Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 255 CEFET/CE Capítulo IV EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: O CASO DO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO CEARÁ – CEFET/CE ________________________________________________________ 256 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 257 CEFET/CE 1. Metodologia 1.1. Objetivos e Expectativas de Resultados A investigação aqui desenvolvida pretende analisar as políticas públicas de educação/formação profissional promovida no Brasil no inicio do século XXI, considerando as exigências do mundo do trabalho, visando a delinear contributos para a elaboração de um modelo teórico de educação profissional. Mais especificamente pretende-se contribuir para: i. analisar os principais programas de educação/formação profissional do Brasil e Portugal, respectivamente; ii. analisar as concepções dos diretores, gerentes de área de formação, professores e formandos relativos à educação/formação profissional e às competências profissionais e pessoais; e iii. fornecer informações e apreciações críticas que levem a melhoria da qualidade da formação profissional. Este trabalho apresentou nos três primeiros capítulos uma acentuada vertente teórica de caráter psicológico, socioeconômico e político, a fim de compreender a relação educação e trabalho e as políticas de educação/formação profissional no domínio dos meios de produção que moldam as competências do indivíduo no decorrer de sua trajetória de vida. Segundo Morin (2000, p. 336), a teoria não é o conhecimento; ela produz conhecimento; Em outras palavras, [...] só ganha vida com o pleno emprego mental do sujeito. Neste sentido, o referencial teórico multidisciplinar utilizado nesta investigação serviu de parâmetro para tratar os problemas delineados nas quatro questões iniciais levantadas como expectativas de resultados: i. a educação/formação profissional legitima a ordem social, ao direcionar suas prioridades à lógica do mercado de trabalho, sem promover uma formação de base voltada ao desenvolvimento de cada indivíduo; 258 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE ii. os sistemas de educação/formação profissional do Brasil constituem a expressão de uma crise política acerca da função social da educação/formação profissional; iii. as concepções dos diferentes atores – diretores, gerentes de área, professores e formandos – são uma expressão dos modelos/concepções científicas e políticas de educação/formação profissional vigente do Brasil; e iv. as concepções dos diferentes atores – diretores, gerentes de área, professores e formandos – sobre os sistemas de competência são uma expressão dos modelos/concepções científicas e políticas de competência(s) do Brasil. Morin (2000, p. 337) observa ainda, que a teoria não é nada sem o método. Ambos, teoria e método, são os componentes indispensáveis do conhecimento complexo. A este respeito, Bourdieu (1989, p. 21) acrescenta que é preciso saber converter os problemas abstratos em operações cientificamente práticas a fim de pôr em causa os objetos préconstruídos. Mais precisamente, Bourdieu assinala que somente em função de um corpo de hipóteses derivado de um conjunto de pressuposições teóricas que um dado empírico qualquer pode funcionar como prova ou, como dizem os anglos saxões, como evidence (p. 24). Assim, o trabalho de identificação e caracterização de variadas concepções científicas e pessoais sobre a educação/formação do trabalhador, aqui apresentado, pretende sintetizar os elementos que representam o resultado dos processos políticos e ideológicos de identificação de problemas, prioridades e soluções disponíveis no campo da educação/formação profissional. 1.2. Instrumento de Avaliação A pesquisa empírica foi utilizada para analisar as políticas de educação/formação profissional promovidas no Brasil, aplicadas ao caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE, numa tentativa de apresentar indicações sobre a função social que a educação/formação profissional assume sob a lógica do modelo de competências, com recortes relativos a domínios restritos de conteúdos teóricos e práticos, frutos de experiências e trajetórias individuais e coletivas dos seus diferentes atores – diretores, Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 259 CEFET/CE gerentes de área, professores e formandos ─ o que possibilitou identificar as diferentes percepções teóricas e pessoais dos sujeitos entrevistados. Nesta dissertação, optou-se por um estudo de caso, consciente das vantagens e fraquezas que tal opção representa65. As razões desta escolha prendem-se no desejo de empreender um estudo em profundidade de uma estrutura específica ─ uma autarquia federal que ministra ensino superior, de graduação e pós-graduação, visando à formação de profissionais e especialistas na área tecnológica, oferecendo ainda formação pedagógica de professores e especialistas, cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores, educação profissional técnica de nível médio e educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação, além do ensino médio. Este objetivo dificilmente poderia ser alcançado num estudo menos amplo que este, que, embora pudesse ser mais facilmente generalizável, teria sido resultado de uma análise superficial, uma vez que foi realizado por um investigador individual, o que requer um tempo para a pesquisa. O estudo de caso foi do tipo exploratório e descritivo. Exploratório, na medida em que se procurou observar, registrar e explorar as dimensões do fenômeno, a maneira como ele se manifestou e como se relacionou com outros fatores educacionais, abrindo caminhos a futuros estudos; e, descritivo, pela análise dos fatos haver sido realizada sem manipulação ou interferência do pesquisador, tendo-se verificado tão-somente sua freqüência, natureza e características (Pardal e Correia, 1995). A escolha do CEFET/CE para o desenvolvimento do estudo de caso justifica-se pelo fato de a instituição poder ser considerada uma situação “típica”66, semelhante aos demais 34 (trinta e quatro) centros federais de educação tecnológica (CEFET’s) pertencentes à rede federal de educação tecnológica que têm suas origens no início do século passado, no ano de 1909, quando foram criadas as Escolas de Aprendizes Artífices, uma em cada Estado da União, pelo então presidente Nilo Peçanha67. 65 De acordo com Triviños (1992), o estudo de caso é uma categoria de pesquisa em que se aprofunda na análise, podendo fazer comparações entre dois ou mais enfoques específicos. 66 67 Segundo Bogdan & Biklen (1994, p. 94), situação “típica” é aquela que mais e assemelha com a maioria do mesmo tipo. Os centros federais de educação tecnológica (CEFET’s) estão assim distribuídos no Brasil: Região Norte: Centro Federal de Educação Tecnológica do Amazonas; Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará; e Centro Federal de Educação Tecnológica Roraima. Região Nordeste: Centro Federal de Educação Tecnológica de Alagoas; Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia; Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará; Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão; Centro Federal de Educação Tecnológica de Paraíba; Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco; Centro Federal de Educação Tecnológica de Petrolina; Centro Federal de Educação Tecnológica de Piauí; Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte; e Centro Federal de Educação Tecnológica de Sergipe. 260 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Para compreender a complexidade das concepções pessoais dos atores entrevistados e suas relações com o contexto na qual se produzem, foi utilizada uma metodologia qualitativa. Como apontam Minayo et al (1994, p. 21), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Por tratar-se de um estudo de natureza qualitativa, Triviños (1992), Minayo (1994) e Bogdan e Biklen (1994) consideram o estudo de caso como aquele que tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento-chave; o significado como de importância vital; a preocupação com o processo da investigação maior do que com o produto; a investigação dos dados descritiva e sua análise indutiva68. Com a metodologia predominantemente qualitativa, privilegiou-se como instrumento de recolha de dados a técnica da entrevista semi-estruturada com posterior análise de conteúdo. O pressuposto fundamental da escolha e da aplicação da entrevista semiestruturada é de que o ato de investigação e pesquisa comporta e reivindica um processo dialógico em que os atores envolvidos, ao participarem da entrevista, estarão diante de uma oportunidade de expressar suas diferentes concepções sobre a educação/formação profissional. A seleção da entrevista semi-estruturada para recolha de dados, por um lado, ocorreu no sentido de conferir maior latitude na resposta ao entrevistado, embora todos os inquiridos sejam sujeitos às mesmas questões, e por outro, permitiu enumerar de forma mais abrangente possível às questões que o pesquisador quer abordar no campo, a partir de suas hipóteses ou pressupostos, advindos, obviamente, da definição do objeto de investigação (Minayo, 1994, p: 121). Região Centro-Oeste: Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás; Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio Verde; Centro Federal de Educação Tecnológica de Urutaí; Centro Federal de Educação Tecnológica do Mato Grosso; e Centro Federal de Educação Tecnológica de Cuiabá; Região Sudeste: Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo; Centro Federal de Educação Tecnológica de Bambuí; Centro Federal de Educação Tecnológica de Januária; Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais; Centro Federal de Educação Tecnológica de Ouro Preto; Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio Pomba; Centro Federal de Educação Tecnológica de Uberaba; Centro Federal de Educação Tecnológica de Nilópolis; Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio de Janeiro; Centro Federal de Educação Tecnológica de Campos; e Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo. Região Sul: Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná; Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas; Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves; Centro Federal de Educação Tecnológica de São Vicente do Sul; e Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina. 68 Entende-se deste estudo como indução à passagem de um conjunto finito de casos para um conjunto maior de casos; ou seja, a constatação de casos singulares para a afirmação de uma lei geral. O método indutivo consiste na observação de casos particulares para o estabelecimento de hipóteses de caráter geral. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 261 CEFET/CE Na ciência de que a investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais a abertura, a flexibilidade, a capacidade de observação e de interação do investigador com os atores sociais envolvidos, utilizou-se a entrevista como um instrumento que facilmente pudesse ser corrigido e readaptado durante o trabalho de campo, visando às finalidades da investigação. Ao articular questões abertas e estruturadas, a entrevista semi-estruturada possibilita uma abordagem livre, sem rigidez na formulação das questões, em um roteiro composto por poucas questões. O roteiro da entrevista semi-estruturada tem como objetivo servir de guia ao entrevistador, não sendo um instrumento de cerceamento para o entrevistado. Neste sentido, constitui num mecanismo para orientação de uma conversa com finalidade, um facilitador de abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação (Minayo, 1994, p.99). O roteiro, estruturado com nove questões, visou a apreender o ponto de vista dos atores sociais previstos nos objetivos da pesquisa, sendo arranjado de forma a permitir perguntas fundamentais para a compreensão da realidade empírica, porém conservando abertura e flexibilidade capazes de descobrir as particularidades da realidade empírica. Tais questões, na seqüência apresentadas, não descartaram a possibilidade de o entrevistado acrescentar outras que entendesse como relevante: i. Na sua opinião, como deve ser a formação do trabalhador para o atual mercado de trabalho? ii. Como você analisa o processo de escolha do jovem para o ensino geral e/ou educação profissional no atual mandato social, onde sobressaem os requisitos de uma economia globalizada, subordinados a uma ordem cultural mundial? iii. Como poderia ser ultrapassada a tradicional dicotomia entre formação geral e profissional? iv. Quais os limites dos atuais sistemas de educação/formação do Brasil? v. Na sua opinião quais os objetivos dos atuais programas de educação/formação profissional? vi. Os sistemas de educação/formação no Brasil estão cumprindo sua atual função social de qualificar a população ativa - com títulos escolares elevados – e cada vez menos especializada? vii. Como os sistemas de educação/formação estão desenvolvendo as competências profissionais, pessoais e coletivas para uma maior capacidade de adaptação, 262 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE mobilidade profissional, e rotatividade entre os postos de trabalho, características de uma economia de mercado crescentemente globalizada? viii. Como o CEFET/CE desenvolve nos jovens as competências pessoais e profissionais para o desempenho de papéis na sociedade e no mundo do trabalho? ix. Na sua opinião, o que necessita ser feito para melhorar a educação profissional no Brasil? Existiu por parte da investigadora a preocupação de selecionar sujeitos representativos do CEFET/CE com experiências variadas e conhecedores do fenômeno estudado, a fim de garantir a diversidade para, a partir desta, interpretar criteriosamente o conteúdo manifestado na fala dos sujeitos. Os critérios de seleção da amostra foram a ocupação de cargos de direção e gerência de áreas; docentes efetivos na Instituição, envolvidos com a formação inicial e continuada de trabalhadores, a educação profissional técnica e a educação profissional tecnológica, com no mínimo quatro anos de experiência com a educação/formação profissional; e alunos dos cursos de educação profissional técnica e tecnológica, que estivessem cursando ou tivessem cursado um curso de nível básico. A seleção dos alunos decorreu de sugestões feitas pelos professores em conversas informais e na disponibilidade para participar da entrevista. Não houve, entretanto, uma tentativa de constituir uma amostra “representativa” da população, uma vez que não se pretende fazer inferências globais. A seleção foi pautada pela preocupação em assegurar uma variedade das pessoas inquiridas, integrando diretores, gerentes, docentes e alunos com diferentes experiências e responsabilidades no domínio específico da educação/formação profissional. Na generalidade dos casos, a integração de cada entrevistado foi precedida de conversas informais que proporcionaram a possibilidade de apurar a disponibilidade do profissional em participar na entrevista. As entrevistas, especificamente, decorreram durante o período de outubro de 2003 a setembro de 2004, após terem sido recolhidos e sumariamente tratados os dados secundários. As entrevistas foram realizadas em diferentes espaços, com predominância nos gabinetes dos diretores, salas de professores, de reuniões e de aulas. Em todos os casos, foram colocados os objetivos e procedimentos de pesquisa e obtida autorização prévia para gravar as entrevistas. Observa-se, no entanto, que, apesar da utilização de um aparelho de pequenas dimensões, numa tentativa de que este não se revelasse tão obstrutivo, alguns alunos sentiram- Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 263 CEFET/CE se intimidados com a sua presença. Com efeito, ressalta-se influência dos fatores contextuais, sem, contudo, minimizar a objetividade dos discursos efetuados. Durante a investigação empírica, levou-se em consideração o fato de que a realização de entrevista resulta numa circunstância de interação social particular sujeita a diferentes leituras e avaliações de ambas as partes ─ entrevistado e investigador ─ tornando-se susceptíveis de enviesamentos, conscientes ou não, na análise dos dados (Ghiglione e Matalon, 1992). As falas dos entrevistados foram transcritas na íntegra no sentido de facilitar a sua análise e convocar os aspectos julgados pertinentes. Cada fita cassete foi devidamente etiquetada e numerada, complementada com um breve comentário pessoal relativo à pertinência do seu conteúdo, sendo utilizados os recursos do Microsoft Word para configurar as páginas transcritas e numerar as linhas, o que facilitou a identificação exata dos pontos considerados relevantes. A transcrição dos dados foi efetuada em duas etapas: a primeira consistiu em produzir-se uma versão preliminar e a segunda constou da minuciosa revisão dessa transcrição a fim de compreender e situar todos os pontos de vista possíveis e ao mesmo tempo identificar os ritmos, entonação, atitudes e expressões que caminham junto a um relato oral e que muitas vezes são limitados na transcrição. Transcritos os dados, eles foram ordenados de acordo com os passos propostos pela pesquisa qualitativa, segundo a análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin (2004). 1.3. Procedimento O método do estudo de caso fundado na análise intensiva do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE, mais a abordagem teórica e metodológica realizada a partir de determinantes psicológicos, sociológicos e políticos até aqui discutida, serviram para evidenciar uma perspectiva sobre o sistema de educação/formação profissional do Brasil. A escolha por uma abordagem multidisciplinar decorre da visão de que a preocupação com o desenvolvimento profissional/vocacional e cognitivo não exclui outras dimensões da vida do indivíduo em sociedade, porquanto a educação necessita voltar-se para 264 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE o desenvolvimento do pensamento crítico e a formação para o exercício da cidadania. Neste contexto, a escola é um lugar favorável para estudar a eficácia da psicologia na prática social, como também a formação de uma personalidade social, com atitudes e capacidades mentais produtivas (Dewey, 1916, p: 35). O procedimento metodológico da investigação decorreu de modo seqüencial entre 2002 e 2004 e se realizou em três tempos e modos: pesquisa bibliográfica, documental e de campo, subsidiadas pela técnica da entrevista semi-estruturada junto de um conjunto de atores sociais relevantes – diretores, gerentes, professores e alunos – selecionados no CEFET/CE. No primeiro momento da investigação, foram analisados documentos referentes ao Sistema Educativo do Brasil e os principais programas nacionais de educação profissional na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica/Ministério da Educação. Também foi estudado o cadastro nacional de entidades e instituições que oferecem atividades de qualificação e requalificação profissional no País, base de dados pertencente à Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional do Ministério do Trabalho e Emprego. As entidades estão caracterizadas de acordo com as linhas de atuação profissional, fontes de manutenção e áreas de atuação. Tais informações serviram como diagnóstico preliminar da formação no Brasil. Em um segundo momento, foi realizada extensa revisão bibliográfica e documental sobre as políticas de educação/formação profissional em Portugal, a fim de fundamentar a descrição e análise da realidade educacional portuguesa69. Para maior aprofundamento destas informações coletadas, também foi realizado um estudo de campo preliminar, preparatório do estudo empírico definitivo, em instituições pública e privada portuguesa, onde foram realizadas entrevistas com políticos, gestores e formadores para uma maior compreensão da realidade estudada. Finalmente, no terceiro momento, procurou-se, por meio da inserção no cotidiano do CEFET/CE, registrar sua dinâmica e acompanhar as dimensões qualitativas e quantitativas da implantação da política de educação profissional, em termos de seus avanços, estagnação ou retrocessos. A coleta de dados secundários foi realizada na Coordenadoria de Controle Acadêmico, onde foi observado o fluxo da administração, aferidos os índices de matrícula, 69 Procurou-se, no percurso da investigação, caracterizar o Sistema Educativo Português, analisar a reforma educativa e a legislação sobre Educação/Formação Profissional, dando ênfase à Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86), à formação profissional desenvolvida nas Escolas Profissionais e de Ensino Técnico-Profissional/Cursos Tecnológicos. Foram analisados, também, documentos, relatórios e anais do Instituto de Emprego e Formação Profissional, nas modalidades de Formação Profissional dos Sistemas de Aprendizagem e dos Cursos de Qualificação Inicial. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 265 CEFET/CE evasão e reprovação mediante dos Relatórios da Gestão do período de 2000 a 2004. Em suma, a coleta de dados, de uma maneira geral, partiu de uma intensa análise documental e revelouse uma fonte de informação muito importante no contexto global desta investigação. A triangulação da pesquisa bibliográfica, documental e de campo – subsidiada pela técnica da entrevista semi-estruturada – facilitou a formulação do objeto de investigação e a obtenção dos objetivos propostos, partindo da teoria para interrogar o real, ou fazendo uso das palavras de Bourdieu (1989. p. 27): ...pensar o mundo social de maneira realista... No decorrer das investigações, foi possível destacar algumas limitações do estudo, decorrentes das opções teóricas e práticas privilegiadas. Embora tenham sido selecionadas com base em critérios de pertinência em relação ao objeto de estudo, uma escolha implica sempre exclusões, de sorte que muitas questões ficaram de fora, por não serem consideradas pertinentes, à luz do enquadramento teórico adotado. De forma mais específica, existe o déficit de conceituação em torno das expressões educação/formação profissional e desenvolvimento vocacional/carreira ao longo da vida. Embora seja consensual a conceição de que tais idéias sejam são complexas e que adquirem várias dimensões ─ técnica, social e política ─ é ainda pouco claro o modo como o jovem ou o adulto no contexto do mercado profissional e de emprego condiciona suas ansiedades e expectativas em face das tomadas de decisões no domínio vocacional. Neste sentido, observa-se que muitos alunos não possuem planos vocacionais definidos, não obstante estarem cursando um curso profissionalizante, necessitando de informações específicas na área de exploração vocacional e sobre o mundo do trabalho, não distinguindo, como exemplifica Taveira (2004), os conceitos de curso, profissão, emprego, carreira, posição profissional, quando se referem ao mundo do trabalho70. Para além desta limitação decorrente das opções teóricas adotadas, uma compreensão mais global do objeto do estudo implicava dar voz a outros grupos de atores, nomeadamente aos egressos dos cursos. A investigação, tal como delimitada, volta-se para a análise dos processos e suas conseqüências imediatas, ou seja, não explora a efetividade das políticas de educação/formação profissional nos alunos e sua inserção no mercado de trabalho. Por isso, não interessa à investigação saber qual o impacto nos egressos dos cursos profissionalizantes. Uma tal investigação implicaria a elaboração de entrevistas junto aos alunos e empregadores, para averiguar se de fato as atuais políticas estão atendendo aos 70 Segundo Taveira (2004), comunicar estes conceitos aos jovens e adultos e ajudar a criar ambientes favoráveis para que se prepararem melhor para a vida e para assumirem responsabilidade pelo seu desenvolvimento pessoal e vocacional são ações imprescindíveis para minimizar as situações de insucesso profissional e de exclusão social ao longo da vida. 266 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE interesses do mercado de trabalho ou são direcionadas a incluir socialmente os futuros trabalhadores. Além disso, tratando-se de um estudo centrado apenas numa escola, qualquer tipo de generalização para outros contextos, com já foi realçado, torna-a ilegítima. A familiaridade com o fenômeno estudado, se por um lado facilitou o alargamento das variáveis consideradas, permitindo reduzir a fase exploratória, de outra parte, impôs uma ruptura com o saber imediato, isto é, com o conhecimento auto-evidente, elaborado a partir de noções do senso comum, que explica o mundo social tal como ele é aceito e compartilhado por todos, ou por parte do todo. Por outro lado, como anotam Bourdieu et al (2002), uma visão neutra sobre o objeto de pesquisa parece efetivamente impossível, uma vez que o investigador não pode se desvencilhar das suas crenças, ideologias e valores, o que o incita a redobrar a vigilância perante as prenoções que ameaçam sempre se imiscuir na sua análise71. 1.4. Caracterização Geral do CEFET/CE O Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE72 possui como missão a promoção de cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores, a educação profissional técnica e tecnológica, o ensino médio, a extensão, a pesquisa e a difusão tecnológica, visando ao exercício pleno da cidadania. Segundo o Relatório da Gestão 2004, o CEFET/CE possui como filosofia, os princípios e valores que orientam suas relações internas e externas, por meio de um ... [...] permanente compromisso com a ética e os valores de excelência; cidadania e humanismo; conhecimento inter e transdisciplinar; liberdade de expressão; inovação e empreendedorismo; socialização do saber; gestão participativa; qualidade da Educação Profissional e do Ensino Médio; e preservação da identidade cearense (Relatório da Gestão 2004 do CEFET/CE, 2004, p. 8). 71 A atenção constante, refletida, para evitar a contaminação do processo de produção científica pelas noções auto-evidentes do senso comum é o que Bourdieu et al (2002) chamam de “vigilância epistemológica”. 72 A proposta de criação dos centros federais de educação tecnológica foi justificada em todo o País nos discursos empresariais e governamentais com a defesa da idéia de que o desenvolvimento do Brasil só seria possível através do investimento sistematizado na busca de modernas tecnologias, da formação e desenvolvimento de recursos humanos para uma sólida educação geral tecnológica. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 267 CEFET/CE De acordo com o Art 1o. do seu Regimento, o CEFET/CE é considerado uma instituição legítima e representativa da educação profissional no Ceará, sendo uma autarquia educacional pertencente à Rede Federal de Ensino, criada pela Lei 3.552, de 16 de fevereiro de 1959, alterada pelo Decreto-Lei Nº 796, de 27 de agosto de 1968, vinculada ao Ministério da Educação e supervisionada pela Secretaria de Educação Média e Tecnológica, possuindo autonomia administrativa, financeira, patrimonial, didática e disciplinar, compatíveis com a sua personalidade jurídica e de acordo com seus atos constitutivos. O CEFET/CE prevê, como instituição especializada em educação profissional, observar os ideais e fins da educação previstos na Constituição Federal e na Lei nº 9.394/96, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e suas regulamentações, tendo como objetivos (Art 3o. do Regimento do CEFET/CE): i. ministrar cursos de qualificação, requalificação e reprofissionalização e outros de nível básico da educação profissional; ii. ministrar ensino técnico, destinado a proporcionar habilitação profissional, para os diferentes setores da economia; iii. ministrar ensino médio; iv. ministrar ensino superior, visando à formação de profissionais e especialistas na área tecnológica; v. oferecer educação continuada, por diferentes mecanismos, visando à atualização, ao aperfeiçoamento e à especialização de profissionais na área tecnológica; vi. ministrar cursos de formação de professores e especialistas, bem como programas especiais de formação pedagógica para as disciplinas de educação científica e tecnológica; e vii. realizar pesquisa aplicada, estimulando o desenvolvimento de soluções tecnológicas, de forma criativa, e estendendo seus benefícios à comunidade. A adoção destas modalidades de organização da educação profissional e do ensino médio pelo CEFET/CE, numa grande variedade de configurações educacionais, é atualmente regulamentada pelos decretos federais nos. 5.154/2004, 2.406/1997 e 3.462/2000, procurando atender a necessidade de fazer expandir a oferta de formação de profissionais, tornando o aluno apto a exercer atividades especificas no trabalho e responder à procura massificada do nível médio. De certo modo e nesta óptica, o ensino médio e a educação profissional no 268 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Brasil, a partir da reforma educacional, segue um modelo escolar aglutinador da escolarização pós-obrigatória no seio do sistema formal de ensino, destinado a favorecer uma escolaridade pós-obrigatória de massas, é alvo de múltiplas iniciativas políticas nos domínios da formação e do emprego, eminentemente articulados com a renovação da força de trabalho e assente na cooperação entre escola e empresa por meio das práticas e dos estágios supervisionados. Verifica-se na prática, porém, que a reforma dos ensinos médio e profissional vem confirmar que as políticas educacionais, anunciadas como fundamentais para a melhoria da oferta educacional, na realidade, configuram uma nova adequação às demandas econômicas e sociais da sociedade globalizada, portadora de novos padrões de produtividade e competitividade. Ao ser implementada com recursos financeiros assegurados por organismos internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e Banco Mundial, teve que se submeter as suas orientações. Nesse sentido, o panorama da educação profissional no CEFET/CE foi reorganizado em 1998, passando a englobar as áreas e habilitações de formação ofertadas nos níveis básico, técnico e tecnológico (Quadro 26). Quadro 26 - Número de Matrículas na Educação Profissional do CEFET/CE, Campus Fortaleza, por Ano de Implantação CURSOS/PROGRAMAS HISTÓRICO Formação inicial e continuada de trabalhadores Educação Profissional Técnica Educação Profissional Tecnológico 1998 1.483 424 - 1999 4.429 601 - 2000 2.488 517 - 2001 8.647 1.463 561 2002 10.510 1.997 1014 2003 13.872 3.576 2.578 2004 8.515 3695 3508 Fonte: Coordenadoria de Controle Acadêmico/Diretoria de Ensino/CEFET/CE: 2004 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 269 CEFET/CE Na formação inicial e continuada de trabalhadores, a qualificação será desenvolvida por meio de cursos e programas que incluem a iniciação, a atualização e o aperfeiçoamento profissional, segundo a organização de itinerários formativos. Modalidade não formal da educação profissional, os cursos básicos têm duração variável e são destinados a jovens e adultos que pretendam uma qualificação imediata para o trabalho e profissionais que queiram se atualizar para o desempenho de suas funções. Ao concluir o curso, o participante obterá a certificação de qualificação profissional. A educação profissional técnica está ligada às experiências de trabalho, com uma predominante intencionalidade ocupacional, visando a formar os jovens para o primeiro emprego ou os adultos que abandonaram prematuramente a escola. A articulação entre a teoria e a prática aproxima o aluno do mundo do trabalho mediante a oferta de uma diversidade de estágios e experiências práticas (Quadros 27). Quadro 27 - Áreas Profissionais e Habilitações da Educação Profissional Técnica do CEFET/CE, por Ano de Implantação ÁREAS PROFISSIONAIS Artes Construção civil Industria Música 2002 Edificações 1998 Estradas 1998 Manutenção Automotiva 2001 Mecânica Industrial 2001 Eletrotécnica com ênfase em Sistemas Elétricos Industriais 2001 Eletrotécnica com ênfase Eletrônicos Industriais 2001 Refrigeração Condimento de Ar Informática Química ANO DE IMPLANTAÇÃO HABILITAÇÃO em Sistemas 2002 Informática 1998 Conectividade 2001 Desenvolvimento de Software 2002 Química Industrial 1998 270 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Saúde Segurança do Trabalho Telecomunicações Telecomunicações Turismo e Hospitalidade 2000 1999 Agenciamento 1998 Guia Hotelaria 1998 Fonte: Coordenadoria de Controle Acadêmico/Diretoria de Ensino/CEFET/CE: 2003 Tais habilitações/cursos têm, no formato atual, duração de 2 anos e são dirigidas a alunos que tenham concluído, pelo menos, o primeiro ano do ensino médio, podendo entretanto, o aluno continuar a cursá-lo em outra instituição, uma vez que ele não poderá receber o diploma de técnico, se não houver concluído o ensino médio. A formação é centrada em conhecimentos específicos das áreas de interesse do mercado, permitindo ao estudante, se desejar, avançar verticalmente nos estudos, cursando o nível tecnológico. Para ingressar nos cursos técnicos, o aluno deverá prestar exame de seleção, que acontece semestralmente. As provas discorrem sobre os programas do ensino fundamental e do ensino médio, conforme os critérios de seleção estabelecidos para cada curso. Para os cursos da área de Artes, o candidato se submeterá, ainda, à prova de habilidade específica ao curso. A combinação no mesmo processo formativo, a socialização escolar mais tradicional com a socialização para o trabalho, envolve geralmente dois locus sociais habitualmente separados a escola e a empresa. Tal prática revela um potencial de ajustamento entre a formação e o exercício profissional, podendo ser tomado como um instrumento útil para a formulação de políticas de ensino técnico e de formação profissional que visam, antes de mais, a melhorar o ajustamento entre a formação do técnico e o mercado do primeiro emprego. Os cursos e programas educação profissional tecnológica de graduação e pósgraduação possuem características voltadas para o processo produtivo, com domínio no âmbito da inovação tecnológica, conforme Parecer CNE/CES no. 436/2001 (Quadro 28). Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 271 CEFET/CE Quadro 28 - Áreas Profissionais e Habilitações da Educação Profissional Tecnológica do CEFET/CE, por Ano de Implantação. ÁREAS PROFISSIONAIS HABILITAÇÃO ANO DE IMPLANTAÇÃO Artes plásticas 2002 Artes cênicas 2002 Saneamento e Recursos Hídricos 2002 Vias e Transportes 2002 Informática 2001 Telecomunicações 2001 Eletrotécnica 2001 Mecânica 2001 Automática Automática 2001 Lazer e desenvolvimento social Desporto e lazer 2002 Turismo Gestão em empreendimentos turísticos 2002 Artes Construção Civil Telemática Mecatrônica Fonte: Coordenadoria de Controle Acadêmico/ Diretoria de Ensino/CEFET/CE: 2003 É importante ressaltar o fato de que, com a aprovação do Decreto nº 2.208/9773, o Governo condicionou o envio de verbas às escolas técnicas federais à adesão ao PROEP – Programa de Expansão da Educação Profissional, objetivando a eliminação gradativa do ensino médio das escolas da rede federal de educação tecnológica, obrigando as instituições a diminuir drasticamente o número de vagas para o ensino médio. Juntamente com essa medida, foram criadas as condições para implantação dos cursos profissionalizantes, com a abertura de vagas para alunos que cursavam o ensino médio no CEFET, para estudantes que cursavam o ensino médio fora da Instituição, e pós-médio para egressos do ensino médio e que pretendiam fazer os cursos tecnológicos. Essas modificações impostas pela reforma e a decisão do CEFET/CE em manter o ensino médio impuseram a coexistência desta modalidade de ensino com as três modalidades de ensino profissionalizante com característica, organização diferenciada, causando 73 O Decreto 2.208/97 foi recentemente substituído pelo Decreto nº 5.154/2004, entretanto a Instituição ainda não colocou em prática a nova legislação, no que se refere à articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio. 272 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE problemas estruturais no seu controle acadêmico e na sua organização pedagógica e disciplinar, como também o aumento na oferta de cursos de curta duração para alunos de qualquer nível de escolaridade. O aluno também foi prejudicado em termos educacionais, porque, com o ensino ministrado de forma integral, as disciplinas de caráter geral davam o suporte em alguns aspectos as disciplinas técnicas, no que concerne ao conteúdo e também ao aprendizado. Existe uma compreensão, por parte do corpo docente, de que o ensino integrando era mais eficiente, uma vez que os cursos ofertados possuíam um período de integralização curricular mais longo e completo, com duração de 4 anos, sendo ministradas as disciplinas propedêuticas que possibilitavam uma formação geral, tendo passado, com a reforma, para um período de 2 anos. Nos primeiros anos de implantação da reforma, podem-se apontar alguns aspectos mais significativos. Aos alunos que cursavam o ensino médio fora do CEFET/CE, foi imposto um aumento da jornada escolar, o que contribuiu para aumentar o risco de reprovação e o índice de evasão, tanto no ensino médio como nos cursos profissionalizantes, uma vez que os estudantes passaram a necessitar de maior quantidade de recursos financeiros para o transporte e a alimentação. Tais modificações provocaram em alguns cursos uma evasão acima de 50%. O modelo organizacional dominante na educação técnico-profissionalizante sempre se caracterizou pela tutela federal, pela qualidade dos cursos, pelo tipo de certificação a que conduzia. A dualidade criada com a separação da oferta de ensino médio/ensino técnico causou um impacto perfil do aluno do CEFET. Observa-se também que atualmente os alunos procuram o CEFET/CE como uma segunda opção educacional para aqueles que não conseguiram ter êxito no acesso a ensino superior. Permaneceu, entretanto, a predominância de alunos do sexo masculino (Quadros 29 e 30). Quadro 29 - Número de Matrículas no Ensino Técnico do CEFET/CE, Segundo Sexo no período de 1998 a 2004, Campus Fortaleza IDADE 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Masculino 278 374 340 1.009 1.157 2.457 2.490 Feminino 146 227 177 454 840 1.119 1.205 Total 424 601 517 1.463 1.997 3.576 3.695 Fonte: Coordenadoria de Controle Acadêmico/ Diretoria de Ensino/CEFET/CE: 2004 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 273 CEFET/CE Quadro 30 - Número de Matrículas no Ensino Tecnológico do CEFET/CE, segundo Sexo no período de 1998 a 2004, Campus Fortaleza IDADE 2001 2002 2003 2004 Masculino 481 766 1.763 2.187 Feminino 80 248 815 1.321 Total 516 1.014 2.763 3508 Fonte: Coordenadoria de Controle Acadêmico/ Diretoria de Ensino/CEFET/CE: 2004 Em relação ao processo ensino-aprendizagem, os alunos oriundos de outras escolas de ensino médio não conseguiam se adaptar ao ensino do CEFET/CE e, como conseqüência, os professores passaram a utilizar o tempo destinado à transmissão de determinados e importantes conteúdos da sua disciplina no preparo dos alunos para o entendimento de prérequisitos. Essa realidade impedia que todo o conteúdo da disciplina fosse transmitido, o que limitou e precarizou ainda mais a formação e o aprofundamento dos conhecimentos, habilidades e dos saberes necessários à prática profissional. Juntam-se a estas questões a diminuição da carga horárias das disciplinas consideradas básicas para o ensino técnico, a adequação aos cursos modulares segundo o perfil apontado pelo MEC, a necessidade de uma discussão interna mais profunda, um treinamento adequado para os gestores de área, coordenadores de curso e professores sobre a nova metodologia educacional e acerca dos instrumentos de avaliação a serem utilizados no novo formato de educação profissional. Segundo os professores, deveria haver um treinamento para todos os profissionais do CEFET/CE, iniciando com os integrantes do Conselho Técnico-Profissional, para que pudessem ter argumentos convincentes para negociar, argumentar, uma vez que normalmente não conseguem fazer isso. Apesar da falta de recursos humanos qualificados e da utilização de professores substitutos, o CEFET/CE possui atualmente no seu quadro profissionais responsáveis pelos cursos das áreas técnicas e tecnológicas 5 gerentes das áreas, 7 coordenadores de cursos e 213 professores (Quadro 31). 274 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Quadro 31 - Número de Profissionais Responsáveis pela Educação Profissional no CEFET/CE, segundo a Área Profissional, Fortaleza, 2004 ÁREA PROFISSIONAL GERENTES DAS ÁREAS COORDENADORES PROFESSORES DE CURSOS Artes/ Turismo e Hospitalidade 1 2 42 Construção Civil 1 1 38 Industria/ Saúde 1 2 70 Informática/ Telecomunicações 1 1 41 Química 1 1 22 5 7 213 Total CEFET/CE Fonte: Coordenadoria de Controle Acadêmico/CEFET/CE, 2004 Além destes profissionais, o CEFET/CE é administrado por um diretor geral eleito pela comunidade escolar e nomeado pelo Ministro da Educação. Possui também um Conselho Diretor como órgão deliberativo e consultivo, e um Conselho Técnico-Profissional, como órgão técnico-consultivo e de avaliação do atendimento às características e aos objetivos da Instituição74. Não obstante a falta de recursos humanos e materiais e de infra-estrutura física, percebe-se um descontentamento, por parte da comunidade escolar, com a nova realidade do CEFET/CE após a reforma educacional, principalmente no que se refere à falta de orientação para implantá-la. Iniciada em 1998, a reestruturação dos cursos de nível técnico, a estrutura organizacional, a dimensão didático-pedagógica com o desenho da nova matriz curricular dentro do modelo de competência, a introdução de novos programas, o processo de acompanhamento e avaliação institucional, ainda não foram totalmente concluídos. Verifica-se no CEFET que a implementação total da reforma será impossível sem o entendimento crítico de seu significado diante do processo educativo, da política 74 O Conselho Técnico – Profissional é composto: diretor geral; diretor de ensino; diretor de relações empresariais e comunitárias; diretor de Administração e de Planejamento; quatro representantes dos empresários do setor produtivo das áreas de atuação da Instituição; quatro representantes dos trabalhadores representantes do setor produtivo das áreas de atuação da Instituição. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 275 CEFET/CE educacional, do Estado que a representa como sistema no poder, sob o risco de expor a perigo a identidade e a legitimidade social da Instituição. Em suma, a reforma educacional originou-se diretamente dos problemas de autonomia e regulação social, associados às mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas. Formalizada no contexto das mudanças ocorridas no País com a crise do Estado (de ordem econômico-financeira que provocou modificações nas políticas sociais, principalmente no que concerne a seu padrão de administração, impondo novas formas de formulação e implementação de políticas públicas), a reforma educativa, no discurso governamental, buscava reestruturar as instituições escolares, tornando-as eficientes e eficazes e, ao mesmo tempo, sensíveis às exigências de transformações do conhecimento cientifico e tecnológico. Na prática, a reforma da educação profissional brasileira demonstrou possuir um caráter fragmentado e dualista, ao implementar a separação da educação profissional da educação geral, fortalecendo a dicotomia entre o pensamento e a ação, entre o teórico e o prático, evidenciando um modelo que perpetua uma sociedade marcada pela desigualdade social. Segundo Kuenzer (1999), as atuais políticas públicas em educação profissional, implementadas no Brasil a partir da LDB 9.394/96, integram o campo de ação social do Estado, de modo a conviver com a dinâmica do mundo do trabalho, que, numa lógica contraditória, apontam para uma nova relação entre homem e trabalho, mediada pelo conhecimento científico, tecnológico e sócio-histórico. A autora ressalta ainda que, em decorrência dos novos paradigmas de organização e gestão do trabalho, cada vez mais são exigidos do trabalhador novos comportamentos e as práticas individuais são substituídas por procedimentos cada vez mais coletivos, compartilhando-se responsabilidades, informações, conhecimentos e formas de controle, agora internas ao trabalhador e ao seu grupo. A competência cognitiva, ética e de relacionamento, tais como raciocínio lógicoformal, criatividade, comunicação clara e precisa, interpretação de informações, autonomia, lidar com as diferenças, enfrentar os desafios das mudanças permanentes, definirão como serão preenchidos aospostos de trabalho (ainda existentes) e que dependem diretamente das necessidades do mercado, que vai ditar as normas sobre quais competências necessita, para qual situação, em que quantidade, e por quanto tempo. A reforma da educação profissional no Brasil também adota esta lógica, justificada por uma racionalidade econômica dependente da disponibilidade orçamentária em face de previsões de arrecadação e ajuste fiscal, e, ainda, pelo repasse progressivo das ações do 276 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Estado destinadas a assegurar os direitos de cidadania para os parceiros sociais ou mediante prestação de serviços e para a esfera privada ou organizações não governamentais. De acordo com Kuenzer (1999), as mudanças ocorridas no mundo do trabalho exigem, portanto a universalização da educação, a partir do ponto de vista dos que vivem do trabalho, empobrecidos econômica e culturalmente. Para estes, a escola é o único espaço disponível para apreender e compreender o mundo do trabalho, pela mediação do conhecimento, como produto feito processo da práxis humana, na perspectiva da produção material e social da existência, o que exigirá uma escola moderna, bem equipada e com professores qualificados. 1.5. Caracterização dos Participantes no Estudo O critério de escolha dos entrevistados, em número de 39 (trinta e nove), foi intencional, a partir do posto de trabalho que cada sujeito ocupava no CEFET/CE, importante fator para garantir a diversidade e, a partir desta, interpretar criteriosamente o conteúdo manifestado na fala dos entrevistados. O grupo I é constituído por 3 (três) diretores – Geral, Ensino e Relações Empresariais, identificados pela sigla D - nº x. O grupo II é composto por 4 (quatro) ocupantes de cargo de gerente de área profissionais – Arte/Turismo, Construção Civil, Indústria e Informática/Telecomunicações, identificados pela sigla G - nº x. O grupo III é formado por 15 (quinze) professores, representantes das áreas profissionais, efetivos na Instituição, envolvidos com a formação inicial e continuada de trabalhadores, a educação profissional técnica e tecnológica e com no mínimo quatro anos de experiência com a educação/formação profissional, identificados pela sigla P - nº x. O grupo IV é composto por 17 (dezessete) alunos selecionados nos cursos de educação profissional técnica e tecnológica das áreas de Arte/Turismo, Construção Civil, Indústria e Informática/ Telecomunicações, com 50% (cinqüenta por cento) das unidades curriculares concluídas, sendo identificados pela sigla A - nº x. Os alunos deveriam está matriculado ou já ter cursado um curso de formação inicial e continuada de trabalhadores (Quadro 32). Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 277 CEFET/CE Quadro 32 – Caracterização Sociodemográfica dos Participantes GRUPO 1 DIRETORES SEXO IDADE TEMPO NO CEFET/CE TITULAÇÃO D–1 M 63 anos 30 anos Graduado D–2 M 43 anos 20 anos Especialista D–3 F 45 anos 10 anos Mestre GRUPO 2 GERENTES DE ÁREA G–1 SEXO IDADE TEMPO NO CEFET/CE TITULAÇÃO F 35 anos 12 anos Mestre G–2 F 37 anos 10 anos Mestre G–3 M 46 anos 25 anos Mestre G–4 M 40 anos 4 anos Mestre TEMPO NO CEFET/CE TITULAÇÃO GRUPO 3 PROFESSSORES SEXO IDADE P–1 F 34 anos 9 anos Pós-Doutor P–2 M 45 anos 14 anos Mestre P–3 M 49 anos 30 anos Graduado P–4 M 41 anos 20 anos Mestre P–5 M 43 anos 24 anos Mestre P–6 M 44 anos 13 anos Mestre P–7 M 49 anos 24 anos Mestre P–8 M 46 anos 10 anos Mestre P–9 M 45 anos 20 anos Especialista P – 10 M 36 anos 14 anos Graduado P – 11 M 43 anos 18 anos Mestre P – 12 M 37 anos 5 anos Mestre P – 13 M 45 anos 22 anos Mestre P – 14 M 45 anos 21 anos Mestre P – 15 M 38 anos 13 anos Mestre GRUPO 4 ALUNOS SEXO IDADE ÁREA PROFISSIONAL NÍVEL A–1 F 22 anos Turismo e Hospitalidade Básico/Tecnológico A– 2 M 24 anos Turismo e Hospitalidade Básico/Técnico A- 3 F 19 anos Turismo e Hospitalidade Básico/Tecnológico A–4 M 22 anos Construção Civil Básico/Técnico A– 5 F 19 anos Construção Civil Básico/Técnico A- 6 F 25 anos Construção Civil Básico/Tecnológico 278 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE A–7 M 30 anos Construção Civil Básico/Tecnológico A– 8 F 17 anos Industria Básico/Técnico A- 9 M 33 anos Industria Básico/ Tecnológico A – 10 M 19 anos Industria Básico/Tecnológico A- 11 F 22 anos Química Básico/Técnico A- 12 F 20 anos Química Básico/Tecnológico A – 13 M 19 anos Informática Básico/Técnico A– 14 M 20 anos Informática Básico/Técnico A– 15 M 22 anos Informática Básico/Tecnológico A – 16 M 24 anos Industria Básico/Tecnológico A - 17 M 21 anos Informática Básico/Técnico Diferentemente da pesquisa quantitativa, a pesquisa qualitativa não se baseia no critério numérico para garantir sua representatividade e sim na profundidade da informação revelada pelo conteúdo das entrevistas, da convergência de informações, de vivências e de experiências que, partindo da percepção de cada sujeito social, levam à compreensão mais clara da natureza e da dinâmica do fenômeno alvo de observação. 1.6. Análise dos Dados Quanto à análise dos dados, buscou-se seguir os passos propostos pela pesquisa qualitativa, quando faz a discussão da análise de conteúdo. Minayo (1994) explica que, historicamente, a análise de conteúdo oscila entre o rigor da suposta objetividade dos dados numéricos e a fecundidade da subjetividade. Neste sentido, durante a análise de conteúdo são conferidas minuciosamente as análises de freqüência como critério de objetividade e cientificidade, sendo indicada a interpretação mais profunda mediante a inferência, na tentativa de ir além do alcance meramente descritivo da mensagem e ultrapassar a incerteza, ou seja, a leitura deve ser variada e generalizável a fim de possibilitar a possibilidade e a Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 279 CEFET/CE pertinência (p. 203). Minayo ressalta, ainda que, para atingir um nível mais aprofundado, ultrapassando os significados manifestos, a análise de conteúdo, em termos gerais, relaciona [...] estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados. E ainda, realiza a correlação da superfície dos textos descrita e analisada com os fatores que determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da`mensagem” (p. 203) Laurence Bardin (2004, p. 39) corrobora este entendimento, ao designar a expressão análise de conteúdo como: um conjunto de técnicas de análises das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) e conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) desta mensagem (p. 37). Entendendo que a análise de conteúdo estuda o significado das unidades lingüísticas, Bardin (2004, p. 39) estabelece correlações com as estruturas sociais, objetivando o conhecimento de variáveis de ordem psicológica, sociológica, histórica, etc., por meio de mecanismos de dedução com base em indicadores reconstruídos a partir de uma amostra de mensagens particulares. O objeto da análise de conteúdo é a palavra, ou seja, a sua prática por determinados emissores. A técnica possibilita a compreensão do que está por trás das palavras, busca outras realidades por meio das mensagens. De acordo com Bardin (2004), operacionalmente, a análise de conteúdo pode abranger as seguintes fases: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação (Figura 6). 280 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Figura 6 - Etapas da Análise de Conteúdo PRÉ-ANÁLISE Seleção de Documentos Formulação das hipóteses e dos objetivos Elaboração dos indicadores EXPLORAÇAO DO MATERIAL Definição das Unidades de Contexto e Registro Codificação e Categorização TRATAMENTO E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS Na fase pré-analítica, procedeu-se à constituição de um corpus75, o que implicou a observação das regras de exaustividade (seleção de todo o material susceptível de utilização), representatividade (os dados foram obtidos por intermédio de técnica idêntica e realizada com indivíduos semelhantes), homogeneidade (os documentos retidos obedeceram a critérios precisos de escolha) e pertinência (os documentos retidos foram adequados ao objetivo da análise). Esta fase, que segundo Bardin (2004, p. 89) é intuitiva, possibilitou o desenvolvimento de um esquema preciso das operações seguintes: a leitura flutuante dos documentos, a escolha dos documentos a serem submetidos a análise; a formulação dos 75 Conjunto dos documentos submetidos aos procedimentos analíticos (Bardin, 2004, p. 90). Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 281 CEFET/CE objetivos e das questões iniciais de partida para a pesquisa empírica; e a elaboração dos indicadores que fundamentaram a interpretação final dos dados coletados. Para se proceder à segunda fase, exploração do material, foi preciso codificá-lo de acordo com as razões da pesquisa. Codificar, segundo Bardin (2004), significa transformar os dados brutos do texto, para se atingir uma representação do seu conteúdo. No caso da análise qualitativa, a organização da codificação compreendeu o recorte (escolha das unidades), a enumeração (escolha das regras de contagem) e a categorização76 (escolha das categorias) e os conceitos teóricos mais gerais que subsidiarão a análise. Foram tomadas como unidades de contexto a globalidade das respostas às entrevistas semi-estruturadas. Como unidades de registro, houve um recorte da resposta dos atores à entrevista, visando à categorização e à contagem de freqüência das respostas. Levando em consideração a validade de ordem psicológica para estudar opiniões, valores, crenças, atitudes, tendências, foi escolhida a análise temática, tendo sido considerado o tema como unidade base. Bardin (2004, p. 73) explica que o desenvolvimento da análise temática é rápido, eficaz e aplicável a discursos diretos. Todas as respostas a questões abertas, obtidas em entrevistas, sejam elas diretivas ou mais estruturadas, individuais ou grupais, podem ser analisadas tendo o tema como base. O tema, de acordo com a autora (p. 99), é uma unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura. Podem ser feitos recortes dos textos, em idéias constituintes, em enunciados e em preposições portadoras de significados isoláveis. Com tais procedimentos, foi possível analisar os dados (falas dos entrevistados) por questões e por grupo de participantes. Houve dois momentos de recorte: no primeiro, foram selecionados trechos que continham informações relacionadas com o objetivo da pesquisa. No segundo, a partir dos trechos, foram identificadas as diversas unidades de registro, ou seja, os “núcleos de sentido”, relacionadas com a proposta da pesquisa. Cada unidade de registro foi agrupada segundo sua proximidade com os assuntos abordados, o que fez emergir as categorias de análise: educação, formação para o trabalho, orientação para a carreira, mercado de trabalho, política educacional, competências profissionais, pessoais e coletivas. 76 Por categorias, Bardin (2004) considera uma espécie de gavetas ou rubricas significativas que permitem a classificação dos elementos de significação constitutiva, da mensagem. É, portanto, um método taxonômico bem concebido para satisfazer os colecionadores preocupados em introduzir uma ordem, segundo certos critérios, na desordem aparente 282 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE As categorias reuniram os grupos de unidades de registros com o mesmo “núcleo de sentido”. Cada categoria expressou uma determinada tendência e o sistema de categorias criado refletiu as intenções da investigação. Os diferentes núcleos de sentidos encontrados nas falas dos sujeitos foram identificados e, a partir daí, foram armadas categorias para agrupar as falas que contivessem os mesmos núcleos de sentido. Posteriormente, as categorias foram reunidas de acordo com a pergunta formulada na entrevista, de tal forma que, na análise dos resultados, fosse possível identificar a tendência geral predominante em cada grupo de sujeitos – diretores, gerentes de área, professores e alunos. Como regra de enumeração, foi utilizada a freqüência, representada pelo número de vezes que determinada fala apareceu em cada grupo. Quanto maior a freqüência de sua aparição, maior a sua influência no resultado da análise, considerando-se que todos os itens tinham o mesmo valor. Para tratamento e interpretação dos resultados, a freqüência absoluta foi convertida em freqüência relativa, expressa em percentagem de falas de uma categoria em relação ao total de falas analisadas. A freqüência do aparecimento das falas em cada categoria foi convertida em percentual, evitando-se, dessa forma, distorções na interpretação dos resultados. Se fossem adotados os números absolutos das falas, corria-se o risco de conferir maior importância a uma determinada categoria indevidamente, uma vez que havia diferença na quantidade de entrevistados em cada grupo. É importante destacar também que a quantificação do número de falas foi uma opção adotada com a finalidade de assegurar melhor representatividade às “idéias” identificadas. O estudo empírico desenvolvido possibilitou a superação das “versões oficiais” encontradas nos documentos, relatórios, estatísticas governamentais. Sem as categorias da análise de conteúdo, tudo o que seria possível era continuar repetindo o discurso oficial dos organismos governamentais, sem uma noção muito clara de como esses discursos são constituídos em relação ao contexto no qual adquirem um efeito de sentido ou não. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 283 CEFET/CE 2. Resultados Neste ponto do trabalho, serão expostos os resultados do estudo empírico realizado no âmbito desta tese. A apresentação compreende as concepções pessoais dos diretores, gerentes de área, professores e alunos do CEFET-CE, procurando identificar respostas para os problemas delineados nas quatro questões levantadas no início deste trabalho. O roteiro das entrevistas foi estruturado com nove questões, sendo utilizado de forma a permitir estabelecer perguntas fundamentais para a compreensão da realidade empírica, conforme exemplificado no Quadro 33. Quadro 33 – Registro dos Dados das Concepções Pessoais 1ª PERGUNTA: Na sua opinião, como deve ser a formação do GRUPOS trabalhador para o atual mercado de trabalho? Diretores Gerentes Professores Alunos Em primeiro lugar ele tem que procurar sua qualificação né, nós aqui somos especialistas nisso, trabalhamos com educação profissional desde 1909, naquela época já podia se considerar isso que tava vivendo a realidade daquele momento né. E também, o outro lado que a gente procura dar muita ênfase, que é importante para a sociedade atual à gente se baseia na cidadania né, preparar para a vida, para o desafio da vida, mas como cidadão, não como uma pessoa que use de meios ilícitos para vencer, mas tem que vencer através da sua qualificação, da sua profissionalização (D-1). Olha, o trabalhador ele tem que atuar em vários campos, mesmo na área técnica ele tem que ter uma certa dinâmica, ter um pouco de gestão, empreendedorismo, saber montar seu próprio negócio. Porque, hoje, não existe mais emprego, então o que existe são locais onde você presta serviço (G-1). Olha, nós temos alguns níveis na verticalização, então a gente tem dentro do que a gente chama de nível profissionalizante na área de construção civil, a possibilidade de tá lançando no mercado do trabalho um profissional com habilidade e competência para está trabalhando na área, pra tá no mercado de trabalho com qualificação e competência em termo de orçamento, vistoria, em termo de acompanhamento de obra isso, em termo de nível técnico (P-1). O trabalhador precisa ter é formação acadêmica básica e procurar se especializar na sua área de atuação com no mínimo mestrado, doutorado para que seja hoje em dia para que seja competitivo no mercado (A-1). 284 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE GRUPOS Diretores Gerentes Professores Alunos 2ª PERGUNTA: Como você analisa o processo de escolha do jovem para o ensino geral e/ou educação profissional no atual mandato social, onde sobressaem os requisitos de uma economia globalizada, subordinados a uma ordem cultural mundial? Bom, nós temos experiência de jovens que até faz faculdade, e vim pra cá né, então a gente acredita que eles têm essa ânsia de se preparar profissionalmente para já ingressar no mercado de trabalho e pelo o que a gente sente aqui, parece que eles acham isso. É verdade que a nossa escola dá essa oportunidade, logo, imediatamente, mais do que a própria universidade (D-1). Bom, na realidade os jovens hoje querem trabalhar, então a gente que veio da academia, que fez uma engenharia, a gente sabe que o campo ele ta muito fechado. Então, a idéia do jovem é o quanto mais rápido tiver no mercado de trabalho melhor, que ai ta empregado e essa parte do currículo mais profissional já é um curso mais pragmático mais voltado para o mercado de trabalho, então ele tem mais oportunidade de emprego. Então é isso que o jovem ta procurando hoje trabalho (G-1). Eu penso que a escolha profissional reflete muito no mercado de trabalho, então quando uma pessoa, um jovem opta por cursos de tecnologia, eles estão colocando as suas expectativas em um curso que tem uma duração menor, nível de graduação que tenha uma ênfase maior na parte prática, na parte aplicada no processo e que essa experiência prática ela possa ser utilizada no mercado de trabalho com um retorno mais rápido (P-1).. Eu vejo que o processo de escolha é o seguinte, quando os jovens têm uma oportunidade de escolher uma universidade particular, tem condições de pagar é mais cômodo, mas ainda existe muito a tradição da escola pública, que tem que se esforçar bastante pra passar numa universidade pública que ainda é mais reconhecida do que as universidades particulares (A-1). ... Seguindo os parâmetros utilizados por Bardin (2004), expressos anteriormente, a análise de conteúdo comportou as seguintes etapas: pré-analítica, exploratória e de tratamento e interpretação dos dados obtidos na pesquisa. Na fase pré-analítica após a organização dos materiais e sistematização das idéias iniciais, foi realizada uma leitura fluente das falas dos sujeitos entrevistados, o que possibilitou a verificação da existência dos momentos que demarcavam mudanças profundas no processo histórico da reforma educacional no Brasil (1996 a 1999), o processo de implantação do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET a suas mudanças subseqüentes (2000 a 2004). Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 285 CEFET/CE Na fase exploração do material, seguindo as recomendações de Bardin (2004, p. 94) e Minayo (1994, p. 210), os dados brutos foram transformados visando a alcançar o núcleo de compreensão do texto. As frases significativas identificadas na pré-análise foram recortadas, e, em seguida, realizada a classificação e agregação dos dados, assim como foram escolhidas as categorias indicadas para comandar a delimitação dos temas. Nesta fase exploratória, foram encontrados indicadores que permitiram configurar um contexto analítico a partir das diferentes concepções pessoais perpassadas pela visão do investigador, possibilitando fazer inferências ou conjecturas segundo as premissas do quadro teórico de referência e justificar posteriormente esses mesmos julgamentos, tendo sempre presente, nomeadamente, os critérios de eles serem interessantes, plausíveis, consistentes e apropriados (Quadro 34): Quadro 34 – Registro dos Dados para Exploração SUJEITO UNIDADE DE CONTEXTO D–1 Em primeiro lugar ele tem que procurar sua qualificação né, nós aqui somos especialistas nisso, trabalhamos com educação profissional desde 1909, naquela época já podia se considerar isso que tava vivendo a realidade daquele momento né. E também, o outro lado que a gente procura dar muita ênfase, que é importante para a sociedade atual à gente se baseia na cidadania né, preparar para a vida, para o desafio da vida, mas como cidadão, não como uma pessoa que use de meios ilícitos para vencer, mas tem que vencer através da sua qualificação, da sua profissionalização. UNIDADE DE REGISTRO LOCUS DE INICIATIVA – o individuo − ele tem que procurar sua qualificação − cidadania − preparar para a vida, para o desafio da vida, mas como cidadão − sem meios ilícitos para vencer − vencer através da sua qualificação, da sua profissionalização CODIFI CAÇÃO a=1 b =1 b= 2 c=1 a=2 CATEGORIZAÇÃO Formação para o trabalho − procurar sua qualificação − cidadania − preparar para a vida, para o desafio da vida, mas como cidadão − sem meios ilícitos para vencer − vencer através da sua qualificação, da sua profissionalização Na fase de tratamento e interpretação dos dados, emergiram as seis categorias e seus respectivos núcleos de sentido encontrados a partir da revisão da literatura que norteou a elaboração deste estudo (Quadro 35)77: 77 Para uma análise mais consistente do tipo de respostas associadas às categorias e núcleos de sentido, consultar Anexos. 286 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 287 CEFET/CE 288 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 289 CEFET/CE 2.1. Concepções Pessoais de Educação/Formação Profissional 2.1.1 Concepções dos Diretores A leitura das concepções pessoais dos diretores do CEFET/CE (Grupo 1) permite analisar o conjunto das categorias selecionadas: educação, formação para o trabalho, mercado de trabalho, política educacional e competências profissionais, pessoais e coletivas. Neste grupo, não foram identificados dados relativos à categoria orientação para a carreira. Os resultados encontrados na pesquisa empírica para a categoria educação evidenciam que o processo educacional, em toda sua amplitude e complexidade, necessita continuamente assegurar conhecimentos básicos, ler, escrever, compreender, explicar (D-3) e provocar situações que levem os alunos a buscar soluções práticas para o desenvolvimento de seus potenciais. Este pensamento confirma a proposta defendida por Nijhof & Remmers (1989)78, haja vista que a escola deve organizar o ensino em face do modo de organização do trabalho e do domínio de conhecimentos específicos ─ habilidades genéricas, qualificaçõeschave transferíveis e qualificações-chave transferíveis e contextualizadas ─ em conexão do contexto de aplicação na profissão, postos de trabalho ou situações de vida. Neste contexto, por intermédio do depoimento dos diretores entrevistados, pode-se verificar que atualmente existe a preocupação de desenvolver nos alunos uma visão de mundo integral: Básico já ta dizendo é fundamentação, né, se ele não fizer bem feito o básico vai refletir lá na frente. A gente tem experiência com os filhos da gente, quando eles fazem uma alfabetização bem feita, ele consegue vencer as outras etapas (D-1). [...] a escola única defendida por muitos seria a educação profissional pra educação geral juntas na escola básica, um currículo amplo com base dos conhecimentos gerais (D-3). 78 Citados por Nijhof & Brandsma (1999, pág., 4). 290 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Observa-se, com efeito, que a desarticulação entre os percursos gerais e profissionais vai contra a idéia de uma escola unitária, onde, de acordo Gramsci (1985), teria um currículo amplo e integrado das capacidades de trabalho manual (técnica e industrialmente) e intelectual, possibilitando a aquisição de recursos decisivos para assumir maior papel social. Com base neste argumento, caberia à educação provocar situações que levassem a comunidade a refletir e assumir coletivamente o debate e a buscar soluções práticas de uma escola autônoma e emancipada que resgatasse o princípio da formação humana em sua totalidade; ou seja, o avanço na educação de formação humana para jovens e adultos trabalhadores ocorreria por meio do debate e da ação a fim de democratizar o acesso a todos os bens gerados pela vida social, de garantia dos direitos. O meu conceito de desenvolvimento não é quem tem o poder econômico, cada vez ter maior poder econômico e, uma grande massa ficar na miséria. Eu não defendo isso, pra mim não é desenvolvimento. Na minha lógica de agente social, de transformação, de educador como eu proponho a ser, eu acho que desenvolvimento é a gente ter maior equidade na distribuição da riqueza, dos bens produzidos, eu acho que, eu penso que desenvolvimento é a gente não se prender apenas a uma lógica de mercado, a produtividade, a competitividade (D-2). Nosso objetivo maior é que a comunidade, os estudantes comentem, discutam analisem esse processo certo. Estudantes, professores, professores, estudantes, enfim eu acredito que a criatividade, a coisa do processo educacional é a gente provocar situações e que essas situações levem as pessoas a refletir, a discutir a buscar soluções entendeu, porque essa é a prática dos desenvolvimentos, dos potenciais (D-2). Por essa perspectiva, o objetivo profissionalizante não se pautaria pelos interesses do mercado, mas constituir-se-ia uma possibilidade a mais para os alunos na elaboração de seus projetos de vida, socialmente determinados, possibilitados por uma formação ampla e integral. A categoria formação para o trabalho, tal como a categoria educação, está de acordo com os fatos históricos evidenciados nos capítulos I e II desta tese. Para os diretores, a formação do trabalhador para o atual mercado de trabalho deve ser continuamente atualizada a fim de garantir o diferencial e a competitividade, necessários para enfrentar a concorrência na economia globalizada. Neste sentido, afirmam que a formação profissional: Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 291 CEFET/CE [...] preparar para a vida, para o desafio da vida, mas como cidadão, não como uma pessoa que use de meios ilícitos para vencer, mas tem que vencer através da sua qualificação, da sua profissionalização (D-1). [...] preparar profissionalmente para ingressar no mercado de trabalho (D-1). Na educação tecnológica o principal objetivo é formar um profissional com nível superior focado no mercado e com uma velocidade tecnológica ao país (D-3). Percebe-se uma preocupação por parte dos diretores em ofertar uma educação/formação profissional que assegure o desenvolvimento pessoal do jovem como indivíduo e cidadão. Para tanto, defendem a feitura de uma matriz curricular fundamentada em princípios dinâmicos e flexíveis, valorizando a integração dos saberes e dando qualidade às ações pedagógicas e às metodologias adotadas para a (re)organização da educação/formação profissional. Os dados também revelam que o processo de escolha do jovem para o ensino geral acadêmico e/ou para a educação profissional está diretamente relacionado com a sua condição social, uma vez que a educação/formação profissional é tomada como um ensino de massas, sempre foi dirigida para os pobres (D-3), determinada pelo atual mercado de trabalho. Os discursos dos diretores assinalam que a educação/formação profissional reflete uma história de ajustamentos contínuos entre o sistema educacional e a sociedade, hoje profundamente transformada pela economia mundial. Deste modo, a literatura e a pesquisa empírica confirmam que foram imposta duas redes ao sistema educacional brasileiro: a educação geral com um ensino médio voltado para promover a passagem para o ensino superior, dando maior estatuto sócio-profissional para o jovem; e uma educação profissional, desvalorizada e estigmatizada, com escasso prestígio social, e dando acesso a empregos com menor remuneração. A educação/formação profissional surge, assim, como uma necessidade de atendimento das exigências do novo modelo de produção por profissionais competentes e polivalentes, sendo responsável pela preparação de jovens para o mercado de trabalho, proporcionando um saber direcionado para a prática profissional em detrimento de uma sólida formação cultural de base, tornando-se parte integrante de uma tecnologia social de ajustamento da educação à economia. A análise da categoria mercado de trabalho permite assinalar que tal ocorrência harmoniza-se com a Teoria do Capital Humano, onde o sistema escolar, como aparelho 292 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE reprodutor dos interesses dominantes, passa a atender as exigências do mercado de trabalho por mão-de-obra capacitada e polivalente para desempenhar tarefas complexas. A escola ta selecionando para o mercado, observa a Diretora de Ensino (D-3). Nesta perspectiva, a educação volta-se para o desenvolvimento de atitudes, competências e habilidades necessárias ao exercício de papéis sociais e a formação profissional é direcionada para a difusão de conhecimentos técnicos exigidos pela produtividade e competitividade. [...] otimizar a lógica do capital, ou seja, maior produtividade, não interessa se isso vai deformar o ser humano (D-2). Há uma pressão muito grande, o mercado exige, exige, paga menos e tira seus direitos (D-3). O mercado pede uma pessoa polivalente né, e essa polivalência ele adquiria muito mais naquela escola que sonhava com a politécnica né, então aquela briguinha daí ele precisa voltar várias vezes à escola, fazer vários cursos de capacitação pela empresa, pelos passos da vida pra ir complementando a sua capacitação profissional, porque não adquire mais aquela bem ampla né. 97% dos nossos professores foram ex-alunos, que teve essa base que voltou pra educação profissional que tinha base, se ele não tivesse a base ele não teria feito isso (D-3). Neste sentido, os atuais modelos/concepções científicas e políticas de educação/formação profissional do Brasil promovem uma tensão entre os problemas sociais e políticos, ao atender as exigências das novas formas de organização do trabalho e de segmentos produtivos dos modelos pós-taylorista e pós-fordista. Cada vez mais, as reestruturações contínuas das empresas necessitam de uma mão-de-obra qualificada e polivalente, possuidora de amplas competências, obedecendo as novas formas de flexibilidade laboral. Verifica-se, entretanto, que uma lógica contraditória perpassa a formação do trabalho. De um lado, existe a valorização do trabalho pelo mercado, que passa a exigir uma mão-deobra qualificada para executar tarefas profissionais mais complexas, com as competências para o trabalho em equipe, capacidade de comunicação e de resolução de problemas, iniciativa e criatividade, capacidade de adaptação à inovação permanente e de aprendizagem contínua. Do outro lado, fica difícil esse negócio de acompanhar essa evolução,essa rotatividade nos postos de trabalho (D-3), ou seja, a escola encontra dificuldades em atender as exigências do mercado por trabalhadores generalistas, polivalentes que se adaptem as constantes rotatividades e reagrupamentos das tarefas nos postos de trabalho. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 293 CEFET/CE O discurso político corroborado na categoria política educacional também não deixa dúvidas: deve-se promover o desenvolvimento contínuo de conhecimentos, competências e saberes, objetivando preparar os jovens e os adultos (técnicos e tecnólogos) para a flexibilidade trabalhista e para a imprevisibilidade das trajetórias profissionais e, conseqüentemente, para os tempos de desemprego, de subemprego e de flexibilização do trabalho: Precisar ver as coisas, olhar mais pra educação, investir mais na educação, nós aqui temos dificuldade né de manter essa instituição, passamos momentos difíceis aqui. Hoje a gente ta conseguindo, adquiriu uma maior qualidade inclusive através de convênios de empresas, empresas nacionais e internacionais e também convênios a gente faz com esses órgãos também tem nos ajudado bastante (D-1). Nós temos um atraso educacional. Enquanto o mercado precisa de uma coisa a gente faz outra né, e é o mesmo discurso do empresário né, eu quero uma pessoa com perfil disso, perfil daquilo, precisa ter isso, precisa aquilo, no mesmo sistema de educação eu tenho uma matriz curricular ali gerada, coisas especificas eu tenho um monte de coisas que atrapalha esse mesmo discurso que eu faço, e que eu sei que precisa pro mercado. (D-3). O homem constrói e re-constrói [...] o governo Lula já desde a sua campanha ele prometeu essas mudanças, que conseqüentemente o sistema de ensino no Brasil passaria por uma mudança, e ele tem tentado né, fazer já nesse ano, reuniões, seminários mas me parece que ele não tem uma consistência, estão aprendendo ou estão fazendo realmente o discurso na prática, discutir bastante com a sociedade (D-3). Neste sentido, analisa Hoyt (1995), o Estado passa a oferecer programas voltados à formação de habilidades ocupacionais concretas em ocupações específicas, ficando os indivíduos obrigados a comprometerem-se com o trabalho durante toda a sua vida ativa; ou seja, ao trabalhador cabe dominar conhecimentos e atitudes para atender, de forma lícita, as demandas de um processo produtivo, com tendências que universalizam os métodos e técnicas básicas de organização do trabalho e da gestão da produção que pudessem ser utilizadas no interior das fábricas e em indústrias de ramos diferentes; um saber menos especializado do ponto de vista do produto acabado, mas suficiente para garantir ao trabalhador mobilidade e domínio de um ofício. Observa-se, pois, que a “desespecialização” dos percursos profissionalizantes, dando-lhes uma vocação generalista, e a polivalência nos perfis de formação, inscrevem-se no quadro de tensões e interesses na reconstrução dos cursos de educação profissional, orientados 294 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE pelo modelo de competência que, em conformidade com a ordem econômica dominante, requer uma flexibilidade educacional que se adapte à flexibilidade que prevalece no mundo laboral. O estudo empírico, entretanto, também revelou que, na prática, os cursos e programas de educação/formação profissional do CEFET/CE não foram totalmente implantados institucionalmente, apesar de esta educação/formação ter sido recebida de forma positiva por alguns atores sociais e negada por outros. Os diretores ressaltam ainda, que as constantes mudanças não possibilitam a consolidação do sistema e dificultam o trabalho de administrar a instituição educacional: A gente sabe que está havendo sempre melhorias, mas infelizmente hoje há muita, muita mudança, assim, não deu nem tempo da gente consolidar um sistema. Já começa a haver mudanças e isso também dificulta o nosso trabalho inclusive, e pra o próprio jovem também, ele fica, ele fica irrequieto né, às vezes porque de repente, já está no ensino integrado, agora já modificou, já teria que mudar de novo. Então fica meio complicada pra gente que ta administrando e a o próprio jovem (D-1). A rede de educação tecnológica foi imposta (D-2). Os sistemas de ensino são lentos, não existe mesmo uma proposta, não existe uma consistência daquilo que querem [...] o sistema do ensino tem necessidades acumuladas que nós não conseguimos caminhar, não conseguimos nem resolver o problema do analfabetismo no País [...] não consegue ter um sistema de ensino eficiente (D-3). Para o sistema tornar-se eficiente, há necessidade de: ter mais apoio do Governo; abertura para o diálogo e a discussão; valorizar, capacitar o professor, resolver o problema salarial; manter o padrão de estudo e a consistência nos projetos; maior investimento e melhor infra-estrutura; um verdadeiro sistema educacional que possibilite a democratização dos bens produzidos, porque senão a gente vai ser sempre dominados né, sempre colonizados, sempre dependentes (D-2). Os dados teóricos do capitulo III também foram confirmados nas falas classificadas na categoria competência profissional, pessoal e coletiva a respeito dos sistemas de competência no Brasil. Os discursos dos diretores do CEFET/CE ressaltam que a educação/formação profissional está orientada pelo modelo de competência, associado a uma Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 295 CEFET/CE perspectiva não crítica de educação, que direciona a formação do trabalhador a um funcionalismo comportamentalista. [...] essa nova coisa de desenvolver habilidades e competências, não vamos poder adotar um novo modelo, um novo paradigma com velhas posturas, com os velhos conceitos ou metodologia, talvez esse seja um problema para esse fator é o que ta acontecendo ai. Eu penso que o principal fator é que o modelo, ele na verdade, ele empobrece o processo educacional, como assim? Repito, volto a dizer, a coisa ta querendo focar demais, ser objetiva demais, em nome dessa objetividade e a subjetividade, na minha visão, proporciona essa, enriquece o processo para que o educando desenvolva esses potenciais todos (D-2). [...] por conta da sua condição social, do aluno, faltam-lhe competência, aplicação, iniciativa, transferência de conhecimento, maturidade com a leitura (D3). Observa-se, porém, que existe uma preocupação em utilizar os recursos tecnológicos da escola, frutos das tecnologias de informação e comunicação, para facilitar a compreensão dos alunos sobre os interesses políticos e as relações de poder que interferem na prática educativa e, ao mesmo tempo, desenvolver uma formação pedagógica fundamentada na ação, na racionalização dos saberes e na emancipação do homem. Esta reflexão remete ao que Ropé e Tanguy (2001) denominam como a multiplicidade das capacidades e dos conhecimentos colocados em prática, ou seja, a necessidade por novos conhecimentos e habilidades exigidas nas situações concretas de trabalho, ficando a cargo da escola oferecer uma formação básica eficiente que aparelhe o jovem para: Realizar e executar o seu trabalho com iniciativa, responsabilidade, compromisso, determinação e força de vontade [...] buscar melhorar, condições de responder ao conceito da empregabilidade, disposição pra se atualizar [...] postura critica, capaz de elaborar o pensamento, o alto desenvolvimento, seja capaz de propor modificações (D-2). [...] ver dentro da sua área as competências especificas da sua área a compreensão do conhecimento geral e especifico na sua área e como o perfil de pessoa e de profissional ai tem liderança, ai dependendo das áreas né, ai todo mundo tem que ter liderança, iniciativa, participação, compreensão são coisas que parecem claras, no ser humano mas que não é, são coisas que tem que ser trabalhadas né (D-3). O trabalhador deseja uma certificação de competência e a escola não tem porque ainda não saiu a lei (D-3). 296 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Nesta perspectiva, a educação deve fornecer as ferramentas e as técnicas para que a tecnologia, a qualificação e as necessidades de trabalho se relacionem por interferência de ambientes de aprendizagem apropriados para a cooperação e a comunicação dialógica entre os professores, futuros empregados, possibilitando o que Habermas (1982/1987) chama de consenso racional, ou seja, os entendimentos e argumentações em que diversos participantes superam a subjetividade inicial de seus respectivos pontos de vista a fim de um desenvolvimento conjunto. De forma contraditória, percebe-se a defesa, por parte dos diretores, de uma educação/formação voltada para desenvolver o profissional que o mercado deseja. Neste sentido, o CEFET/CE se propõe a ofertar os cursos e programas de formação inicial ao trabalhador e de educação profissional técnica e tecnológica propostos pelo empresariado local. A educação básica tinha curso rápido, se você quisesse aprender algo, não necessariamente uma coisa, porque foi muito entendido assim, era uma coisa rápida, era só um curso de Informática, não era educação básica, era um curso rápido de duração curta, mas um curso que inclusive você podia fazer [...] um curso rápido de 30, 40 horas seria um bom curso e daria uma requalificação ou mais uma qualificação ou mais uma profissionalização a política foi toda deixada pra isso (D-3). O curso técnico é uma formação mais rápida, mais restrita, não tem tempo de ter abrangência (D-3). Na educação tecnológica o principal objetivo é formar um profissional com nível superior focado no mercado e com uma velocidade tecnológica ao País (D-3). Tais cursos possuem uma vocação generalista a fim de formar mão-de-obra polivalente para maior capacidade de adaptação, mobilidade profissional e rotatividade entre os postos de trabalho. Observa-se que as práticas de formação profissionais visam à preparação inicial de jovens para o exercício de uma profissão de nível não superior e ao aperfeiçoamento permanente dos adultos, a fim de atender às constantes transformações que ocorrem no contexto econômico (Scott e Meyer, 1991, apud Cruz, 1998). Para aqueles trabalhadores que logram se manter ativos no mercado, espera-se cada vez menos que seu desempenho profissional seja pautado pelo cumprimento de tarefas prescritas (como ocorria nas organizações tayloristas). Ao contrário, sua performance passa a Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 297 CEFET/CE ser associada ao cumprimento de incumbências, cujo componente de avaliação consiste na capacidade de produzir mais, em menos tempo, maximizando os recursos. Traduzindo, há um incentivo crescente para que os trabalhadores passem a intervir no processo, corrigindo erros, resolvendo problemas que se apresentam, negociando junto a colegas, superiores, fornecedores e clientes. Deste modo, o trabalhador é obrigado a voltar continuamente à escola para se requalificar ao longo da vida, a fim de manter-se empregado, o que torna-se um problema, uma vez que nem sempre, observa a Diretora de Ensino, ele encontra vaga na escola e nem sempre ele pode voltar à escola porque ele tem que ficar é no mercado (D-3). Tal fato é agravado porquanto a empresa raramente dispensa o trabalhador para se qualificar no horário de trabalho, como também porque os programas de recursos humanos das empresas dão preferência às pessoas capacitadas, uma vez que o custo com treinamento no seu interior é muito grande. Heidegger (1999) esclarece que não basta à empresa possuir trabalhadores capazes de responder aos novos requisitos técnicos da sociedade, pois necessitam de funcionários competentes e os com conhecimentos que lhes permitam modelar a aplicação da tecnologia e a forma social do trabalho. Onstetenk & Moerkamp (1999) também ressaltam que a educação dos trabalhadores deve ser voltada para a preparação de jovens e aprendizes para as ações competentes na prática ocupacional: estimular a aprendizagem auto-orientada, resolução de problemas, formulação de problemas, aprendendo a aprender em contextos de aprendizagem os mais aproximados da realidade, nos quais a socialização seja uma parte essencial para o processo de ensino. Assim sendo, para fazer progredir uma informação sustentável e uma sociedade e economia baseadas no conhecimento, a educação/formação profissional deve ter um embasamento cidadão, moral e ético, a fim de levar os indivíduos a compreenderem as reais condições de trabalho e o meio social. Segundo os diretores do CETEF/CE, os sistemas de educação/formação no Brasil não estão cumprindo sua atual função social de qualificar a população ativa. Historicamente, desde a criação, em 1909, das Escolas de Aprendizes Artífices, a ação do sistema educação/formação é insuficiente pra atender a demanda que a sociedade precisa. Os CEFETs foram concebidos inicialmente, não pra educar, mas como simples instrumento de política assistencialista voltada para os desvalidos da sorte, os pobres do ócio (D-2). A escola do pobre possuía um atraso educacional, sendo dirigida para desenvolver habilidades manuais e fornecer um meio de sobrevivência. Atualmente, se configura como uma estrutura 298 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE que dá aos jovens e adultos acesso às conquistas científicas e tecnológicas complexas, agregadas à produção e à prestação de serviços, atendendo as empresas que passaram a exigir trabalhadores com níveis de educação e qualificação cada vez mais elevados. O CEFET/CE, entretanto, vem procurando desenvolver nos jovens as competências pessoais ─ aprender a ser, ter consciências das suas limitações enquanto ser humano e ter consciência das limitações dos outros seres humanos, saber conviver, respeitar o outro e ser respeitado nos meus direitos ─ e profissionais ─ ser um profissional consciente, solidário, que tem iniciativa, participativo [...] e dominar, conhecer, ter iniciativa pra ser um bom profissional numa determinada área (D-3) ─ para o desempenho de papéis na sociedade e no mundo do trabalho por meio de convênios de empresas nacionais e internacionais. Tais tentativas de conciliar os conflitos entre o sistema escolar e os interesses capitalistas encontram respaldo na Teoria da Não-Correspondência, para a qual a educação nas sociedades democráticas e capitalistas possui múltiplas funções, entre as quais analisar o seu papel na reconstrução sociocultural, garantir oportunidade, a igualdade, a participação democrática e a expansão dos direitos e, ao mesmo tempo, questionar o seu ajustamento e subordinação aos interesses econômicos inerentes à produção capitalista dominante (Azevedo, 1999a; Carnoy e Levin, 1985 citados por Morrow e Torres, 1997). 2.1.2 Concepções dos Gerentes As concepções pessoais dos gerentes do CEFET (Grupo 2) também foram analisadas na perspectiva das categorias educação, formação para o trabalho, orientação para a carreira, mercado de trabalho, política educacional e competências profissionais, pessoais e coletivas. A categoria educação, baseada no núcleo de sentido, expressa a idéia de um processo sociocultural que envolve comportamentos sociais, costumes, atividades culturais, repassadas por meio dos currículos das escolas, confirmam a percepção do gerente de área do CEFET/CE que defende o aprofundamento das questões teóricas, filosóficas do mundo e de uma formação mais pragmática que leve a intelectualidade do futuro trabalhador. Segundo a análise deste mesmo sujeito, entretanto, será cada vez mais difícil esse aprofundamento e essa formação pura, essa formação de se ver livre, independente das amarras do sistema (G-2). A Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 299 CEFET/CE educação/formação profissional necessita de constantes ajustes para se adequar à diversidade da legislação educacional brasileira. A leitura da categoria formação para o trabalho permite verificar na fala dos gerentes um profundo saudosismo dos antigos cursos técnicos, anteriores à LBD 9.394/1996, por serem, segundo os participantes deste grupo, aqueles que atendiam bem ao mercado, além de ministrarem uma formação integral: A gente tem o paradigma do curso anterior que era assim muito bom, era um curso que a gente não queria soltar de jeito nenhum. Mais na realidade eu vejo que antes a gente se preocupava muito com a formação integral do aluno, porque não era só a parte técnica e a parte especificamente do ensino médio, que é, satisfaria a parte técnica pra gente que daria o básico para os nossos alunos, isso realmente acontecia, mais era a questão do cidadão, a gente tinha uma formação diferente (G-1). O curso técnico qualifica para funções de níveis mais operacionais, mais imediata (G-2). [...] a gente é que tá tentando se adaptar a esse novo aluno (G-3). Os cursos que foram colocados nas mínimas condições hoje eles tem que se adequar pra reconhecimento, até porque não tem como você simplesmente jogar no mercado de trabalho [...]. Esses alunos eles não sabem o que vão fazer, quais são as atribuições, o que ele vai fazer, ta vinculado a que sindicato, no caso nosso especifico que é o CREA é o responsável, em verificar quais são as atribuições e competências desses novos profissionais (G-4). Com a separação educação profissional/ensino médio, pelo antigo Decreto Federal n° 2.208/1997 e por outros instrumentos legais (como a Portaria n. 646/9779), foram 79 Em março de 1996, o governo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 1.603/96 com o objetivo de implantar a reforma da educação profissional. No CEFET/CE, especificamente, o Projeto de Lei 1.603/96 foi discutido por professores, técnico-administrativos e alunos por meio de espaços de participação que se materializaram em reuniões, encontros e grupo de trabalhos, destinados ao debate da proposta encaminhada pelo governo. As discussões, na sua maioria, tinham como foco a privatização, a transformação das escolas técnicas e agrotécnicas em instituições de formação rápidas e de baixo custo, a implantação dos CEFETs, a oferta de cursos modulares, a complementaridade entre a formação geral e o ensino técnico, a disparidade entre o saber e o fazer que dava continuidade à histórica divisão da escola profissionalizante para os desvalidos da sorte e a escola propedêutica para as classes mais favorecidas socialmente. Os profissionais da antiga Escola Técnica defendiam a manutenção do antigo modelo que, segundo eles, possuía um ensino de qualidade com a integração dos conhecimentos de caráter geral com os de caráter técnico. Havia uma preocupação em identificar estratégias coletivas e solidárias de defesa da qualidade do ensino e de uma escola pública democrática. Verifica-se, porém, que os professores temiam perder o status de instituição de nível técnico que ministrava a educação geral integrada ao ensino técnico e passa-se a ministrar cursos de nível superior: cursos para formação de tecnólogos. A grande maioria do corpo docente do CEFET/CE entendia que a 300 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE regulamentadas formas fragmentadas e aligeiradas de educação profissional. Tal fato não foi aceito pela comunidade escolar, uma vez que alguns alunos não possuíam as bases gerais necessárias para fundamentar um currículo mais pragmático, voltado para o mercado de trabalho (G-1); por outro lado, outros educandos protestavam sobre a falta de tempo para cursarem o ensino médio em outra instituição profissionalizante, o que provocou o aumento das reprovações e evasões: Pra gente foi muito, muito complicado, porque a gente vinha trabalhando numa linha que todos elogiavam né, um curso já tradicional que atendia bem ao mercado né, e a gente formava quase um tecnólogo né, e de repente a gente foi obrigado a separar, e os resultados dessa separação né, inicialmente foi muita evasão. Porque o pessoal que entrava no curso técnico propriamente dito né, depois da separação, enfrentaram um ritmo mais pesado, diferente de ritmo de colégio né, eles vinham do colégio 2º grau lá fora, e quando chegava no primeiro semestre, tinha Materiais pra Construção ... disciplinas que ele nunca ouviu falar na vida né, inexistência de materiais, e as disciplinas, são disciplinas que precisam de uma base boa de Física, de Matemática né e de Português porque o cara, aquela base do 2º grau e os alunos não tinham essa base e ai eles fugiam (G-3). No que se refere à educação tecnológica, o grupo de gerentes afirma sua presença no campo da educação brasileira sob duas perspectivas: por um lado, trata dos conhecimentos imediatos para o trabalho associados às tecnologias utilizadas nos processos produtivos, formando indivíduos para ocuparem um espaço específico na divisão social do trabalho. Por outro lado, os gerentes defendem a superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual e entre instrução profissional e instrução geral, ganhando o sentido de politecnia80. As instituições de ensino devem tomar uma posição que deve ir além da lógica do mercado (G-2). diminuição do espaço do ensino médio na escola, dentro dos limites impostos pela reforma, teria como conseqüência a exoneração, por falta de disciplinas no interior da nova matriz curricular na qual pudessem ser alocados. Assim, dentro da Instituição, passaram a existir discussões de interesses corporativos entre aqueles que defendiam a integração entre o ensino geral e o técnico e aqueles que defendiam a verticalização para o ensino superior por meio da educação tecnológica. Após esse processo de participação, discussão e conflitos verificados entre grupos diversos e os interesses da Instituição que se constituíram em elementos significativos na construção das estratégias de mudanças, o projeto de lei original foi quase que totalmente rejeitado pela sociedade e pela comunidade escolar. Apesar dos argumentos apresentados pela comunidade acadêmica formada pelas escolas técnicas federais de todo País, o governo, de forma autoritária, impôs a reforma pelo do Decreto nº 2.208/97, complementado pela Portaria 646/97, preservando quase todo o conteúdo do Projeto de Lei 1.603/96. 80 Segundo Saviani (1987), a noção de politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 301 CEFET/CE A educação profissional, hoje, trabalha com o curso superior de tecnologia, identificado de uma forma focada (G-2). O nosso perfil, o nosso objetivo é realmente preparar o trabalhador para o mercado de trabalho direto. Esse que seria o objetivo e no momento em que ocorre isso nós estamos preparando pessoas para unir competências e habilidades, é a nível superior, eu acredito que estejamos cumprindo esse papel, esse papel social de preparar realmente a população que na maioria das vezes uma população que esta numa faixa intermediária da classe média (G-4). Por outro lado, os cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores (antigos cursos básicos) são ofertados por meio de convênios com o Estado e ministrados na estrutura do CEFET mediante o programa de extensão, estando voltados para o atendimento da população de baixa renda. Também são realizados dentro da empresa, no do ambiente de trabalho da pessoa. Estes cursos, entretanto, voltados para o trabalho, possuem uma carga horária reduzida e os professores não conseguem dar a totalidade os conteúdos teóricos e práticos. Antes de terminar os curso técnico e/ou tecnológico, os alunos fazem cursos básicos, mais rápidos (G-1). É interessante que tais cursos sejam realizados, quando é possível dentro da empresa, lá dentro da empresa dentro do ambiente de trabalho da pessoa rápidos (G-3). [...] cursos básicos não conseguem dar teoria e a prática por ter uma carga horária muito curta (G-3). Há entre os gerentes, opiniões diferenciadas: para alguns faltam análises de mercado para identificar a demanda do profissional técnico e tecnólogo para a região e para o mercado. Para a Gerente das Áreas de Informática/Telecomunicações, por exemplo, a instituição nunca vai acompanhar a empresa, na realidade é uma ilusão (G-1). Existe, entretanto, um ponto de vista em comum: [...] enquanto não tiver essa preocupação, a gente vai continuar repetindo os cursos e jogando profissionais no mercado, esse mercado, e não vai absolver (G3). 302 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Os jovens continuaram a fazer vários cursos achando assim que vão melhorar o seu leque de opções e terminam sendo profissionais não realizados porque não estão na sua área especifica (G-3). O processo polêmico que envolveu o debate entre educadores, formadores, dirigentes e consultores de sindicatos e de instituições empresariais, durante os últimos anos, culminou na revogação do Decreto no. 2.208/97 e na aprovação do Decreto no. 5154, de julho de 2004, no qual se buscou reaver a consolidação da base unitária do ensino médio, que comporte a diversidade própria da realidade brasileira, inclusive possibilitando a ampliação de seus objetivos, como a formação específica para o exercício de profissões técnicas. Este Decreto ainda não foi implantado nas instituições educacionais, pois ainda estão sendo trabalhadas as mesmas matrizes curriculares. Espera-se que, daqui por diante, dependendo do sentido em que se desenvolva a política educativa, possa haver uma real superação do dualismo na educação brasileira. No que se refere à categoria orientação para a carreira, os gerentes esclarecem que o aluno faz a escolha profissional ainda muito jovem, por volta dos quinze anos, e por isso não tem a consciência nem definição clara da escolha profissional que vai fazer: Eu não tenho certeza se o jovem quando faz a escolha tem a consciência que o curso que ele vai fazer, a opção que ele vai fazer vai estar atrelada digamos a esse desenho que é feito em âmbito global [...] Essa escolha ela depende muito da classe social a que o jovem pertence, ao cotidiano dele, social de relações sociais, as informações que ele tem acesso e também eu acho que influencia muito a convivência familiar (G-2). Normalmente quando o jovem faz a escolha ele ainda está muito precoce, escolha do futuro profissional é uma coisa que realmente vai interferir na vida toda dele, então nem todos têm essa definição clara, algum pai é interferem no sentido de apontar a profissão e a gente percebe que o jovem ele ainda não ta bem difundido (G-2). Observa-se que tal concepção harmoniza-se ao Modelo de Vroom81, que consiste na tentativa racional do individuo em se motivar para uma ação que o leve a satisfazer as expectativas individuais com recompensas externas. As escolhas e os projetos vocacionais, como também a influência da sociedade e da família, são temas freqüentemente encontrados na pesquisa científica e reconhecidos na prática da orientação vocacional. Os projetos vocacionais são construídos nos contornos das oportunidades viabilizadas ou impossibilitadas 81 Vroom (1997). Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 303 CEFET/CE pela família e por contextos histórico-sociais, sendo processados ao longo da história de vida do indivíduo, mediante relações que o sujeito psicológico estabelece com a realidade física e social, por meio de diálogos, intencionais ou não intencionais, encontros, experiências, contatos, questionamentos e significados (Pinto e Soares, 2002; Taveira e Nogueira, 2004). Na pesquisa de campo, observou-se que o CEFET/CE necessita de um serviço de orientação para a carreira, que, de acordo com Hoyt & Shylo (1987), equipariam os indivíduos com habilidades gerais para o emprego; ajudariam na sua conscientização, exploração e tomada de decisões quanto à carreira; e reduziriam os prejuízos e estereótipos, protegendo a liberdade de escolha da carreira. A literatura que embasa esta tese ressalta que a orientação para a carreira é justificada pela necessidade de preparar as pessoas para o mercado de trabalho haja vista a gravidade das diversas situações que se apresentam: a falta de conexão entre educação e trabalho, o que dificulta a entrada no mercado de trabalho; as rápidas mudanças científicas e tecnológicas que modificaram o mundo laboral; a necessidade crescente de adaptação continua aos diferentes postos ocupacionais; a falta de uma preparação e qualificação profissional adequada para o trabalho. Todos estes fatores incidem sobre a importância de elaborar estratégias de intervenção educativa que permita solucioná-los e estimular o desenvolvimento da carreira por intermédio de políticas e programas de prevenção e desenvolvimento tanto na formação profissional quanto na formação de pensadores (Hoyt, 1995; Herr & Cramer, 1992; Hoyt & Shylo, 1987; Sears, 1982). Neste sentido, também se observa na fala dos entrevistados, classificada na categoria mercado de trabalho, uma preocupação com a rápida evolução das tecnologias e, conseqüentemente do mercado: O trabalhador ele tem que atuar em vários campos, mesmo na área técnica ele tem que ter uma certa dinâmica, ter um pouco de gestão, empreendedorismo, saber montar seu próprio negócio. Porque hoje não existe mais emprego, então o que existe são locais onde você presta serviço (G-1). Nós acreditamos que estamos preparando o técnico para o mercado de trabalho, antes a gente não tinha muito essa preocupação, só com mercado de trabalho, a gente se preocupava só com o cidadão, então ele podia chegar no mercado de trabalho e se adaptar, até porque a tecnologia na minha área, ela avança muito rapidamente, é complicado. A gente tá formando técnico direcionado para o mercado de trabalho, então a gente dá as visões gerais, tem muito laboratório também, mais nunca vai ser o laboratório da fábrica, da empresa de telecomunicações, porque é uma área muito cara, no entanto o nosso aluno a gente achava que ele era mais adaptável antigamente (G-1). 304 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Olha se a gente for comparar com o antes né, se a gente for ficar nesse saudosismo, a gente vai achar que o nosso profissional ele era mais completo, mais na realidade o mercado ele ta sempre evoluindo e muito rápido, as tecnologias, principalmente nessa área de telemática, elas evolui também muito rápida (G-1). Isso parece uma contradição, parece uma contradição o que o mercado diz, o que as empresas pedem que é o profissional coringa ou polivalente ai esse polivalente se encaixaria muito mais na formação generalista do que nessa formação focada, é e é como se essa Legislação né, esse sistema ele viesse na contramão (G-2). Enquanto a gente não tiver essa preocupação a gente vai continuar repetindo os cursos jogando profissionais no mercado e esse mercado não vai absolver. Essas pessoas vão fazer um curso, dois cursos, três cursos achando, assim eu vou melhorar o meu leque de opções, termina sendo profissionais não realizados porque não estão na sua área especifica, os seus objetivos e que o mercado vai ficar constantemente cheio de profissionais sem ter essa, sem posto no mercado sem ter como atuar (G-4). Percebe-se, com efeito, que as transformações do mercado de trabalho compreendem a crise-inovação-mudança, traduzidas na mutação dos sistemas de valores, estruturas de poder, opções econômicas e comportamentais dos indivíduos, grupos e organizações (Kovács 1993). Os atuais modelos de organização do trabalho, ao apostarem na qualidade, competitividade e flexibilidade, exigem motivação, iniciativa, criatividade, responsabilidade e capacidade de trabalho em grupo, impelindo, neste contexto, as instituições escolares a definirem novos perfis profissionais, voltados para as experiências do saber-fazer, do saber-ser ou saber-estar, além de competências técnicas e científicas e o desenvolvimento de posturas pessoais e sociais. A análise da categoria política educacional permite verificar que os atores defendem ações do Governo no plano federal, estadual e municipal que priorizem a educação: [...] fazer uma leitura do contexto, pensar nas necessidades do aluno e na sociedade e investir na educação profissional pública, em pesquisa de mercado, em recursos humanos (G-2). Eu acho que o governo podia investir maciçamente na questão da educação profissional, que a gente vem sofrendo por falta de recurso, quer dizer, a gente fazendo das tripas coração pra poder manter um curso, um laboratório. Quer dizer, a gente, eu sei que a gente é um país pobre, nós somos um país pobre e nós temos as nossas dificuldades, eu acho que devia se dá mais atenção porque é a saída, se você consegue dá uma formação você consegue dá sustento pra pessoa, você consegue se sustentar. Então eu acho o seguinte ainda é muito pouco o que se Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 305 CEFET/CE faz, portanto o que se tem ainda é mal cuidado, em termo de atenção, em termo de verba, em termo de investimento de equipamento, em termo de salário de professor eu acho que a gente, ta certo que a educação brasileira a gente ver que o resultado é difícil né (G-3). [...] o Ministério ta meio perdido com relação à educação profissional (G-4). Deste modo, a pesquisa empírica ratifica que a educação/formação profissional, enquanto investimento no ser humano, não pode constituir-se fora do contexto social, cultural, político e econômico. Assim, as ações concebidas no interior do sistema educativo devem resultar em um conhecimento nítido das necessidades da sociedade, do mercado, dos conhecimentos técnicos predominantes ou da própria concepção dos recursos humanos. No que se refere à categoria competência profissional, pessoal e coletiva, as opiniões dos gerentes demonstram que os sistemas de educação/formação brasileira não estão qualificando para maior capacidade de adaptação, mobilidade profissional e rotatividade entre os postos de trabalho. Isso seria bem mais possível para um curso generalista, afirma um gerente (G-1). Os gerentes de área ressaltam, ainda: Quem faz a organização do currículo dribla a indicação da legislação de cunhar no indivíduo uma personalidade voltada para a adaptabilidade (G-2). [...] tem escola que ta trabalhando bonitinho o modelo de competência e habilidades, se está dando certo ou não, eu não sei, mais ta trabalhando com a nova música, e estão alcançado a nova música ta, a verdade é essa (G-3). Neste sentido, a instituição prepara uma educação especializada e cursos com um foco específico, numa tentativa de superar a falta de infra-estrutura e de professores capacitados para implantar aquilo o que determinar os preceitos legais. Para que a formação seja otimizada, é necessário fazer uma leitura do contexto, acompanhar o egresso para saber como é acolhido pelas organizações de trabalho, qual o perfil desejado para os postos, já que as inovações se propagam muito rapidamente. Quanto às competências pessoais e profissionais para o desempenho de papéis na sociedade e no mundo do trabalho, de acordo com o inquérito realizado com os gerentes de área e já confirmado anteriormente pelos diretores, o CEFET/CE têm o cuidado de trabalhar 306 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE temas transversais como a ética, o respeito aos recursos naturais, a sensibilidade do social e do político, formar um cidadão (G-2). Relativamente às competências pessoais, Roupé e Tanguy (2001) afirmam que um indivíduo competente é aquele que domina suficientemente a área na qual intervém para identificar todos os aspectos de uma situação ocorrida em sua área de atuação, bem como para revelar eventualmente disfunções dessa situação. Para ser “competente”, deve, também, no entanto, estar munido de conhecimentos, que lhe permitam decidir de que maneira deve intervir, a fim de obter os resultados esperados, com eficácia e economia dos meios. Especificamente em relação às competências profissionais, a Organização Internacional do Trabalho (2005) as conceitua como uma construção social de aprendizagens significativas e úteis para o desempenho produtivo em uma situação real de trabalho. A competência profissional não é uma probabilidade de êxito na execução de um trabalho; é uma capacidade real e demonstrada. As concepções dos gerentes mostram-se eqüitativas no sentido de a escola assumir um papel multidisciplinar de ações educacionais e adicionar aos conhecimentos e experiências preexistentes no educando um outro tipo de informação que o leve a reunir valores humanos, habilidades gerenciais, raciocínio lógico, liderança e tomada de decisão tanto no mundo do trabalho como na sociedade. Um gerente da área destaca: [...] acredito que estejamos cumprindo esse papel social por meio da pesquisa, a extensão, dos projetos sociais (G-4). Esforços para integrar a pesquisa e a extensão ao ensino incorporam consistentemente uma multiplicidade de vozes da comunidade escolar como parte da peleja contra a desvinculação entre os saberes produzidos no interior da escola e a realidade social. A proposta de promover a difusão de conhecimentos por meio de projetos sociais foi o caminho que a instituição encontrou para se aproximar da população carente de Fortaleza. Este trabalho é feito sob a orientação de um professor, mediante visitas periódicas às comunidades. O aluno faz um diagnóstico social e ministra cursos e palestras na sua área de formação. Esse contexto representa uma complexa rede de referências alcançada por intermédio da troca de informações e da cooperação entre escola e sociedade, que, no longo prazo, configura o saber individual e determina o que Sellin (2003) denomina de arquitetura social do saber. Compreendido deste modo, o contexto social, onde o saber é adquirido, desenvolvido e aplicado, institui um equilíbrio dinâmico entre a teoria e a prática. O aluno Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 307 CEFET/CE passa a monitorar, entender e se adequar às contínuas mutações em todo o conjunto organizacional em que se trabalha. É importante ressaltar, porém, que é por intermédio da competência teórica que o indivíduo desenvolve suas habilidades de acordo com a própria vontade, e tem a possibilidade de compreender suas ações no local de trabalho, além de poder buscar formas de solucionar os problemas advindos da sua profissão. 2.1.3 Concepções dos Professores A seguir apresentam-se os resultados dos depoimentos pessoais do Grupo 3, caracterizados nas seis categorias de análise ─ educação, formação para o trabalho, orientação para a carreira, mercado de trabalho, política educacional, competências profissionais, pessoais e coletivas. Na categoria educação, os docentes fazem uma comparação entre os cursos profissionalizantes ofertados pelo CEFET/CE e os cursos acadêmicos oferecidos pelas universidades. De acordo com este grupo, se por um lado o ensino acadêmico outorga ao aluno uma boa base de formação, preparado-o para pesquisar, projetar, criar e reprogramar processos, de outra parte, o ensino profissionalizante qualifica e capacita com maior rapidez a mão-de-obra para a indústria e, ao mesmo tempo, possibilita o acesso ao ensino superior. Os professores ressaltam que: Eu imagino que na opção do jovem por uma universidade, curso de Engenharia tomando maior tempo, é um profissional preocupado não apenas com o mercado de trabalho, mas também em adquirir outros conhecimentos que o possibilitem a levar a caminhos mais adiante e não aplicação imediata do mercado de trabalho, mas um aluno que busca, um jovem que busca algo além da intenção imediata de trabalho em ganhar dinheiro (P-1). Eu não tenho assim elementos claros que me dê que os jovens escolhem opção acadêmica ou opção de formação profissional, entende? Eu acho que a sociedade no Brasil ela é uma sociedade muito dividida nesse aspecto, as famílias os jovens de famílias mais pobres de menor renda em geral são empurrados ao segmento profissional, mais mesmo assim ele demanda a formação superior em algum momento e os jovens da classe média, das famílias de maiores rendas, esses fazem formação clássica, propedêutica e segue direto pra universidade (P-5). Eu acredito no seguinte, o acadêmico, ele quer trabalhar, só que ele chega numa Universidade acadêmica e ai ele encontra muito a questão processual, que leva 308 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE muitas vezes à pesquisa e essa pesquisa por conta de uma questão burocrática, de trâmite oficial da universidade, ela leva a um ponto que não tem muita aplicação. Muitas vezes você não tem como aplicar tudo de uma formação geral né, que vem de uma cognição e muitas vezes não chega a ligar pra questão da habilidade. E, toda proposta tecnológica a preocupação deve ser exatamente essa, ver a cognição mais não esquecer a habilidade, é saber o que fazer, mais dando ênfase ao como fazer também, ele primeiro deve saber o que fazer pra depois o como fazer (P-7). O objetivo da escola é inserir o jovem no mercado de trabalho, esse é o principal objetivo da Instituição. Eu acho que essa é a diferenciação com relação as universidades que, o modelo da universidade é um modelo mais acadêmico né , é o modelo da academia. Quer dizer se você é preparado pra ser engenheiro né, um bacharel em engenharia pra poder você ir pra academia, pra você fazer aquilo que a academia te dá condições, que é você projetar, que é você engenhar de uma forma geral. E hoje, no setor produtivo, muitos dos cargos assumidos pelos engenheiros são cargos que necessariamente não precisaria ter um engenheiro lá, poderia ser um técnico do CEFET, poderia ser um tecnólogo, é ocupa sem menor problema. Então o engenheiro é pra ta em outro patamar na industria projetando, criando processos, trabalhando processos, reprogramando processos, eu acho que essa é a função do engenheiro. O técnico o tecnólogo é o ambiente de fábrica, chão de fábrica mesmo é a pessoa que ta mais apto mais preparado do que o engenheiro com certeza (P-11). Tais percepções confirmam o ponto de vista dos diretores e gerentes: a histórica divisão entre os saberes práticos (saberes manuais destinados aos desvalidos da sorte) e teóricos (saberes intelectuais voltados para a classe com maiores benefícios socioeconômicos), tão ressaltados nos quadros anteriores, deve ser superada. Os professores também reafirmam as concepções dos grupos anteriormente analisados no que se refere à formação do trabalhador para o atual mercado de trabalho. Na categoria formação para o trabalho, percebe-se que os discursos dos professores se voltam para a defesa de uma educação/formação profissional extensa que possibilite: [...] atender as necessidades do mercado, as demandas das empresas” (P-2). [...] dar o conhecimento para pessoa conviver com o social e qualificar a mão-deobra com a indústria (P-4). [...] promover a sustentabilidade da própria sociedade (P-5). [...] formar a pessoa para a vida (P-8). [...] ter uma base científica e tecnológica, mas ele também precisa aliar teoria e prática para poder rapidamente dar essa resposta ao mercado de trabalho (P-14). Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 309 CEFET/CE Observa-se que, para os docentes, a qualificação é de fundamental importância quando o indivíduo adquire o saber necessário para se portar na sociedade, no mundo do trabalho, na família, como cidadão. Isto, entretanto, é um paradigma difícil de ser ultrapassado, uma vez que a educação/formação profissional está ligada estritamente ao saber agir, saber-fazer, à prática operacional. Neste sentido, os atuais cursos profissionalizantes, flexíveis e de curta duração, não atendem a todos estes indicadores, como acentuam os professores: A prática está precária, a sala de aula que não cria novo conhecimento, não ensina e não educa (P-7). A tendência do profissional é transformar a pessoa numa situação totalmente operacional, quer dizer ele passa a ser um operário, um fazedor de coisas (P-10). A reforma do ensino tirou um pouco o objetivo da escola, ta deixando de se preocupar com a formação integral, formação cidadã (P-11). Esse profissional está sendo iludido e vai chegar no mercado de trabalho não vai ter aquele emprego (P-12). O curso técnico ele não dá essa capacidade de adaptação, versatilidade, mobilidade e rotatividade, porque ele é um curso mais rápido, especifico, com a carga horária extremamente reduzida, e você tem de colocar o aluno no mercado de trabalho (P-13). Para este grupo de atores entrevistados, a modalidade básica de formação inicial de trabalhadores é voltada para requalificar um segmento de pessoas que está fora do mercado de trabalho, assumindo um caráter de resgate social. Por outro lado, os cursos técnicos não oferecem essa capacidade de adaptação, versatilidade, mobilidade e rotatividade, porque são mais específicos e possuem uma carga horária extremamente reduzida. Por outro lado, os cursos tecnológicos apenas recodificam as informações, mas não são capazes de levar o indivíduo a uma análise crítica, a uma reflexão sobre a sociedade e os contextos de trabalho. Com este cenário do atual panorama de educação/formação profissional brasileiro, de acordo com os docentes, seguir sem questionamento as orientações legais para a educação/formação profissional, levará, certamente esta modalidade de ensino a uma grande defasagem. 310 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Os professores também apresentam outros argumentos que corroboram os discursos dos gerentes de área. Na categoria orientação para a carreira, observa-se, no discurso dos professores, que a ausência de um serviço de orientação para a carreira dificulta o trabalho de conscientização, exploração e tomada de decisões do jovem quanto à carreira profissional. Segundo um docente, um grande número de alunos atravessa um conflito interno: Existe uma grande desinformação a respeito de carreira, a gente nunca sabe, esse jovem não sabe o que fazer ao ponto de que ele vai prestar a uma determinada habilitação. Ele fica nos classificáveis e uma outra habilitação não preencheu as vagas e ele aceita de bom agrado, também, ele não sabia o que ia fazer, não tem a menor idéia. Conversando com eles no primeiro semestre, eles não sabem realmente o que vai fazer. E outro problema, eles tem chegado hoje muito jovens, pouca maturidade, e o pessoal acha que tem muita informação. Na verdade não tem informação nenhuma, informações que não estão inter-relacionada as atividades. Você pensa, não são pessoas que estão na era da informática? Estão na era da informática é como passar e-mail, é como bater papo na Internet. Na hora que você passa um programa qualquer um programa profissional eles não entendem, eles até gravam o mecanismo de fazer. Mas, no entanto, tem toda uma lógica de comunicação, uma lógica matemática, uma lógica que você possa imaginar eles não tem, eles não sabem na verdade é combinar o conhecimento, pesa muito mais, esse conhecimento conta pouco. O que conta muito mais é habilidade você saber jogar esse conhecimento que ele deve ter (P-3). Eu penso que o ensino técnico, da estrutura como ele era, hoje talvez ele tenha melhorado, mas há uma lacuna grande porque ele termina o ensino médio e aí ele fica num limbo, ele nem sabe se vai para o ensino superior, ele nem sabe se vai se profissionalizar com o técnico e fica aquela coisa meio híbrida, meio indefinida eu diria, a situação é complicada (P-8). Eu acho que existe uma certa interação do jovem, existe tanto que muitos jovens não sabem nem qual é a vocação deles, ele não sabem qual é a vocação deles, ele não sabe qual é a vocação, ele escolhe um curso, ele é muito pro modismo, ele é muito mais pra onde a maioria das pessoas estão indo e às vezes pode até prejudicá-lo bastante pra não ter amadurecimento (P-9). Inerente a essa questão, Super (1975)82 anota que a educação para a carreira é fundamental para o indivíduo ao longo de sua vida ativa, uma vez que o ajuda a planejar seu futuro, a considerar todos os papéis que deverá desempenhar como trabalhador, cidadão e membros de uma família. Na ausência de uma eficaz preparação para o trabalho e desenvolvimento para a carreira, os jovens, da sua maioria membros de famílias mais pobres, 82 Citado por Diéguez & Gonzáles (1995). Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 311 CEFET/CE são influenciados pelo meio social e pela família para entrar no ensino profissionalizante, por ser um ensino mais rápido e voltado para a empregabilidade. No dilema da escolha profissional, ao mesmo tempo em que almeja ir para a universidade, o jovem teme seguir o longo caminho dos cursos acadêmicos, receber o diploma e não entrar no mercado de trabalho. Tal fato também pode ser verificado na análise da categoria mercado de trabalho: Eu penso que o mercado de trabalho é muito ingrato, pelo o seguinte, dentro dessa globalização, dentro do capitalismo, dentro do ganho, ganho, ganho, o que a gente observa é que a empresa prioriza a empresa e prioriza a empresa e depois prioriza... Fala-se muito hoje, uns 4 anos atrás, começou-se a falar em capital humano, mas eu acho que é uma teoria muito relevante, uma teoria muito interessante, mas não consigo ver esse capital humano no dia-a-dia da vida (P-8). [...] não existe mais vaga no mercado, pra mais um no mercado, você tem que ser um dos melhores pra se dar bem no mercado, e pra isso a pessoa tem que ter identificação com a área que ele escolheu né e dentro dessa área ele ter a noção geral da área mas se dedicar ou ser muito bom numa área especifica desta área uma parte especifica da área. Eu acho que um profissional técnico preparado para o mercado de trabalho ele antes de saber, ele tem que saber-fazer, o técnico ele tem que ser operacional (P-10). [...] o mercado de trabalho hoje ele não só emprega quem tem diploma, ele emprega quem tem competência, quem tem habilidade, o que no passado era o contrário. O emprego o mundo do trabalho era pautado no conteúdo, você dizia o que você, no seu currículo era colocado o que você tinha feito de disciplinas, aquilo ali era o que você aprendeu na escola. Hoje não, hoje é por competência, é o que você sabe fazer, a escola tem que formar hoje é competência então esse mundo do trabalho hoje ele tem concepção (P-11) Este é outro aspecto que encontra correlação na literatura estudada, na qual se pode citar a Teoria Funcionalista, que analisa o sistema educacional como uma oportunidade de mobilidade social e um equilíbrio entre educação escolar e economia; a Teoria da Correspondência, que examina o papel escola como instituição social legitimadora do status quo por meio do processo de seleção pela origem de classe; a Teoria do Conflito, segundo a qual a escola mantém as estruturas de poder e desigualdades sociais como parte de um processo de reprodução cultural e social; e, a Teoria Educativa Credencialista, que questiona se a educação está de fato relacionada com a produtividade dentro da empresa (Collins, 1979; Fernandes, 1999; Berg, 1971; Thurow, 1975; Morrow e Torres, 1997). 312 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE O grupo de professores também observa que a atual política de educação profissional (categoria política educacional), promovida pela Lei de Diretrizes e Bases, abrange ações voltadas para a qualificação e a requalificação profissional, desviando a atenção da sociedade das causas reais do desemprego para a responsabilidade dos próprios trabalhadores pela condição de desempregados ou vulneráveis ao desemprego. Essas concepções políticas tiveram nas noções de “empregabilidade” e “competências” um importante aporte ideológico, justificado, dentre outras iniciativas, por projetos fragmentados e aligeirados de formação profissional, associados aos princípios de flexibilidade dos currículos e da própria formação. A questão política econômica alimentando também a educação de forma bem geral, a própria política do emprego, da empregabilidade: formar pra quê, dá a competência, adquirir competência, adquirir habilidade pra um mercado e o mercado não tem empregabilidade e a gente vai fazer o quê? (P–7). Os cursos de nível básicos do FAT não resolvem o problema do desemprego (P-8). Nós tivemos uma reforma no ensino profissionalizante em 97, 98 foi traumático né do ponto de vista pedagógico, porque forma projetos que saíram de gabinetes, saíram dos Ministérios sem uma participação efetivas dos professores dos CEFET’s, escolas técnicas na época (P-11). A própria lei de diretrizes e bases da educação, ela hoje coloca a educação profissional como uma educação paralela à educação formal (P-14). Essa forma de pensar oferece pistas para identificar a lógica do sistema profissional brasileiro, em todos os seus níveis (federal, estadual e municipal), considerandose a situação atual dos trabalhadores jovens e adultos, que apresentam, em sua maioria, baixos índices de escolaridade formal e desempenho escolar. A qualificação e a requalificação devem ser organizadas de modo a constituir itinerários formativos correspondentes às diferentes especialidades ou ocupações pertencentes aos setores da economia e promover, simultaneamente, a elevação de escolaridade dos trabalhadores, independentemente de classe social. Nessa medida, seria fundamental que esses cursos obtivessem aprovação legal por intermédio do fornecimento de certificados reconhecidos e validados pelo Ministério da Educação e Ministério do Trabalho e Emprego e, que dessa forma, fossem vinculados aos processos regulares de ensino e também reconhecidos e considerados pelas empresas nas negociações, convenções e contratos coletivos. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 313 CEFET/CE O governo federal tem o plano de qualificação profissional do Ministério do Trabalho e não olha para rede federal como a rede que pode executar esses planos, que poderia estar associada a um comprometimento com os seus objetivos de inclusão social, de inclusão social e profissional que é essa a lógica (P-5). Eu acho que as redes precisariam trabalhar o sistema de educação profissional, eles precisam trabalhar de forma mais embasada, de forma mais orientadas, não apenas orientadas para as necessidades que é o que o mercado demanda, mas ele precisa ter as demandas do mercado como referencial para complementar também com as demandas do próprio cidadão, ou seja qual é o perfil desse cidadão (P-5). Assim, eu acho que ta se dando muito título e pouco conhecimento, atualmente uma venda, mas uma venda grande de diploma sem conhecimento, se criou um estigma de uns 20, 30 anos atrás que era bom se ter um canudo e o mercado ta oferecendo isso ai, ta se dando muito canudo, como diz lá atrás, ta se dando um canudo e não ta oferecendo o conhecimento, é simplesmente ter um canudo pendurar na parede, e depois disso é que eles vão procurar conhecimento e se especializar (P-12). Em geral a educação profissional, ela é uma educação que procura aliar teoria e prática; ou seja, para formação, ela não pode ser só uma formação teórica, exige oficinas, exige laboratórios né, isso é um ensino caro. Na rede federal, aliás, na rede pública, a melhor formação profissional vem exatamente das escolas federais que tem orçamento da união, portanto tem condição de dar uma maior qualidade. No âmbito privado essa formação ela é prejudicada assim em termos de qualidade, de laboratório, de professores, de qualificação de professores ou ela é muito cara, ou seja, inacessível para o trabalhador comum. Aliás, as duas únicas alternativas são as escolas federais e o Sistema S que também de certo modo, eles recebem recursos públicos pra isso, já que é compulsória a contribuição das empresas e acaba sendo repassada de qualquer modo para o contribuinte, para a população. Mas é preciso ter muito cuidado com essa questão da educação profissional na rede privada, no mundo privado porque é preciso ter a garantia de qualidade e também o acesso da população, do trabalhador a essa educação (P-14). Neste sentido, os professores asseveram que a educação/formação profissional deve promover a sustentabilidade da própria sociedade, formar a pessoa para a vida, fazer com que o homem conheça bem e interfira no ambiente em que está inserido, seja do ponto de vista social, sob o prisma ambiental, de concepção de filosofias de vida, que consiga utilizar o que aprendeu como uma forma libertadora: Existem algumas diretrizes em que o trabalho de educação profissional fica limitado porque tira do educando a formação mais geral pra vida mesmo, pro conhecimento da cidadania, do ambiente aonde ele viveu (P-13). Esta apreciação indica uma preocupação do grupo no que se refere a questionar o papel do Estado em cumprir o seu dever constitucional com a educação e oferecer à sociedade 314 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE um cidadão produtivo ao longo da vida, por meio da implementação de uma filosofia de base humanista: deixar o aluno com raízes na escola, com uma noção mais aprofundada do que é capaz de fazer como profissional; integrar o conteúdo, ensinar a parte técnica, trabalhar o psíquico, a capacidade de analisar, de refletir, de planejar; e, extrair o que há de melhor da educação para a sociedade e aplicá-la realmente. Para tanto, as políticas públicas de educação/formação profissional necessitam superar o viés assistencialista/compensatório e promover a inclusão social por intermédio de ações articuladas com as políticas de desenvolvimento econômico local, regional e nacional e aos sistemas público e privado de emprego, trabalho e renda, sem os quais não é possível oferecer perspectivas de melhoria da qualidade de vida e possibilidades de a população prover os próprios meios de existência. Certamente, de acordo com os docentes entrevistados, a efetividade dessas políticas dependerá das regulamentações e articuladas entre si, pelo Ministério da Educação e do Trabalho. Os depoimentos dos professores expressam que existe uma tentativa de cumprir o papel social da educação/formação no Brasil por meio de bases científicas e tecnológicas que qualifiquem uma mão-de-obra generalista para que venham atender as necessidades do mercado de trabalho, a exigir cada vez mais respostas rápidas. A gente pode ver a formação profissional como sendo de curta duração né. Tem um objetivo que o governo tenta colocar em prática mas é muito difícil até pela política como ela foi criada, e da minha visão, assim, curta duração é bastante, o governo deve requalificar a mão-de-obra que não acompanhou a tecnologia, aquela mão-de-obra que está parada no mercado, demitido e só tem um jeito requalificá-lo para que ele seja inserido no mercado de novo, com relação aos cursos de curta duração, eu acredito que a idéia também é a mesma só que naquela visão que aquela pessoa vai ser mais bem preparada, vai ser um técnico mais bem trabalhado pra estar preparado também para o mercado de trabalho, o objetivo enfim acaba sendo esse mesmo (P-4). Nosso objetivo é dar apoio ao desenvolvimento local, mas esse desenvolvimento local em que? Formando técnicos e tecnólogos, por exemplo, que são necessários a manter e a dar sustentabilidade, aproveita pessoas capazes de tocar esse sistema produtivo de tecnologias mais avançadas. Mas outros sistemas complementares também vão formar profissionais é pra atuar em outras atividades agrícolas, é atividades de produção rural que também tem uma conotação de desenvolvimento local, mais com outra ética, com uma ética mais comunitária, mais ali social (P-5). Os docentes se ressentem, entretanto, da falta de disciplinas que confira uma formação mais geral aos alunos. Tal fato pode ser verificado na fala de um professor, quando Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 315 CEFET/CE expressa que o aluno [...] deveria estudar um pouco de história do pensamento da humanidade, um pouco de desenvolvimento econômico, uma série de disciplinas que prepara o aluno não só para o mercado, mas pra vida também (P-15). Neste sentido, para os docentes, os cursos profissionalizantes do ensino público têm necessidade de uma demanda política, social e até profissional. O público-alvo no CEFET/CE, que deveria ser a classe menos favorecida, por conta da crise econômica, é substituído por alunos das escolas particulares, não com um intento de se formar profissionalmente como técnico ou tecnólogo, e sim como segunda opção, enquanto não conseguem ultrapassar a barreira do processo seletivo para a academia. Neste sentido, um professor afiança: A melhor formação profissional vem das escolas federais que tem orçamento da união. No âmbito privado essa formação é prejudicada em termos de qualidade, de laboratório, de professores, de qualificação de professores ou ela é muito cara, ou seja, inacessível para o trabalhador comum (P-14). Outro fator muito destacado pelos docentes refere-se ao desenvolvimento das competências profissionais, pessoais e coletivas voltadas para a inserção na sociedade e no trabalho (categoria competências profissionais, pessoais e coletivas). Neste aspecto, segundo os professores, o CEFET/CE procura ampliar esforços para desenvolver nos jovens as competências necessárias para o desempenho de papéis na sociedade e no mundo do trabalho por meio de projetos interdisciplinares focados em uma aprendizagem baseada em projeto e na resolução de problema. Na prática, seria trabalhar a autonomia do aluno, trabalhar com projetos, resolução de problemas. Está sendo feita nos nossos cursos (P-2). Nós temos uma atuação bastante complexa em termos de formação, então pra essas carreiras tecnológicas uma pessoa bem preparada tá certo, ele tem que ter hoje um domínio de uma série de competências muito mais relacionadas com a sua capacidade de se adaptar a um ambiente que vai estar constantemente recebendo inovações tecnológicas, exigindo dele um contínuo aprendizado (P-5). A idéia que eu consigo entender é que a preparação deva ser primeiro de capacitação [...] uma formação acadêmica né, onde é trabalhado realmente a questão da competência, de conhecimento do lado cognitivo. Isso ai vai levar o trabalhador primeiro a descobrir o que fazer, depois que se tem toda essa questão de competência é que nós vamos trabalhar as habilidades. Então, é a habilidade utilizando-se da competência cognitiva, o pensamento cognitivo dos diversos campos do saber. Eu vou ver como fazer o trabalho, ai é utilizar realmente a 316 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE habilidade técnica, agora não é só essa técnica, o tecnicismo, é importante que tenha essa habilidade muito voltada pra questões características que eu chamo de humanas, a quietude, o corpo no trabalho, o envolvimento nisso, o compromisso, a questão de objetividade, escolher aquilo que realmente eu gosto de fazer (P-7). Verifica-se, porém, que dentro deste grupo, este não é um discurso defendido por todos. Muitos professores continuam em sala de aula com uma prática tradicional que não cria conhecimento, não ensina nem educa o cidadão. De fato, o CEFET tem encontrando dificuldade em implantar o sistema baseado em competências e habilidades, estando atualmente passando por uma fase transição [...] de fazer, onde a sociedade espera alguma coisa e a escola procura fazer, com muitas limitações, mas nós tentamos superar, tentando se readaptar (P-7). As competências pessoais é uma novidade, é o que se chama de competência relacional. Hoje é uma coisa que poucos cursos cuidam disso. Já houve a onda das inteligências múltiplas, já houve a onda da inteligência emocional e as pessoas ficam sem saber o que é isso. As pessoas não estão discutindo isso na escola, você não vê as pessoas fazerem reuniões para discutir isso, para operacionalizar esses conceitos dentro das outras disciplinas. As pessoas estão se tratando, ainda na escola, de um modo muito truncado, não há integração entre o que as pessoas estão fazendo e o que as pessoas estão sentindo. A ação das pessoas é muito caótica nesse sentido, por isso o conflito interno que muitas vezes se exterioriza no relacionamento, no embate aluno/professor, professores/coordenadores, pedagogos com alunos, então essa competência pessoal praticamente não existe. E você falou de uma competência coletiva, essa é que não existe mesmo, porque se as pessoas não conseguem às vezes se relacionar no dia-a-dia, nos pequenos grupos, na coletividade é que essa competência não acontece mesmo porque as pessoas estão cada vez mais perdidas em termos de coletividade, de lutarem pelos seus direitos. As pessoas não estão sentindo que podem mais se agrupar para conseguir objetivos, isso está muito perdido, está perdido dentro de uma individualidade ainda muito pequena (P-6). Os professores advertem para o fato de que a falta de recursos financeiros dificulta o acompanhamento das constantes mutações tecnológicas, pois cada vez mais o competitivo mercado de trabalho exige profissionais ativos, criativos, capazes de intervir localmente. Um docente ressalta ainda: o mercado de trabalho não quer um técnico que saiba só fazer aquilo, ele busca a versatilidade do técnico e exatamente o que falta hoje na escola (P-11). Os centros de formação técnica, os CEFET’s, atendem apenas parcialmente a demanda para formar esses profissionais, que é bem maior do que a oferta dos cursos e da infra-estrutura limitada que existe na escola. A solução, reafirma um professor, é o Governo investir mais em Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 317 CEFET/CE novos centros, aumentando a quantidade de vagas e melhorar os centros que já existem (P4), a fim de tornar possível a aquisição de um conhecimento sólido que sirva para a vida toda. Os docentes também defendem a valorização dos cursos profissionalizantes pelo aumento de vagas para os alunos das escolas públicas, como também por meio das certificações parciais e intermediárias. Tema extremamente complexo e polêmico, a certificação de conhecimentos adquiridos na educação profissional, para prosseguimento ou conclusão de estudos, também é objeto de muitas controvérsias entre os professores, uma vez que certificação requer estruturas especializadas, estudos ocupacionais e mudanças no processo pedagógico, além de acordos políticos complexos para elevar os perfis à categoria de normas, elaborar instrumentos de avaliação e certificação e desenhar programas formativos baseados nos perfis (Alexim, 2001). Neste sentido, os professores observam que não existe no País um trabalho efetivo nessa área: A pessoa sai com o certificado e aquilo ali o qualifica para trabalhar naquela especificidade e pode atender o mercado de trabalho em cima daquela credencial, ali em cima daquela especificidade (P-1). A grande maioria dos programas de educação profissional, as metodologias ou as atividades de análise, os resultados e a avaliação da efetividade dessa formação são frágeis (P-5). Neste contexto, o sistema de educação profissional, mesmo após mais de uma década de discussões, não conseguiu efetivar um modelo de avaliação, reconhecimento e certificação de competências para prosseguimento ou conclusão de estudos previsto na LDB, talvez por falta de legislações complementares, ou então pelo fato de retirar da escola a gestão dos conhecimentos produtivos e transferi-la para as empresas ou para órgãos reguladores específicos. Um docente observa, todavia, que [...] muitas vezes o título não significa competência e habilidade tanto do ponto de vista específico profissional quanto o mais amplo, de cidadania, de conhecimento do mundo em que ele está inserido (P-13). Berg (1971) e Thurow (1975), autores expoentes da Teoria Educativa Credencialista, ratificam este pensamento, ao afirmarem que existe pouca evidência de que a escolaridade aumente a capacidade produtiva e expressam a noção de que trabalhadores de menos educação formal possuem uma performance similar à dos trabalhadores com maior escolaridade; ou seja, a educação não reflete as transformações reais na estrutura de cargos e funções das empresas, 318 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE uma vez que não existe uma racionalidade na seleção dos candidatos a postos de trabalho. Por outro lado, Le Boterf (2000) declara que dispor de um diploma realmente não é garantia de um emprego, porém o fato de não o possuir pode acarretar riscos de exclusão do mercado de trabalho. Para o autor, vale mais ser diplomado mesmo se isso não consista em nenhuma garantia de emprego (p. 26). Com efeito a literatura demonstra que a certificação se mostra um instrumento útil se aplicado em contextos e condições apropriadas, incorporando dimensões sociais e comportamentais e unindo conhecimentos e saberes que de fato levem à inclusão social. De acordo com alguns professores, cabe ao sistema educativo o papel de constituir conhecimentos e validá-los por meio dos diplomas, além de desenvolver capacidades tais como trabalhar com projetos, solucionar problemas e dar bases conceituais; neste sentido a grade curricular do CEFET/CE é atualizada, dinâmica; o perfil é tecnicista. Por outro lado, as competências coletivas ─ senso de equipe, saber se relacionar, cooperativo dentro do grupo, liderar um grupo, ter empatia dentro desse grupo, conquistar pessoas no seu ambiente de trabalho e que ele possa sem inibições demonstrar a sua capacidade cognitiva ─ são trabalhadas com menor ênfase nas salas de aula. Parte do grupo docente considera ser dever da família desenvolver no jovem o conjunto de competências pessoais ─ e, atitudes na sociedade, senso de responsabilidade, higiene, iniciativa, autonomia, agilidade, desenvoltura ─ e deste modo, são poucos os cursos que operacionalizam esse conceito dentro das unidades curriculares. O CEFET necessita melhorar muito nesse sentido. Observa-se que, apesar de o termo competência aparecer como uma resposta para os problemas concernentes às mudanças tecnológicas e à globalização econômica, no interior do CEFET/a resistências ainda são grandes no que se refere à aplicabilidade da legislação educacional e das diretrizes curriculares. Este fato ocorre não por haver uma discordância ideológica mas, sobretudo, pelo desconhecimento e resistência a mudanças. A legislação ela não deixou muito clara, as informações não são muito clara para as pessoas de um modo geral, a gente que trabalha, trabalha na administração etc, a gente entende um pouquinho e ainda assim cheio de meandros, tem que olhar de um lado, tem que olhar do outro com muito cuidado, muita cautela, porque a gente ta mexendo com qualificação, capacitação algo muito importante, muito sério que é a educação no país, mas eu imagino que seja essa o posicionamento em educação profissional (P-1). Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 319 CEFET/CE Nota-se no discurso de parte dos professores entrevistados o desconhecimento de que a noção de competências pode ter duplo significado: de um lado, está associada a uma perspectiva não crítica de educação, que direciona a formação do trabalhador a um funcionalismo comportamentalista, visando a preparar o sujeito para a competitividade e a empregabilidade; por outro lado, a noção de competência pode ser ressignificada, ao adotar um sentido que atenda aos interesses dos trabalhadores e apontar princípios crítico-dialéticos orientadores para a investigação dos processos de trabalho e para a elaboração de uma proposta de educação/formação profissional, baseada numa dimensão social da formulação do conhecimento articulada com a dimensão profissional e com a feição sócio-política (Deluiz, 2001; Ramos, 2001a/2001b). Em verdade, observa-se que existe por parte dos docentes uma preocupação com a quebra do paradigma tradicional e com o desafio em mobilizar redes de atores em volta das competências e saberes voltados para resolver situações concretas de trabalho no interior da escola e das empresas, como forma de dar suporte aos processos de transição educaçãotrabalho, de oportunidades diversas de qualificação social e profissional, de percursos possíveis de ocupação e de crescimento contínuo do emprego (Gallart e Jacinto, 1997; Zarifian, 1999). Zarifian (1999/2001) considera que toda ação em situação de trabalho mobiliza uma orientação intelectual; assim, salienta, cabe ao sistema educativo o papel de constituir conhecimentos e validá-los por meio dos diplomas e desenvolver capacidades próprias do indivíduo. Tal fato não significa ofuscar a necessidade permanente de aprendizagens teóricopráticas em situações de trabalho, e sim que as competências e saberes possam ser atualizados na vida diária e em situações profissionais. Nesta perspectiva, o significado polissêmico e multidimensional do termo competência incorpora distintas experiências individuais, sociais, escolares e laborais, mediante as demandas das situações concretas de trabalho, balizadas por parâmetros socioculturais e históricos. Conforme foi verificado na teoria estudada, a educação/formação consiste basicamente em processos de intervenção nas organizações de trabalho. O desafio incide, assim, em utilizar o modelo de competência para integrar comportamentos sociais e laborais, levando em conta a dinâmica e as contradições do mundo do trabalho, os contextos econômicos, políticos e sociais, as transformações técnicas e organizacionais, os saberes do trabalho e os valores dos trabalhadores (Dubar, 1991/2003, Meghnagi, 1998; Manfredi, 1998). 320 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE 2.1.4 Concepções dos Alunos As concepções pessoais dos alunos do CEFET (Grupo 4) articuladas com as seis categorias de análise ─ educação, formação para o trabalho, orientação para a carreira, mercado de trabalho, política educacional, competências profissionais, pessoais e coletivas ─ revelam que a educação/formação profissional no Brasil passou, ao longo da história, por diversas transformações, sob influência do contexto socioeconômico e político de cada época. Na categoria educação, os discursos dos alunos refletem que as condições estruturais e culturais da escola pública são ainda pouco favoráveis à implementação de um modelo capaz de promover o desenvolvimento técnico e humano dos indivíduos das classes sociais menos favorecidas, em virtude das tendências de estagnação já assinaladas pelos grupos de participantes anteriormente analisados. Para um enquadramento mais geral da questão, pode-se ainda fazer uso dos dados coletados na pesquisa empírica com os alunos do CEFET/CE, por meio de alguns fragmentos dos discursos proferidos, nos quais se destacam essas questões: É injusta, pois o problema primordial é o preparo que os alunos tem, que é diferente e que essa diferença varia de acordo com a camada ou com a classe social a que o indivíduo pertence (A-2). A educação na escola pública ta um caos, quem estuda em escola pública é prejudicado por duas coisas, pela falta de professores e pela falta de estrutura mesmo, ele está muito problemático porque os alunos às vezes precisam de um preparo, uma base pra sair preparado (A-12). Você só consegue ter bom ensino e ótimos professores em escola particular que tem a sua verba e tentar buscar mais essa aproximação como mundo lá fora (A13). Por outro lado, os alunos acreditam que a atual educação/formação profissional tem condições de preparar e dar condições para que o indivíduo sobressaia no dia-a-dia e supere os novos desafios aliando a tudo o que tem de mais moderno e científico. É o que se pode verificar na categoria formação para o trabalho: Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 321 CEFET/CE A formação do trabalhador deve ser a melhor possível, hoje em dia o mercado ele ta muito competitivo e mais do que nunca se diz muito do trabalhador, principalmente nessa parte da sua educação né, acho que quanto mais profissional a pessoa for, quanto mais educada, acho que mais chance ela tem de se desenvolver na sua área no mercado em si (A-4). Bem tem que ser uma formação além de técnica bem pessoal porque além de buscar o que o mercado ta necessitando, os conhecimentos, e tem também que mostrar pra gente o que a gente vai ter que enfrentar, mostrando que não é só ter conhecimento, mas sim, ter bastante criatividade e tentar superar tudo (A-13). Ao refletir sobre a ação dos sistemas educacionais, os alunos concordam com a noção que de, em muitas áreas profissionais, há uma predominância de um modelo comportamentalista nos moldes tecnicista, isto é, como transmissor de conhecimentos teóricos e práticos, que determinam a tomada de decisão na resolução de problemas e desafios identificados, com ação instrumental, embasados em princípios e técnicas cientificas. Fragmento da fala de um aluno identifica essa asserção: É importante unir a teoria à prática como é o caso da proposta que o CEFET ta tendo com esse curso de Gestão Turística. É importante essa união de teoria e prática na hora que nós formos nos encaixar no mercado de trabalho, isso vai pesar mais em relação aos que não tem a prática, no caso os técnicos, e só o que tem a teoria, eu acho que esse é o diferencial (A-3). Sinceramente quando a gente chega na empresa, pra uma entrevista, a primeira coisa que eles exigem é experiência, mas como ter experiência se aqui, por exemplo no CEFET, deveria ter aulas práticas, a gente tem mas não é de qualidade, chega numa indústria, numa empresa mesmo, assim grande, a gente não ta preparada. Então, não existe aquela limitação né, do que você sabe, do que você deveria fazer, e a escola não passa o que você precisa pra caminhar com as próprias pernas né (A-8). Tal fato permite remeter ao pensamento de Habermas (1987), no que se refere à racionalidade técnica que, como atividade prática, reduz a atividade instrumental na análise dos meios para atingir determinados fins, deixando de lado o caráter moral, ético e político na definição desses propósitos presentes nas ações profissionais. Trechos dos relatos dos alunos permitem identificar essa afirmação: O termo formação vai muito mais além do que esse conhecimento técnico esse conhecimento teórico que se tem em sala de aula. É formar, é preparar e lhe dá condições para que o indivíduo se sobressaia no dia-a-dia com questões que vão aparecer mesmo que sejam novas questões, novos desafios novos problemas mas 322 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE ele já tem aquela estrutura por base pra conseguir resolver solucionar esses outros problemas (A-2). Muito relativo essa educação, estão formando profissionais voltados para o lado prático, mas ainda fica muita gente a margem dessa formação (A-7). A gente chega numa empresa e as pessoas dizem “ pô, tu é técnico, tu terminou o curso superior agora, tu não sabe disso?” A gente não tem culpa, a gente entra num curso esperando uma coisa quando vai ver é outra completamente diferente. (A-8). Assim que o aluno entra aqui eu acho que o objetivo dos professores é só conteúdo e ir logo pra parte da prática, ele mostra como é que funciona e mostra como é que tem que fazer, então eu acho que no termo de que o aluno ta preparado pra fazer aquele serviço (A-12). Inerente a esta questão, Barato (1998) assevera que as tendências contemporâneas de reorganização da educação/formação profissional estão valorizando a educação geral e deixando a técnica de lado ou dizendo que ela não é tão importante, dada a velocidade das mudanças a que estamos assistindo na organização do trabalho e no avanço tecnológico. O autor ressalta que existe uma dicotomia equivocada nos meios educacionais, sendo a teoria vista como mero conhecimento e a prática como simples decorrência do saber técnico. O ensino profissionalizante continua na marginalidade, uma vez que é impossível articular teoria e prática se as conotações destes termos não forem superadas no âmbito pedagógico; ou seja, sem uma crítica dos significados da teoria e da prática, é inútil a tentativa de articulação entre o saber e o fazer. Barato (1998) ressalta ainda que a competência não pode ser separada da ação, portanto, ela somente pode ser avaliada em situações reais de trabalho. Nesse aspecto, situa-se o antigo problema da separação entre conhecimentos teóricos e práticas. Barato (1998) observa que o conteúdo prático não pode ser percebido apenas como um fazer, explicado por uma teoria, porém desprovido de inteligência. Este modo de entender os conteúdos de ensino é marcado pelo senso comum, incapaz de ver habilidade para além do desempenho observável e, como a execução de uma técnica do nível de perícia quase sempre requer automação do gesto, chega-se à conclusão de que o fazer é desprovido de inteligência. Depresbiteris (2000) também ressalta essa dicotomia. Para a autora, ela se expressa na própria distância entre incluídos e excluídos na educação/formação profissional e pode ser Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 323 CEFET/CE verificada na ausência das diretrizes da educação profissional e na decisão de instituições de educação profissional que priorizam os cursos técnico e tecnológico, ignorando a necessidade de novas formas de administração que possibilitem aos excluídos uma preparação educacional para o trabalho. Confirma-se, pois, a tese da Teoria da Correspondência da reprodução educativa, segundo a qual a escola é vista como aparelho ideológico do Estado, que tem como papel a difusão e a imposição do ponto de vista dos dominantes, contribuindo para as relações sociais de exploração (Morrow e Torres, 1997). Nesta perspectiva, os alunos do CEFET acreditam que os objetivos dos atuais programas de educação/formação profissional estão direcionados principalmente para: Os atuais programas de formação profissional são bem direcionados pro mercado de trabalho, vejo que hoje em dia as grades curriculares estão mais preocupadas com o que os estudantes vão enfrentar no mercado de trabalho, acho que ta mais direcionado (A-1). Não, ele não está sendo eficiente, não está cumprindo a sua meta e a prova maior é quando se olha pra o número exorbitante de desempregados, porque se essas pessoas tivessem qualificação com certeza elas teriam suporte para ingressar no mercado de trabalho (A-2). É formar o profissional voltado para a prática, é as pessoas estão deixando um pouco de lado aqueles cursos que davam status né, hoje se procura mais o profissional mais voltado pra prática ela está pronto pra assumir qualquer desafio (A-7). Formar apenas profissionais e não cidadãos trabalhadores (A-10). Incluir as pessoas. Agora no lugar de você chegar pra alguém e perguntar se a pessoa sabe ler e escrever, você chegar pra essa pessoa e pergunta se ela tem diploma ou não, agora a questão vai ser essa porque o que eles querem é fazer com que todo mundo tenha o seu diploma independente de qual seja e aplicando esse método antigo de ensino, e o mercado de trabalho fica lá de fora, ai o que vai acontecer, as pessoas vão ser, a maioria dos desempregados vão ser diplomados (A-14). Campos (1980/1981) observa, contudo, que o desenvolvimento da carreira profissional vai além dos conhecimentos técnicos e teóricos adquiridos em sala de aula, já que integra todas as dimensões da existência e promove múltiplas grandezas do desenvolvimento psicológico, no qual se pode destacar a confrontação do indivíduo com as sucessivas tarefas e 324 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE projetos ao longo da vida. Neste processo, a educação e a formação vêm auxiliar na aquisição de conhecimentos, atitudes e competências, dando azo ao trabalhador de analisar criticamente a situação geral e política de sua indústria, investir em si mesmo, capacitar-se para ser um diferencial no mercado de trabalho. Este fato também é destacado na categoria orientação para a carreira, onde se pode perceber que, na escolha para o ensino geral acadêmico e/ou para a educação profissional, os alunos acreditam que esta opção depende diretamente da classe social a que pertençam. Como não existe no Brasil uma orientação vocacional a partir do ensino médio para os adolescentes e jovens, torna-se difícil uma escolha profissional. A maioria dos estudantes tem como primeira opção a universidade pública; entretanto, são poucos os que conseguem ultrapassar o processo seletivo. Neste sentido, quem não consegue ingressar na universidade ou no mercado de trabalho opta pela área profissionalizante é a segunda escolha para os jovens. Os alunos acreditam que os cursos do CEFET proporcionam uma base para quem deseja partir para a universidade, como também, enseja ao jovem entrar no mercado de trabalho mais cedo. Nos trechos dos discursos citados a seguir identificam-se exemplos desta asserção: Os jovens estão escolhendo a área de atuação profissional levando em consideração o mercado de trabalho e não a vocação profissional (A-5). A partir do ensino médio todos os jovens, adolescentes, deveriam ser preparados para uma escolha profissional, deveriam ir se adaptando aos poucos, e não assim de uma vez, de uma para outra você tenta, presta o vestibular sem assim sem ter base, sem saber o que realmente você quer da sua vida (A-8). O jovem hoje em dia, ele não segue mais opinião só do pai, porque o pai sempre dizia faça Direito, faça Medicina, aquelas coisas, aquelas áreas tradicionais, aí eles estão vendo muito pela área a tecnologia, a tecnologia ta fascinando muito a eles, né, eles quando vêem aqueles robozinhos, aquelas coisinha, eles ficam fascinados (A-9). O estudo não é só conhecimento é preciso raciocínio pra você responder as questões, vai ter uma forma de escolha dependendo do jovem porque ele não sabe exatamente, não sabe se vai passar, atingir aquela meta dele, no caso ele faz uma escolha para um curso, ele não sabe como anda o mercado de trabalho, se não tiver uma ajuda um direcionamento, muitas vezes tem que ficar um profissional desempregado (A-13). Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 325 CEFET/CE Verifica-se nos discursos dos alunos a carência por serviços de educação e orientação para a carreira, justificados com base na necessidade de preparar as pessoas para o trabalho. Este é um ponto de convergência importante que se fundamenta na gravidade das situações originárias pelo fracasso e abandono escolar; da falta de conexão entre educação e trabalho; da dificuldade da transição escola-emprego; pelas rápidas mudanças no mundo laboral; da necessidade do aluno adaptar-se às constantes transformações ocupacionais; e dos problemas que os jovens enfrentam no desenvolvimento de suas carreiras, entre eles o desemprego, o subemprego, a falta de preparação e qualificação profissional. O referencial teórico citado no capítulo I desta tese e a fala dos alunos sinalizam a idéia de que a inadequada preparação para o trabalho torna urgente a necessidade de elaborar estratégias de intervenção educativa que permitam solucionar os problemas enfrentados pelos indivíduos ao longo da vida. Neste sentido, compreende-se que tanto a orientação para a carreira como a educação para a carreira são opções educativas atrativas, viáveis e de maior potencialidade para estimular e favorecer ao máximo o desenvolvimento potencial da pessoa humana (Hoyt, 1995; Hoyt e Shylo, 1987; Rodrígues, 1995; Taveira, 1997). Em verdade, verifica-se que tais objetivos são delimitados para formar profissionais e não cidadãos trabalhadores, fazer com que todo mundo tenha o seu diploma, independentemente de qual seja, tendo como conseqüência um grande número de diplomados, porém sem empregos. Inerente a esta questão, Stroobants (2001) explica que o aumento do número de diplomados cria uma situação em que a certificação deixa de ser um elemento de excelência (no mundo do trabalho) para tornar-se acessório. As organizações passam a exigir qualificações que adicionem valor ao diploma e que tenham aplicabilidade na situação de trabalho. O indivíduo deve ser capaz de mobilizar suas qualificações para geração de conhecimento na empresa, capacidade esta que constitui o instrumento de medição de sua competência e de sua eficiência, na empresa e/ou no mundo do trabalho. A este respeito, encontram-se na categoria mercado de trabalho os seguintes depoimentos dos alunos: O que espera hoje é que você seja o mais diversificado possível, se você conseguir fazer o maior número de coisas num menor espaço de tempo (A-14). O mercado de trabalho ta muito exigente né como aqueles cursos básicos que é obrigatório se ter, curso de informática, de línguas né. O mercado de trabalho na área, principalmente na área computacional, exige muito certificações que a 326 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE pessoa, que às vezes nem em graduação é que vale as certificações dos fabricantes né, é o mercado ta querendo ta exigindo também que ele não seja só aquele funcionário técnico totalmente e sim que o funcionário tenha publicações começar a escrever coisas, divulgar coisas pra ele ser muito disciplinar certo (A-15). Os postos de trabalho eles estão sendo desenvolvidos de maneiras e rotatividade dentro daquele do mercado. Mas o problema ainda continua sendo a falta de acesso a educação para você ter uma versatilidade dentro daquele assunto, dentro daquela tecnologia que está sendo aplicada. Hoje o Brasil ele é totalmente sem manutenção, ele não lida diretamente com tecnologia a tecnologia está muito atrasada então a rotatividade, a manutenção não estão sendo como deveriam ser, a tecnologia do desenvolvimento (A-17). Nesses diversos fragmentos das falas, nota-se que os alunos têm conhecimento de que o atual processo educativo foi reduzido ao um papel de reproduzir um conjunto de habilidades, conhecimentos e atitudes (transmissão) voltado para ensejar capacidades flexíveis de trabalho e, conseqüentemente, de produção. Para situar a inserção da categoria política educacional no conjunto das políticas públicas voltadas à educação/formação profissional, serão destacados os pontos de vista dos alunos do CEFET/CE, buscando produzir um desenho do cenário e das interações produzidas neste âmbito, seguidas de breve análise dos resultados. Ao serem indagados se os sistemas de educação/formação no Brasil estão cumprindo sua atual função social de qualificar a população ativa, as opiniões dos alunos mostraram-se divididas. Alguns dizem enfaticamente que os sistemas não estão sendo eficientes; as metas não estão sendo cumpridas; a mão-de-obra no Brasil é muito mal qualificada, e com isso os formandos dos cursos profissionalizantes não possuem suporte para ingressar no mercado de trabalho. Além disso, voltam a afirmar, faltam verbas, infraestrutura, boas salas de aula, professores qualificados, laboratório para que se realize prática e de saia da teoria. Por outro lado, alguns alunos defendem a posição de que acreditam que o CEFET, especificamente, abre um caminho muito grande para o trabalho, uma vez que os jovens precisam de cursos, de oportunidade, de uma boa escola. O governo não ajuda nada em relação à educação (A-8). Deveria ser posto mais em conta, mais infra-estrutura, laboratórios para o aluno praticar melhor, aplicar certos métodos de estudo [...] No Brasil o governo não Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 327 CEFET/CE leva muito em conta prejudicado (A-10). essa parte tecnológica, e com isso a gente se torna Qualificar, capacitar os professores, eles tem que ter um nível mais alto pra poder aumentar o nível dos alunos (A-6). O problema da educação no Brasil é um problema social (A-2). As verbas pra pesquisas são mínimas, mais empenho e investimentos financeiro nos setores públicos (A-3). Fazer convênios com as empresas, parceria mais ampla com o que tem de mais moderno, aliar a tudo o que tem de mas moderno e mais cientifico (A-6). Dar chances pra que a gente possa ter uma educação de qualidade (A-8). Nestes depoimentos, observa-se os alunos ressaltarem que o problema da educação no Brasil é social. O governo não facilita para o jovem e, por isso, existem muitos indivíduos à margem da formação profissional e, conseqüentemente, do mercado de trabalho, o que poderia ser aperfeiçoado com uma educação de qualidade e com uma política voltada para a geração de emprego. A leitura da teoria realizada nos capítulos anteriores também demonstra que uma política de governo de profissionalização significaria uma reorientação das ações públicas motivada pelo reconhecimento da limitação das metas, dos objetivos e dos recursos (financeiros e humanos, em última análise), sem os quais nenhuma atividade educativa pode se realizar (Frigotto, 2000; Kuenzer, 2000b; Oliveira 2001a). Na categoria competências profissionais, pessoais e coletivas, as concepções pessoais dos alunos do CEFET explicitam que os sistemas de educação/formação desenvolvem as novas competências para maior capacidade de adaptação, mobilidade, a fim de o futuro trabalhador exercer diversas funções e não ficar preso no posto de trabalho. Para tanto, os cursos técnicos passaram a oferecer um ensino prático e especializado e os cursos tecnológicos um ensino generalizado, depois do qual o formado é capaz de assumir diversas funções em uma organização empresarial. Observa-se nos excertos de alguns discursos analisados, entretanto, que os alunos possuem baixa capacidade de adaptação ao mercado de 328 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE trabalho e que cada vez mais aumenta a quantidade de profissionais incapacitados, sem os conhecimentos necessários para trabalhar com as novas bases tecnológicas. Muitos jovens se ressentem da falta de estágios nas empresas, práticas profissionais no interior na escola, onde pudessem de fato exercitar os conhecimentos teóricos adquiridos. Observa-se dos depoimentos dos alunos: Competência profissional ela acontece quando o indivíduo está diante de uma situação e que ele tem habilidade do que fazer, ou como fazer. A competência pessoal acontece no instante em que o indivíduo está seguro, esta realizado pessoalmente do profissional que ele é, que ele esta certo do lugar onde ele está profissionalmente. E coletivo, quando ele sabe trabalhar em grupo, quando ele sabe trabalhar com a diversidade, com a pluralidade porque ele, porque um grupo é uma agregação de valores e dentro de uma empresa, as empresas trabalham com a equipe, as pessoas tem que ter essa noção de saber como trabalhar com os indivíduos que pensam diferente um dos outros. Essa habilidade é extremamente importante, e o profissional define esses 3 pilares ele com certeza ele será um profissional de sucesso (A-2). Sem dúvida uma ta ligada a outra, né, tanto os profissionais como os pessoais, eu acho que os profissionais, como eu disse ante,s a pessoa tem que tentar ser o melhor, ou então nem ser o melhor, mas tentar dar o máximo em relação ao aprendizado, por exemplo, o técnico, eu tenho que absorver tudo o que o técnico tem pra me dar, pra mim ta preparado lá fora por área de trabalho, aí na parte pessoal, eu acho que a pessoa tem que ser, saber se relacionar bem com as pessoas, saber ter dinamismo, ter raciocínio rápido pra resolver certos problemas (A-4). As competências seriam o próprio conhecimento que ele adquiriu dentro da escola que ele ta, seja ela no CEFET, no ensino técnico, ou superior, seja onde for, a partir do momento que ele começa a estudar, começo a se identificar com aquela área que ele ta, ele vai procurar saber mais, pesquisar mais, então eu acho que os conhecimentos que ele vai ter, ele vai ta preparado pra entrar no mercado de trabalho (A-6). Questionados sobre que competências profissional, pessoal e coletiva se esperam dos jovens saídos dos sistemas de educação/formação profissional, os alunos acreditam que seja um profissional dinâmico capaz de trabalhar com a diversidade, com a pluralidade e de atuar em diversas estruturas. Ressaltam os estudantes que o profissional tem que tentar ser o melhor, procurar dar o máximo em relação ao trabalho em equipe, saber lidar com as pessoas, ter responsabilidade, iniciativa, capacidade de resolver os problemas sem ficar dependendo de superiores. Acima de tudo, o novo trabalhador deve estudar continuamente para que possa se adaptar às mudanças do mercado e da sociedade. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 329 CEFET/CE As concepções pessoais dos alunos vão harmonizar às concepções políticas sobre o modelo de competências emanadas das diretrizes para a educação/formação profissional brasileira, como a capacidade pessoal de articular autonomamente os saberes (saber, saberfazer, saber-ser e saber-conviver) inerentes a situações concretas de trabalho, associados às noções de estética da sensibilidade, a uma ética da identidade e a uma política de igualdade, que devem orientar a organização pedagógica e curricular da educação profissional. Esses princípios axiológicos, orientadores do pensamento e da conduta do indivíduo, com vistas à preparação para o trabalho, também são coerentes com os direcionamentos da UNESCO apresentados no relatório da Reunião Internacional sobre a Educação para o Século XXI. Observa-se, entretanto, que, ao ser cometida às instituições de ensino a responsabilidade de trabalhar os diferentes saberes, desconsiderando a falta de experiência e conhecimentos institucionais para isso, isto fez com que o CETEF/CE tivesse que optar entre trabalhar o “saber-ser”, que envolve a educação para a cidadania, e o “saber-fazer”, que prepara o aluno para a prática profissional. Percebe-se, destarte, que a perspectiva de uma educação/formação profissional, como especificada na legislação brasileira, aproxima-se das finalidades individualista e pragmática assumidas internacionalmente pelo enfoque das competências, ao propagar a possibilidade de desenvolvimento dos saberes, das capacidades humanas, da redução das desigualdades e do fortalecimento da democracia, subordinado à lógica restrita da produção e do desenvolvimento da “laboralidade”, necessários para o progresso econômico. Neste sentido, a educação/formação profissional omite-se quanto ao papel político, ao direcionar o projeto pedagógico das instituições educacionais para uma prática pedagógica na qual é favorecido o ajustamento dos indivíduos às exigências do mundo do trabalho, não na perspectiva de transformação da realidade e sim para o aperfeiçoamento de seus conhecimentos, habilidades e atitudes. Dentro dessa óptica, o CEFET/CE necessita inserir nos projetos pedagógicos de seus cursos um paradigma científico, onde o aluno possa acessar, sistematizar e produzir conhecimentos científicos para o entendimento da realidade. O foco da educação desloca-se assim de uma pedagogia tradicional e dogmática para uma pedagogia que explique a dinâmica da sociedade capitalista como um todo, partindo do princípio de que o trabalho, como elemento fundador da sociedade, é o meio necessário para a conquista da cidadania. 330 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE 2.1.5 Análise global das concepções Os resultados da pesquisa empírica elucidam as concepções pessoais sobre a educação/formação do trabalhador. Apresenta-se no Quadro 36 o resultado geral da análise de conteúdo, considerando o conjunto de respostas dos 39 (trinta e nove) atores que participaram do estudo de caso no Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET/CE, do qual foram selecionadas 1.518 (hum mil e quinhentos e dezoito) falas, distribuídas em 06 (seis) categorias educação, formação para o trabalho, orientação para a carreira, mercado de trabalho, política educacional e competências profissionais, pessoais e coletivas. A análise de conteúdo realizada permitiu verificar, para cada categoria, as falas que representam as cognições associadas aos aspectos ligados aos modelos/concepções científicos e políticos de educação/formação profissional e que podem ser considerados como significantes para uma análise posterior de propensões e atitudes dos sujeitos entrevistados. Quadro 36 – Resultado Geral da Análise de Conteúdo CATEGORIAS GRUPO 1 (diretores) GRUPO 2 (gerentes) GRUPO 3 (professores) GRUPO 4 (alunos) Freqüência % Freqüência % Freqüência % Freqüência % Educação Formação para o trabalho Orientação para a carreira Mercado de Política educacional Competências profissionais, pessoais e coletivas 14 (8,8%) 7 (3%) 18 (2,7%) 28 (6%) 72 (45,3%) 153 (66,2%) 367 (55,1%) 262 (56,7%) - - 9 (4%) 29 (4,3%) 12 (2,6%) 19 (12%) 10 (4,3%) 39 (5,9%) 25 (5,4%) 45 (28,3%) 34 (14,7%) 153 (23%) 81 (17,6%) 9 (5,6%) 18 (7,8%) 60 (9%) 54 (11,7%) Total 159 (100) 231 (100) 666 (100) 462 (100) A leitura do Quadro 36 permite verificar que a categoria formação para o trabalho obteve as maiores percentagens em todos os grupos: diretores 45,3%, gerentes 66,2%, professores 55,1% e alunos com 56,7% das respostas. Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 331 CEFET/CE Registra-se, nesta categoria, o fato de que os diretores e gerentes apresentam uma visão geral do CEFET/CE, da educação/formação profissional, do processo de adaptação por que a escola passou com a reforma institucionalizada em 1996 [...] tem que haver uma formação crítica presente na prática, nas metodologias desenvolvidas para trabalhar a educação e a formação profissional (D-2); [...] o Brasil entra na divisão internacional do trabalho tendo que qualificar pessoas para ocupar funções das mais diversas nos vários segmentos produtivos (G-2). Por parte dos professores, observou-se uma resistência às mudanças provocadas pela legislação, tanto no que se alude à desarticulação dos cursos técnicos do ensino médio, como também no que se refere ao surgimento da verticalização para o ensino superior, com a implementação dos cursos tecnológicos O ensino ideal era o integrado. A gente tinha uma parte de formação geral, em determinada época, a gente tinha uma parte, uma formação técnica (P-2); A tendência do profissional é transformar a pessoa num operário, um fazedor de coisas (P-10). Para os alunos, a educação/formação profissional possui forte conotação social que envolve as necessidades de qualificação e profissionalização dos jovens e adultos das classes sociais de baixo poder aquisitivo; a rejeição do mercado pelos formandos oriundos dos atuais cursos técnicos e tecnológicos de curta duração; e o efeito psicológico que tais fatores causam, somados à consciência de um desemprego presumível A capacidade de adaptação dos alunos são baixa no mercado de trabalho, muitas desistências e muitos profissionais incapacitados estão sendo postos cada vez mais no mercado de trabalho (A-10); [...] as pessoas vão ficar desempregadas muitas com diploma na mão (A-14). Por outro lado, a totalidade dos sujeitos entrevistada tem em comum a defesa por uma educação/formação profissional voltada para preparar para o desafio da vida e ingressar no mercado de trabalho, porém ressaltam como cidadãos: [...] formação cidadã, eu acho que isso aí é fundamental (D-1); [...] a gente quer dá uma formação bem, assim, geral, nesse sentido sabe, de se preocupar com o ser com o cidadão (G-3); [...] nós imaginamos educação profissional como elemento complementar do processo de cidadania (P-5). Observa-se que nesta categoria os atores não apresentam o mesmo ponto de vista sobre a realidade do ensino profissional ministrado no CEFET/CE. Os grupos de diretores e gerentes defendem uma educação/formação profissional generalista, voltada para preparar o indivíduo para desenvolver o que o mercado exige e, ao mesmo tempo, fornecer aos alunos 332 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE um embasamento de formações cidadã, moral e ética por intermédio de uma proposta construtivista que leva o próprio aluno a descobrir o conhecimento necessário para agir e modificar a sociedade. Verifica-se que, quando se alude a uma formação cidadã, há quase unanimidade na ênfase a componentes humanitários, de solidariedade, da democracia e do bem comum Formar o homem, o cidadão com uma visão holística, formação mais ampla (D-2). Para tanto, o currículo deve provocar situações de o aluno entrar em conflito, buscar respostas, ser instigado, ser estimulado, buscar essas competências Nós estamos preparando pessoas para unir competências e habilidades em nível superior, eu acredito que estejamos cumprindo esse papel social (G-4). Os diretores e gerentes observam que os educadores do CEFET/CE tentam realmente qualificar bem o aluno, para que não saia da escola com grandes carências. Por outro lado, os professores têm a visão de que os cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores (antigo cursos básicos), na realidade não qualificam o profissional, uma vez que se ocupam de um segmento de pessoas de fora do mercado de trabalho, configurando-se mais como um resgate social Os cursos básicos na realidade têm mais um resgate social do que formação profissional (P-10). Para este grupo, a formação/educação profissional técnica é especializada, possui um foco específico em razão da sua carga rápida em apenas dois anos. O objetivo, assim, é realmente preparar o trabalhador de nível médio para um posto de trabalho e a educação profissional tecnológica de nível superior, generalista, modular, com certificações intermediárias, atrelando a parte prática à parte teórica do engenheiro. Os professores observam que o CEFET/CE se encontra em uma fase de transição, isto é, ainda não conseguiu implantar um currículo por competência para que fossem ampliadas as oportunidades de saberes dos jovens à procura do primeiro emprego e adulto desempregado, que necessita atualizar seus conhecimentos e reingressar na escola Eu diria que nós no CEFET ainda não conseguimos implantar um currículo efetivo por competência, nós estamos é tentando (P-5). Os alunos, por outro lado, advertem sobre a escassez de parcerias com as empresas que possam proporcionar bolsas de estudo e estágios supervisionados O CEFET tem que oferecer um estágio pra poder capacitar os alunos para o mercado de trabalho (A-6); Todo aluno tem direito à bolsa de pesquisa (A-9). Estas concepções são confirmadas no Parecer CNE/CEB nº. 16/99, no que se refere às situações ou modalidades e ao tempo de prática profissional, que devem ser previstos e incluídos pela escola na organização curricular, sendo Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 333 CEFET/CE o estágio supervisionado colocado como carga horária mínima estabelecida para o curso. Os alunos observam que o CEFET/CE necessita de parcerias públicas e privadas, para inserir nos projetos pedagógicos de seus cursos um paradigma científico e tecnológico, onde possam acessar, sistematizar e produzir conhecimentos científicos para o real entendimento da realidade [...] convênio com as empresas pra fazerem parcerias que é a grande chave do mercado da educação profissional (A-15). É patente, no entanto, o fato de que todos os grupos entrevistados recusam enfoques que reduzam a educação/formação profissional ao adestramento, ao treinamento ou à mera garantia de promoção da competitividade dos sistemas produtivos. Isto significa afirmar que a formação do trabalhador não pode se restringir à mera preparação técnicoinstrumental, devendo buscar a integração desta dimensão à transmissão de conhecimentos científicos e tecnológicos, aos conhecimentos gerais sobre a sociedade e a cultura, de modo que viabilizem o encontro entre cultura e trabalho e possibilitem a compreensão da vida social, da evolução técnico-científica, da história e da dinâmica do trabalho [...] preparar o jovem pra o trabalho né, pra a vida né (D-1); [...] aluno muito completo, empreendedor (G1); [...] visão sistêmica das áreas que se propõe a formar um técnico ou mesmo tecnólogo (P4); Quanto mais profissional a pessoa for, quanto mais educada, acho que mais chance ela tem de se desenvolver na sua área no mercado (A-4). O Quadro 36 também possibilita a verificação de que a categoria política educacional denota o segundo maior índice de percentagens: diretores 28,3%, gerentes 14,7%, professores 23,0% e alunos com 17,6% das respostas. Nesta categoria, as opiniões dos atores sociais tornam salientes dois aspectos imediatos: o conflito na educação/formação profissional provocado pelo Decreto no. 2.208/97, que expressava, de forma emblemática, a regressão social e educacional, ao afirmar e ampliar a desigualdade de classes e o dualismo na educação; e, por outro lado, o embate para a sua revogação que produziu um sentido simbólico e ético-político de uma luta entre projetos societários e a construção de um projeto educativo mais amplo Existe uma dicotomia entre o ensino acadêmico e o profissional (D-1); Foi a política internacional, Banco Mundial, que ditaram as regras de como deveria ser a educação profissional no Brasil (G-2); Os políticos valorizam a educação profissional para uma política pública, mas essencialmente ela não é ainda uma estrutura muito clara no Brasil (P-5); Falta dedicação do governo (A-13). 334 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Além destes aspectos, é importante ressaltar que a recente aprovação do Decreto no. 5.154/2004, por si só, não muda o desmonte produzido pela reforma educativa na década de 1990. Há a necessidade de as instituições públicas e privadas, direta ou indiretamente relacionadas com a questão do ensino médio, se mobilizarem para mudanças efetivas. Ao Governo cabe ampliar as matrículas no ensino médio e da elevação de sua qualidade, como resposta tanto ao imperativo de um direito de cidadania e de justiça, quanto às demandas de um processo produtivo sob a base tecnológica, como, também, repensar o papel e a função social dos CEFETs no resgate do ensino médio integrado, além de investir cada vez mais na educação, na pesquisa, valorizar e capacitar o professor, melhorar a infra-estrutura da escola para um efetivo atendimento às necessidades do mercado e às demandas do próprio cidadão. Nesta categoria, a análise global das falas dos entrevistados reafirma que o sistema de formação/educação profissional foi concebido não para educar, mas para retirar os “desvalidos da sorte” do ócio e desenvolver habilidades como um meio de sobrevivência. Neste sentido, o Governo voltou suas ações compensatórias para qualificar e certificar a população carente e, ao mesmo tempo, atender rapidamente ao mercado de trabalho como um segmento produtivo informal Eu acredito que não é insuficiente pra atender a demanda que a sociedade precisa (D-1); A educação no Brasil custeada pelo governo é pra poucos (G-2); O Ministério do Trabalho tem uma política de educação profissional voltada para a população em risco social e de baixa escolaridade (P-5). Os centros de formação técnica e o CEFET/CE especificamente, no entanto, atendem apenas parcialmente a demanda para formar esses profissionais, que é bem maior do que a oferta dos cursos e da estrutura existente. O cenário da profissionalização do jovem e adulto brasileiro precisa ser reestruturado para harmonizar à mudança da procura social. O dilema do planejamento, da escassez de recursos e da falta de vagas nas instituições públicas, representado pelas contradições dentro do pensamento político educacional constitui em um obstáculo significativo. Outro ponto de destaque na leitura e propostas dos atores é aquele que trata da questão do Estado e seu papel social. Para os entrevistados, assumem importância as formulações que indicam a necessidade da democratização do Estado, da manutenção e valorização de seus investimentos na área educacional [...] criando efetivamente ações que estimulem esses jovens a se integrarem em informações complementares e formação profissional talvez isso melhorasse as duas coisas, melhorasse a escola pública, a média, e Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 335 CEFET/CE melhorasse os programas de educação profissional (P-5); .Maior empenho do governo e financiamento de projetos (A-16). No entender dos atores, mais marcadamente dos professores, o Estado teria papel preponderante na tentativa de reduzir os efeitos das transformações. Seria por meio desta intervenção que os novos trabalhadores poderiam ver garantidos seus direitos básicos como cidadãos, resguardando-se das possibilidades negativas trazidas pelo novo quadro. Além disso, há uma preocupação generalizada no que diz respeito a ampliação e ocupação dos espaços institucionais de debate e definição das políticas educacionais. A maneira adequada para lidar com este fato consiste em empregar um discurso comunicativo/dialógico que possibilite à comunidade escolar adquirir um conhecimento sólido que sirva para vida toda e que forneça subsídios para que possam tentar moldar o seu futuro. As temáticas a questão dos jovens em busca do primeiro emprego, o desemprego estrutural, as condições de vida e trabalho dos trabalhadores e outras devem, assim, ser debatidas e incorporadas nos programas escolares no mesmo grau de importância reservado às suas outras linhas de ações. Os educadores e alunos vêm assumindo uma postura crítica nos debates, definições e ações no espaço educacional, acompanhados pelo embate em defesa de uma educação/formação profissional integral que dê cidadania plena aos futuros trabalhadores e para aqueles que retornaram à escola a fim de atualizar seus conhecimentos ou se reprofissionalizar. Apesar da sentida diferença de entendimento entre os diferentes atores sociais, estes observam a necessidade da democratização do Estado, e maior participação da sociedade civil na orientação e gestão dos rumos das políticas públicas. A indicação muito presente é de que a sociedade possa participar, nos mais diversos níveis, não só da partilha dos recursos e de seus gastos, mas também na própria definição, de forma pública e democrática, da inserção e da participação dos trabalhadores, como cidadãos, neste processo. O terceiro maior índice de percentagens foi atribuído à categoria competências profissionais, pessoais e coletivas, que obteve nas respostas: os diretores 5,6%, os gerentes 7,8% das repostas, os professores 9% e os alunos 11,7% das respostas. Nesta categoria, foi salientado que o novo trabalhador necessita superar um triplo desafio para poder se inserir no atual mercado de trabalho. Além de ter amplo conhecimento da sua área profissional, o trabalhador precisa desenvolver competências cognitivas, técnicas e humanas para realizar e executar suas funções profissionais e se manter empregado. 336 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Verifica-se que o sistema de educação/formação profissional do Brasil é orientado pelo modelo de competência com bases numa matriz teórico-conceitual comportamentalista, funcionalista e construtivista, o que distorce o perfil do desejado egresso e o perfil do egresso alcançado pela escola. Fortemente polissêmica, tanto no mundo do trabalho quanto na educação, a noção de competência expressa interesses, expectativas e aspirações dos diferentes sujeitos coletivos, que possuem propostas e estratégias sociais diferenciadas e buscam a hegemonia de seus projetos políticos. Tendo em conta as freqüências e respectivos percentuais, o grupo de alunos manifesta maiores interesses (11,7%), ao contrário dos demais grupos que apresentam uma baixa média de interesse por este tema Espera que o profissional seja bem dinâmico,possa atuar em diversas estruturas dentro da sua área, que o pessoal tenha um bom trabalho em equipe e que o trabalho coletivo seja feito de uma forma harmoniosa e que todo grupo se beneficie com o trabalho individual (A-1); É, saber trabalhar em grupo, é essencial responsabilidade, iniciativa, capacidade de inovar com responsabilidade, é o que mais, eu acho que isso aí (A-3); [...]não é só ter conhecimento mas ter criatividade e tentar superar tudo (A-13). Parece haver consenso, contudo, entre os grupos de que a existência de competências é essencial para a inserção no contexto empresarial e que, desenvolvidas isoladamente ou em equipes, quando somadas aos demais recursos da empresa, promoverão os diversos tipos de competências organizacionais. O consenso termina mais ou menos por aí. O detalhamento desses processos dentro da escola parece seguir linhas bastante distintas para os diversos grupos. Nesse sentido, constatou-se que, embora utilizem as mesmas nomenclaturas, os atores entrevistados conceituam e operacionalizam as competências de maneiras diversas Saber regras de convivência, não permitir que violem os direitos (D-2); O professor é preocupado com essa parte de educação, honestidade, valores humanos, dinâmica, habilidade própria do ser humano (G-1); Existe mini pacote que são competências que a pessoa vai adquirindo e que pode ir o mercado de trabalho, realizar essas competências no mercado de trabalho quanto trabalhador e voltar a instituição pra ir continuando esse estudo (P-1); [...] desenvolver as nossas habilidades, competências que vão ser tão necessários no futuro (A-3). Observa-se, além disso, a tendência de se tratar a competência ora como um padrão interno do indivíduo ─ responsabilidade, iniciativa, autonomia, agilidade, comunicação, inteligência, bom relacionamento dentro da equipe, saber conviver, respeitar o Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 337 CEFET/CE outro e ser respeitado nos seus direitos ─ ora como um critério externo que deve ser alcançado para o cargo. Assim, a aquisição de competências pessoais e coletivas algumas vezes é focada na obtenção de resultados ─ habilidades gerenciais, capacidade de resolver os problemas, enxergar a curto e médio prazo as novas tendências, ser um bom profissional numa determinada área ─ e, em outras, assume um papel mais passivo, o da implementação da estratégia em benefício da empresa. A categoria mercado de trabalho, com o quarto maior índice de percentagens, obteve: diretores 12%, gerentes 4,3%, professores 5,9% e alunos com 5,4% das respostas. O discurso dos sujeitos entrevistados esclarece que a lógica funcionalista do capital global, da competitividade e da produtividade, das novas tendências tecnológicas, não deve ser a mesma lógica dos sistemas educacionais. O atual mercado de trabalho não seleciona apenas quem possui um diploma profissionalizante ou universitário, mas o trabalhador que tem competência, habilidade e sabe fazer. Neste sentido, a escola deve planejar estratégias educativas que favoreçam não somente a inserção no mercado de trabalho, como também o desenvolvimento para a carreira por intermédio de uma multiplicidade de fatores de natureza social, cultural, econômica e política. De um modo geral, a pesquisa buscou identificar o entendimento dos atores sobre a reestruturação produtiva em curso no País, suas implicações para a educação profissional e as formas de ação do trabalador neste novo cenário ─ A lógica de mercado, a lógica de produtividade, tem objetivos, metas e interesses e não é a mesma lógica dos sistemas educacionais (D-2); As empresas esperam que o aluno saia daqui dinâmico, líder que ele saiba comandar equipe, que ele saiba fazer relatório técnico (G-1); As empresas estão querendo pessoas criativas, pessoas com capacidade de intervir localmente (P-5); [...] muito exigente [...] exige muito certificações [...] exigindo que ele não seja só aquele funcionário técnico (A-15). A análise dos posicionamentos dos sujeitos entrevistados evidenciou uma consciência da não-neutralidade do mercado de trabalho e da sua preferência por determinados conhecimentos e competências. Neste sentido, para se destacar no mercado competitivo acirrado, o profissional deve ser versátil, criativo, com capacidade de intervir localmente no posto de trabalho. A visão de que o mundo do trabalho, em particular, e a sociedade, como um todo, passam por transformações radicais parece ser consensual nas avaliações efetivadas pelos diretores, gerentes, professores e alunos. A distinção reside, justamente, na qualificação destas 338 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE mudanças. Enquanto os educadores enfatizam os sérios riscos que o novo quadro tem trazido para os trabalhadores, os alunos ─ ainda que timidamente assinalam alguns problemas do novo cenário ─ parecem ver nele a possibilidade de espaços a serem utilizados no sentido de melhorarem suas condições de vida e de trabalho. Uma das grandes distinções entre as leituras formuladas pelos educadores está no fato de que, enquanto os diretores, gerentes e professores centram, fundamentalmente, sua análise e proposições na lógica do sistema e na visão de uma adequação dos trabalhadores às novas exigências o mercado, buscando mesmo discutir as idéias-chaves do processo ─ como qualidade e produtividade ─ os alunos centram-se na perspectiva individual, indicam a necessidade de se potencializarem no sentido de ocupação dos espaços no novo modelo. Diante do novo cenário produtivo, os educadores têm se empenhado não só em compreender o processo em curso, mas também, a partir deste entendimento, empreender formas de ação que as situem em posição favorável no sentido de defender o interesse dos futuros trabalhadores frente aos impactos da inserção no mercado de trabalho, contra o desemprego, o qual consideram um dos frutos mais cruéis de todo o processo. É patente a idéia dos educadores de que os alunos podem e devem se munir para os novos tempos, qualificando-se profissionalmente. E aí a educação passa a desempenhar um papel destacado na conjectura de todos os atores entrevistados. O quinto maior índice de percentagens foi atribuído à categoria educação, tendo os diretores obtidos 8,8%, gerentes 3%, professores 2,7% e alunos com 6% das respostas. Considerando os conteúdos relacionados à categoria educação, prevaleceram os pensamentos de caráter social que envolvem a escola única, pública, de qualidade, uma educação básica consolidada e articulada com a educação profissional com um currículo amplo com base dos conhecimentos gerais. Além disso, as respostas apareceram associadas ao surgimento de um processo educacional que provoque um diálogo no interior da sociedade, a fim de buscar soluções para o desenvolvimento dos potenciais dos cidadãos. Nesta categoria, o discurso dos sujeitos volta-se para o enfrentamento dos dilemas e dos novos desafios tecnológicos trazidos com o tempo. Os diretores, gerentes, professores e alunos ressaltam a falta de acesso a uma educação que permita maior versatilidade no processo ensino-aprendizagem, como também condições concretas de trabalhar o desenvolvimento por competência ─ Eu acho que nós com os atuais recursos tecnológicos que nós temos né, a Internet os computadores, os simuladores, a gente talvez esteja com Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 339 CEFET/CE melhores condições concreta de trabalhar essa questão ai que está sendo colocada de desenvolvimento por competência (D-2); Toda sociedade, ela precisa de formação acadêmica né, de pensadores, de pesquisadores, de pessoas que promovam a evolução tecnológica (P-14). Em conformidade com estas afirmações colhidas no estudo de campo, observou-se que a escola lança mão de instrumentos de avaliação, de modo a garantir uma base mais sólida para suas ações futuras. No que tange ao espectro das ações empreendidas pelo sistema educacional, percebe-se uma inserção dos agentes educacionais no debate acerca da educação geral e formação profissional, tema central nos marcos dos processos em curso. Entende-se, analogamente, que este debate sobre a cisão estrutural entre educação geral e formação profissional foi incorporado pelo CEFET/CE, constituindo o centro de gravidade das discussões. É assim que, aos poucos, o conceito de formação profissional vai cedendo ao conceito de educação profissional, produto da integração ou complementação entre o ensino de natureza generalista e o de cunho específico ─ [...] nosso objetivo maior é que a comunidade, os estudantes comentem discutam analisem esse processo (D-2); [...] educação que leve ao caminho da intelectualidade (G-2); [...]não pode ter um especialista sem que ele seja antes um generalista, o conhecimento especialista requer a questão do generalista, eu acredito que o conhecimento é que vai levar a especialização (P-7); Falta de acesso a educação para você ter uma versatilidade dentro daquela tecnologia que está sendo aplicada (A-17). Nesta perspectiva, tanto os jovens como os adultos devem ter uma noção exata acerca da natureza do trabalho, sob o ponto de vista socioeconômico e político. Para tanto, cabe a escola desenvolver ações amplas e multidimensionais e utilizar técnicas e estratégias educativas que considerem a aprendizagem da carreira como um continuum que se produz ao longo da vida. Por outro lado, cabe aos educadores permitir aos alunos conhecer o real contexto social e as capacidades e competências necessárias para sua inserção social; assumir a sua responsabilidade na reconstrução curricular, dando novos desafios para a autonomia do trabalhador contemporâneo; transmitir aos alunos os conhecimentos, as atitudes e as competências vocacionais de uma efetiva educação para a carreira como parte integrada do programa escolar; relacionar os conteúdos e as competências com que é necessário em várias profissões, tais como: desenvolvimento da cidadania, participação social e política; exercício de direitos e deveres, valores, atitudes, condutas, identidade pessoal; respeito às diversidades; 340 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE autoconfiança; desenvolvimento das capacidades cognitivas; capacidade de intervir para o uso do pensamento lógico, a criatividade, a intuição, capacidade de análise crítica; a tomada de decisão, destrezas sociais, capacidade de comunicação interpessoal e intergrupal. E, para finalizar, em último lugar a categoria orientação para a carreira, com o menor índice de percentagens, havendo obtido nas respostas às questões formuladas: os diretores não se reportaram a este tema, os gerentes representaram 4% das repostas, os professores 4,3% e os alunos 2,6% das respostas. Os gerentes de área advertem em suas falas que [...] quando o aluno faz a escolha não tem a consciência que curso vai fazer, não têm uma definição clara; [...] a escolha depende da classe social a que o jovem pertence; [...] influência do cotidiano social e das relações sociais; [...] influência das informações que tem acesso; influência da convivência familiar; [...] quando faz a escolha ainda é muito precoce (G-2). Os professores, por outro lado, observam que [...] o jovem com pouca idade, pouca maturidade, fazendo um curso não vocacionado e fica naquele conflito interno (P-6); Ele ainda está com aquela noção de que só vai ser respeitado na sociedade quem tirar o diploma de universitário (P-6); Escolhe um curso por modismo (P-9). E, os alunos ressaltam que [...] na minha experiência, até agora dois anos né, o curso técnico, eu não tinha nem noção do que eu ia aprender aqui dentro do CEFET, não tinha noção pra onde o CEFET iria me levar, os caminhos que ele abriria pra mim (A-4); [...] os jovens estão ficando cada vez mais inteligentes, não segue mais opinião só do pai (A9); O jovem não sabe como anda o mercado de trabalho, se não tiver uma ajuda, um direcionamento, muitas vezes fica um profissional desempregado (A-13). Os estudantes, nesta perspectiva, deixam clara a omissão dos sistemas educacionais no que se refere à preparação dos indivíduos para o trabalho e para o desenvolvimento de sua carreira ao longo da vida, mais especificamente no que se refere à tomada de decisão, o autoconceito, aos estilos de vida, valores e tempo livre, à liberdade de escolha, às diferenças individuais e à flexibilidade e habilidade para enfrentar as constantes mudanças no mundo do trabalho. As falas demonstram que atualmente as escolhas dos alunos são feitas precocemente, ainda muito jovens, pautadas pela influência direta da família e dos media. As instituições escolares centram suas preocupações com a aprendizagem, não prestando a devida atenção à formação vocacional dos alunos de ensino fundamental e médio, preparando, com isso, jovens e adultos com planos vocacionais pouco definidos e sem as devidas Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 341 CEFET/CE destrezas, capacidades e competências necessárias para se adaptarem aos requisitos do trabalho e de uma sociedade em transformação. Em presença desta problemática, torna-se premente procurar respostas e opções viáveis para a superação da inadequada preparação dos jovens e adultos para o trabalho. Em suma, a pesquisa empírica realizada com os quatro grupos de participantes do CEFET/CE ─ diretores, gerentes, professores e alunos ─ sinaliza que a educação/formação profissional deve ser constituída com bases em critérios bem explícitos, referenciados em discussões e negociações permanentes entre grupos sociais e políticos, aliados a propósitos bem delineados e organizados e metas a serem alcançadas em tempo e espaço determinados. Neste sentido, Pacheco (2003), acentua que se faz necessário analisar as políticas educativas na perspectiva não só das dimensões sociais, políticas e econômicas, mas também o contexto das instituições educacionais, haja vista a diversidade dos atores sociais. Para o autor, isso implicará escolhas e compromissos da Escola e da sociedade; na democratização escolar; na observância dos princípios da igualdade, diversidade, justiça e participação; na interação dos saberes, valores, atitudes e capacidades; na construção de projetos de formação adequados aos alunos e às realidades das escolas e das comunidades; em uma postura ética e na discussão dos problemas sociais; na formação do omnilateral; e na utilização das tecnologias de informação e comunicação como processo de elaboração do conhecimento permanente em beneficio da sociedade. Na prática, isso significa que a escola, em especial aquela que ministra a educação/formação profissional, necessita ter como ponto de referência ─ além do cenário político, sociocultural, econômico, científico e educacional que a projeta para os próximos tempos ─ os paradigmas da ciência contemporânea voltados para a constituição sistemática do conhecimento, para o contínuo questionamento das teorias, das verdades e dos processos de investigação. O estabelecimento dessa escola deve procurar respaldo em valores e práticas democráticas, justificados no contexto da teoria crítico-emancipatória, que tem como fundamento a reflexão crítico-dialética marxista. Neste sentido, a escola passa a ser vista como a mediadora dos conflitos sociais, exercendo a articulação entre a transmissão de conteúdos e a assimilação do individuo concreto, que passa a interpretar sua prática e estabelecer relações sociais. Nesse processo dialético e comunicacional, corrobora Deluiz (2001), a noção de competência é ressignificada, passando a apontar princípios orientadores para a investigação 342 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE dos processos de trabalho, para a organização do currículo e para uma proposta de educação profissional ampliada, que leva em conta a dinâmica e as contradições do mundo do trabalho, os contextos econômicos, políticos, sociais e ambientais, as transformações técnicas e organizacionais, os saberes gerados nas atividades de trabalho, os laços coletivos e de solidariedade, os valores, histórias e saberes da experiência e das lutas dos trabalhadores. É neste sentido que se descortina a proposta desta tese, de elaboração de um modelo teórico de educação/formação profissional. 3. Discussão Nesta parte, cabe rever cada uma das questões preliminares em vista dos resultados apresentados na seção anterior. É importante ressaltar a fragmentação do quadro obtido. De fato, ao tratar-se de um tema complexo como o fenômeno das políticas públicas de educação/formação profissional promovida no Brasil, deve-se estar preparado para lidar com opiniões e percepções divergentes e resultados algumas vezes paradoxais. A metodologia de pesquisa, todavia, que envolveu a triangulação pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo e entrevistas com diretores, gerentes, professores e alunos do CETEF-CE, mediada pela análise crítica do pesquisador, oferece robustez suficiente para sustentar a discussão e as proposições expressas a seguir. Na questão 1 a educação/formação profissional legitima a ordem social, ao direcionar suas prioridades à lógica do mercado de trabalho, sem promover uma formação de base voltada ao desenvolvimento de cada indivíduo levantada como expectativas de resultados, foram encontradas evidências, especialmente na análise da literatura e na observação empírica da realidade estudada por meio das entrevistas semi-estruturadas, que a educação/formação profissional, de fato, legitima a ordem social. A dívida social no campo educacional é uma inquietação constante dos atores sociais do CEFET/CE. Tal preocupação decorre da constatação de que a atual política educacional, fortemente influenciada pelas orientações dos organismos internacionais, governos e parceiros sociais, passou a ser elaborada na perspectiva de atender aos interesses do mercado de trabalho. A reforma implementada no sistema de educação profissional na Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 343 CEFET/CE década de 1990, segundo os entrevistados, torna cada vez mais distante para a classe social menos favorecida a concretização de um modelo educacional humanístico com a articulação teoria e prática, objetivando formar o homem na sua dimensão omnilateral. As camadas populares, por uma questão imediata de sobrevivência, são obrigadas a realizar cursos profissionalizantes que as habilitem à concorrência no mercado de trabalho. Assim, a educação brasileira retoma a dualidade histórica entre educação cognitiva voltada para a gestão e a educação do chão-de-fábrica, voltada para a ação. Neste sentido, como demonstra Kuenzer (1997), o princípio de democracia educacional é alterado, pois o processo democrático no interior da escola somente se estabelece pela possibilidade de que o aluno, oriundo de qualquer classe social, tenha igualmente acesso aos conhecimentos práticos e teóricos, que lhe possibilitem no futuro exercer sua cidadania. Segundo Saviani (1987), a dualidade entre educação profissional e educação geral, entre o ensino científico-intelectual direcionado para a classe alta e o ensino profissional para a classe social menos favorecida, deve ser compreendida a partir das relações capitalistas de produção. Para o autor, a união entre trabalho intelectual e trabalho manual só poderá ser realizada baseando-se na superação da apropriação privada dos meios de produção; com a socialização dos meios de produção, colocando todo o processo produtivo a serviço da coletividade (Saviani, 1987, p. 15). A estreita relação com as demandas impostas pelo setor empresarial também pode ser identificada a partir do processo de formação dos futuros trabalhadores. Atualmente, a educação profissional possui vários níveis de qualificação, um leque de novas competências, gerais e transferíveis, e um perfil que facilita a rotatividade entre atividades e postos de trabalho diversos, que viabilizam a educação ao longo de toda a vida, um perfil voltado a educar os cidadãos para o exercício de uma pluralidade de papéis sociais, entre eles o de trabalhador. O novo perfil da força de trabalho possui um caráter generalista, com ênfase nos conhecimentos formais de base, objetivando a diminuição dos custos financeiros e operacionais envolvidos nas atividades de treinamento dos trabalhadores, bem como nos ganhos de produtividade do trabalho. Este novo perfil profissional corresponde aos requisitos do modo de produção flexível pós-fordista, que necessita de mão-de-obra qualificada. Assim, a economia ao estruturar a relação educação-trabalho de modo estratificado e seletivo, fez com que os percursos técnico-profissionais atendessem as prioridades políticas e os interesses econômicos 344 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE dos mercados locais de emprego. No interior deste mercado de trabalho competitivo, somente serão selecionados para os empregos mais qualificado e mais bem remunerados, os mais aptos na resposta aos requisitos que as empresas esperam dos novos trabalhadores. Verifica-se, pois, um novo foco da educação profissional em torno dos segmentos mais competitivos da economia e das empresas que enveredaram por modelos pós-fordistas de produção. Os resultados da pesquisa revelam que os percursos profissionais tradicionais cumprem a sua função social de reprodução, em conformidade com o novo ordenamento econômico dominante, ao substituir a formação geral, destinada à elite dominante, por uma formação voltada para a aquisição de saberes práticos. Cumpre-se, por conseguinte, uma funcionalidade econômica, promovendo um novo tipo de aproximação entre os dois campos sociais, aproximação esta que passa por um distanciamento maior e mais demorado dos jovens em face do mercado de emprego, por uma educação dirigida para o desenvolvimento da capacidade de adaptação às suas novas características e por uma seleção de um novo tipo de mão-de-obra adequada aos segmentos pós-fordistas da economia. A política educacional não se encontra, no entanto, voltada apenas para a formação profissional. A reforma educacional, por meio da sua legislação complementar, dos seus objetivos educacionais imediatos, dos projetos e programas do Ministério da Educação, incentiva comportamentos e atitudes, visando a possibilitar uma formação “cidadã”. Neste contexto, o conceito de cidadania é entendido como necessário ao atendimento das demandas do meio de produção por inovação tecnológica. Para a política educacional, a formação de uma força de trabalho deve estar adaptada às transformações da produção econômica global e direcionada à formação de técnicos produtivos e competentes. O trabalhador, neste contexto, para tornar-se efetivamente cidadão, deve contribuir para o desenvolvimento econômico e político do País. Para Oliveira (2003), este modelo de cidadania excludente também é voltado para o fomento de maior empregabilidade. A fim de assegurá-la, as atividades formativas profissionalizantes passam a ser constituídas a partir dos interesses imediatos do mercado, sem levar em consideração os fatores políticos, sociais e econômicos determinantes do aumento do desemprego. Assim, a interpretação dos resultados da investigação teórica e empírica aponta para a legitimação da vontade política dos governos, dos parceiros sociais e dos empregadores em direcionar o sistema educacional para o cumprimento de um mandato cultural, centrado sobre o desenvolvimento pessoal de saberes, das competências multidimensionais e do Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 345 CEFET/CE exercício profissional qualificado para responder aos requisitos concretos da economia, em detrimento da preparação do cidadão e do desenvolvimento integral do ser humano. A manutenção e ampliação da dicotomia entre formação geral e formação profissional, em nome de um imperativo econômico de competitividade, impede a criação de oportunidades de uma formação cidadã e reforçam a segmentação e a exclusão social, realidades bem presentes na atual economia. Pode-se, pois, deduzir que este contexto é também indiretamente responsável pela inibição de atitudes mais críticas e pela timidez analítica que tem caracterizado o material produzido sobre o tema. Quanto aos mecanismos, foram encontrados indícios, nas entrevistas com os atores educacionais, de que as decisões sobre a implantação das políticas públicas de formação profissional promovida no Brasil, em muitos casos: (i) são influenciadas por pressões externas ao contexto escolar e suas necessidades específicas; e (ii) estão pouco alinhadas com as estratégias educacionais de inclusão social. A questão 1 deve, portanto, ser aceita como válida. Percebe-se que na questão 2 os sistemas de educação/formação profissional do Brasil constituem uma expressão de uma crise política acerca da função social da educação/formação profissional também foram encontradas evidências relacionadas à questão 1. A análise histórica desenvolvida pela pesquisadora e as informações colhidas junto aos atores educacionais brasileiros e, adicionalmente, aos portugueses (fora do grupo entrevistado no estudo de caso) permitiram situar os sistemas de educação/formação profissional do Brasil e de Portugal numa visão diacrônica, a partir da qual foram retirados importantes elementos para explicar a evolução destas tensões em ambos os países. Observou-se que nos últimos anos ocorreu um crescimento na demanda nos cursos e programas profissionalizantes em razão dos incentivos de ambos governos nacionais. No Brasil, tais incentivos provêm das agências e dos organismos internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Fundo Monetário Internacional. Em Portugal, os incentivos são procedentes do Fundo Social Europeu, como também dos Fundos Estruturais no Desenvolvimento de Políticas e de Projetos de Formação Profissional, seguindo as orientações das instituições internacionais (UNESCO e a OCDE). Em ambos os países estes organismos de cooperação internacional possuem uma força persuasiva exercida por meio das redes internacionais de peritos e dos encontros 346 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE mundiais, mediante recomendações, conclusões, sínteses e relatórios que normalizam e uniformizam as ações dos países periféricos. A educação é apresentada como elemento propulsor da economia, sendo utilizada para legitimar a ideologia da modernização, as ações das políticas mundiais e os discursos políticos nacionais cada vez mais submetidos pela retórica econômica de interação local-global e global-local. Espera-se que a escola garanta uma educação básica de qualidade que possibilite ao aluno e ao futuro trabalhador apropriarem-se de novos conhecimentos e ajustarem-se à flexibilidade do novo padrão de produção. As teorias do capital humano, o funcionalismo em geral e as teorias da nãocorrespondência, em particular as perspectivas da multifuncionalidade, após a Segunda Guerra Mundial, serviram de suporte ideológico para justificar o desajustamento da educação em face da sociedade e da economia. Neste estudo, verificou-se que a economia uniu as políticas educacionais à produção, ao selecionar os trabalhadores pelos seus títulos e diplomas e não tanto pela sua capacidade, utilizando o sistema educativo como um filtro para a empregabilidade. Contraditoriamente, as teorias credencialistas procuram explicar que a procura social por credenciais escolares, que vai ao encontro das necessidades de formação das oportunidades de emprego, também são orientadas por uma multiplicidade de imperativos diversos de natureza social, cultural, econômica e política, ou seja, a superação do desemprego e o alcance de uma mobilidade social são postas pelas políticas públicas como um problema eminentemente educacional, passando a escola a ser mera produtora de títulos e diplomas, sejam eles de formação profissional básica, técnica ou tecnológica. A educação/formação profissional surge como uma necessidade do Estado em equilibrar o desemprego estrutural crescente, pelo atendimento das exigências do novo modelo de produção por profissionais competentes e polivalentes. A educação/formação profissional passou, assim, a ser responsável pela preparação de jovens para o mercado de trabalho, proporcionando um saber direcionado para a pratica profissional em detrimento de uma sólida formação cultural de base, tornando-se parte integrante de uma tecnologia social de ajustamento da educação à economia. Em síntese, no atual contexto social de reestruturação econômica para atender ao acelerado processo de globalização, a educação/formação profissional constitui-se em medidas de ajustamento da educação a uma racionalidade econômica e produtiva por meio do incentivo da procura social por altas credenciais escolares. Tanto na análise das referências Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 347 CEFET/CE bibliográficas, quanto nas entrevistas, como também pelas respostas referentes aos sistemas de educação/formação profissional, verifica-se que ainda existe uma visão restrita sobre as dimensões das políticas educacionais. Por outro lado, não se pode afirmar, com base nos dados coletados, que o mimetismo seja uma causa maior para a crise política acerca da função social da educação/formação profissional. Existem indícios de que tal fator seja relevante, mas a pesquisa revela vários outros fatores como igualmente importantes. Portanto, a questão 2 deve ser parcialmente aceita como válida. A questão 3 as concepções dos diferentes atores – diretores, gerentes de área, professores e formandos – são uma expressão dos modelos/concepções científicas e políticas de educação/formação profissional vigente do Brasil como expectativas de resultados, é certamente a mais problemática em termos de comprovação. Para sua avaliação, contribuíram a análise da legislação, o estudo teórico e a pesquisa de campo. A pesquisa de campo revelou um quadro de ponderação bastante variada. Apesar da afirmação de alguns entrevistados de que os resultados da educação/formação profissional podem ser positivos e que os ganhos gerados são relevantes, por outro lado, há de se considerar que tal visão não é unânime, existindo percentual significativo de respondentes que apontaram resistência aos modelos/concepções cientificas e políticas de educação/formação profissional vigentes no Brasil. De qualquer forma, é interessante notar a distância colossal entre o que se constatou nas entrevistas com os diretores e gerentes, de um lado, o discurso simplista dos professores, de outro, e a retórica agressiva dos alunos sobre o processo de reestruturação produtiva em curso no país e as suas implicações para a educação geral e para a formação profissional. Os indícios confirmam o não-atendimento das expectativas quanto ao papel da educação em face do novo contexto produtivo; aos vínculos entre formação profissional, trabalho e emprego; e às novas exigências de aumento de escolaridade e de qualificação profissional que recaem sobre os trabalhadores. A atual política educacional, construída de cima para baixo e baseada numa coerção legal, contraria a autonomia e reforça os valores de competição e emulação, próprios do mercado capitalista, não pondo em dúvida a idéia de que a sua concretização trouxe graves conseqüências para o futuro do trabalhador. A educação profissional brasileira, originária dos problemas de autonomia e regulação social, associada às mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas com seu caráter fragmentado e dualista, fortaleceram a dicotomia entre 348 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE o pensamento e a ação, entre o teórico e o prático, evidenciando um modelo que perpetua uma sociedade marcada pela desigualdade social. Assim, é importante atentar para a idéia de que a educação/formação profissional possui interesses e aspirações contraditórias em permanentes tensões, umas mais visíveis, outras mais ocultas, em um campo de ação social onde confluem de modos diferentes, em oposição e em complementaridade às decisões da política pública educacional, num jogo complexo de interações, interesses e expectativas sociais. Tomada como um ensino de massas, a educação profissional é determinada pelo atual mercado de trabalho. A desarticulação dos percursos gerais e propedêuticos dos profissionais; a “desespecialização” dos percursos técnicos profissionalizantes, dando-lhes uma vocação generalista; e a polivalência nos perfis de formação inscrevem-se no quadro de tensões e interesses na reconstrução da matriz curricular dos cursos de educação profissional em conformidade com a ordem econômica dominante, requerendo uma flexibilidade educacional que se adapte à flexibilidade do mundo laboral. O discurso político não deixa dúvidas: deve-se preparar os jovens para a flexibilidade trabalhista e para a imprevisibilidade das trajetórias profissionais e, conseqüentemente, para os tempos de desemprego, de subemprego e de flexibilização do trabalho. Neste sentido, o enunciado original da questão 3 não pode ser validado, uma vez que as concepções dos diferentes atores – diretores, gerentes de área, professores e formandos não constituem uma expressão dos modelos/concepções cientificas e políticas de educação/formação profissional do Brasil. Recomenda-se, neste caso, uma ampliação da pesquisa de campo. Para a questão 4 as concepções dos diferentes atores – diretores, gerentes de área, professores e formandos – sobre os sistemas de competência são uma expressão dos modelos/concepções científicas e políticas de competência(s) do Brasil foram encontradas evidências nas três frentes de pesquisa, englobando, desde as orientações da Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação, como órgão regulador das Instituições que ministram a educação profissional, no caso, o CEFET/CE, até a aferição dos ajustes às normas legais da educação profissional em relação a sua historicidade, totalidade e processo contraditório entre educação e trabalho. A pesquisa bibliográfica, documental e de campo revelou uma visão reducionista e tecnicista do tema. As matrizes curriculares dos cursos profissionalizantes orientadas pelo Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – 349 CEFET/CE modelo de competências, visando a preparar o sujeito para a competitividade e a empregabilidade constituem um processo de regulação e gerenciamento do processo educacional pelo Estado, como uma forma de assegurar a eficiência educacional e social, a partir do controle de metas e de resultados alcançados. O Estado atua como regulador das ações educacionais mediante avaliação, distribuição de recursos e disseminação dos discursos curriculares capazes de constituir as práticas pedagógicas. Neste sentido, o sistema de competência foi recebido inicialmente com grande resistência pelos atores sociais do CEFET/CE, por fazer parte de um redirecionamento das políticas de formação profissional, voltada para um mercado de trabalho cada vez mais exigente. Tal fato demonstra, de um lado, a preocupação dos professores em oferecer uma formação generalista, centrada em determinadas tecnologias especializadas, e, de outro lado, a preocupação em desenvolver nos jovens os saberes e as competências necessárias às novas atividades. A constituição destes saberes e competências se configura, portanto, no grande desafio para a educação profissional. Os diretores, gerentes e docentes defendem a elaboração de uma matriz fundamentada em princípios dinâmicos e flexíveis, valorizando a integração dos saberes e dando qualidade às ações pedagógicas e às metodologias adotadas para a (re) organização curricular do ensino profissionalizante. De fato, observa-se o esforço pessoal dos educadores em conceber e desenvolver as novas matrizes curriculares, identificar informações sobre as demandas do mercado, acerca dos perfis profissionais para as diversas áreas de formação. Houve dificuldades em virtude da falta de experiência e de instrumentos de pesquisa dos professores, ou seja, a estruturação curricular seguiu uma linha conceitual a partir dos documentos do próprio MEC. No que diz respeito à identificação dos perfis profissionais de conclusão e à preparação para o novo mercado de trabalho, verificou-se que os atores sociais procuram identificar o perfil profissional nas empresas locais, como uma forma de aproximação das diferentes opções tecnológicas (tecnologias locais, tecnologias de processo e de produto) e empresariais. Para os diretores, gerentes e professores do CEFET/CE, a aproximação com o setor produtivo é essencial para a melhoria da formação dos estudantes, pois se trata de evitar idealizar as necessidades das empresas, uma vez que decorrem muito mais de tecnologias e capacitação do que de concepções ideológicas e de retóricas formulações políticas. 350 Capítulo IV: Educação Profissional: O Caso do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET/CE Observa-se também que, apesar de defender sua autonomia e identidade, a pesquisa identificou que o CEFET/CE, via de regra, apresenta dificuldades em se diferenciar do sistema convencional de ensino. A Instituição possui uma práxis fundamentada na contribuição para a formação do trabalhador, na reflexão sobre o trabalho, na elaboração de formas dadas ou opcionais de construção do conhecimento. Apesar das tentativas individuais dos professores, na sua maioria, a transmissão do conhecimento é promovida de forma compartimentalizada, sem uma compatibilização do tempo e do espaço da didática com o da produção, obtendo pouca integração entre teoria e prática, aulas teóricas e atividades de produção. Também a reflexão e o estudo sistemático sobre o trabalho e a tecnologia não são adequadamente contemplados nem exercem papel de eixo interdisciplinar. De forma geral, as atividades práticas de trabalho restringem-se ao exercício de tarefas de manutenção dos projetos nos laboratórios, havendo poucas oportunidades de constituição de iniciativas autônomas ou inovadoras capazes de trazer algum diferencial técnico ou econômico. Por outro lado, tendo-se em vista os ditames do mercado de trabalho, a formação do técnico está sintonizada com os requerimentos de melhoria da performance nos empreendimentos do complexo empresarial, contemplando o domínio da racionalidade instrumental que caracteriza esse tipo de trabalho. O desafio consiste em se identificar o que o trabalhador deverá oferecer para o mercado de trabalho altamente competitivo. A literatura e as falas dos entrevistados confirmam assim que, no País, e não somente no CEFET/CE, ainda não existe uma visão adequadamente ampla dos impactos e das variáveis envolvidas na implantação de um sistema de competência. Na prática, mesmo quando advogam uma visão mais ampla, os atores referem-se apenas à necessidade de programas de treinamento e atividades superficiais de desenvolvimento de projetos ao longo da vida. Isto não equivale a afirmar que os resultados sejam negativos, mas apenas que o quadro é variado e complexo em virtude do não-conhecimento, em profundidade do modelo de competência numa perspectiva crítico-dialética, que possibilite a elaboração do conhecimento articulada com a dimensão profissional e com a dimensão sociocultural do ser humano. Portanto, a questão 4 pode ser aceita como válida.