Universidade Estadual de Campinas
Faculdade de Engenharia Mecânica
Pós-Graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos
PE – 131 Fontes Renováveis de Energia
Professores Ennio, Cortez e Rossi
Aluno: Jim Silva Naturesa RA: 990709
Título: Análise da Central Termelétrica Biogás do Aterro Sanitário Municipal Bandeirantes.
Resumo
O objetivo desse artigo é analisar os aspectos técnicos e econômicos da usina do aterro sanitário
Bandeirantes (projeto Biogás). Inicialmente será apresentado um breve histórico da usina, identificando
as principais empresas envolvidas. Posteriormente, será mostrada a tecnologia existente no país para
geração de energia a partir de resíduos do lixo. Serão abordados conceitos referentes ao mercado, as
diferentes tecnologias existentes e os impactos ambientais.
Abstract
The main objective of this paper is to analyze the technical and economical aspects of Bandeirantes
sanitary landfill power plant (Biogás project). Firstly, it is going to be presented a brief history of the power plant,
identifying the main companies involved in the project. After that, it will be showed the current technology in Brazil
used to generate energy from waste. It will be also showed concepts referring to the market, the current different
technologies and the environment impacts.
Introdução
A Central Termelétrica Biogás do Aterro Sanitário Municipal Bandeirantes foi inaugurada em 23
de janeiro de 2004. O aterro está localizado no Km 26 da Rodovia dos Bandeirantes, no bairro de Perus
em São Paulo. O aterro, que possui 140 hectares e opera desde 1979, recebe diariamente sete mil
toneladas de lixo. Até o ano de 2006 receberá 30 milhões de toneladas, quando então será encerrada sua
utilização. Com a implantação da usina termelétrica até 22 MWh poderão ser produzidos por um período
de 15 anos. A primeira fase das atividades da usina consiste na queima de até 12 mil m3 de gás
bioquímico (GBQ), com conteúdo mínimo de 50% de metano, por hora. Essa quantidade é suficiente para
gerar 170 mil MWh anuais de energia elétrica e abastecer uma cidade de 200 mil habitantes [Martinez].
O gás gerado pelo lixo é captado do subsolo do aterro por meio de rede de tubulação de cerca de
50 km de extensão. Em seguida, é bombeado para uma central onde é distribuído para 24 conjuntos de
1
motores-geradores. A energia elétrica gerada é entregue para a rede de distribuição através de uma
subestação. O investimento para a exploração do gás do Aterro Bandeirantes foi de US$ 15 milhões,
sendo uma iniciativa conjunta das empresas Biogás Energia Ambiental e do Unibanco – principal
investidor do projeto. O projeto de construção e instalação da termelétrica ficou a cargo da empresa
Sotreg S. A. – empresa do grupo Caterpillar. A eletricidade é distribuída pela AES Eletropaulo, e
beneficia cerca de 2200 famílias que vivem em sete comunidades vizinhas ao aterro [Viveiros].
Os Aterros Sanitários
Os aterros sanitários produzem cerca de 20 a 60 milhões de toneladas de metano (CH4) por ano no
mundo. Aproximadamente dois terços destas emissões são de países desenvolvidos; sendo os Estados
Unidos os maiores emissores, seguidos pela China, Canadá, Alemanha e Reino Unido [Tolmasquim].
Segundo Ekmann et al, o gás metano proveniente dos aterros nos EUA podem gerar 350 MW. Os
pesquisadores advertem para os crescentes custos dos aterros; o custo típico nos EUA pode variar de US$
13/tonelada a US$ 73/tonelada, dependendo do tipo de lixo e da localização do aterro. Ou seja, com a
produção de energia os encargos para o Estado e conseqüentemente para a sociedade podem ser menores,
pois a energia elétrica pode ser comercializada [Ekmann et al].
O gás do lixo é usualmente composto por uma mistura de 50% de CH4, 45% de CO2 e 5% de H2S
e outros gases. O metano é um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, e como seu potencial de
aquecimento global é maior que o dióxido de carbono (CO2), a simples queima do gás reduz seu impacto
na atmosfera. Se o metano for utilizado na produção de energia, essa redução será mais significativa;
convém lembrar que esses benefícios podem ser comercializados, através de créditos de carbono, no
mercado internacional. Devido ao crescimento das áreas urbanizadas, existe um aumento na quantidade
de emissões de metano [Tolmasquim].
No estado de São Paulo existem sete aterros e 487 “lixões”, segundo o Inventário Ambiental da
Cetesb (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental) de 1992. Os “lixões” consistem apenas em
uma descarga a céu aberto; enquanto o aterro sanitário é um sítio no qual utiliza-se um processo de
disposição de resíduos sólidos, basicamente lixo domiciliar, com critérios estabelecidos visando um
confinamento seguro em relação ao controle ambiental [Calderoni].
Os dois aterros sanitários em operação atualmente no município de São Paulo são o Aterro São
João e o Bandeirantes. Juntos, eles receberam 320 mil toneladas em agosto de 1996, sendo atribuída a
cada um metade desse valor. O Aterro Bandeirantes localiza-se na Rodovia dos Bandeirantes, km 26,
bairro de Perus, na zona norte da Capital. Sua operação teve início em 1º de setembro de 1979 e divide-se
em cinco áreas, denominadas AS (Aterro Sanitário): AS-I, AS-II, AS-III, AS-IV e AS-V. Os AS-I, AS-II
e AS-III já tiveram sua capacidade esgotada; os AS-IV e AS-V recebem uma descarga atual de 160 mil
t/mês (dados de 1990) [Calderoni]. A Figura 1 apresenta a vista do Aterro Bandeirantes.
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Figura 1 - Vista do Aterro Bandeirantes. Fonte: Logoseng
Tecnologia
Um sistema padrão de coleta de gás bioquímico (GBQ) possui três componentes centrais: poços
de coleta e tubos condutores, um sistema de tratamento e um compressor. A maioria dos aterros
sanitários, com sistema de recuperação energética, possui um flare para a queima do excesso de gás ou
para uso durante os períodos de manutenção dos equipamentos [Tolmasquin]. Dentre os componentes de
uma usina de biogás, podem-se destacar:
Tubos de Coleta - A coleta de gás começa após uma porção do aterro, chamada célula, ser
fechada. Há duas configurações de sistemas de coleta: poços verticais e trincheiras horizontais; sendo os
verticais mais utilizados. Cada um das pontas é conectada a uma tubulação lateral, que transporta o gás
para um coletor principal.
Sistema de Tratamento de Condensado - Quando o GBQ produzido pelo aterro passa através do
sistema de coleta, este se resfria formando um condensado. Se não for removido, ele pode bloquear os
sistema de coleta e interromper o processo de produção de energia.
Compressor - O compressor é utilizado para puxar o gás dos poços de coleta, e também para
comprimi-lo antes de entrar no sistema de geração de energia. O tamanho, tipo e número de compressores
necessários dependem da taxa, do fluxo de gás e do nível desejado de compressão.
Flare - Um flare é um dispositivo para a ignição e queima do GBQ. Podem ser abertos (ou vela)
ou enclausurados. Os enclausurados reduzem os incômodos de ruído e iluminação, mas são mais caros.
Sistema de Tratamento de Gás - Depois do gás ser coletado, é tratado para remover algum
condensado que não foi eliminado nos tanques de captura, assim como material particulado e outras
impurezas. Para a geração de energia são necessários uma série de filtros com o objetivo de remover tais
impurezas e não reduzir a eficiência do sistema.
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Geração de Energia Elétrica
Existem várias tecnologias para a geração de energia elétrica: motores de combustão interna,
turbinas de combustão e turbinas com utilização do vapor (ciclo combinado). A Tabela 1 detalha as
tecnologias existentes para a geração de energia. A energia elétrica é vantajosa, pois produz valor
agregado ao GBQ. A eficiência do sistema varia de 20 a 50% com o uso da cogeração de energia
[Tolmasquin].
Tabela 1 - Tecnologias de Geração de Energia Elétrica
Motores de Combustão
Turbinas de Combustão
Turbinas com Utilização de
Interna
Tamanho Típico do
Vapor
>1
>3
>8
GBQ (mcf/dia)1
> 625
> 2.000
> 5.000
Custos típicos
1.000 - 1.300
1.200 - 1.700
2.000 - 2.500
1,8
1,3 - 1,6
1,0 - 2,0
25 - 35
20 -28 (aberto)
20 - 31
Projeto (MW)
(US$/kW)
Custos Obras e
Manutenção (US$/kW)
Eficiência (%)
26 - 40 (combinado)
Potencial de
Baixo
Médio
Alto
Baixo custo; tecnologia
Resistência à corrosão;
Resistência à corrosão;
mais comum.
pequeno espaço físico;
Facilidade em controlar a
Baixa emissão de NOx
composição e fluxo de gás.
Cogeração
Vantagens
Fonte: Tolmasquin, com adaptações.
Segundo Ensinas, o primeiro projeto de recuperação de gás metano para geração de energia
elétrica foi construído em Rolling Hills - Califórnia, no aterro Palos Verdes no ano de 1975. No Brasil
existem alguns projetos implantados, podem-se destacar: um da COMGÁS (Companhia de Gás da Cidade
de São Paulo), que distribuía o gás do aterro localizado no km 14,5 da Rodovia Raposo Tavares para
consumidores residenciais locais, e o outro referente ao Aterro do Caju no Rio de Janeiro da CEG
(Companhia Estadual de Gás) em conjunto com a COMLURB (Companhia Municipal de Limpeza
Urbana). O projeto da CEG-COMLURB iniciou-se em 1977 e teve duração de 10 anos; o gás foi utilizado
para o abastecimento de 150 veículos da COMLURB além de alguns táxis [Ensinas].
Recentemente a empresa SASA Sistemas Ambientais, localizada na cidade de Tremembé (SP),
apresentou um projeto de geração de energia elétrica de 50 a 80 mil kWh/mês utilizando o gás metano do
1
mcf/dia = mil pés cúbicos por dia
4
aterro da cidade. A empresa VEGA Bahia também possui um projeto de geração de energia elétrica
utilizando o gás do aterro da região metropolitana de Salvador (BA). O projeto prevê a construção de uma
usina termelétrica de 45 MW no período de 2015 a 2021 [Ensinas].
Central Termelétrica Biogás
O Aterro Bandeirantes utiliza motores de combustão interna para a geração de energia elétrica. O
aterro recebe diariamente sete mil toneladas de lixo; produzindo 12 mil metros cúbicos de biogás por
hora. O gás chega à central a uma temperatura de 28° C; passa através de chiller, para a remoção da
umidade, e atinge a temperatura de 6,7º C (a umidade pode causar danos aos motores dos grupos
geradores). Após, os sopradores (ou compressores) aspiram o gás e injetam uma quantidade pré-definida
pelos controladores lógicos programáveis nos motogeradores. Há ainda dois flares para a queima do
excesso de gás, caso um dos motores pare de funcionar. Segundo Martinez, a usina termoelétrica foi
projetada para produzir 170 mil MWh/ano [Martinez]. A Figura 2 apresenta uma vista parcial dos grupos
geradores.
Figura 2 - Grupos Geradores. Fonte: Logoseng.
Para verificar a quantidade de energia produzida, podem-se realizar os seguintes cálculos. Foram
instalados 24 grupos geradores de 925 kW cada, ou seja:
Potência total instalada = (24 geradores) (925 kW) = 22,2 MW;
Considerando um rendimento de 90% nos grupos, tem-se:
Potência útil = (22,2 MW) (0,9) = 19,98 MW;
A energia total produzida é igual a:
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Energia total produzida = (Potência útil) (quantidade de horas no ano) = (19,98 MW) (24 horas)
(365 dias) = 175.024.800 MWh / ano;
Algumas horas devem ser descontadas para efetuar a manutenção dos grupos geradores. Segundo
Bombana, 760 horas anuais são destinadas a manutenção. Logo a energia disponível no ano corresponde
a:
Energia disponível = (Potência útil) [ (quantidade de horas no ano) - (horas de manutenção por
ano) ] = (19,98 MW) [ (8760 horas / ano) - (760 horas / ano)] = 159.840.000 MWh / ano;
Ou seja, a energia disponível corresponde a 159,84 Mil MWh/ano e não 170 Mil MWh/ano
declarados. Segundo dados da Eletropaulo, o bairro de Perus consome 10 MW de potência, o que
corresponde a praticamente metade da energia disponível. O diretor técnico da Biogás, Bertram Sayer,
afirma que a energia gerada deve custar entre R$ 300 a 350 / MWh [Bombana]. O faturamento bruto, da
energia restante, é igual a:
Faturamento Bruto = (Energia disponível - Energia destinada ao bairro) (custo do MWh) =
(79.920.000 MWh / ano) (R$ 325 / MWh - valor médio) = 25,975 milhões de R$ / ano;
Para o cálculo do faturamento líquido devem-se considerar os custos referentes ao investimento
anual da usina, custo anual de operação e manutenção, custo anual de investimentos em transmissão e o
custo anual de combustível [Tolmasquin]. Observa-se que o custo anual de combustível é nulo, pois o gás
está disponível gratuitamente. Os demais custos devem ser estimados, pois os dados encontrados na
literatura consultada são desencontrados. Para os cálculos dos custos típicos e de obras e manutenção
foram utilizados os dados apresentados na tabela 1 (foi considerada a seguinte cotação da moeda norte
americana: US$ 1 = R$ 2,70). Falta estimar os custos referentes as linhas de transmissão.
Custos típicos = (R$/kW) (Potência útil) = (3105 R$/kW - valor médio) (19.980 kW) = 62,037
milhões de R$.
Custos obras e manutenção = (R$/kW) (Potência útil) = (4,86 R$/kW) (19.980 kW) = 97,103 mil
R$.
Conclusão
O projeto Biogás apresenta uma série de vantagens. Metade da energia elétrica gerada beneficiará
cerca de 2220 famílias que vivem no bairro de Perus e proximidades, diminuindo sensivelmente a
quantidade de ligações clandestinas. O metano é um dos gases responsáveis pelo efeito estufa. Seu
potencial de aquecimento global é 21 vezes maior do que o dióxido de carbono. A simples queima do gás
pode reduzir consideravelmente o impacto ambiental; como está sendo utilizado para a geração de energia
elétrica seu impacto será ainda menor.
Através de simples cálculos observou-se que a energia disponível corresponde a 159,84 Mil
MWh/ano e não 170 Mil MWh/ano declarados. Metade desse valor será comercializada, pois o restante
beneficia as comunidades próximas ao aterro. Esse projeto é um dos importantes exemplos de como a
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parceria empresa-estado pode trazer uma série de benefícios para as empresas envolvidas, assim como,
para a população local (energia elétrica) e global (diminuição da quantidade de CH4 emitida para a
atmosfera).
Referências
Bombana, Clarice. Aterro Bandeirantes gera energia com a maior termelétrica a biogás do mundo.
Revista Eletricidade Moderna. Abril de 2004.
Calderoni, Sabetai. Os Bilhões Perdidos no Lixo. Editora Humanitas FFLCH/USP.
Ekmann, J.; Winslow, J.; Smouse, S; Ramezan, M. International Survey of Cofiring Coal with Biomass
and other Wastes. Fuel Processing Technology, 54, 1998, pages 171 - 188.
Ensinas, Adriano Viana. Estudo da Geração de Biogás no Aterro Sanitário Delta em Campinas - SP.
Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Engenharia Mecânica.
2003.
Martinez, Christine. Unibanco investe em térmica para suprir consumo próprio – 24/11/2003. Valor
Econômico. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias
Tolmasquim, Mauricio Tiomno (Organizador). Fontes Renováveis de Energia no Brasil. Editora
Interciência. 2003.
Viveiros, Mariana. Lixo vai gerar energia para 200 mil pessoas. 23/01/2004. Folha de S. Paulo.
Disponível em: http://agenciact.mct.gov.br/
www.logoseng.com/biogas
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