Carta a um Professor Petista
Percival Puggina
13 de junho de 2011
Três décadas neste mister de emitir opinião me habituaram a e-mails
de aprovação e de reprovação. Pela primeira vez, no entanto, um leitor me
escreve não para comentar determinado texto, mas para atacar "o conjunto
da obra". Ele topou com algo que escrevi e acessou meu blog. Sentindo-se
ferido em seus brios petistas, partiu para o ataque. Decidi responder-lhe
através de um artigo. É o que segue. Primeiro diz ele e, em seguida, respondo eu.
Diz ele que meu único motivo ao escrever é avacalhar o PT e que
atribuo ao PT e ao comunismo (que segundo ele "já não existe") todos
os males do mundo.
Respondo eu. A lista dos adversários que combato, professor, é extensa.
Eu aponto erros, critico e ironizo, entre outros, o PT, a Teologia da Libertação, a chamada Igreja Progressista, as práticas revolucionárias do MST e
movimentos assemelhados, o relativismo moral, a deseducação sexual, a
complacência com o crime, a corrupção, o péssimo modelo institucional
brasileiro, o corporativismo nos menores e nos maiores escalões, a doutrinação política nas escolas, a perda da soberania nacional para as nações
indígenas, a influência das ONGs estrangeiras nas políticas brasileiras, a
estatização, a concentração de poderes e de recursos em Brasília, a carga tributária, a partidarização do Poder Judiciário, a destruição da instituição familiar, a gratuidade do ensino superior público para quem pode pagar por ele.
Combato, mas não avacalho. Mas se os petistas enfiam todas essas carapuças, o que eu posso fazer, professor?
Por outro lado, o maior sucesso dos comunistas nunca foi alcançado
no plano das realizações pretendidas ou prometidas, mas em fazer crer que
não existia. Não se diga isso, contudo, para alguém que dezenas de vezes
por ano é chamado pela mídia para debater com defensores do regime
cubano, ou do regime de Chávez, ou do mito Guevara, muitos dos quais
usando distintivos com foice e martelo, ou com estrelinhas vermelhas.
Dizer-me que comunismo não existe vale tanto quanto bater pé insistindo
que Papai Noel existe.
Diz ele que jamais reconheço qualquer mérito ao PT ao longo
dos oito anos do governo Lula, que desprezo os 84% de brasileiros que
lhe atribuíram conceitos de aprovação, que não levo em conta os milhões
de egressos da miséria durante sua gestão e que os governos dos partidos
que eu apoio jamais fizeram isso.
Respondo eu. Reconheço méritos no governo Lula, sim. Muito escrevi
a respeito do principal desses méritos, que foi o de chutar para longe a maior
parte das bobagens que cobrava e das propostas tolas e demagógicas com
que se apresentou à sociedade durante duas décadas. No entanto, ao descartar
aquela plataforma irresponsável, em vez de se desculpar perante a nação,
Lula simplesmente afirmou que "a gente quando está na oposição faz muita
bravata". Que vergonha, professor! Durante vinte anos o partido dele cresceu deformando a opinião pública e afirmando que o paraíso estava poucos
passos além das bravatas com que acenava para buscar votos.
Felizmente, a despeito das duríssimas campanhas contra eles movidas por Lula e o seu partido, os governos anteriores ao do PT implantaram
e deram continuidade a importantes políticas. A saber: a) o Plano Real, que
os petistas chamavam de estelionato eleitoral; b) a Lei de Responsabilidade
Fiscal, que chamavam de arrocho imposto pelo FMI; c) a abertura da economia brasileira, que chamavam de globalização neoliberal; d) o fim do
protecionismo à indústria nacional, que chamavam de sucateamento do
nosso parque produtivo; e) as privatizações, que chamavam de venda do
nosso patrimônio; f) o cumprimento das obrigações com os credores internacionais, que chamavam de pagar a dívida com sangue do povo; g) a geração
de superávit fiscal, que chamavam de guardar dinheiro para dar ao FMI;
h) o Proer, que chamavam de dar dinheiro do povo para banqueiro; e i) o fortalecimento da agricultura empresarial, que queriam substituir por assentamentos do MST.
Em momento algum os governos anteriores ao de Lula receberam
dos endinheirados do país e de suas entidades representativas as manifestações de estima e consideração que ele colecionou enquanto dava bolsa família
para os pobres e bolsa Louis Vuitton para os ricos.
Diz ele que sou um defensor de privilegiados e que nenhum outro
presidente brasileiro foi tão bem entendido pelo povo.
Respondo eu. De fato, Lula se revelou um craque na comunicação
social. Fazia parte dessa estratégia ter um discurso diferente para cada auditório e não manter hoje o menor compromisso com o discurso de ontem.
Para sorte dele, a grande imprensa sempre o protegeu, inclusive no episódio
do Mensalão. E a ninguém ocorreu apresentar à CUT o que ele dizia quando
falava à CNI. Nem mostrar à CNI o que ele dizia na CUT. Ademais, quem
defende privilegiados é o PT. Que o digam os banqueiros e os financiadores
de suas campanhas e as grandes corporações. O senhor não lê jornais, professor? Por outro lado, se lê o que escrevo sabe que não há sequer uma frase de
minha autoria em defesa de qualquer privilégio ou de qualquer privilegiado.
Diz ele que os governos militares torturaram, exilaram, brasileiros durante mais de vinte anos.
Respondo eu. Não foi só durante os governos militares que houve
tortura no Brasil. A tortura era uma prática institucionalizada no aparato
policial brasileiro e ainda não está extinta, como frequentemente se fica
sabendo e como, muito mais frequentemente, não se fica sabendo. Portanto,
debitar a prática da tortura aos governos militares é desprezar todos os
outros torturados, de ontem e de hoje, para canonizar os guerrilheiros e terroristas que possam ter sido vítimas dessa deplorável e criminosa forma de
ação investigatória.
Diz ele, referindo-se às minhas severas restrições à Campanha da
Fraternidade (CF) deste ano, que eu não sou ninguém para criticar
uma pessoa do porte do Leonardo Boff. Lembra que São Francisco
falava em irmão lobo e irmã água e que, por extensão, o Poverello
também diria "mãe terra". Na sequência, reafirma a frase do hino da
CF, segundo a qual nosso planeta é a "mais bela criatura de Deus".
Respondo eu. Não faz qualquer sentido, para mim, como católico, ficar
com Leonardo Boff contra a orientação de dois papas da estatura espiritual
e intelectual de João Paulo II e Bento XVI. Por outro lado, presumir que
São Francisco, ao falar em "irmão lobo" e "irmã água", também poderia
falar "mãe terra" (expressão inserida na CF deste ano) é uma demasia não
autorizada. Mais grave ainda foi o equívoco da CF quando afirmou que o
planeta é a "mais bela criatura de Deus". Para um católico, agregam-se aqui
dois conceitos inaceitáveis. Designar o planeta como "mãe terra" é próprio
do paganismo e do panteísmo. E a mais bela criatura de Deus, professor, é
o ser humano, ápice da Criação! Nas palavras do Gênesis: Deus o criou "à
sua imagem e semelhança; criou-o homem e mulher". A qualquer pessoa é
lícito achar que não. Qualquer um pode considerar a Cordilheira dos Andes,
a Amazônia ou o tigre de Bengala mais belos. Mas a CNBB, a Campanha
da Fraternidade e os católicos não podem corroborar isso. Tal desapreço à
dignidade da pessoa humana, em seu principal fundamento, é próprio dos
totalitários.
Diz ele (certamente referindo-se ao meu artigo "Os donos da
Educação") que, como professor de português, sempre ensinou seus
alunos não haver certo e errado, mas adequado e inadequado.
Respondo eu. Ensinar que não existe certo e errado, mas adequado e
inadequado em língua portuguesa é usar o relativismo, que tanto estrago
faz na moral social e na conduta dos povos, para corroer o idioma e a capacidade de ascensão social dos alunos oriundos de famílias incultas. Duvido
que algum professor de português adote essa pedagogia com seus próprios
filhos.
Diz ele que as piores ditaduras foram as de direita (e cita como
exemplo o nazismo e o regime militar de 64), mas que a direita tem a
chamada grande imprensa do seu lado.
Respondo eu. O senhor devia pedir perdão aos cem milhões de vítimas do comunismo, por minimizá-las ante os rigores dos governos militares brasileiros. Nem o Paulo Vannuchi teve coragem de afirmar tamanho
disparate. De outra parte, a grande imprensa, como qualquer organização
empresarial, está com quem tem o dinheiro. E o dinheiro – 24% do PIB
nacional – bem como as maiores contas de publicidade do país estão sob
gestão do seu partido. Então, não me tome por tolo com esses bordões da
esquerda. Eles talvez lhe sirvam à consciência, mas não convencem ninguém com um mínimo de bom senso. Como professor, o senhor deveria
saber, também, que a doutrina do nacional-socialismo (nazismo) não era e
não é de direita (conforme adverte o próprio site desse partido no Brasil).
Ao contrário, o nazismo é uma doutrina de esquerda, tão totalitária, coletivista e estatizante quanto o comunismo. O fato de terem sido adversários
políticos não os leva para campos ideológicos opostos. Uns e outros são
filhos do mesmo ventre coletivista.
Observe, por fim, que eu só escrevo. Não grito, não agrido, não invado,
não depredo, não vaio, não calunio, não difamo, não redijo panfletos caluniosos, não especulo sobre a honra de quem quer que seja. E o senhor sabe
muito bem quem é useiro e vezeiro nisso.
Atentamente
Percival Puggina
Observações:
1) Fonte: Blog do autor
(http://www.puggina.org/newblue/lista_remissiva.php);
2) O autor é Arquiteto e escritor, titular do blog www.puggina.org e autor de
“Crônicas contra o totalitarismo”, “Cuba, a tragédia da utopia” e “Pombas
e Gaviões”;
3) As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, o pensamento da Academia Brasileira de Defesa.
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