimento do animal for inevitável, mesmo com o uso de anestésico, “o interesse público na descoberta de novas técnicas para cura de moléstias prevalece sobre o sofrimento do animal”. A consumação do delito ocorre com a realização das condutas descritas no tipo penal. Autores divergem quanto a ser admitida ou não a forma tentada. Sirvinskas (2004) diz ser inadmissível a tentativa, enquanto que autores como Freitas e Freitas (2001), Milaré e Costa Júnior (2002), dizem ser possível a forma tentada, bastando a hipótese de o agente vir a ser impedido antes de realizar o ato lesivo, como no caso de um evento de Rinha de Galos já anunciado, impedido de realizar-se antes do seu início pelo agente fiscalizador. Sirvinskas (2004) aborda como excludente de ilicitude condutas praticadas contra o animal em estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito (art. 23 do Código Penal), como também as hipóteses contidas no artigo 37 da Lei dos Crimes Ambientais aplicáveis quando do abate do animal. A ação penal, conforme artigo 26 da Lei dos Crimes Ambientais, é pública e incondicionada, sendo o rito sumário de acordo com o previsto no artigo 539 do Código de Processo Penal. Aplica-se a Lei 9099/95 e também a Lei 10259/01 do Juizado Especial Criminal. 47 Concluindo, tem-se que a Lei dos Crimes Ambientais fomentou a proteção da fauna de forma efetiva, dada a importância do bem jurídico tutelado: a vida em todas BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) as suas formas. 3.3 Legislação vigente x efetiva proteção A Constituição Federal, para assegurar e tornar efetivo o exercício do direito à vida em sua diversidade em uma estrutura ambiental equilibrada, estabeleceu ações e abstenções que devem ser observadas por todos, tanto Administração Pública como os particulares. No entanto, a efetiva proteção se espelha no cumprimento de um dos mais importantes princípios do Direito Ambiental: o princípio da prevenção, pois depois de causado o dano, dificilmente é possível reparar a lesão à vida, no sentido de que a indenização em dinheiro não consegue compensar a perda ambiental, conforme entendimento de Fiorillo (2007, p. 76): [...] é no sentido de assegurar a vida em todas as suas formas – e não no sentido de esperar que a mesma seja lesada ou destruída – que o artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal garante aos destinatários de referido direito a apreciação por parte do Poder Judiciário de toda e qualquer ameaça ao direito ambiental. Dessa forma, o instrumental jurídico contido nos mandamentos dos artigos 225 e 5°, XXXV da Carta Magna, busca impedir que a vida seja convertida em mera moeda de troca, provocando uma nova leitura processual quanto ao cumprimento das obrigações de fazer e de não-fazer quando determinadas pelo Poder Judiciário aos agentes que ameaçam o meio ambiente, no sentido de uma tutela jurisdicional preventiva. Nesse entender do Supremo Tribunal Federal, segue ementa: Ementa: Constitucional. Meio ambiente. Animais. Proteção. Crueldade. “Briga de galos”. I. A Lei 2.895, de 20.03.1998, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de competições entre “galos combatentes”, autoriza e disciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a Constituição Federal não permite: CF, art.225, § 1º, VII. II. Cautelar deferida, suspendendo-se a eficácia da Lei 2.895, de 20.03.1998, do Estado do Rio de Janeiro. Supremo Tribunal Federal. ADI 48 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 1856 MC/Rj – Rio de Janeiro MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator: Min. Carlos Velloso. Julgamento: Brasília, 03/09/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. A Lei 9.605/98 não dispôs sobre a competência para processar e julgar os crimes contra a fauna, no entanto, como a Constituição Federal determinou à União, Estados e Municípios zelar pelo meio ambiente, ao ser a coletividade prejudicada com tais ilícitos, cabe em princípio à Justiça dos Estados, e, excepcionalmente, à Justiça Federal, a competência para tratar dos crimes contra os animais, quando os espécimes atingidos estiverem protegidos em áreas da União, como parques nacionais ou reservas indígenas (FREITAS e FREITAS, 2001). A ação penal no caso dos crimes praticados contra animais será Pública Incondicionada e da iniciativa do Ministério Público. No entanto, permite-se no caso de sua omissão, utilizar a ação penal subsidiária (art. 5º, LIX, da Constituição Federal, art. 29 do Código de Processo Penal e art.100, § 3º, do Código Penal). Assim, nos crimes ambientais em que a pena máxima prevista seja igual ou inferior a um ano, considerados crimes de menor potencial ofensivo, será aplicada a Lei 9.099/1995, ou seja, transação penal e suspensão condicional do processo. Para tanto, será necessário a reparação do dano causado ao meio ambiente, salvo em caso de provada impossibilidade de assim proceder. Deste modo, a Autoridade Policial lavrará Termo Circunstanciado e o enviará ao Juizado Especial Criminal ou ao Juízo de Direito onde não houver o referido juizado especial. No que se refere os procedimentos, Lanfredi et al. (2004) expõem que, após confeccionado o Termo Circunstanciado e encaminhado ao juízo competente, as partes se comprometerão a comparecer ao Juizado determinado, sendo o primeiro ato a audiência preliminar. Nessa audiência, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da transação penal, mediante a recomposição prévia do dano ambiental e aceitação da pena (ou seja, multa ou pena restritiva de direitos). No caso de ocorrer a transação penal, proceder-se-á como segue: O Ministério Público, a defesa e o infrator ambiental discutem qual a melhor medida a ser aplicada ao caso em espécie. Em havendo consenso, o acordo será submetido à apreciação do juiz, o qual, verificando a presença dos pressupostos legais, proferirá uma decisão homologatória da transação. Esta não gera condenação, reincidência, lançamento do nome do autor da 49 infração ambiental no rol dos culpados, efeitos civis e nem maus antecedentes (SIRVINSKAS, 2004, p.105). BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Havendo transação, será afastada a instrução probatória e as partes estarão abrindo mão do devido processo legal. Conforme os mesmos doutrinadores, “nem o autor dos fatos estará reconhecendo sua culpabilidade nem a transação gerará reincidência” (Lanfredi et al., 2004, p. 34). O acordo relativo à composição do dano será reduzido a termo e homologado mediante sentença, possuindo eficácia de título executivo, conforme a Lei 9.099/95, em seu artigo 74. Não ocorrendo a transação, devido à ausência do autor do fato ou porque não houve entendimento, as tentativas de composição e transação restarão prejudicadas, cabendo então ao Ministério Público oferecer a denúncia e dar início à ação penal. Assim, no entender de Gordilho (2009), a eficácia da Lei de Crimes Ambientais tem sido viabilizada pelas inovações da Lei 9.099/95, que ao instituir novos institutos penais como a responsabilidade penal da pessoa jurídica, suspensão condicional do processo e, principalmente, a transação penal, vem possibilitando oferecer respostas rápidas aos crimes contra o meio ambiente. Contudo, o autor alerta que o papel do direito penal na política ambiental pode ter outra interpretação, conforme segue: Seja como for, não existe um consenso sobre a eficácia do direito penal ambiental, já que muitos juristas consideram que apesar da sua importância, o meio ambiente não deve ser tutelado através de normas penais, tarefa essa que seria melhor exercida pelas esferas civil e administrativa, mesmo porque o sistema criminal deve ser utilizado apenas como ultima ratio, sob pena de banalização e perda de legitimidade das normas penais (GORDILHO, 2009, p.80). Desse modo, a prevenção decorrente do direito penal ambiental passa a ter seu resultado questionado, como critica Hassemer apud Gordilho: [...] a prevenção geral positiva, decorrente do direito penal ambiental é nula, pois as pessoas já perceberam a sua ineficácia, vez que quase nunca os seus agentes são condenados, embora a cada dia sejam veiculadas na imprensa notícias de novos crimes ambientais sem que os responsáveis sejam punidos, o que o torna um direito meramente simbólico, por não proteger efetivamente os bens a que se propõe, servindo apenas para a jactância da classe política, vez que a legislação é uma forma pouco 50 custosa para o Estado e serve para acalmar o ânimo das reivindicações da sociedade (GORDILHO, 2009, p.82). BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Sob esta leitura, considerando o grande avanço dado pela Lei dos Crimes Ambientais, muito ainda precisa ser feito para a efetiva proteção ao meio ambiente e especificamente com relação aos animais, como se verá a seguir. 3.4 Crimes praticados contra os animais domésticos e domesticados atualmente no Brasil A Lei 9.605/98 não conceituou o que vem a ser entendido como crueldade, assim, busca-se sua definição em conceitos estabelecidos em legislações anteriores, valendo-se também da jurisprudência dos tribunais para sua interpretação. Conforme Silveira (2008, p. 236), os tribunais vêm atribuindo a estas condutas uma interpretação pautada por limitações culturais e socioeconômicas, pois a “interpretação jurídica [...] é uma manifestação da cultura de um povo”. No entanto, não pode a cultura incentivar a violência e a crueldade com relação aos animais. Segue na argumentação da mesma autora: Cremos que, matar por matar, em nome da recreação, ou matar para garantir um ano de bonança, proteção e realizações amorosas, como prática religiosa, parece-nos um ato cruel. Não é uma visão holística do mundo e nem sistêmica da natureza. O mesmo se diga do abate sem algumas regras de diminuição do sofrimento de animais domésticos (SILVEIRA, 2008, p.237). Conceituando crueldade, Primatt apud Felipe (2006), aponta que “crueldade significa causar mal, dor ou sofrimento injustificáveis, a seres vulneráveis”. Estabelece que há dois tipos de crueldades: a brutal, que é praticada por seres humanos contra os animais – ignorada pela lei e pela moral; e a forma humana, praticada por humanos contra os da mesma espécie – condenada pela lei e pela moral, contanto que “os da mesma espécie” não fossem negros, mulheres ou crianças. A tese central desse autor em sua dissertação sobre o dever de compaixão e o pecado da crueldade contra os animais brutos data de 1776 e tem como 51 fundamento que “as diferenças na aparência são irrelevantes à experiência da dor, como algo intrinsecamente mau para quem a sofre”. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) O sentimento de crueldade para com os animais deve perpassar esse mesmo sentir com relação ao homem, buscando superar a barreira das espécies. Crueldade já foi definida no Decreto 24.645/34, que havia previsto diversas condutas de maus tratos contra animais. A Lei dos Crimes Ambientais de 1998 não revogou tal decreto, nem trouxe consigo um novo conceito legal para ela, sendo que a Constituição Federal a trata como conceito aberto e indeterminado. Diante disso, a doutrina e a jurisprudência vêm determinando o seu alcance, conforme entendimento de Bahia (2006). Nesse sentido, a noção de crueldade vem sendo construída pelos tribunais, como abaixo colacionado: Ementa: Tiro ao pombo. Crueldade aos animais. Constituição da República. A Constituição da República protege a fauna e veda crueldade aos animais. Defendem-se não só os animais de extinção, mas o próprio homem de sua agressividade em se comprazer com tais espetáculos de abate desnecessário, como se fossem esporte. O tiro ao pombo pode atenuar-se em tiro ao prato, sem danos maiores e em favor de um crescimento da sensibilidade humana, respeito entre as espécies. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, Apelação Cível 592049746, Rel. Des. Milton dos Santos Martins. Julgado: Porto Alegre, 30/06/1992.) Cabe ressaltar a referência da ementa em buscar frear a agressividade humana e a sua tendência a saciar-se com o sofrimento do animal, procurando elevar o respeito entre as espécies como valores importantes, de acordo com Bahia (2006). Para também demonstrar a construção do conceito de crueldade, segue decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, a respeito de realização de provas cruéis em Rodeios e Festas de Peão, em São Caetano do Sul: Ementa: Ação Civil Pública. São Caetano do Sul. Rodeio. Legitimidade da prefeitura. Maus-tratos a animais. Proibição – 1. A Prefeitura promove os festejos, cabendo-lhe definir de que modo as atividades exploradas por terceiros serão desenvolvidas. Não se escusa por alegar ter empresa de eventos se responsabilizado pela realização do rodeio. 2. O autor demonstrou, suficientemente e sem contraprova da ré que os instrumentos utilizados, por provocar pulos nos animais (eqüinos e bovinos), implicam em maus-tratos e sofrimento, inseridos no conceito de crueldade proibida pela BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 52 lei. Não podem, em conseqüência, ser utilizados o sedém, peiteiras, esporas pontiagudas ou cortantes, sovelas elétricas, instrumentos e substâncias que tenham o mesmo efeito ou resultado. Correta a decisão de procedência. 3. Não pode a sentença proibir a realização de “rodeios”, expressão ampla que abrange atividades eqüestres que não incidem na proibição legal. Seu dispositivo fica explicitado para deixar certo que a proibição se restringe ao uso de tais meios cruéis ou a outras formas de mau-trato físico ou psicológico aos animais. (Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 1011615/9, Rel. Des. Torres de Carvalho. Julgado: São Paulo, 15/09/1999.) Percebe-se nessas decisões que a censura à crueldade recai sobre atividades consideradas como divertimento para o homem e que envolvem dentre outros comportamentos: “abates atrozes, castigos violentos, excessiva fadiga ou exaustão, angústias, dores, torturas danosas, lesões corporais, submissão à invalidez, espetáculos de abate desnecessário e a instigação de luta entre espécies”, salienta Bahia (2006, p. 186). Também constituem crimes contra os animais, briga de pássaros, a farra do boi, briga de cães, como também exigir trabalho excessivo ou maltratar animais em rodeios, circos, vaquejadas. Nos circos ainda são utilizados animais selvagens e animais domésticos ou domesticados, tais como cachorros e cavalos, que são treinados desde jovens. Esses treinamentos objetivam dobrar a natureza do animal, a fim de que eles demonstrem habilidades que jamais teriam. Conforme evidenciado pela Promotora de Justiça (SP) Vânia Tuglio, no artigo Espetáculos públicos e exibição e animais: Todos os animais de circo estão sujeitos aos clássicos instrumentos de “treinamento”: choques elétricos, chicotadas, privação de água e comida. Ficam confinados sem as mínimas condições de higiene [...] Os cavalos são açoitados constantemente para aprender [...]. Os leões, tigres e outros felinos são acorrentados a seus pedestais e as cordas são enroladas em suas gargantas para que tenham a sensação de estarem sendo sufocados. São dominados pelo fogo e pelo chicote, golpeados com barras de ferro e queimados na testa pelo menos uma vez na vida, para que não se esqueçam da dor. Muitos têm suas garras e presas arrancadas, passando a maior parte de suas vidas dentro de pequenas jaulas e sendo alimentados, muitas vezes, com cães e gatos abandonados. Os ursos têm o nariz quebrado durante o treinamento. Suas patas são queimadas para forçá-los a ficar sobre duas patas apenas. São obrigados a pisar em chapas de ferro incandescentes ao som de uma determinada música para que, no picadeiro, ao ser reproduzida a mesma música usada durante o “treinamento”, passem a movimentar-se de modo a sugerir que estejam dançando (TUGLIO, 2006, p.236). 53 Segundo a mesma autora (2006, p.236), os chipanzés “depois de submetidos aos „treinamentos‟ impostos no circo, apresentam o mesmo comportamento de BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) crianças que sofrem abusos”. Em relação aos animais utilizados em rodeios e vaquejadas, normalmente dóceis e mansos, precisam ser atormentados para demonstrar uma agressividade que não possuem, porém, necessária ao espetáculo, mas que na realidade não passa de reação de desespero e dor. Existe grande “discussão a respeito da utilização de instrumentos para „incentivar‟ o animal a demonstrar-se indomável”, conforme Santos (2000, p. 2), constituir-se em crime de maus-tratos. Em relação aos animais de estimação, crueldade pode ser entendida como abandoná-lo infringindo-lhe fome e desabrigo, pois dependem do cuidado humano para sobreviver, caracterizando-se como conduta de maus tratos. Bechara argumenta que a utilização dos animais deverá atentar pelo critério da necessidade, de forma que: Toda e qualquer utilização da fauna deverá ser pautada por um critério de racionalidade e sustentabilidade – para que não se afete o equilíbrio ambiental e o bem estar físico e psíquico dos indivíduos – e desde que os animais, quando na iminência de sofrerem um mal, sofram-no apenas se este mal for absolutamente indispensável e inafastável – [...] para que a prática não exceda os limites do „absolutamente necessário‟ (BECHARA, 2003, p.83). Com o mesmo olhar, Fiorillo manifesta que: A crueldade só estará caracterizada se a prática contra o animal não tiver por finalidade proporcionar ao homem uma sadia qualidade de vida ou, na hipótese de estar presente esse propósito, os meios empregados não forem os absolutamente necessários à atividade (FIORILLO, 2004, p.116). Vários estudos concluem que animais vertebrados sentem dor. Sua estrutura para detectar a dor é semelhante a dos seres humanos, do mesmo modo que seu comportamento associado ao sentimento de dor, conforme Chuahy (2009). Esclarece Felipe (2008, p.72), conforme colacionado abaixo que: BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 54 Pesquisas mostram aumento de temperatura e taquicardia produzidos por estresse em ratos, pássaros, répteis e humanos, evidenciando experiências emocionais só possíveis a seres dotados de consciência. Sem consciência não há reação emocional, em nenhum animal. [...] No estado atual da ciência, considera-se a reação emocional indício seguro da atividade animal consciente. O „princípio da precaução‟ recomenda, ainda assim, que se dê „o benefício da dúvida‟, nos casos nos quais a ciência ainda não fez investigações significativas. Em relação ao princípio da precaução, Tuglio (2006, p.242) argumenta que em razão da crise ética vivenciada, “esse princípio estabelece que havendo risco de dano ambiental, a ausência de certeza científica sobre o fato não poderá justificar a ausência de medidas eficazes para prevenir aquele dano”. Inúmeros animais substituem os humanos como objeto das mais diversas pesquisas, camundongos, ratos, peixes, pássaros, coelhos, cachorros, gatos, bois, porcos, macacos servem de instrumento na pesquisa científica, no estudo da toxidade de produtos e ainda para fins de ensino, conforme Souza, Neto e Cigerza (2008). Há que se considerar ainda as modificações que estas necessidades humanas apresentam, pois práticas que hoje representam crueldades necessárias, tais como a experimentação de novos medicamentos em animais-cobaias, podem vir a ser desnecessárias pela descoberta de outras alternativas. Deste modo, o uso de animais-cobaias quando da existência de outras formas de testar a eficiência do medicamento, configura o crime do art.32, § 1º da Lei 9.605/98 e ofende o estabelecido na Constituição Federal no art. 225, § 1º, inciso VII, segundo Bechara (2003). De acordo com este artigo, no entender de Souza, Neto e Cigerza (2008), o bem jurídico tutelado nesse tipo penal é a dignidade animal, sendo seu titular a coletividade animal. Tal dignidade deve ser entendida como um valor em si mesmo, inviolável. A conduta tipificada consiste em realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Da mesma forma, o conhecimento e a consciência dos traços de semelhança entre humanos e não-humanos leva à necessidade de proteção no âmbito moral. 55 No entanto, apesar de todos os esforços para implementação da Lei dos Crimes Ambientais, muito ainda precisa ser aprimorado. Em situações como tráfico BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) de animais nem o Poder Público nem a coletividade tem conseguido deter o comércio ilegal de animais silvestres, tanto por falhas na prestação dos serviços públicos e de proteção ambiental como na formulação, implementação e manutenção das políticas públicas e a consequente aplicação do orçamento do Estado, de acordo com Gordilho (2009)2. Entre os motivos que concorrem para esta ineficácia das leis ambientais, no tocante à proteção aos animais, segundo o autor “está o fato de que o foco central da proteção não é o animal em si mesmo, mas a sensibilidade do próprio homem”. Outra questão é a exigência de dolo na conduta humana de matar ou praticar ato cruel contra os animais, o que faz com que o abate, experiências científicas e o uso de animais em espetáculos públicos fique fora dessa definição de ilícito. Desta maneira, a lei busca evitar apenas sofrimentos desnecessários, pois as condutas que provocam o sofrimento ou mesmo a morte acabam não sendo punidas, como leciona Gordilho (2009). E concluindo, o autor afirma que mesmo quando aplicada a lei, as penas cominadas são muito pequenas. Deste modo, apesar do arcabouço legal de proteção à prática de crueldade para com os animais vigente no Brasil, existe um “abismo jurídico que separa a teoria da prática”, aponta Levai (2006, p.176). Por esse motivo, se determinadas condutas não forem questionadas perante o Poder Judiciário, continuarão sendo aceitas como lícitas, uma vez que a crueldade “quando justificada pelo uso do animal, acaba obtendo respaldo legal”. 2 De acordo com o 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico da Fauna Silvestre de 2001 do RENCTAS – Rede Nacional sobre o Comércio Ilegal da Fauna Silvestre, no Brasil existem basicamente três modalidades de comércio ilegal: 1- Animais para colecionadores particulares e zoológicos, priorizam as espécies mais ameaçadas (quanto mais raro o animal, maior o seu valor de mercado). Exemplo: arara-azul de lear alcança o valor de US$ 60.000 a unidade no mercado internacional. 2- Animais para fins científicos – biopirataria – neste grupo estão as espécimes que fornecem substâncias químicas para produção de medicamentos. Exemplo: jararaca, alcançando o valor de US$ 1.000 a unidade viva. 3- Animais para pet shop. Exemplo: jibóia – US$ 800 a US$ 1.500, tartarugas – US$ 350, saíra-sete-cores – US$ 1.000. 56 Assim, em diversos setores como agronegócio, científico e sanitário, a crueldade muitas vezes se torna consentida como mal necessário, como se pode BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) observar em legislações ordinárias tais como Lei do Abate Humanitário, Lei de Vivissecção, Lei dos Zoológicos, Código de Caça e de Pesca, lei de Jugulação Cruenta e na lei dos Rodeios. No entanto, acima de todas elas está a Constituição Federal que contém em seu artigo 225, § 1º, VII, a obrigação do Poder Público de coibir a submissão de animais a atos de crueldade, que é fundamento legal para a proteção dos animais no Brasil. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 4 A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E A PROTEÇÃO AOS ANIMAIS O exercício da cidadania manifesta-se também por meio das ações da sociedade civil organizada. O objeto deste trabalho são estas instituições que possuem estatuídas a proteção aos animais como razão de sua existência dentro do campo delimitado pela presente pesquisa. 4.1 O desenvolvimento da sociedade civil organizada na proteção aos animais O trabalho das associações de proteção aos animais e organizações não governamentais (ONGs) em muito contribuiu para a positivação das normas de proteção à fauna. A legislação brasileira há muito tempo estabelece a previsão de colaboração do Poder à proteção dos animais. O Decreto 24.645 de 1934, já assim determinara: “Artigo 16 - As autoridades federais, estaduais e municipais prestarão aos membros das sociedades protetoras dos animais a cooperação necessária para fazer cumprir a presente lei”. No entanto, embora prevista no ordenamento jurídico pátrio, Castro (2006, p.90) afirma que “são poucas as experiências de governo, na história do Brasil, que importaram em efetiva proteção dos animais”. As ações tomadas pelo Poder Público em relação aos animais domésticos e domesticados se restringiam ao recolhimento 58 e sacrifício de animais, como solução imediatista para retirar os animais das ruas, o que infelizmente ainda ocorre em algumas localidades. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Também a Conferência de Estocolmo de 1972 manifesta-se em relação às associações de proteção aos animais, trazendo em seu artigo 14: a) As associações de proteção e salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo. b) Os direitos do animal devem ser defendidos por leis, como os direitos do homem. No entanto, as organizações não governamentais que se dedicam à proteção dos animais, somente têm representação junto aos governos quando efetivamente participam de conselhos municipais, estaduais ou federais do meio ambiente, afirma Castro (2006). Ocorre que a escolha destas entidades para participação nestes conselhos é política e, por isso, as mesmas muitas vezes são deixadas de fora. Castro (2006, p.30) argumenta que muitos governantes “sentem-se constrangidos em contatar com defensores de animais, em função da ideia de que existem outras prioridades de caráter humano mais importantes”. Desta forma, não percebem a importância de proteger os animais e, consequentemente, o homem e o meio ambiente, diminuindo o risco de doenças e também os gastos públicos relacionados a sua solução. Ao incentivar e auxiliar na manutenção de entidades da sociedade civil organizada para a proteção dos animais há uma cooperação para sua responsabilidade constitucional com o meio ambiente. Além de ser uma decisão adequada de governo, só tem a somar, pois: “As entidades de proteção dos animais são movidas por interesse legítimo de pessoas desinteressadas, são muito mais eficientes nos gastos que o Poder Público e, incrível, não tiram férias, e não abandonam os animais” (CASTRO, 2006, p.31). O Ministério Público e o Poder Judiciário têm enfrentado a proteção dos animais por meio dos processos de natureza civil e criminal com seriedade, não só por compreenderem a sua importância, como também pela pressão legítima das 59 entidades de proteção aos animais. Encontra-se assim, o sistema judiciário preparado para aplicação das sanções estabelecidas na legislação para a defesa BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) dos animais. Como crítica ao artigo 16 do Decreto Lei 24645/34, Castro (2006) argumenta ser este praticamente letra morta, em razão da irresponsabilidade dos governos, sendo quase inexistente a cooperação do Poder Público para com as entidades de proteção aos animais. Assim, o seu relacionamento acaba se constituindo em “um caminho de mão simples, em que os animais encontrados nas ruas são encaminhados aos abrigos particulares e ali esquecidos” (CASTRO, 2006, p.90). Santana e Oliveira (2006) afirmam que as políticas públicas até 1990 estavam direcionadas ao combate de disseminação de doenças e acidentes provocados por animais, caracterizando-se como a fase da captura e extermínio. Esta fase utilizava metodologia de acordo com o Informe Técnico nº 6 da Organização Mundial da Saúde de 1973 (Relatório do Comitê de Especialistas em Raiva da OMS), que determinava que os animais em situação de rua fossem apreendidos e se não reclamados em um curto prazo de tempo deveriam ser sacrificados. Tal modelo, com comprovados defeitos e limitações, deixou de ser utilizado em vários países, pela crueldade e falta de resultados. Assim, a partir da constatação dos gastos despendidos pelos Estados que adotaram o método da captura e extermínio sem resultado observável no controle da raiva e outras zoonoses, as autoridades modificaram suas políticas públicas para o controle deste problema e passaram a se preocupar com a superpopulação dos animais de companhia abandonados nas ruas, tendo lugar uma metodologia mais aceitável, denominada fase da prevenção ao abandono. Os Centros de Controle de Zoonoses em alguns municípios ainda procedem com o método da captura e eliminação de animais de rua recolhidos pela popular “carrocinha” (nome dado ao veículo em que são recolhidos cães e gatos de rua), sob o argumento de controle e prevenção de transmissão de doenças de animais para humanos e controle da população animal. No entanto, inexiste prova da eficácia de tal método. A Organização Mundial de Saúde concluiu que o extermínio de animais sadios não resolve o problema do 60 risco de zoonoses e o controle populacional. O Informe Técnico n° 8 de 1992 declarou que “a renovação das populações caninas é muito rápida e a taxa de BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) sobrevivência delas se sobrepõe facilmente à taxa de eliminação”. Por este motivo, orienta a educação e participação da comunidade com o estímulo à guarda responsável e o controle de natalidade de animais por meio da esterilização, além da imunização de animais por meio de vacinação nas áreas de risco de zoonoses. Mesmo assim, alegando falta de recursos públicos que possibilitem adotar programas de vacinação e esterilização de animais de rua, algumas administrações públicas ainda recorrem à famigerada “carrocinha”. Os animais são recolhidos e, caso não reclamados em determinado período, são eliminados. E pior, por métodos muitas vezes cruéis, tais como tiro de pistola, eletrocussão, câmara de gás, pauladas, enforcamento e injeções letais sem uso de pré-anestésico em razão do custo do método. Nesse sentido, segue decisão da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, determinando que a exterminação de animais em Centro de Controle de Zoonoses, quando absolutamente necessária, não seja efetivada com meio cruel: EMENTA ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – CENTRO DE CONTROLE DE ZOONOSE – SACRIFÍCIO DE CÃES E GATOS VADIOS APREENDIDOS PELOS AGENTES DE ADMINISTRAÇÃO – POSSIBILIDADE QUANDO INDISPENSÁVEL À PROTEÇÃO DA SAÚDE HUMANA – VEDADA A UTILIZAÇÃO DE MEIOS CRUÉIS. [...] 3. A meta principal e prioritária dos centros de controles de zoonose é erradicar as doenças que podem ser transmitidas de animais a seres humanos, tais quais a raiva e a leishmaniose. Por esse motivo, medidas de controle da reprodução dos animais, seja por meio da injeção de hormônios ou de esterilização, devem ser prioritárias, até porque, nos termos do 8º Informe Técnico da Organização Mundial de Saúde, são mais eficazes no domínio de zoonoses. 4. Em situações extremas, nas quais a medida se torne imprescindível para o resguardo da saúde humana, o extermínio dos animais deve ser permitido. No entanto, nesses casos, é defeso a utilização de métodos cruéis, sob pena de violação do art. 225 da CF, do art. 3º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, dos arts. 1º e 3º do Decreto Federal n.24.645/1941 e do art. 32 da Lei 9.605/1998. 5. Não se pode aceitar que com base na discricionariedade o administrador realize práticas ilícitas. É possível até haver liberdade na escolha dos métodos a serem utilizados, caso existam meios que se equivalham dentre os menos cruéis, o que não há é a possibilidade do exercício do dever discricionário que implique em violação à finalidade legal. 6. In casu, a utilização de gás asfixiante no centro de controle de zoonose é medida de extrema crueldade, que implica em violação do sistema normativo de proteção dos animais, não podendo ser justificada como exercício do dever discricionário do administrador público. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 61 Recurso especial improvido. REsp 1115916/MG RECURSO ESPECIAL 2009/0005385-2 RELATOR: Ministro HUMBERTO MARTINS (1130) ÓRGÃO JULGADOR: T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento: 01/09/2009 Data da publicação: 18/09/2009 Conclui-se que a exterminação de animais não é solução de problema, apenas esconde a falta de políticas públicas adequadas, pois somente a retirada dos bichos da rua sem que se efetive um programa de esterilização e adoção responsável acaba por incentivar o abandono de animais. 4.2 Previsão Constitucional Os seres humanos definem-se pela forma de agir entre os seus semelhantes, inferindo tais características na constituição das sociedades civis e influenciando o mundo em que vivem. Também a capacidade de criar, repensar, e a percepção da possibilidade de redefinição desta sociedade fazem parte da natureza humana. Refletindo a respeito disso, o Princípio da Participação popular presente na Constituição Federal do Brasil traz o dever de proteger e lutar pelos direitos difusos, ou seja, tutelar aqueles bens que ultrapassam a esfera individual e coletiva e que exigem um cuidado maior. Nesse sentido, Machado (2005, p.89) afirma que: As associações ambientais, ao terem como metas a valorização da água, do ar, do solo, da fauna, da flora e do próprio homem, tratam de interesses difusos, que não só dizem respeito a cada um de seus associados, mas também a um número indeterminado de pessoas. Argumenta Séguin (2002, p. 289) que “os movimentos sociais, como maneira de organização popular, são essenciais a real participação na defesa ambiental”. No Brasil, tais movimentos restaram reprimidos durante a ditadura iniciada em 1964, e o medo gerou retrocesso. No entanto, os excessos da repressão, principalmente os abusos aos Direitos Humanos acabaram por fomentar significativa parte dos movimentos populares brasileiros surgidos depois. 62 Atualmente, percebe-se que o despertar da consciência ambiental na sociedade fez surgir movimentos sociais em proteção ao Meio Ambiente. De acordo BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) com Séguin (2002, p. 290), tais movimentos ganham espaços “ao unificar grupos que lutam por causas sociais diversas, mas com algo em comum: a busca por uma melhor qualidade de vida para si e para seus filhos”. Deste modo, conclui que: A participação envolve políticas públicas estatais, Organizações NãoGovernamentais ambientalistas, fortalecendo o papel do cidadão não apenas como titular de direitos, mas como segmento social representativo do poder (SÉGUIN, 2002, p.291). Assim, esta participação configura um direito individual subjetivo que deve ser garantido pelo Estado. Nas estruturas sociais modernas, as entidades sem fins lucrativos integram o Terceiro Setor, assim entendido como, por exemplo, as organizações nãogovernamentais sob a forma de institutos, fundações e associações com fins sociais; entidades de classe, associações profissionais, sindicatos, movimentos sociais, enfim, organizações da sociedade civil em geral. Estas, ao lado do Estado (considerado o primeiro setor) e do mercado (segundo setor) tem atuado na tutela do meio ambiente de forma significativa. Nesse contexto, Machado (2005, p.90) esclarece que a atuação das ONGs complementam a ação do Estado, “não tem por fim o enfraquecimento da democracia representativa. [...] não são – e não devem ser - concorrentes dos Poderes Executivo e Legislativo”. A participação das ONGs na tutela dos interesses difusos também não deve ser compreendida como substitutiva da atuação do Poder Público, “não podem ser transformadas em massa-de-manobra dos governos e das empresas privadas e públicas”, motivo por que é essencial que sejam independentes, sem possibilidade de manipulação, conforme Machado (2005, p.90). Milaré e Loures (2004, p.97) definem as Organizações da Sociedade Civil como: 63 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) [...] representações de grupos associativos, organizados com propósitos específicos, entre pessoas dotadas de espírito solidário e cooperativo, motivadas pela necessidade premente de promoção de melhores condições ambientais, sociais e econômicas de vida para todos os povos do planeta. Desse modo, seriam organizações de pessoas fora da esfera do Estado, conjugando esforços, buscando recursos sem almejar fins lucrativos, mas sim a concretização de objetivo de interesse público delimitado no Estatuto Social da instituição. A Constituição Federal, em seu artigo 225, § 1º, determina ao Poder Público o dever de defesa e preservação dos bens ambientais, assim compreendidos os animais, estabelecendo sua responsabilidade não só de defender, como também de preservar a sua vida. No entanto, também a coletividade é chamada a defender este legado. Assim, no entender de Fiorillo (2007, p.47): [...] a imposição constitucional não se limita ao Poder Público mas se estende à denominada sociedade civil , enquanto esfera de relações entre os indivíduos, entre os grupos, entre as classes sociais, que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam as instituições sociais. Desse modo, pode-se concluir que: É dever tanto do Estado como da sociedade civil defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado dentro de uma concepção jurídica de que não basta tão-somente defender os bens ambientais em face de lesão eventualmente ocorrida, mas principalmente preservar a vida a partir de ameaça que ocasionalmente possa surgir (FIORILLO, 2007, p. 47). No mesmo sentido, Lanfredi (2006, p.140) leciona que “por mais qualificado que seja o Poder Público, ele nem é o único responsável pelo bem-estar da população, nem é suficiente para arrostar tamanha tarefa”. Assim, também a legislação infraconstitucional busca cada vez mais a participação ativa dos segmentos organizados da sociedade. As entidades de proteção à vida animal buscam proteger a vida em todas as suas formas, sendo conforme expressa Conceição (2003, p.238), “organizações espontâneas resultantes do pluralismo social e permitem cada vez mais uma relação 64 direta do cidadão com a Administração e o Estado, substituindo-se às instituições que tradicionalmente celebravam esta relação”. Desta forma, quanto mais o Estado BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) fracassa no seu papel de proteção, mais contribui para o surgimento de entidades da sociedade civil organizada para atuarem na defesa de interesses direcionados principalmente ao meio ambiente e ao consumidor – direitos de terceira geração. As Organizações Não-Governamentais são valiosas colaboradoras na formação do povo, mas para poder influir no processo decisório do Estado, segundo Conceição: [...] a sociedade deve se organizar para suprir a omissão do Estado, tornando o Terceiro Setor consistente para gerar um novo tipo de sociedade; colaborar com o Ministério Público, e mesmo complementá-lo na tutela dos direitos difusos com o objetivo de defender e fazer acontecer um desenvolvimento sustentável para melhorar e garantir a qualidade de vida no mundo (CONCEIÇÃO, 2003, p.245). Deste modo, podem complementar a defesa de direitos difusos da sociedade, bem como melhorar a qualidade de vida dessa sociedade e especificamente dos seres menos protegidos - os animais -, quando com esta finalidade forem organizadas. O que vem a ser também o objeto do presente estudo. 4.3 O panorama das entidades do Vale do Taquari/RS O Vale do Taquari é constituído de 39 municípios. Para apurar as Associações Protetoras dos Animais e Organizações Não-Governamentais existentes nesta região foram contatadas as secretarias municipais do Meio Ambiente e da Saúde. Desse levantamento resultou a existência das seguintes instituições: no município de Lajeado: Associação Protetora dos Animais São Francisco de Assis (APASFA) e Associação Lajeadense de Proteção aos Animais Arca de Noé; no município de Estrela: Associação Estrelense Protetora dos Animais (AEPA); no município de Teutônia: Associação Protetora dos Animais de Teutônia (APANTE); no município de Arroio do Meio: Associação Protetora dos Animais Arroiomeiense (APAAM), e Patrulha Ambiental do Vale do Taquari (PATRAM). 65 Em sequência foram entrevistados os responsáveis por estas instituições com o objetivo de levantar a data de início das atividades, a existência de estatuto, os BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) programas implementados relativos à fauna, como são desencadeadas as ações de proteção aos animais, o tratamento das denúncias de maus tratos recebidas e violência contra animais domésticos e domesticados, as denúncias encaminhadas ao Poder Judiciário no ano de 2009, se recebidas também denúncias de outros municípios, que espécie animal é a mais atingida, bem como quais as formas mais comuns de violência atendidas pela instituição. Perguntou-se ainda se a instituição tem conhecimento da Lei dos Crimes Ambientais e qual o destino dado aos animais acolhidos/recolhidos, caso houver. Das associações existentes no Vale do Taquari/RS, tem-se com mais tempo de atuação a Associação Lajeadense de Proteção aos Animais ARCA DE NOÉ, iniciando suas atividades em julho de 2002, em seguida a Associação Protetora dos Animais São Francisco de Assis (APASFA), que teve o início de suas atividades em outubro de 2002, depois a Associação Protetora dos Animais Arroiomeiense (APAAM), em agosto de 2004, a Associação Protetora dos Animais de Teutônia (APANTE), em março de 2006 e ao final a Associação Estrelense de Proteção aos Animais (AEPA),em setembro de 2006.Todas as instituições referidas possuem estatuto. Foi constatado que todas as instituições entrevistadas atuam principalmente no atendimento de animais vítimas de maus tratos e abandono, trabalhando em segundo momento no encaminhamento destes animais, depois de tratados, para adoção responsável. A APAAM está iniciando a implementação de um trabalho de conscientização da população nos bairros em parceria com a Prefeitura Municipal e em conjunto com os agentes de saúde, objetivando orientar sobre como cuidar dos animais, instruir sobre higiene, vacinação e, sobretudo, sobre o controle da natalidade. A ARCA DE NOÉ tem seu trabalho mais voltado à conscientização das pessoas no tratar os animais, utilizam os veículos de comunicação, principalmente rádio. A entidade anuncia nos jornais locais os animais à espera de adotantes. 66 Algumas associações como a APAAM, a APASFA e a AEPA possuem locais estruturados com canis para onde são levados e tratados os animais recolhidos; BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) outras, como a APANTE, embora não contenham tais estruturas, abrigam os animais em “casas de passagem”, qual sejam, residências dos próprios associados e voluntários. A ARCA DE NOÉ também utiliza-se de lares temporários para o acolhimento dos animais socorridos até o seu encaminhamento para adoção responsável. As associações fazem análise criteriosa do adotante e a maioria delas mantêm registros dos dados de encaminhamento dos animais. As ações de proteção aos animais das associações entrevistadas são desencadeadas tanto por meio de denúncias de maus tratos, violências praticadas, quanto por meio de iniciativas das próprias instituições, contando inclusive com o auxílio da Brigada Militar algumas vezes. No caso de denúncia, os procedimentos divergem um pouco. Todas as associações verificam se a denúncia procede. A APAAM e a APASFA adotam uma notificação/advertência que é entregue ao denunciado, na qual ele é advertido do descumprimento da Lei 9605/98, art.32, informando da penalidade que isto acarreta. É concedido um prazo de tempo para regularização da situação denunciada (animal amarrado sem ter abrigo de sol ou chuva, correntes extremamente curtas, animais magros, machucados, isolados completamente do convívio humano, auto-mutilandose) e é feita uma nova vistoria, caso o problema não tenha sido sanado. Na APASFA, um veterinário fará um laudo de maus-tratos (se for esta conduta confirmada), e então é encaminhado para o Poder Judiciário, com fotos e testemunha no caso de recolhimento do animal. No caso de a pessoa não se prontificar a melhorar as condições do animal e doá-lo para a associação é feita uma Declaração de Doação do Animal. A APAAM depois do prazo estabelecido, se o agente causador dos maus tratos não regularizar o que foi apontado, muitas vezes recolhe o animal, utilizando até o auxílio da Brigada Militar, e o leva para o abrigo da entidade. Esta ainda fotografa o local nas condições em que foram encontrados os animais. A AEPA averigua a denúncia e caso não consiga contatar o infrator ou recolher o animal, busca auxílio da fiscalização na Secretaria do Meio Ambiente do município. 67 Com relação aos dados coletados sobre as denúncias encaminhadas ao Poder Judiciário no ano de 2009, no período compreendido entre 01/01/2009 a BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 30/09/2009, poucas foram as ocorrências. Somente a APASFA disse ter encaminhado muitas, mas não soube precisar quantos casos, enquanto que a APANTE afirmou ter encaminhado, em agosto/2009, dois casos, um com relação a maus tratos de um cavalo e outro relacionado ao abandono de uma cadela e seus nove filhotes. A ARCA DE NOÉ, a APAAM e a AEPA não tiveram nenhuma ocorrência encaminhada ao Poder Judiciário no período abordado. Quanto à atendimento de denúncias em municípios vizinhos, a maioria delas recebem chamados, normalmente de cidades que não contam com nenhuma instituição de proteção aos animais. Quando possível, são atendidas as ocorrências ou fornecida orientação sobre como proceder. Muitas vezes a associação é chamada por ser mais conhecida da população, como é o caso da APASFA e da ARCA DE NOÉ, existentes desde 2002. As espécimes animais mais atendidas pelas instituições são cães e gatos e, em alguns casos, cavalos. Também ocorrem denúncias em relação a pássaros, que são então encaminhadas à Patrulha Ambiental da Brigada Militar (PATRAM). Os casos mais comuns atendidos são de animais amarrados com guias extremamente curtas, sem abrigo, muitas vezes guias de arame que causam ferimentos não tratados no corpo. Em se tratando de cavalos, exigência de trabalho além da capacidade do animal. É comum também o descarte de animais, sendo muito difícil apurar o agente infrator. Todas as associações entrevistadas têm conhecimento da Lei 9605/98 e algumas, como a APASFA e a APAAM, utilizam-na ao informar o agente que os maus tratos praticados constituem-se em descumprimento de artigo de lei e acarretam penalização. Perguntadas sobre o destino dos animais recolhidos, APASFA, APAAM e AEPA informaram que os levam para os abrigos das instituições, no caso de não haver mais lugar utilizam “casas de passagem” de voluntários. A APANTE também utiliza-se de “casas de passagem” de voluntários, pois não possui abrigo estruturado. 68 Informações colhidas junto à PATRAM – Patrulha Ambiental do Vale do Taquari, demonstram que suas ações são desencadeadas a partir de denúncias, BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) normalmente anônimas. São averiguadas, é feito um auto de constatação da conduta, também uma declaração do agente da razão de sua conduta e é lavrado o Termo Circunstanciado. É elaborado também um relatório do fato, juntamente com as coordenadas geográficas e croqui do local, além do levantamento fotográfico, documentação esta que é remetida para a Companhia Ambiental em Porto Alegre, onde é registrada no sistema e montado processo que é, então, encaminhado à Comarca de origem. As espécies animais mais sujeitas a maus tratos denunciada, dizem respeito a cães e cavalos. Os maus tratos em relação aos cavalos normalmente são o espancamento do animal que empaca por excesso de peso da carga. Em relação a cães as denúncias tratam de animais abandonados e também animais presos, doentes e visivelmente magros. É necessário laudo de veterinário em que seja configurada a situação de maus-tratos para fazer o Termo Circunstanciado. Algumas vezes é necessário recolher o animal, quando então são encaminhados para voluntários com condições de acolhê-los, que ficam como fiéis depositários até a liberação pelo juiz. Por fim, resta registrar que as Associações de Proteção aos Animais têm suas atividades exercidas por voluntários, possuem alguns associados e poucas contam com auxílio do Poder Público. Possuem instalações para recolhimento dos animais estruturados de forma muito simples, e algumas nem isso possuem, mas todas trabalham com muita garra e determinação e, principalmente, muito amor pelos animais. Assim, a partir dos dados levantados por meio de entrevista com os responsáveis pelas Associações de Proteção aos Animais do Vale do Taquari, constatou-se que dentre as ocorrências mais comuns tipificadas no artigo 32 da Lei 9605/98 encontradas nos municípios, a maioria delas se resolve sem a intervenção judicial. No entanto, a Lei dos Crimes Ambientais tem o seu efeito inibidor com relação às condutas nela tipificadas, o que é algo positivo. 69 Por este motivo, importante também a atuação das associações, pois com suas atitudes, informação, divulgação de maus tratos, recolhimento e tratamento de BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) animais em situação de vulnerabilidade, ao amparo da Lei com o posterior encaminhamento para adoção responsável, têm alcançado significativos resultados. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho levou a concluir que nas últimas décadas as sociedades, de uma forma geral, modificaram sua maneira de partilhar o meio ambiente. Cientes de sua dependência, passaram a respeitá-lo como tal. No entanto, a fauna ainda padece com as ações do homem. No primeiro momento do desenvolvimento desta monografia, por meio da análise da evolução da legislação ambiental no Brasil, tem-se que do descobrimento até início do século XX, a dimensão econômica foi a que predominou no tratamento dado à fauna brasileira, sendo que a primeira norma que tratou da crueldade contra animais, o Decreto lei 24645/34, permanece em vigor. E, indiferente ao tempo decorrido desde sua elaboração, as condutas que importam em maus tratos aos animais presentes nos incisos do seu artigo 3º permanecem atuais. A Constituição Federal de 1988 reconheceu a importância da fauna para o equilíbrio ambiental, preceituou a proteção ao meio ambiente elevando o direito ambiental a um dos direitos humanos fundamentais, e como tal, apontou-lhe também expressa proteção penal. A Lei 9605/98, Lei dos Crimes Ambientais, regulamentou esta norma constitucional, tipificou como crimes as condutas de práticas de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos e domesticados, nativos e exóticos, cominando como pena detenção de três meses a um ano e multa. 71 Em âmbito mundial, verificou-se que o Direito Internacional, por meio de convenções e tratados, estabeleceu diversas ações de cooperação entre os Estados BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) para a proteção do meio ambiente, e desta forma também aos animais. É de se ressaltar a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 1972, da qual resultou a Declaração de Estocolmo, que consagrou princípios que marcaram o despertar de uma nova consciência ambiental. Outro importante documento foi a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em 1978, contendo em seus 14 artigos preceitos que deveriam ser conhecidos por todos os humanos. O artigo final deste documento estabelece que os direitos do animal devem ser defendidos pela lei do mesmo modo que são os direitos do homem. No que tange à construção das relações entre os humanos e não-humanos, a dominação da natureza e dos animais tem origem na tradição judaico-cristã, que conferia ao homem uma posição especial no universo, dada a sua criação à imagem e semelhança de Deus. Também leva-se em conta a tradição da antiga Grécia, salientando o pensamento de Aristóteles a justificar que a existência dos animais era em benefício do homem, influenciando assim a formação de uma visão antropocêntrica que perdura até hoje. Já no século XVII, difundiu-se a prática da experimentação em animais vivos, com a teoria mecanicista de Descartes, para a qual tudo que consiste de matéria é dominado por princípios de mecânica, sendo os animais desprovidos de consciência, motivo pelo qual são incapazes de sentir dor e prazer justificariam tais atrocidades. Todavia, as semelhanças com a fisiologia dos humanos levou a questionamentos, resultando em gradual reconhecimento de que os animais sofrem também e que merecem consideração. Com a publicação da Origem das Espécies, em 1859, Darwin muda radicalmente a concepção do homem e mostra que as diferenças entre as espécies não são tão significativas, embora há uma forte resistência a estes conhecimentos. Em seguida, a análise da proteção da fauna no Brasil, embasada na proteção constitucional contida no art.225, § 1º, inciso VII da Constituição Federal de 1988, traz posicionamentos divergentes: tradicionalmente antropocêntricos, e também 72 preocupados com os animais não-humanos, reconhecendo a vida animal como um fim em si mesma, não apenas como instrumento em benefício do homem. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) Embora presente a proteção constitucional, muitas são as formas de “crueldade consentida” existentes, em que há uma determinada tolerância a ações provocadoras de sofrimento ao animal, como nos rodeios, circos e exposições. Assim, também a prática da caça esportiva, que é liberada no Rio Grande do Sul, e uma certa tolerância à resistência de busca de métodos alternativos para a vivissecção. A Lei 9605/98 sistematizou os crimes ambientais, possuindo uma função característica preventiva e direcionada para a reparação do ambiente lesado. Trouxe inovações como a responsabilidade penal e co-responsabilidade da pessoa jurídica, sanções com efeito educativo-penal, função inibidora das multas, previsibilidade de condenação da pessoa jurídica para custear programas ambientais entre outros. A eficácia desta lei viabiliza-se pela aplicação da Lei 9099/95, que dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais, possibilitando respostas rápidas aos crimes contra o meio ambiente. Por fim, a análise das ações das sociedades civis organizadas para a proteção dos animais existentes no Vale do Taquari apuradas por meio de entrevista com os seus responsáveis resultou na conclusão seguinte. Embora sejam poucas as ocorrências que acabem no Poder Judiciário, existe um respeito velado pela Lei dos Crimes Ambientais, e apesar das associações não possuírem poder de polícia, valem-se do Estado, muitas vezes, quando ele é necessário. Grande número de ocorrências de maus tratos é sanado por meio de orientação aos infratores que, aliada à informação de que tais condutas constituemse crimes tipificados em lei, inibem a continuidade das ações. No entanto, a maior abrangência das ações destas associações encontra-se no atendimento direto a animais em condições de vulnerabilidade, tanto vítimas de descarte pelos humanos, como tantas outras formas de violência. E é nestas ações que mais se percebe o desprendimento dos voluntários em trabalhar com escassos recursos, modestas instalações, e, sobretudo, imenso amor pelos animais. 73 Por tudo isso, conclui-se que não obstante a existência de muitas ocorrências relacionadas às condutas tipificadas no artigo 32 da Lei 9605/98, a maioria delas BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) não finalizam no judiciário; entretanto, pode-se dizer sim, que a Lei dos Crimes Ambientais tem a sua efetividade como elemento coercitivo das condutas de maus tratos. BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. BAHIA, Carolina Medeiros. 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BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) ANEXOS BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) LISTA DE ANEXOS ANEXO A – Formulário de pesquisa realizada junto as Associações de Proteção aos Animais do Vale do Taquari ...................................... 80 ANEXO B – Formulário de pesquisa realizada junto à Patrulha Ambiental (PATRAM) ........................................................................................... 81 ANEXO C – Órgãos e Instituições pesquisadas ................................................. 82 80 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) ANEXO A – Formulário de pesquisa realizada junto as Associações de Proteção aos Animais do Vale do Taquari Questões para pesquisa prática sobre crimes ambientais praticados contra animais domésticos e domesticados: INSTITUIÇÃO PESQUISADA: Cidade: 1 – Data da criação desta Instituição? 2 – Ela possui Estatuto? 3 – Existem programas implementados relativos à fauna? Quais? 4 – Como são desencadeadas ações de proteção aos animais? Por meio de denúncias de maus-tratos, violência contra animais? Ou por meio de iniciativas da própria instituição? Qual o procedimento adotado quando ocorrem denúncias? (são averiguadas, alertado o infrator de que constitui crime ambiental tal conduta, se são recolhidos os animais, se são encaminhadas as denúncias ao Poder Judiciário) 5 – É possível quantificar os casos de denúncias encaminhadas ao Poder Judiciário no ano de 2009 – 01/01/2009 a 30/09/2009? 6 – Atendem denúncias de outros municípios? Quais? 7 – Qual espécie animal atendida por esta instituição é mais sujeita a maus-tratos e violência? 8 – Quais as formas mais comuns de violências atendidas? 9 – Vocês têm conhecimento do texto da Lei dos Crimes Ambientais? 10 – Qual o destino dos animais recolhidos? 81 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) ANEXO B – Formulário de pesquisa realizada junto à Patrulha Ambiental (PATRAM) Questões para pesquisa prática sobre crimes ambientais praticados contra animais domésticos e domesticados: Órgão fiscalizador pesquisado: Responsável: 1 – Existem programas implementados relativos à fauna? Quais? 2 – Como são desencadeadas ações de proteção aos animais? Por meio de denúncias de maus-tratos, violência contra animais? Ou por meio de iniciativas do próprio órgão fiscalizador? Qual o procedimento adotado quando ocorrem denúncias? 3 – É possível quantificar os casos de denúncias encaminhadas ao Poder Judiciário no ano de 2009 – 01/01/2009 a 30/09/2009? 4 – Qual espécie animal atendida por esta instituição é mais sujeita a maus-tratos e violência? 82 BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu) ANEXO C – Órgãos e Instituições pesquisadas APANTE – Associação Proteção aos Animais de Teutônia Neide Jaqueline Schwarz – PRESIDENTE APAAM – Associação Protetora dos Animais Arroiomeiense Lenuir de Lima – TESOUREIRA APASFA – Associação Protetora dos Animais São Francisco de Assis Maria Isabel da Silva – PRESIDENTE AEPA – Associação Estrelense de Proteção aos Animais Maria Elisa Cagliari – TESOUREIRA Associação Lajeadense de Proteção aos Animais ARCA DE NOÉ Avani Pricladnitzki – PRESIDENTE PATRAM – Patrulha Ambiental Anestor José de Moura – Comandante do Policiamento Ambiental do Vale do Taquari