A UTILIZAÇÃO DO USO DE NOVAS TECNOLOGIAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS Juliana Cristina de Santana¹ Quitéria Medeiros² UFRPE RESUMO: Pesquisas em vários níveis de ensino evidenciam preocupações de educadores relacionadas às dificuldades, tanto conceituais como procedimentais, de ensino-aprendizagem na área de Geometria. Visando superar algumas dessas dificuldades, há estudos que se dedicam ao emprego de tecnologias, especialmente softwares educativos. É o caso, por exemplo, do Cabri Geomètre, um software direcionado à aprendizagem de geometria. O presente artigo visa proporcionar uma reflexão como o uso de softwares educacionais pode ser utilizado na aprendizagem de Geometria e, sobretudo, relatar a sua importância no Ensino de Ciências. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Matemática; Cabri Geomètre; Ensino de Ciências. Introdução A Matemática sempre teve destaque na sociedade por estar difundida em todos os meios e seus saberes serem usados em uma série de atividades sociais, políticas e econômicas. Sabemos que o conhecimento da matemática não é secundário, é essencial (COLE, 2006). No entanto, percebemos, no contexto escolar, a maioria dos alunos não domina e não mostra afinidade com esta área do saber. Este é um paradoxo: a Matemática é exigida e valorizada na sociedade e, portanto é esperado um maior domínio pelos indivíduos, mas, na realidade, o que encontramos, muitas vezes, é uma aversão a este conteúdo. As dificuldades encontradas por alunos e professores no processo ensino – aprendizagem da Matemática são muitas e conhecidas. Por um lado, o aluno não consegue entender a Matemática que a escola lhe ensina, muitas vezes é reprovado nessa disciplina ou, então, mesmo que aprovado, sente dificuldades em utilizar o conhecimento “adquirido”. ¹Mestranda do PPGEC, UFRPE ²Mestranda do PPGEC, UFRPE Em síntese, não consegue efetivamente ter acesso a esse saber de fundamental importância. O professor, por outro lado, consciente de que não consegue alcançar resultados satisfatórios junto a seus alunos e tendo dificuldades de, por si só, repensar satisfatoriamente seu fazer pedagógico, procura novos elementos — muitas vezes meras receitas de como ensinar determinados conteúdos — que, acredita, possam melhorar esse quadro. Uma evidência disso é, positivamente, a participação cada vez mais crescente de professores em encontros, conferências ou cursos. 1. O papel do professor diante da tecnologia da informática no ensino das ciências Como professoras de Matemática da rede pública de ensino, percebemos que, a cada ano, nossos alunos demonstram menos conhecimento dos conceitos matemáticos elementares. Mesmo conhecendo certas definições ou os enunciados de alguns conceitos, raramente conseguem aplicá-los para a resolução de problemas. Os entes matemáticos a que tais enunciados se referem não parecem possuir qualquer elemento concreto para os alunos, que, por isso, se mostram incapazes de representá-los de uma forma qualquer. É nesse tipo de situação com que o professor se depara que percebemos o grande interesse pelos materiais didáticos e pelo uso de novas tecnologias. As atividades programadas que discutem questões relativas a esse tema são as mais procuradas. As salas ficam repletas, e os professores ficam maravilhados diante de um novo material ou de um software desconhecido. Parecem encontrar nos materiais a solução — a fórmula mágica — para os problemas que enfrentam no dia-a-dia da sala de aula. O professor nem sempre tem clareza das razões fundamentais pelas quais os materiais ou softwares são importantes para o ensino–aprendizagem da Matemática — e normalmente são necessários — e em que momentos devem ser usados. Geralmente, costuma-se justificar a importância desses elementos apenas pelo caráter “motivador” ou pelo fato de se ter “ouvido falar” que o ensino da Matemática tem de partir do concreto ou, ainda, porque, através deles, as aulas ficam mais alegres, e os alunos passam a gostar da disciplina. A formação do professor para uso das novas tecnologias não pode ficar restrita ao domínio da máquina, mas se deve ser vista num contexto mais amplo das possibilidades que a envolvem. Ou seja, a formação “deve oferecer condições para o professor construir conhecimento sobre técnicas computacionais e entender por que e como integrar o computador em sua prática pedagógica”. (VALENTE, 2003, p.7). O papel do professor é fundamental nos projetos de inovações, até porque a qualidade de um ambiente tecnológico de ensino depende muito mais de como ele é explorado didaticamente, do que de suas características técnicas. A simples presença de novas tecnologias na escola não é por si só, garantia de maior qualidade na educação, pois a modernidade pode mascarar um ensino tradicional, baseado na recepção e na memorização de informações. (MORAN, 2000). Mesmo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em vigor desde 1996, apresentando a necessidade da "alfabetização digital" em todos os níveis de ensino, do fundamental ao superior, o censo escolar do Ministério da Educação (MEC), realizado em 1999, revelou que apenas 3,5% das escolas de ensino básico tinham, naquele ano, acesso à Internet, e cerca de 60 mil escolas do país não tinham sequer energia elétrica. Nos últimos anos, esse quadro está mudando, com iniciativas governamentais a nível federal, estadual e municipal, além de apoios privados e do terceiro setor, mas a exclusão digital nas escolas brasileiras ainda é grande. 2. A importância do uso do computador no ensino das ciências Nos últimos anos, têm-se falado muito no uso do computador, a tecnologia da informática tem se tornado tão presente em nosso cotidiano que o uso o computador tem adquirido importância cada vez maior no dia-a-dia das escolas e no desenvolvimento do ensino-aprendizagem. A introdução do computador nas escolas deve vir acompanhada de mudanças adequadas na orientação pedagógica da educação, sem que o computador torne-se apenas mais uma sofisticação tecnológica, que faz parecer que a escola tornouse mais moderna, mas que não traz nenhum beneficio para a educação. Com a chegada do computador na educação, a tecnologia ficou conhecida como uma versão computadorizada dos métodos tradicionais de ensino, consequentemente os softwares que foram surgindo não passavam de versões computadorizadas do que acontecia em sala de aula. A primeira aplicação pedagógica do computador foi planejada para que fosse usado como uma máquina de ensinar skineriana e empregava o conceito de instrução programada, onde o software é o detentor do conhecimento (visão instrucionista). O emprego do computador como ferramenta educacional, com a qual o aluno pode resolver problemas significativos, construir e buscar conhecimento, com aprendizagem ativa, descarta a possibilidade de esta ferramenta ser a detentora do conhecimento. Esta nova concepção de uso do computador é uma reconstrução teórica a partir do construcionismo piagetiano, feito por Seymoud Papert na sua proposta da linguagem LOGO (visão construcionista) (Valente, 1999; Moran, 2000; Weiss e Cruz, 2001). Assim, o computador é, quando usado adequadamente, uma poderosa ferramenta para melhorar a qualidade do aprendizado. A introdução pura e simples dessa ferramenta na escola, porém nada modifica o ensino. O computador nada mais é do que uma máquina que obedece a um programa, esse programa deve ser adequado aos objetivos que se quer alcançar com o uso da máquina. Perrenoud (2000) afirma que para melhorar o processo de aprendizagem e familiarizar os alunos com as novas ferramentas informáticas do trabalho intelectual é necessário desenvolver competências. As dez competências concebidas por Perrenoud (2000) como prioritárias na formação continuada do Ensino Fundamental são: 1. Organizar e estimular situações de aprendizagem. 2. Gerar a progressão das aprendizagens. 3. Conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciação evoluam. 4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e no trabalho. 5. Trabalhar em equipe. 6. Participar da gestão da escola. 7. Informar e envolver os pais. 8. Utilizar as novas tecnologias. 9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão. 10. Gerar sua própria formação contínua. Perrenoud (1999, 2000) também defende o uso da tecnologia na educação, como ressaltado na sua oitava competência. Ele sugere que em situações-problema, os professores utilizem de preferência softwares didáticos ou aplicativos (editores de texto, programas de desenho ou de gestão de arquivo, planilhas e calculadoras) que são auxiliares diárias das mais diversas tarefas intelectuais. Várias pesquisas têm demonstrado as possibilidades de utilização da informática na educação. (SILVA, 1997; SANGAICOMO, 1996), principalmente com softwares educacionais. O estudo da introdução da informática nas escolas brasileiras revela um trabalho desenvolvido tanto em uma perspectiva instrucional, em que o computador é o objeto de estudo, quanto em uma perspectiva construcionista, sendo o computador utilizado como recurso em uma situação de ensino-aprendizagem (VALENTE, 1993). Almouloud (s/d) ressalta que a utilização do computador possibilita individualizar o estudo de comportamento dos sujeitos, tornar os alunos autônomos na gestão de sua aprendizagem e tratar no tempo real uma parte da avaliação. Podendo-se assim integrar informações na formação dos conceitos. 3. O uso de softwares no processo de ensino-aprendizagem Dentre os softwares educacionais utilizados no Brasil, temos observado avanços na utilização do software Cabri-Géomètre como recurso informatizado na relação ensino-aprendizagem (SANGIACOMO, 1996; SILVA, 1997; POVOAS, 1997; SANTOS, 1997). Ao considerarmos essa ferramenta uma grande aliada no processo ensino-aprendizagem, temos percebido que os alunos interagem entre si e com a máquina, trocam experiências, levantam hipóteses de resolução das atividades no computador, questionam e buscam outras formas de resolução. Entendemos como D’Ambrósio (1997), que a utilização do computador no ensino de Geometria possibilita ao aluno a autoconfiança para criar e resolver situações geométricas, desenvolvendo a autonomia, para posteriormente resolver problemas. A escolha do software Cabri-Géomètre pode ser justificada devido o mesmo ser um software de autoria, assim classificado por ser um programa especifico para desenvolver situações de ensino-aprendizagem de um determinado conteúdo. Assim sendo, pode-se com o software Cabri-Géomètre criar e construir figuras que poderão ser deformadas com o deslocamento de seus elementos, permitindo a visualização dos movimentos e conservação de propriedades geométricas. Uma das maiores contribuições do computador para a Educação pode ser o fato de ele provocar, no contexto escolar, o questionamento dos métodos e processos de ensino utilizados. Assim, pretendemos discutir como o computador vem sendo inserido no meio educacional. Identificamos duas abordagens que fundamentam o uso do computador no processo ensino e aprendizagem. Uma delas é a abordagem instrucionista, quando se tenta reproduzir, com o computador, o ensino tradicional, no qual as informações são transmitidas ao aluno. A outra abordagem é chamada de construcionista. Nela o aluno tem a possibilidade de interagir com o software desenhando, escrevendo, hipotetizando, criando situações, se aprimorando, tomando decisões entre outras tarefas. O termo construcionismo foi utilizado por Papert (1994) para identificar uma abordagem de uso do computador, na qual o aluno constrói o seu conhecimento a partir da elaboração/construção de algo de seu interesse. Para Valente (1993), na abordagem construcionista, é o aluno que constrói seu conhecimento, por meio de experimentações realizadas no computador. Uma contribuição para a aprendizagem do aluno é quando realiza atividades que o envolve, pois na maioria das vezes, a parte afetiva está presente, valorizando a auto-estima e a responsabilidade do seu próprio aprendizado. Estudos realizados a respeito de como o aluno resolve um problema utilizando o computador, a partir do paradigma construcionista, mostraram que inicialmente o aluno descreve a solução do problema para o computador, depois o computador a executa e a partir da resposta obtida, o aluno reflete e se necessário depura, ou seja, altera aquilo que foi descrito. Este ciclo descrição–execução–reflexão-depuração foi mapeado por Valente (1993), e busca compreender a ação realizada pelos alunos quando realizam uma atividade no computador, Ao resolver um problema utilizando o computador, segundo o paradigma construcionista, o aluno descreve o problema a ser resolvido, o computador executa uma tarefa por meio de uma linguagem de programação (é possível utilizar outros software, sem necessariamente, usar uma linguagem de programação) e permite que o aluno interaja com o programa, pensando, refletindo e tomando decisões a respeito da atividade. Podemos citar como exemplo o software educacional Cabri_Géomètre, desenvolvida pelos pesquisadores Yves Baulac, Frank Bellemain e Jean-Marrie Laborde no Laboratório de Estruturas Discretas e de Didática do Instituto de Informática e Matemática Aplicada de Grenoble (LABORDE, 1994). A possibilidade de usar o Cabri como ambiente computacional de aprendizagem permite oportunidades de interação direta entre o aluno e o computador. Com a utilização do software Cabri, o aluno pode criar e construir figuras que podem ser deformadas com o deslocamento de seus elementos, permitindo a visualização dos movimentos e conservação de propriedades geométricas. No entanto, não podemos garantir que o aluno realizará o ciclo descrição– execução–reflexão-depuração. O professor, neste contexto, torna-se fundamental, pois através de questionamentos faz com que o aluno reflita e avance. Seu papel é fazer com que o aluno possa consolidar e a internalizar o conhecimento, provocando-o cognitivamente, intervindo no momento correto, para que ele amplie o seu universo cultural. Portanto, o professor é um mediador e é fundamental para criar situações na qual o aluno é levado a refletir. Sendo assim, faz-se necessário que os professores entendam como integrar o computador na sua prática pedagógica e sejam capazes de superar barreiras técnicas e pedagógicas, quando do uso das novas tecnologias como ferramentas de aprendizagem. Tais ações possibilitarão a transição de um sistema fragmentado de ensino para uma abordagem integradora de conteúdos, voltada para a resolução de problemas específicos do interesse de cada aluno. (...) o computador deve ser utilizado como um catalisador de uma mudança no paradigma educacional. Um novo paradigma que promove a aprendizagem ao invés do ensino, que coloca o controle do processo de aprendizagem nas mãos do aprendiz, e que auxilia ao professor a entender que a educação não é somente a transferência de conhecimento, mas um processo de construção do conhecimento do aluno, como produto do seu próprio engajamento intelectual ou do aluno como um todo. O que está sendo proposto é uma nova abordagem educacional que muda o paradigma pedagógico do instrucionismo para o construcionismo (Valente,1998;49). 4.Referencias Bibliográficas ALMOULOUD, S. A. Informática e Educação Matemática. In: CEMA – Cadernos de Educação Matemática. São Paulo: PUC-SP, s/d. COLE, K. C. O Universo e a Xícara de chá. São Paulo: RCB, 2006. D’AMBROSIO, B. S. Como ensinar matemática hoje? Temas e Debates. SBEM, ano II, n. 2, 1997. LABORDE, C. Aprender a ver e manipular o objeto além do traçado no CabriGéomètre. Em Aberto, n.º 62, Brasília, 1994. MORAN, J. M. Ensino e Aprendizagem inovadores com tecnologias auditivas e temáticas. In: MORAN, J. M; MASETTO, M. T e BEHRENS, M. As novas tecnologias e mediação pedagógica. 1 ed. São Paulo: Papirus, 2000. 173p. PAPERT, S. A Máquina das Crianças: repensando a escola na era da informática. Trad. Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. PERRENOUD, P. Construir competências desde a escola. 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