A REFORMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NOS ANOS 90: UMA ANÁLISE SOBRE AS PROPOSTAS E PRÁTICAS NO GOVERNO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SALVADORI*, Angela – FARESC/UTP [email protected] DE BONI**, Maria Ignês Mancini - UTP [email protected] Resumo O objetivo desse artigo é discutir e analisar as políticas propostas e implementadas para a Educação Profissional durante os dois mandatos do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002). Esta modalidade de educação passou por significativas alterações na década de 90 e este estudo destaca a principal delas: a Portaria 1.005/97 e o Decreto 2.208/97, que tratam do Programa de Expansão da Educação Profissional, conhecido pela sigla PROEP. Este programa foi o responsável pela criação de novas escolas ou reformas estruturais em escolas já existentes num total de 236 instituições beneficiadas. Os recursos investidos nessas escolas foram provenientes do Ministério da Educação e Cultura, Fundo de Amparo ao Trabalhador e empréstimos no Bando Interamericano de Desenvolvimento. Com a contribuição de autores da área de educação e documentos que tratam sobre o tema pode-se fazer uma análise crítica sobre as falhas na execução deste programa repercutindo no não cumprimento de seu principal objetivo que era o aumento da vagas para a Educação Profissional. Palavras-chave: Políticas Públicas; Educação Profissional; Programa De Expansão Da Educação Profissional. Muitos autores consideram a década de 90 como um período marcado por transformações nos âmbitos: econômico, sociocultural, ético-político, ideológico e teórico. Mudanças essas que movimentaram todo o mundo e se reafirmaram na passagem do século XX para o século XXI. Diversos aspectos, como a globalização, invadiram e transformaram a economia em transnacional; nesse prisma produtos fabricados com peças desenvolvidas em diversos países são montados e vendidos num livre comércio entre as fronteiras. Dando forças a essa relação desequilibrada entre trabalho e capital, novos conceitos também surgem para tal justificativa: estado-mínimo, empregabilidade, competências, * Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná na linha de políticas públicas e gestão da educação. Coordenadora dos cursos de Administração e Tecnologias em Gestão de Recursos Humanos e Marketing das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba. ** Professora Doutora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná. 927 sociedade pós-industrial, sociedade do conhecimento, sociedade da informação, reengenharia, qualidade total. O Brasil, ao mesmo tempo em que abriu suas fronteiras para a instalação dessas multinacionais e absorveu os conceitos tecnológicos, abriu também a possibilidade de maiores intervenções, em todos os aspectos, principalmente os políticos, econômicos e educacionais. Na educação, em nível internacional, podem-se citar as seguintes instituições: o FMI – Fundo Monetário Internacional; BID – Banco Mundial; BIRD – Banco Interamericano de Desenvolvimento; e o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Na América Latina, isto é, em nível regional, organismos como: o CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe; a OREALC – Oficina Regional para a Educação na América Latina e no Caribe; e o ALAC – Acordo de Livre Comércio das Américas. Na década de 1990, diante de todas as transformações que afetaram diretamente o país, e de todos os documentos produzidos por esses órgãos, somam-se os interesses políticopartidários neoliberais. Especificamente em 1994, durante a campanha política para a eleição de um novo Presidente da República, o país encontrava-se em plena efervescência social e política devido ao impechmant de Fernando Collor de Mello e sua substituição por Itamar Franco em 1992. Na Educação a expectativa criada pela população brasileira estava relacionada às reformas neoliberalistas que contemplavam a proposta de governo apresentado pelo candidato eleito do PSDB, Fernando Henrique Cardoso. Ainda hoje é possível observar as conseqüências e reflexos dessa reforma. Na elaboração da Proposta Mãos à obra, Brasil! (1994), a qual o elegeu Presidente da República em 1994, é possível destacar que Fernando Henrique Cardoso e seu partido tiveram como fonte de diagnósticos educacionais documentos escolhidos diretamente relacionados às reformas almejadas pelo Governo. Entre eles, segundo Cunha (1995), é possível destacar: a opinião de economistas na urgente necessidade de melhorar e mudar a qualidade da escola e preparar trabalhadores capazes de se adaptarem às inovações tecnológicas; o documento intitulado Educação fundamental e competitividade empresarial (uma proposta para a ação do governo) elaborado por técnicos do Banco Mundial (Washington) e da Organização Internacional do Trabalho (Genebra); as recomendações do CNPq a respeito da ênfase na pesquisa tecnológica e sua articulação com o setor produtivo; além de dados estatísticos e comparativos do Brasil com México, Taiwan e o Japão; a pesquisa de Sérgio Costa Ribeiro sobre evasão e a repetência no ensino de 1º grau e o modelo de administração, tendo como modelo padrões da qualidade total, seguido por Walfrido Mares-Guia na Secretaria da 928 Educação do Estado de Minas Gerais; as recomendações do Banco Mundial para o ensino de 2º grau no Brasil; e o modelo das universidades estaduais paulistas para as instituições federais de ensino superior, no que diz respeito à produtividade, à ênfase na qualidade, à avaliação e à relação com o estado (autonomia). Percebe-se que na Proposta que a característica marcante da educação é o papel econômico desta como “base do novo estilo de desenvolvimento”. Os termos, os conceitos e as fontes de dados para diagnósticos utilizados procedem de diretrizes de órgãos internacionais, deixando clara a influência destes no Brasil durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso. Isso pode ser observado neste trecho apresentado na proposta: “a competência científica e tecnológica é fundamental para garantir a qualidade do ensino básico, secundário e técnico e aumentar a qualificação geral da população” (apud CUNHA, 1995, p. 45). Na Educação, em toda a Proposta é depositada a responsabilidade da contribuição para o efetivo desenvolvimento econômico do país, o que, segundo Frigotto (2003), acaba por repetir a ideologia salvacionista utilizada por governos anteriores, principalmente o de Fernando Collor de Melo, quando se atribui à educação o poder de sustentação da competitividade, conceito atual que se torna uma das palavras mais justificáveis para a formação profissional do trabalhador. É possível observar na própria Proposta tal afirmação ”no longo prazo, será necessário consolidar um modelo de desenvolvimento fundado numa sociedade educada e movida por uma economia altamente competitiva, em que o motor do progresso sejam os modos mais avançados de produzir” (CARDOSO, 1994, p.15). Para viabilização prática da proposta se consolida a necessidade de uma “verdadeira parceria” (apud CUNHA, 1995, p. 45) entre o setor privado e o governo, tanto na gestão quanto no financiamento do sistema brasileiro de desenvolvimento científico e tecnológico. Ou seja, são utilizadas, mais uma vez, diretrizes internacionais, nas quais o setor privado deveria assumir responsabilidades cada vez maiores, responsabilidades que antes eram do setor público; emergindo a idéia de Estado-mínimo. Quanto ao Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a reforma da Educação Profissional, no que se refere à vinculação ou não ao 2º grau, fica difícil entender como se dá esta relação. O que se pode compreender é que há uma preocupação com o 2º grau por ser “um nível estratégico do sistema educacional, por possibilitar a preparação para o mercado de trabalho, aumentando a qualificação dos jovens e suas oportunidades de obter um bom emprego” (CARDOSO, 1994, p. 14). 929 O Ministro da Educação que acompanhou Fernando Henrique Cardoso durante os oito anos de seu mandato foi Paulo Renato Souza. A política neoliberal liderada por este governo, a busca de um novo perfil de trabalhador para o mercado, moldado para a empregabilidade, e ainda o evidente vislumbramento das parcerias com empresas privadas e organismos internacionais, fez de Paulo Renato o Ministro que deu caráter econômico à Educação. O título de seu próprio livro é A Revolução Gerenciada: Educação no Brasil 1995-2002 (2005), obra que mostra o resultado, na sua visão positivo, das estratégias e ações tomadas durante todo governo. Na prática, a partir de então a Educação começou a ter caráter mais administrativo e econômico, como via estratégica para dar conta das Propostas e do ideal político que este Governo pretendia para o Brasil. Uma das primeiras atitudes do governo em relação à educação foi a reinstalação do Conselho Nacional de Educação – CNE, antes da promulgação da LDB, a qual estava em tramitação no Congresso e que o contemplava. Esta atitude, considerada autoritária, fez com que o CNE perdesse o poder político, pois fazia parte do mesmo representantes da sociedade civil e que agora, não passava de um órgão colaborador do Ministério da Educação e do Desporto, ficando na contramão do processo por não mais executar sua função anterior, de intervir nas políticas educacionais (NEVES, 1999). A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº. 9.394), prevista na Constituição de 1988, foi promulgada em 20 de dezembro de 1996. Com a finalidade de cuidar da educação escolar, deixa de estabelecer as Diretrizes para a Educação Profissionalizante “[...] poderíamos dizer, sem exagero que a nova LDB é uma espécie de ex-post cujo formato, método de construção e conteúdo se constituem em facilitador para medidas previamente decididas e que seriam, de qualquer forma, impostas” (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003, p. 10) Segundo estes autores os projetos apresentados pelos educadores e os debates apresentados não tinham afinidade com a forma de pensar que o Governo estava buscando para o Brasil; assim, as contribuições e sugestões para a Nova LDB foram duramente combatidas e rejeitadas “[...] o infindável processo de tramitação da LDB e as centenas de emendas e destaques feitos pelos parlamentares da base do governo, em verdade, eram uma estratégia para ganhar tempo e ir implantando a reforma educacional por decretos e outras medidas” (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003, p. 9). Antes desta LDB, Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto nº. 2.208, em 17 de abril de 1997. Com este decreto houve uma ruptura entre o Ensino Médio (até então chamado 2º grau) e a escolarização de ensino técnico, não mais considerando esta modalidade como 930 uma modalidade de ensino médio. A Educação Profissional passa a ser desenvolvida em articulação com o ensino regular e em modalidades que contemplem estratégias de educação continuada, podendo ser realizada em escolas do ensino regular, em instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho. Este decreto ainda divide os níveis da Educação Profissional entre: Básico qualificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; Técnico - destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto, ou seja, terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este; e o Tecnológico - correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico. De acordo com o MEC (2005), esta reforma educacional buscava “a melhoria de qualidade e da pertinência da Educação Profissional em relação ao mercado de trabalho, construindo e fortalecendo parcerias entre sociedade e Estado, entre escola e setor produtivo”, indo ao encontro com uma das diretrizes do Banco Mundial, no que se refere ao fortalecimento das parcerias entre os setores públicos e privados. Com a assinatura deste Decreto volta-se a fortalecer o conceito dualista da educação: o propedêutico e o profissional. Dessa forma, a Educação Profissional pode ser ensinada em qualquer lugar, de qualquer modo, basta que se cumpra a carga horária exigida pelos parâmetros curriculares para ser considerada profissionalizante. Nos cursos de nível técnico podem ingressar pessoas que não concluíram o ensino médio, e que tenham a necessidade de obter uma profissão. Quanto aos conteúdos que deverão ser estudados nesta nova divisão da Educação Profissional voltada ao mercado de trabalho, a percepção que se tem é de que quem analisa o que é necessário para a formação dos jovens trabalhadores é o empresário, e não mais os profissionais da educação. Além do Português e da Matemática, uma nova disciplina surge: a capacidade de trabalhar em grupo e de se adaptar a novas situações (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003). Para Neves (1999, p. 142), o preparo destes jovens passou a possuir um currículo fragmentado e dissociado, levando-os a ingressarem nas atividades profissionais de trabalhos simples e “empurrando para o nível superior a educação tecnológica de natureza integral”. 931 Esse conjunto de mudanças na organização do sistema nacional de educação desenham duas trajetórias educacionais, segundo a origem de classe. Para a maioria daqueles que realiza ou realizarão tarefas mais simples no mundo do trabalho oferece-se uma escolarização mínima de oito séries. Para aqueles que efetuam ou possam vir a efetuar tarefas simples um pouco mais elaboradas, a terminalidade da sua trajetória educacional é conseguida pela conclusão do ensino médio profissionalizante, em geral oferecido pelo Estado, em parceria com entidades empresariais (NEVES, 1999, p.143). Souza (2005) interpreta de outra forma o Decreto nº. 2.208, de abril de 1997, como é possível observar nas próprias palavras do ex-ministro: “rompemos com um dos aspectos mais elitistas do sistema educacional brasileiro, ao redefinir a educação profissional e tornálas complementar ao ensino básico, promovendo uma expansão sem precedentes na história de nosso país nos cursos de nível técnico e tecnológico” (SOUZA, 2005, p. 205). Frigotto (2004) critica a reforma implementada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-ministro Paulo Renato Souza, dizendo exatamente o contrário: enquanto Paulo Renato afirma que o programa rompeu com aspectos elitistas do ensino médio, Frigotto afirma que, devido a este Decreto, “o dualismo se cristaliza pela separação das dimensões técnicas e políticas, específicas e gerais, particulares e universais e pela separação do nível médio regular de ensino da rede não regular de ensino técnico-profissional com organização curricular específica e modular (FRIGOTTO et al, 2004. p. 11) . O modelo de Educação Profissionalizante sugerido foi a busca de cursos com curta duração, baixo custo, e que atinjam a maior quantidade de alunos, desvinculados da pesquisa e da extensão. Com as parcerias e acordos firmados, outras medidas foram tomadas pelo governo através de portarias, leis federais, resoluções e pareceres, pondo em prática o Decreto nº. 2.208, de 1997. Em 10 de setembro de 1997 o MEC divulgou a Portaria no 1.005, que implementou o Programa de Reforma da Educação Profissional, ou como encontrado em alguns autores, o Programa de Expansão da Educação Profissional, que será reportado neste artigo como PROEP, sua sigla oficial. O PROEP constitui-se em um programa destinado à modernização e à expansão do sistema da Educação Profissional. Teve como objetivo o desenvolvimento de ações integradas de educação com o trabalho, a ciência e a tecnologia, em articulação com a sociedade. Além do BID, parceiro deste programa, que financiou 50% dos recursos, o investimento nacional se deu através dos recursos do Governo Federal, sendo 25% do Ministério da Educação, 25% de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Até 932 2002 o BID aplicou 49% dos recursos e o Brasil 51%. Da contrapartida nacional, 68% da verba investida era do MEC e 32% do FAT. Tais recursos foram utilizados para investimento na área de educação profissional, incluindo ações de reforma e ampliação de instituições federais ou estaduais já existentes; construção de centros de educação profissional sob a responsabilidade dos Estados e Distrito Federal e de um novo segmento, o comunitário. Mais especificamente, os recursos poderiam ser utilizados para a aquisição de equipamentos técnico-pedagógicos e de gestão, aquisição de materiais de ensino-aprendizagem, capacitação de docentes e pessoal técnico-administrativo, prestação de serviços e consultorias para a realização de estudos nas áreas técnico-pedagógica e de gestão. Durante o período de vigência do PROEP, de 1997 a 2006, foram assinados um total de 236 convênios. Ao analisar a distribuição das escolas e dos recursos do PROEP, observa-se que o Estado que mais recebeu escolas foi o de São Paulo, apresentando 44 projetos, seguido por Minas Gerais, com 25 projetos, Rio Grande do Sul, com 21 projetos, Santa Catarina, com 14 projetos e o Paraná, com 13 projetos. O quadro a seguir apresenta distribuição dos recursos que contemplam o PROEP, investidos por esfera: QUADRO 1: VALOR INVESTIDO POR ESFERA Projetos Esferas Valor investido (R$) 58 Projetos Federais R$ 126.713.368,00 87 Projetos Estaduais R$ 192.153.168,00 91 Projetos do Segmento Comunitário R$ 227.413.726,00 Total de 236 Projetos Escolares R$ 546.280.262,00 FONTE: site do MEC, 2005. E foi desta forma que o governo buscou ampliar as vagas no ensino profissional conforme a proposta de governo, além de diversificar a oferta e atender às demandas da sociedade e às exigências da moderna tecnologia. Observa-se nas palavras de Souza (2005) as reais intenções de se implantar tal reforma, bem como sua própria análise deste Programa, que condiz com a forma de governo Fernando Henrique Cardoso: Além do estímulo material e do impulso legal à mudança de orientação de nossas escolas técnicas federais, estimulamos a criação de sistemas estaduais de educação profissional e financiamos a criação de uma ampla rede de escolas comunitárias. Os cursos de curta duração tiveram forte expansão em nossas universidades e centros de educação tecnológica. Voltados para um público adulto e já inserido no mercado 933 de trabalho, esses cursos constituem oportunidades únicas para a atualização profissional e o aperfeiçoamento pessoal ou simplesmente para defender a permanência da pessoa no emprego que possui. Esse esforço de criação de um segmento da educação voltado para o público adulto e para os jovens que buscam uma inserção mais rápida no mercado de trabalho não pode ser descontinuado. Ao contrário, precisa ganhar velocidade ainda maior (SOUZA, 2005, p. 205). Outra medida tomada durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso foi a Lei Federal nº. 9.649, de 27 de maio de 1998, que alterou o artigo 3º da Lei Federal nº. 8948, de 1994. Por meio desta, a expansão da educação profissional, mediante criação de novas unidades de ensino por parte da União, somente poderia ocorrer em parceria com Estados, Municípios, Distrito Federal, setor produtivo ou organizações não-governamentais, que seriam responsáveis pela manutenção e gestão dos novos estabelecimentos de ensino. Com esta Lei Federal a criação de novas instituições para a Educação Profissional ficou atrelada diretamente às parcerias, sem as quais não era mais possível criar nenhuma escola profissionalizante. Pode-se analisar esta Lei como uma forma da União ficar isenta da sustentabilidade destas instituições, responsabilizando somente o parceiro pelas formas de manutenção e gestão das escolas. A partir das reformas executadas, houve em 1998 a possibilidade da reeleição presidencial, e o PSDB, partido do Presidente Fernando Henrique Cardoso, elaborou uma nova Proposta de governo que também precisa ser considerada neste estudo. Este documento, chamado Avança Brasil, destaca as diretrizes para o mandato do governo que abrangeria os anos de 1999 a 2002. A Nova Proposta foi dividida em 4 objetivos gerais: consolidar a estabilidade econômica; promover o crescimento econômico sustentado, a geração de empregos e de oportunidades de renda; eliminar a fome, combater a pobreza e a exclusão social, melhorar a distribuição de renda; consolidar e aprofundar a democracia, promover os direitos humanos. O que chama a atenção é que na Introdução desta Nova Proposta a palavra educação é citada somente uma vez e está relacionada à universalização do Ensino Fundamental, programa do primeiro mandato. E também se pode perceber que a Educação não está em destaque dentro dos quatro objetivos gerais, estando incluída no objetivo número 3 e, em específico a Educação Profissional, esta se encontra ainda inserida no sub-tema Educação de Jovens e Adultos. A abordagem da Educação Profissional aparece como uma continuação das idéias implementadas e propostas no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, onde são 934 reforçadas as parcerias, o cooperativismo, a responsabilidade social, filantropia e serviço civil voluntário, como se pode observar neste trecho da Nova Proposta: Levar adiante a descentralização das ações de governo no âmbito da Federação, aprimorando os mecanismos de integração programática entre a União, estados e municípios, em direção a um federalismo cooperativo; multiplicar as formas de parceria do governo com a sociedade civil, fortalecendo as experiências bemsucedidas dos conselhos consultivos e das comissões nacionais no âmbito federal, entre outras; incentivar a participação comunitária e a solidariedade social em suas múltiplas formas, tanto no controle social das instituições públicas e privadas, como na filantropia e no serviço civil voluntário (CARDOSO, 1998, p.15). Quanto ao que se espera dos jovens e adultos em relação ao trabalho, são as citadas na proposta de governo Avança Brasil os mesmos objetivos que o programa anterior Mãos-àobra Brasil propunha, ou seja, espera-se um jovem inserido no mercado de trabalho que aprenda como realizar as atividades tecnicamente e tenha a possibilidade de adaptar-se e readaptar-se às tendências e necessidades do mesmo. Há uma valorização dos cursos de curta duração para que o jovem consiga ser absorvido mais rapidamente pelo mercado de trabalho, justificando-se desta forma o PROEP, onde há a possibilidade de um aproveitamento de disciplinas e conhecimentos adquiridos anteriormente para acelerar ainda mais o processo, isto é: “um sistema flexível de reconhecimento dos créditos obtidos em qualquer uma das modalidades e certifica competências adquiridas por meios não-formais de educação profissional” (CARDOSO, 1998, p. 68). Após nove anos do início da reforma na Educação Profissional, pode-se analisá-la da seguinte forma: muitas escolas do segmento comunitário não vingaram, ou seja, foram construídas suas estruturas físicas, mas não foram encontradas formas eficientes de gestão, já que este segmento compõe-se de Fundações e parceiros instituidores privados, ficando sua sustentabilidade dependente da comunidade local. Conseqüentemente, houve um aumento significativo de escolas técnicas particulares. Isso se deve a dois motivos: a criação da Lei Federal nº. 9.649, de 1998, que proíbe a criação de unidades da rede federal, a não ser em parcerias com o setor privado, estados, municípios ou organizações não-governamentais, e as escolas do segmento comunitário que nunca funcionaram e nunca ofertaram a quantidade de vagas previstas pelo PROEP. Segundo Góis (2005), o setor privado atualmente domina o ensino técnico no país. Dados apresentados pelo censo escolar revelam que o número de escolas técnicas que compunham este sistema passou de 49,9% em 2001, para 58,2% em 2005, ou seja, resultando 935 num crescimento de 78% de matrículas neste setor. Enquanto isso, nas escolas públicas, de 50,1% em 2001, passou para 41,8%. Estes dados também auxiliam em outra análise: comprovam que este programa apresentou falhas, e que, contraditoriamente, ao invés de atingir seu objetivo de ampliação de vagas públicas, acabou reduzindo-as significativamente. Souza (2005) analisa os dados de outra forma: Não considero negativo o crescimento do setor privado. É um serviço que está sendo ampliado. O objetivo dessa lei foi estabelecer que a expansão das escolas técnicas federais deveria ser feita em parceria com Estados e Municípios, entendíamos que não era papel do governo federal ser mantenedor de uma rede de escolas. Achávamos que o ideal era estimular a expansão via estados e Municípios (SOUZA, 2005). Segundo Eliezer Pacheco apud GOIS, Secretário da Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação durante o Governo de Luis Inácio Lula da Silva, as falhas do PROEP se devem à forma como os recursos foram distribuídos entre os subprogramas – estaduais, federais e segmento comunitário “um terço dos recursos acabou indo para a iniciativa privada. A verba que foi para escolas públicas teve resultado excelente, mas os recursos que pararam na iniciativa privada, em alguns casos, esbarraram na falta de tradição e competência dessas instituições. Por isso há muitas obras inacabadas, sem professor” (PACHECO apud GOIS, 2006). Ainda, segundo Pacheco (apud GÓIS, 2006), o BID não renovou o contrato com o país devido às falhas no investimento dos recursos disponibilizados pelo Banco. Esta não renovação de contrato, segundo o ex-Ministro Paulo Renato de Souza, é devido a “incompetência do atual governo [...] o que o BID tem reclamado é da falta de contrapartida do poder público brasileiro no programa. O atual governo parou o projeto por inépcia. Financiamos via PROEP vários cursos comunitários com ótimos resultados” (SOUZA apud CALDAS et al, 2006). Numa análise sobre o mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no que tange a esfera da Educação, Lúcia Maria Wanderley Neves publicou no texto “Educação: um caminhar para o mesmo lugar” (1999), uma crítica da concepção neoliberal adotada pelo Governo, pois esta refletiu em todas as ações e reformas deste governo, “a necessidade de formação de um novo tipo de trabalhador e de homem requerida também pelo novo padrão neoliberal de desenvolvimento mundial e nacional exigiu mudanças nos papéis sociais da 936 educação e, conseqüentemente, na natureza e na organização do sistema educacional brasileiro neste final de século” (NEVES, 1999, p. 134). As medidas implementadas durante o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso parecem, à primeira vista, importantes no sentido de ampliação de vagas e conseqüentemente no aumento das chances de escolarização de brasileiros das camadas populares, mas que, se analisadas da forma como foram implementadas na prática, favorecem a exclusão social, pois “o estudante pode vir a ter acesso à escola, mas não terá, necessariamente, acesso ao conhecimento” (NEVES, 1999, p. 146). A autora acredita que: O aumento do nível de desemprego no país, absorção pelo mercado de trabalho de mão-de-obra sempre mais regularmente escolarizada (2º grau completo) e os resultados desalentadores de estudos de avaliação dos primeiros resultados dessa política governamental quanto à absorção dos treinamentos pelo mercado dão conta de que, mais do que requalificar a força de trabalho, essas políticas vêm se prestando a diminuir a pressão social em face do aumento do desemprego e da exclusão social, fortalecendo, também, a ideologia do sucesso individual. Traz-se, dessa forma, para o final do século, a idéia da educação como redenção social (NEVES, 1999, p. 149). Frigotto e Ciavatta (2003, p. 1) analisam a ‘era FHC’ como um retrocesso, tanto no plano institucional e organizativo como também no âmbito pedagógico: “ambos associados de forma ativa, consentida e subordinada aos organismos internacionais”. Também é mister evidenciar mais uma vez uma das esferas que o PROEP pretendeu atender: o segmento comunitário que, inspirado pela idéia de sustentabilidade por parte da comunidade, acreditava que bastava liberar recursos para a construção da estrutura física e instalação de equipamentos e móveis, para que a Educação Profissional se expandisse e o número de vagas públicas aumentasse. Ressalta-se ainda que as escolas deste segmento, o comunitário, que obtiveram sucesso são aquelas que foram geridas por multinacionais, empresas que assumem os custos com a manutenção das escolas, mas ao mesmo tempo utilizam a estrutura que foi construída com recursos públicos para preparar e atualizar seus próprios funcionários. Passados doze anos (a contar da data em que o Presidente Fernando Henrique Cardoso assume a primeira gestão), somente agora as escolas do segmento comunitário estão sendo repensadas. A solução encontrada pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva foi federalizar todas essas escolas e repassá-las para o patrimônio da União, incorporando-as às demais universidades federais. 937 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal, 1988. ______. Lei Federal nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. ______. Decreto Federal nº. 2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o § 2 dos art. 36, 39-42 da Lei Federal nº. 9.394 de 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. ______. Lei Federal nº. 9.649 de 27 de maio de 1998. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. CALDAS, L. A. et al. FHC e as escolas técnicas. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 set. de 2006. CARDOSO, F. H. Mãos à obra Brasil: proposta de governo. Brasília, s.n., 1994. ______, F. C. Avança Brasil: proposta de governo. Brasília, s.n., 1998. CUNHA, L. A. 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