Leitura escolarizada: entrecruzando olhares sobre a prática leitora na
sala de aula e na biblioteca1
Maria Isabel de Jesus Sousa (UFBA)
Resumo: A pesquisa investiga as práticas de leituras ocorridas na sala de aula e na biblioteca do Centro Educacional Caneiro Ribeiro, nas décadas de 70 a 90, objetivando analisar as estratégias adotadas durante o processo
de aprendizagem leitora nesses espaços de formação de leitores. A população pesquisada foi composta por alunos de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental e professores de língua portuguesa e de “aulas de biblioteca”, totalizando uma amostra de 25 participantes. Adotou-se a abordagem qualitativa considerando que o estudo buscou
investigar práticas leitoras a partir da percepção dos envolvidos no processo. Os dados foram obtidos através de
entrevistas semi-estruturadas e dos diários de classes, analisados com base na categorização temática das informações. Os resultados revelam semelhanças entre as estratégias adotadas no processo de formação leitora em
ambos os espaços, demonstrando que a leitura realizada pelos discentes tinha objetivo de construção de hábitos e
não de despertar o desejo pela atividade leitora
Palavras-chaves: estratégias de leitura. Formação do leitor. Biblioteca escolar. Educação escolar.
Abstract: The research investigates the practices of readings happened at the classroom and in the library of the
Center Education Carneiro Ribeiro, in the decades from 70 to 90, aiming at to analyze the strategies adopted
during learning reader's process in those spaces of readers' formation. The researched population was composed
by students from 1st to 4th series of the fundamental teaching and teachers of Portuguese language and of library" "classes, totaling a sample of 25 participants. The qualitative approach was adopted considering that the
study looked for to investigate practices readers starting from the perception of the involved in the process. The
data were obtained through semi-structured interviews and of the diaries of classes, analyzed with base in the
thematic categorization of the information. The results reveal similarities among the strategies adopted in formation reader's process in both spaces, demonstrating that the reading accomplished by the discentes had objective
of construction of habits and not of waking up the desire for the activity reader
Keywords: Reading strategies. The reader's formation. School library. School education.
1
Comunicação oral apresentada ao GT-03 – Mediação, Circulação e Uso da Informação.
1
1 INTRODUÇÃO
A leitura enquanto habilidade desenvolvida a partir da invenção da escrita, tem se
constituído uma prática social determinante no processo evolutivo dos grupamentos sociais ao
longo de sua história. É através dela que os conhecimentos construídos são socializados, permitindo assim, a disseminação dos saberes acumulados pela humanidade, bem como a renovação dos mesmos, vez que, o ato de ler as idéias impressas consolida o exercício contínuo de
interpretação da realidade experimentada pelo homem em seu fazer cotidiano.
A inserção do sujeito na cultura letrada é quase sempre garantida pela participação dele
em instituições educacionais. Dentre elas, a escola assume o papel de efetivar, através da aprendizagem da leitura, competências que o habilite a agir de forma ativa e consciente no seio
da sociedade em que dela participa.
Na sociedade contemporânea, “as funções sociais e econômicas da leitura e da escrita
multiplicam-se em número e importância como jamais ocorreu antes. As necessidades de
formação e informação, invariavelmente exigem leitura e muita leitura” (MORAIS, 1996, p.
20). O reconhecimento de que a leitura é uma ferramenta determinante na aquisição de novas
informações, em todos os níveis de escolaridade, tem suscitado inúmeras discussões em torno
do ato de ler, especialmente quando se refere aos mecanismos e métodos usados pela escola
no sentido de possibilitar aos sujeitos, em situação de aprendizagem, o acesso aos saberes
estruturados que serão repassados de forma selecionada e organizada, de acordo com os objetivos traçados pela escola, no momento da aprendizagem. Assim, livros, recursos imagéticos
e a própria oralidade são instrumentos adotados de forma sistemática pela escola, para efetivar o “ensino da leitura” como forma de inserção dos sujeitos na sociedade.
Sendo a prática de leitura “um produto cultural, baseado sem dúvida em capacidades
naturais, mas pressionado por aquilo que as famílias e as instituições educacionais oferecem
às crianças” (MORAIS, 1996, p. 201, grifo nosso), é essencial compreender de que forma esse
processo, iniciado na maioria das vezes em sala de aula, decorrente de regras estabelecidas
pelo programa escolar, articula-se com demais espaços da escola (biblioteca, laboratório,
grêmios) e como as leituras veiculadas nesses espaços colaboram no aprendizado como um
todo.
2 LEITURA ESCOLAR: espaços e estratégias
Apesar da evidência da importância da leitura enquanto prática social e da escola como
espaço mais freqüente de construção dessa prática, ainda é bem comum observarmos crianças
e jovens que freqüentam regularmente escolas de ensino fundamental e médio afirmarem não
gostar de ler. Isso se torna algo ainda mais evidente na medida em que procuramos fazer uma
análise reflexiva acerca do ensino de leitura na instituição escolar.
Se considerarmos a leitura enquanto prática social promovida pela escola, para ser
exercida pelo aluno além da vida escolar, em suas múltiplas relações que entrelaçam a cadeia
do mundo globalizado, fica evidente a importância da leitura como fonte de informação e disseminação da cultura, tendo a escola o papel de mola propulsora na construção de sujeitos
leitores.
2
Na escola, os conteúdos estruturados na grade curricular e disseminados entre os sujeitos em processo de aprendizagem, são ministrados, buscando incorporar ao acervo cultural
dos sujeitos, conhecimentos que se constituem a base para sua formação sócio-cultural. Esse
processo dá-se através de ações pedagógicas que têm a pretensão de conduzir o sujeito na
construção de seu próprio conhecimento. Assim, o processo de aprendizagem escolar se utiliza das tecnologias sociais - métodos adotados de forma estratégica pelas instituições representantes do poder dominante - para legitimar e sedimentar as formas de agir e pensar dos sujeitos em situação de aprendizagem.
Sendo a leitura via de acesso ao conhecimento, o ensino dessa na escola pressupõe também um método a ser seguido. Historicamente, dois métodos têm sido alvos de discussão: o
método fônico, que privilegia o aprendizado do código, fazendo a correspondência entre a
letra e o som e o método global, que enfatiza a aprendizagem da linguagem global, associando
as palavras aos seus significados. A partir desses, surgiram variações, como lembra Kato
(1985): global analítico-silábico, global analítico-fonêmico, silábico-sistêmico, fônicosintético etc.
A adoção de um ou outro método depende das políticas educacionais que norteiam a
instituição de ensino, sabendo que, cada um a seu modo, propicia sucessos ou insucessos,
considerando que os resultados, positivos ou não, estão, na maioria das vezes, relacionados ao
contexto, em que cada aprendiz da leitura está inserido. Utilizar um método implica adotar
estratégias para alcançar os resultados desejados no ensino da leitura, ou seja, o uso de procedimentos que possibilitem a aproximação da teoria com as situações práticas em sala de aula.
De modo geral a escola elabora uma série de procedimentos seqüenciais relacionadas à aprendizagem da leitura, que se inicia com a decodificação dos sinais gráficos até chegar à atribuição de sentidos e compreensão do texto lido. De um extremo a outro, atividades como a repetição/imitação de letras e sílabas a princípio, seguido de cópia e ditado das palavras ou texto,
da leitura oralizada e silenciosa, individual ou coletiva e, por fim, a interpretação, são estratégias mais comuns adotadas pela escola no processo de construção da leitura.
A instituição escolar parece desconhecer as práticas apreendidas pelo leitor fora da sala-de-aula, isso porque os propósitos que se perseguem na escola ao ler e escrever são diferentes dos que orientam a leitura fora dela (LERNER, 2002). A grande questão talvez não seja
saber qual o melhor método para ensinar a ler, até porque é difícil precisar algum, haja vista
que as variáveis que envolvem o desenvolvimento de uma habilidade não nata são infinitas. O
que parece relevante entender é como se deve proceder ao ensino, ao adotar um desses métodos, considerando que “uma coisa é a ideologia da leitura, outra coisa é a realidade das práticas educativas” (MORAIS, 1996, p. 265).
Para Kato (1985) existe por parte dos professores de ensino da língua uma preocupação excessiva quanto ao método a ser adotado na aquisição da leitura e da escrita. Nesse caso,
o método é um fim em si mesmo, a formação do educando. Para a autora esse é um procedimento equivocado, pois a aprendizagem é vista não como um processo, mas um ato meramente repetitivo.
A escola no uso das atribuições que lhe é conferida para o ensino da leitura, na maioria
das vezes, adota práticas contrárias às vividas pelo leitor, fora da instituição escolar, ricas em
“anedotas, parábolas, sabedorias, casos os mais diversos” (ADOLFO, 2005, p. 32), fazendo
com que a leitura seja
[...] marcada pela cobrança, muitas vezes desnecessária, sufocando o leitor,
com questionários bestializados, resumos que não contem nada, minimizando grandes obras ou maximizando autores medíocres, anulando dessa forma
3
a realidade dos textos criativos e a sua potencialidade humanizadora.
(ADOLFO, 2005, p. 32).
Nesse aspecto, parece ser essencial reafirmar que na aprendizagem da leitura, há de se
considerar que a bagagem cultural do leitor é fundamental para tornar esse processo algo atraente e desejável. Kato (1985) acredita que para vencer as práticas perversas adotadas no ensino da leitura, com as apontadas por Adolfo (2005), faz-se necessário tornar a escola um laboratório de observação, no qual a aprendizagem e não o método seja a maior preocupação do
educador.
Nesse sentido caberá a escola enquanto espaço formal de articulação e promoção das
práticas leitoras possibilitar ao educando condições favoráveis para que ele possa exercer o
ato de ler de forma plena, sendo capaz de praticá-lo com autonomia e criticidade, no sentido
de saber estabelecer múltiplas relações entre texto e contexto de uma forma dinâmica e construtiva.
Porém o entendimento de que a aprendizagem leitora deve aproximar-se das experiências do leitor como defende Kato (1985) não reflete a realidade da leitura na maioria dos espaços educativos, vez que incorporam métodos e estratégias não apenas nas atividades desenvolvidas em sala de aula, mas também, em espaços, como biblioteca, laboratórios, grêmios,
etc. As experiências de aprendizagem desses espaços nem sempre são valorizados pela instituição educacional, muito menos bem compreendidos pelos professores encarregados da tarefa
de ensinar a ler.
2. 1 A BIBLIOTECA ESCOLAR: espaço de múltiplas leituras
Dentre os espaços de aprendizagem escolar, voltada à prática da leitura, a biblioteca
escolar talvez seja aquele que mais se utiliza desses métodos, como forma de incorporar as
informações contidas no seu acervo, por meio da leitura ao conteúdo necessário à elaboração
de novos conhecimentos, transmitidos em sala de aula.
O reconhecimento de que a biblioteca inserida no ambiente escolar desempenha um
importante papel na construção do conhecimento e, conseqüentemente, na formação de leitores é pontuada na literatura de áreas fronteiriças como Educação e Biblioteconomia. Entretanto, as bibliotecas escolares, existentes hoje em instituições de ensino, salvo raríssimas exceções, encontram-se em estado de abandono, funcionando precariamente, com acervo inadequado ou desatualizado e em locais impróprios (MARTUCCI 1999). Essa constatação evidencia o descompromisso das autoridades quanto ao assunto, levando a acreditar que “o sistema educacional não descobriu ainda a biblioteca enquanto instrumento essencial à educação
de crianças e jovens” (PERROTTI apud BAJARD, 2002, p. 32).
Por outro lado, os agentes envolvidos diretamente com a educação (professores, diretores e até mesmo uma parcela dos bibliotecários), em sua grande maioria, desconhecem o
potencial existente na biblioteca escolar e os recursos que através dela podem dispor, ignorando e menosprezando este espaço a tal ponto que “[...] no cotidiano escolar, a alfabetização
[muitas vezes] se efetua sem livros.” (BAJARD, 2002, p. 32, interpolação minha).
Integrada na comunidade escolar, a biblioteca funciona como mediadora entre o conhecimento formal ministrado em sala de aula e aquele desvinculado da rigidez pedagógica
que a estrutura educacional impõe. Assim, as atividades desenvolvidas pela biblioteca devem
coadunar tanto informações direcionadas ao cumprimento do currículo adotado pela institui4
ção educativa, quanto as decorrentes de atividades culturais inerentes ao meio a que está inserida, de modo a atender à pluralidade de informações existente na sociedade atual.
Tomando a biblioteca escolar como espaço mediador da aprendizagem da leitura, essa
serviria, segundo Cerdeira (1977, p. 36), como “[...] ponte entre a educação formal que a estrutura atual da sociedade ainda requer e a educação não formal e permanente que já se anuncia como mais compatível com as realidades da sociedade futura.” Nesse sentido, Kuhlthau
(1999, p. 11) acrescenta que:
[...] as escolas da sociedade da informação estão sendo reestruturadas em
torno de uma aprendizagem baseada no questionamento [...] tornando a biblioteca escolar [...] num centro de questionamento que fornece acesso a recursos para aprendizagem, em todos os assuntos do currículo.
Por aprendizagem baseada em questionamento, entende-se o domínio da leitura para
além da decodificação de sinais, passando a ser “[...] então, uma via de acesso à participação
do homem nas sociedades letradas, na medida em que permite a entrada e a participação no
mundo da escrita” (SILVA, 1992, p. 64), permitindo assim a disseminação de novos produtos
culturais criados pela sociedade.
Se considerarmos que a informação tem sido uma histórica prática social de/entre sujeitos que se constroem, modificando estruturas pré-concebidas, atribuindo significados e sentidos a esta informação, gerando, com isso, um novo estado de conhecimento, talvez compreendamos a biblioteca escolar como “[...] um espaço de criação e de compartilhamento de experiências, um espaço de produção cultural em que crianças e jovens sejam criadoras e não
apenas consumidoras de cultura” (CARVALHO, 2002, p. 22), isso por conta da contribuição
dos processos de interação sujeitos/recursos e referenciais, essencialmente relevantes ao exercício da leitura.
A biblioteca, enquanto parte integrante da escola constitui-se num locus privilegiado
de formação da cidadania via o conhecimento sistematizado e práticas sociais desenvolvidas
no cotidiano do ambiente educacional. A biblioteca escolar, enquanto um local de comunicação e de acesso às informações socialmente produzidas, onde os sujeitos através de suas ações
são, ao mesmo tempo, produtores e consumidores dessas informações, poderá tornar-se um
laboratório de aprendizagem, “[...] o local onde se forma o leitor crítico, aquele que seguirá
vida afora buscando ampliar suas experiências existenciais através da leitura” (CARVALHO,
2002, p. 22).
Nesta perspectiva, esse espaço assume duas importantes funções: a de prover informações aos sujeitos envolvidos no processo educacional e, em paralelo, constituir-se num locus
capaz de instigar nos educandos o exercício da cidadania, no qual, a leitura é o ponto central
para exercitar essa prática, pois, se de um lado temos “[...] os ensinamentos da escola, de outro, todas as aprendizagens fora da escola.” (CHARTIER, 1999, p.105) entre elas, aquelas
adquiridas na biblioteca que são essenciais no processo de aprendizagem da leitura. Morais
(1996) acredita que a leitura indiretamente está relacionada a espaços como cinemas, teatros,
exposições científicas, entre outros. Desse modo, a biblioteca pode tornar-se “[...] um centro
de informação educativa: um espaço de conhecimento, de informação, de lazer e de convivência integrado ao projeto pedagógico da escola [...]” (MARTUCCI, 1999, p.32) e principalmente um espaço onde a leitura torna-se instrumento para ampliar as fronteiras da cultura.
Como espaço informacional, a biblioteca escolar pode possibilitar o acesso e a transformação da informação em conhecimento, a partir dos recursos que compõem seu acervo,
disponíveis também em outros ambientes, a exemplo do ambiente virtual da Internet, servindo
5
de suporte à educação formal, deixando de ser apenas “[...] o lugar de estocagem da informação, para tornar-se num local de geração e disseminação do conhecimento [...]” (CASTRO,
1999, p.7), mais ainda, de apropriação da informação pelo sujeito e da experiência deste pelo
acervo. Assim, deixa de ser apenas um local de aquisição de conhecimentos para se tornar um
espaço privilegiado de formação de cidadãos.
Nesse sentido, a biblioteca escolar serve como espaço de construção da cidadania, podendo despertar a criatividade, permitindo a abertura da compreensão a partir de diferentes
fontes de informação, formando sujeitos politicamente críticos, possibilitando múltiplas leituras de mundo; através de “[...] textos densos e mais capazes de transformar a visão de mundo,
as maneiras de sentir e de pensar.” (CHARTIER, 1999, p. 104).
Ao reportar-se à leitura e sua relação com a biblioteca, Teixeira (1977) diz que a biblioteca não é apenas um local de estudo e pesquisa, mas de leitura e de fruição aos bens do espírito. Nesse aspecto, o educador claramente externa que a leitura nesse local, não deve ser
apenas instrumento para domínio de uma técnica e sim, de habilidade que transcende a racionalidade do ato mecânico de ler, tornando-se uma atividade de prazer e de conscientização do
sujeito quanto aos seus direitos sociais.
3 CECR: o espaço da pesquisa
O Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), obra de inspiração do educador baiano Anísio Teixeira na década de 40 do século XX, era um complexo de 42.000 m², dividido
em dois espaços distintos de formação educacional: Escolas-Classes e Escola-Parque. O conjunto completo atenderia quatro mil crianças, distribuídas em dois turnos, nos quais a criança
em um turno era submetida aos ensinamentos de conteúdos curriculares, contidos nas disciplinas tradicionais (Português, Matemática, História, Geografia e outros) e no contra-turno,
dirigia-se à Escola-Parque, onde desenvolvia atividade de trabalho (cerâmica, marcenaria,
corte-costura, funilaria, bordado etc), de acordo com suas aptidões e atividades lúdicas (dança, música, teatro, educação física etc.), além de freqüentar a biblioteca, espaço destinado não
só à pesquisa ou leitura, mas, também, a outras atividades culturais. No projeto pedagógico do
modelo concebido pelo educador, existia uma articulação intrínseca entre as Escolas-Classe e
a Escola-Parque.
O funcionamento diferenciado daquela instituição, em especial, no que se refere às atividades realizadas na Biblioteca e sua inter-relação entre os demais do Centro instigou a
realização desta investigação, vez que, o Setor cultural-biblioteca, desenvolvia atividades denominadas “aulas de bibliotecas”, isto é, uma série de atividades planejadas e executadas, que
reunia características inerentes à sala-de-aula. Nesse sentido, as “aulas de biblioteca” seguiam
o ritual de anotações de freqüências nos diários de classe, horários pré-determinados para execução de cada “aula”, docentes responsáveis pelo desenvolvimento das ações com turmas
específicas, bem como o processo de avaliação das atividades, norteado pelos critérios freqüência, comportamento, pontualidade e interesse dos alunos. O trabalho desenvolvido na
biblioteca se distribuía entre as atividades direcionadas ao cumprimento de tarefas escolares,
provenientes das Escolas-Classes e as “aulas de biblioteca” destinadas a incentivar o hábito
pela leitura, objetivo principal daquele espaço.
Este estudo constitui-se num desdobramento da investigação anterior, o qual abordava
as práticas informacionais ocorridas na biblioteca na década de 60, tendo em vista que o
mesmo desencadeou algumas questões passíveis de reflexões mais aprofundadas como: qual a
6
relação existente entre as práticas leitoras desenvolvidas na biblioteca com as ocorridas na
sala de aula? Quais atividades desenvolvidas na biblioteca foram relevantes na formação do
sujeito leitor? Que contribuições as “aulas de biblioteca” deixaram para o incentivo ao gosto
pela leitura? A participação nas atividades da biblioteca despertou no aluno maior conscientização no que se refere à importância da biblioteca na sua formação sócio-cultural?
Originalmente, pensou-se investigar a prática da leitura em todo ciclo da educação
fundamental, entre as décadas de 60 a 90, período em que o Centro Educacional esteve funcionando como um todo, integrando as atividades entre as Escolas-Classe e a Escola-Parque.
Este modo de relacionamento foi repensado a partir do ano 2000, por ocasião da reforma realizada na Escola-Parque, para comemorar centenário de nascimento de Anísio Teixeira. As
“aulas de biblioteca” foram extintas, o que culminou com o fim da relação até então existente
ente a biblioteca e as Escolas-Classe.
As primeiras incursões à campo determinou a delimitação temporal anteriormente
pensada, face a exigüidade de fontes documentais, na década de 60. O período reduzido para
as três últimas décadas do século XX (1970, 1980, 1990). A abrangência dos níveis de educação foi reduzida, optando-se pelas quatro séries inicias vez que é nesse período que a prática
de leitura é determinante para formação do leitor.
A importância de estudos que resgatem “projetos e práticas que em passado mais ou
menos remoto, definiram o papel dos livros e da leitura na escola e na sociedade brasileiras” é
destacada por Lajolo (2002, p. 89), ao pesquisar os rumos da leitura no Brasil.
Nesse sentido, o estudo se justifica pelo fato de que o CECR constitui-se um espaço de
experimentação educacional, uma inovação na educação baiana e uma referência para a educação nacional, cujos princípios norteadores fundamentaram-se no movimento da Escola Nova, que, entre outras coisas, defendia uma educação na qual o aprendizado se consolida a medida que a criança pratica o que se propõe ensinar. No caso da temática em questão, o entendimento é de que a “leitura é conquistada com a experiência e não [apenas] com o ensino”
(SMITH, 1999, p. 13, interpolação minha), tem, portanto, uma aproximação com as idéias
defendidas pelos escolanovistas.
Consciente da relevância de investigar experiências de leituras em espaços escolares, a
fim de melhor compreende-la, esta pesquisa procurou analisar as práticas de leitura ocorridas
nas séries iniciais da educação fundamental das Escolas-Classe e na biblioteca da EscolaParque entre as décadas de 1970 a 90, tomando-se como parâmetro comparativo a experiência
positiva realizada na década de 60, considerando novo contexto histórico-social que se configurou a partir dos anos 70, com uma nova ordem política instaurada no Brasil, com as mudanças promovidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), com o desaparecimento
de Anísio Teixeira e posterior afastamento da então diretora e irmã do mentor do CECR.
4 PERCURSO METODOLÓGICO
O estudo pretendido traz, em sua essência, a marca de se investigar experiências vividas, numa tentativa de reconstituição, a partir da memória de alunos e professores e de documentos, a história de suas práticas leitoras, ocorridas no interior da sala-de-aula e da biblioteca Por se tratar de uma investigação que busca apreender experiências de aprendizagem no
cotidiano de uma instituição educacional, situadas num determinado espaço temporal, ficam
evidenciadas características, consideradas por Bogdan e Bilken (1994), como inerentes à pesquisa qualitativa, vez que está inserida num ambiente específico, no qual, os dados levantados
advêm de descrições feitas pelos envolvidos sobre as situações vivenciadas, via relato oral ou
7
fonte documental. Não se trata, pois, de “responder questões prévias ou de testar hipóteses”
como salienta Bogdan e Bilken (1994 p. 16), mas, de compreender a ação dos sujeitos na dinâmica de suas práticas.
Por se tratar de um contexto educacional, a população foi composta pelos envolvidos
diretamente no processo de ensino-aprendizagem da leitura nas Escolas-Classe e na biblioteca
(professores e alunos). Diante da necessidade de conhecer a realidade configurada, tomou-se,
como representantes da população a ser pesquisada, os professores que ministraram a disciplina Comunicação e Expressão/Português de 1ª a 4ª séries da educação fundamental (ensino
primário à época) nas Escolas-Classe; os professores de biblioteca que realizavam as atividades relativas às “aulas de biblioteca” na Escola-Parque; alunos de 1ª a 4ª séries que freqüentaram uma das quatro Escolas-Classe e a Biblioteca no período a ser analisado. A seleção foi
baseada no fato de que, nesse intervalo de tempo, a leitura era uma atividade trabalhada tanto
na disciplina mencionada quanto na Biblioteca.
A definição da amostra foi pautada na concepção de Richardson (1999, p. 99), segundo a qual “[...] o que importa é a qualidade das informações, não o número de entrevistados
que compartilham a informação”. Ainda assim, na determinação do número de participantes
professores, observou-se a média anual dos que ministravam aulas tanto na disciplina Língua
Portuguesa/Comunicação e Expressão quanto nas “aulas de biblioteca”. Foi totalizado o número de 25 (vinte e cinco) participantes da pesquisa, sendo 5 professores da biblioteca, 10
professores das Escolas-Classe e 10 ex-alunos. O critério de escolha dos participantes professores foi determinado pelo tempo de permanência no espaço e a acessibilidade aos mesmos.
Nesse sentido, a identificação dos nomes, foi a partir dos diários encontrados nos arquivos das
Escolas-Classe e da Escola-Parque, nos quais se constatou o tempo de atuação desses docentes em ambos espaços no período em questão. Dentre esses, foram selecionados, preferencialmente, aqueles que permaneceram mais de dez anos na instituição com registro das atividades relacionadas à leitura nos respectivos diários escolares. Quanto aos alunos, a amostra foi
definida pelo critério da acessibilidade dos sujeitos, face à dificuldade de localizá-los e a impossibilidade de aplicação percentual em detrimento do período de abrangência do estudo
Os instrumentos usados na coleta de dados foram: a) os roteiros de entrevistas semiestruturadas, b) diários de classe das Escolas-Classe e da Biblioteca. A opção pela entrevista
semi-estruturada, delineou-se como a melhor maneira de apreender as representações dos sujeitos em situações concretamente vivenciadas. Para tanto, foram elaborados três roteiros distintos com questões que nortearam a “conversa” com os atores sociais de cada grupo (exprofessores das Escolas-Classe, ex-professores de biblioteca e ex-alunos). Cada roteiro constou de uma ficha de identificação, com itens, que variam de acordo com o grupo a que pertencia cada entrevistado e de questões relacionadas à prática de leitura nas Escolas e na Biblioteca
A adoção de documentos que registram a prática cotidiana do ensino da leitura nesta
pesquisa pode evidenciar dados relevantes à compreensão do contexto analisado, considerando que fonte que traz “[...] informações sobre a natureza do contexto, nunca deve ser ignorada, quaisquer que sejam os outros métodos de investigações escolhidos” (GUBA E LICOLN
1985 apud LUDKE; ANDRÉ, 1996, p. 39). A opção de tomar os documentos escolares como
fonte de informação, especificamente os diários de classe das Escolas-Classe, referente à disciplina de Comunicação e Expressão e dos diários das “aulas de biblioteca” foi relevante vez
que neles estão registradas as atividades realizadas em ambos os espaços destinados à prática
de leitura.
8
O uso do diário de classe pode demonstrar contradições entre as ações coletivamente
planejadas e a prática realizada no interior da sala de aula por cada docente, pois, nele encontra-se o registro daquilo que foi legalmente solicitado pela instituição, mas também, fatos alheios à norma institucional, particularizado na escrita de cada professor. Por essa natureza
antagônica é possível que o diário seja “um excelente instrumento de análise da vida institucional”, como salienta Hess (2006, p. 96), uma vez que os dados ali registrados trazem a possibilidade de não só compreender o cotidiano vivido na sala de aula como também entender o
uso que os docentes fazem desse suporte. Além desses, outros documentos como ofícios,
circulares, livros de tombo, que registraram informações sobre aspectos relacionados à prática
de leitura também foram considerados relevantes e, portanto, tomados como fonte de informação. O uso do documento escrito pode complementar as informações obtidas, através das
entrevistas com os sujeitos, além de possibilitar confrontações entre o dito e o escrito.
O estudo de determinada temática pressupõe a elaboração sistemática de passos que
nortearão a investigação em qualquer área do conhecimento, seja qual for a abordagem adotada, pois o rigor é uma característica inerente à construção do conhecimento científico, independente do tipo de pesquisa realizada. Nesta pesquisa, a coleta de dados seguiu alguns rituais
necessários para seu delineamento: primeiro foram feitas incursões às Escolas-Classe I, II, III,
IV e na Biblioteca da Escola-Parque, na busca de registros documentais relacionados às práticas em sala de aula, seguido da identificação e registro das informações contidas nos diários
de classe e finalmente a realização das entrevistas com os sujeitos envolvidos no período analisado.
Por se tratar de uma pesquisa que buscou apreender práticas ocorridas no passado, o
registro das atividades nos diários de classe, possibilitou identificar uma parcela das práticas
de leitura desenvolvidas nas aulas de Comunicação e Expressão/Língua Portuguesa e nas “aulas de biblioteca” bem como os professores envolvidos nesse processo. Foram encontrados 1
036 diários nas quatro Escolas Classe relativos à disciplina e as séries mencionadas e desse
total transcritos 398. Na biblioteca identificou-se 1 100 diários e analisados 53. A transcrição
dos conteúdos dos diários foi feita manualmente in loco em fichas matrizes, elaboradas para
registrar os dados provenientes dos diários de classe das Escolas-Classe e da Biblioteca, sendo
digitadas posteriormente.
A identificação do nome dos docentes nos diários de classe das respectivas escolas foi
a primeira pista que conduziu à localização e o contato com os mesmos. Muitos já haviam se
se desligado da instituição por aposentadoria ou até mesmo vindo a óbito. Diante disso, buscou-se através do catálogo telefônico, das secretarias das escolas e de professores que ainda se
encontravam vinculados à instituição, exercendo a docência, o primeiro contato com os professores participantes da pesquisa. No caso dos alunos, a procedência das informações foi
obtida através dos docentes, de contato dos alunos entre si e, em alguns casos das secretarias
das escolas.
As entrevistas foram realizadas individualmente para cada tipo de grupo de sujeitos
pesquisados, isto é, o grupo dos professores de Língua Portuguesa/Expressão e Comunicação,
o dos alunos e o dos professores de biblioteca. As entrevistas com os professores foram realizadas nas residências dos mesmos e nas Escolas-Classes. O relato dos alunos foi realizado em
ambientes distintos: residência, escola e local de trabalho. Após a realização de cada relato,
as entrevistas foram transcritas com a preservação total das falas, exceto quando por solicitação do entrevistado, foi retirada alguma declaração que não desejasse ser registrada.
Ao finalizar a etapa da coleta, iniciou-se o processo de sistematização das informações
oriundas dos diários de classe e das entrevistas. Os dados dos diários foram separados em
9
dados de identificação e dados de conteúdos programáticos. No caso dos depoimentos, foi
criada uma codificação, que permitisse identificar o informante preservando sua identidade.
Cada informante recebeu um código que o identificava em seu grupo, seguido da respectiva
numeração: PEC (Professor de Escola Classe); PB (Professor de Biblioteca) e A (Aluno). Além disso, outras informações retiradas da ficha de identificação do roteiro de entrevista foram agrupadas, buscando dá maior individualização aos participantes em seus respectivos
grupos. Os conteúdos das entrevistas e dos diários foram pré-categorizados a cada leitura realizada, destacando trechos que pudessem ser inseridos nas temáticas surgidas, a partir das
concepções de leitura adotadas no referencial teórico, relativas à prática de leitura efetivada
no espaço escolar
Considerando a prática de leitura como elemento norteador para discutir as ações a ela
inerentes, se buscou agrupar as atividades relacionadas ao ensino-aprendizagem da leitura na
sala de aula e na biblioteca, considerando o fazer do professor e o aprender do aluno no cotidiano do espaço escolar. Desse modo, delineou-se como categoria central de análise as estratégias de ensino-aprendizagem da leitura, sendo esta dividida nas sub-categorias estratégias de
incentivo, de compreensão e de avaliação da atividade leitora desenvolvidas no espaço escolar.
5 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
As estratégias de leitura desenvolvidas no CECR durante o período pesquisado apresentam algumas peculiaridades e similaridades conforme evidenciam os dados, variando mais
em função dos espaços em que ocorreram e das estratégias individuais dos docentes na execução das atividades do que do espaço temporal em que se ocorreram.
Para melhor compreensão, as atividades de leitura foram agrupadas em atividades de
expressão oral e atividades de expressão escrita, numa referência ao modo com que os alunos
utilizaram essas modalidades durante o processo de formação leitora, considerando que estas
estão voltadas ao desenvolvimento de competências inerentes às linguagens oral e escrita. A
realização dessa atividades estavam diretamente relacionada à seriação, o que de certa forma
determinava as estratégias de leitura adotada
No que tange as atividades de expressão oral, os professores, em sua maioria, relataram a adoção da leitura diária do livro didático como estratégia de aprendizagem da leitura,
por reconhecerem que esta prática possibilitava a incorporação dos conteúdos a serem apreendidos.
[...] a leitura era feita sempre, eu mesma gostava de leitura diariamente nem
que fosse só um parágrafo, mas eu queria que eles lessem para que o hábito
de leitura permanecesse sempre (PEC 4).
Há evidência na crença de que a prática diária reforça a aprendizagem da leitura. Para
os professores essa leitura tinha um fim em si mesmo: construção de hábitos, como se exposição cotidiana de uma prática mecânica fosse suficiente para incorporar nos leitores a necessidade de ler, do ponto de vista da funcionalidade do ato e também, capaz de sedimentar o gosto
pela leitura. O hábito a que se refere o professor 4 denota “[...] uma ação pedagógica que prioriza os aspectos mecânicos do ato de ler” (CARVALHO, 2005, p. 54), fazendo da leitura uma
atitude irrefletida, da qual muitas vezes o aluno manifestava seu desgosto de ler no lugar do
gosto.
10
A leitura oral, acompanhada de atividades de expressão escrita era uma prática constante descrita nos documentos e nos relatos de docentes e discentes. Assim, o ditado, a cópia e
a reescrita das palavras lidas sempre eram usados como estratégia de reforço da atividade leitora. Por vezes essas práticas eram constituídas por atos meramente repetitivos com o pretexto
a averiguar a assimilação correta do código escrito. Pouco se observou atividade de expressão
oral que desencadeasse o desejo da leitura.
Durante o processo de aprendizagem leitura são identificados fatores dificultadores da
leitura. Os dados demonstram que no ato da leitura oral, as dificuldades relativas a pouca familiaridade com o código escrito tornam-se evidentes. A constatação da pouca habilidade
leitora, em decorrência do domínio da escrita pelos discentes, fez com que os docentes adotassem estratégias diferenciadas para minimizar os problemas apresentados pelo grupo: separação entre leitores (decodificadores) e não-leitores, adoção do horário da recreação com o
recurso para reforçar a atividade de leitura, uso de tarefas escolares para exercitar a leitura
domiciliar além da indicação da biblioteca como opção para melhorar a habilidade leitora,
como retratam os depoimentos:
[...] aqueles alunos não estavam bons na leitura fazia um trabalho separado
com eles [...] Era um trabalho separado, tinha um dia separado da semana
(PEC 9).
Quando eu detectava que o aluno estava fraco eu procurava ajudar em atividade no horário do recreio; nem sempre eu tomava, porque eu acho que o recreio é necessário, sempre criava essas situações e procurava trazer alguma
coisa para eles lerem (PEC 3).
[...] ela ensinava e tinha um período pra gente na hora do recreio e ela já deixava a gente na sala, já ia mais no reforço. (A9).
[...] passava leitura pra casa, pra estudar leitura pra quando chegar aqui ler
bem (PEC 8).
Nesse contexto, as estratégias relativas à atividade leitora desenvolvidas pelos professores estavam voltadas para contemplar as atividades estabelecidas no planejamento das “aulas”, que ocorriam dentro do horário estabelecido para cada turma de alunos com seu respectivo professor, mas também para atender as necessidades informacionais advindas das tarefas
escolares provenientes das Escolas-Classe.
[...] as vezes na sala eles não liam, mas chegava lá (na Biblioteca da EscolaParque) conseguiam ler, faziam atividades que aqui levava um ano e terminava não fazendo nada. (PEC 4).
Quando se referem às possíveis causas para as dificuldades encontradas pelos alunos
no ato da leitura, os professores se reportam às questões sociais, familiares e até de saúde,
entretanto falta de participação da família é apontada como o principal fator de defasagem
leitora.
A gente sabe que tem que trabalhar sozinho na sala de aula sem a família, isso é uma realidade hoje, a gente trabalha sozinho. Naquela época também
não tinha essa ajuda não [...] (PEC 5).
A participação da família é negativa, eu sempre comento isso, o fracasso do
aluno na escola também é a questão da família, de alguns anos para cá, talvez até pela questão social, que não deixa de interferir [...]a realidade é essa,
11
a questão da família eu ponho num plano bem inferior, que não assume.
(PEC 3).
Nesse aspecto é importante no contexto de aprendizagem da leitura lembrar que essa é
“[...] uma peça representada por três atores. O ator principal é o aprendiz” (MORAIS, 1996, p.
292), mas a responsabilidade pelo ato deveria ser igual entre os outros dois, isto é a família e a
escola. Nesse jogo, é comum os pais atribuírem a responsabilidade pelo insucesso da leitura
aos professores, esses, por sua vez, vêem a família como co-responsável pelo fracasso dessa
competência.
Na biblioteca, as estratégias adotadas pelos professores de biblioteca em suas “aulas”,
são em sua maioria, similares às adotadas nas aulas de Língua Portuguesa das Escolas-classe,
entretanto, a diferença reside na diversidade de atividades voltadas à expressão oral (hora do
conto, dramatizações, palestras, conversas informais sobre os textos, jograis, concursos de
poesias etc.) como recurso para desenvolver o hábito de leitura. Há indícios da ocorrência de
compilação de palavras (cópia, ditado e redação) como pretexto para aprimorar a competência
leitora dos alunos, mas, elas não se sobressaem em relação a aquelas destinadas ao exercício
da oralidade. O uso de recursos audiovisuais e imagéticos como artifício auxiliar no processo
de formação leitora são identificados nos diários de classe durante o período analisado, o que
evidencia uma prática articulada entre a leitura textual com outros elementos, objetivando
despertar o gosto pela leitura.
É freqüente o registro das expressões “leitura livre” e “leitura orientada”. A leitura livre ora designando uma atividade individual para observar a dicção, ora para incentivar hábito
e o gosto pela leitura. A leitura orientada demonstra uma atividade direcionada, na qual se
buscava intencionalmente treinar as habilidades de rapidez, pontuação, dicção e interpretação.
Com relação à formação de leitores, os depoimentos demarcam a divisão entre as atividades
realizadas, evidenciando que os objetivos delineados para aquela biblioteca era criar hábitos
de leitura e dar suporte às tarefas escolares:
Os meninos iam na biblioteca pra fazer tarefa da escola e ler o livro que ele
quisesse (PB3).
Nesse contexto, as estratégias relativas à atividade leitora desenvolvidas pelos professores estavam voltadas para contemplar as atividades estabelecidas no planejamento das “aulas”, que ocorriam dentro do horário estabelecido para cada turma de alunos com seu respectivo professor, mas também para atender as necessidades informacionais advindas das tarefas
escolares provenientes das Escolas-Classe.
Na leitura escolar, um aspecto que está diretamente relacionado ao sucesso da aprendizagem leitora nas séries iniciais diz respeito as atividades de incentivo à leitura. No contexto
investigado, as atividades de narração, dramatização, concurso de leitura, relatos de experiências são mencionadas como atividades motivadoras de leitura. Fica evidenciado que a prática
da narração de estórias é uma atividade que mais se destaca na questão de incentivo à leitura.
Essa prática é considerada pela literatura como fundamental, quando se trata de despertar o
prazer da leitura em séries iniciais. Autores como Bamberger (1995, p. 25) são enfáticos em
dizer que “nos primeiros anos de escola, contar e ler estórias em voz alta e falar sobre livros
de gravuras é importantíssimo para o desenvolvimento do vocabulário e mais importante ainda para a motivação da leitura”. Tal constatação é confirmada nos depoimentos de alunos e
professores:
12
Incentivava contando estória. Eu contava estórias e a sala parava para ouvir
estórias, ficavam atentos, prestavam atenção. (PEC 6).
[...] quando fazia estorinhas eles sempre gostavam. Estórias sempre, eles
gostavam muito de estória (PEC 2).
[...] quando ela narrava, despertava a vontade de ler, fazia a gente entrar no
personagem. (A 9).
Na análise das estratégias de incentivo à leitura, dois aspectos merecem destaque: o
primeiro é que essas atividades tinham hora e data marcada para acontecer: “contava estória,
normalmente uma vez por semana. Então, na semana eu costumava contar uma estória (PEC
3)”. É nítida a separação entre a leitura que buscava incentivar o ato de ler e aquela usada
para a exploração dos conteúdos relativos a cada série, cujo papel prioritário era o cumprimento de tarefas a eles relacionadas. A leitura, que acontecia diariamente, estava normalmente associada ao livro didático e aos exercícios escolares enquanto que as demais, caracterizadas como de incentivo ficava restrita a períodos determinados, de acordo com a programação
estabelecida pela escola. O segundo está diretamente relacionado a oralização do texto escrito
com a atividade de incentivo à leitura. É marcante no depoimento de professores e alunos a
questão dos sentimentos que envolvem o ato de ler (medo, ansiedade, inibição, insegurança,
nervosismo etc).
[...] pra trabalhar com eles leitura, era uma dificuldade. Eles ficavam até com
vergonha de ler o que estava no quadro, o que não sabiam, até a leitura individual oral na sala de aula, quando iam ler individual muitos deles pediam
pra ir no banheiro e lá ficava, era pra fugir da leitura, não gostavam de ler
mesmo, vergonha, era mais vergonha porque os colegas, se errou uma coisa,
queriam consertar, davam risadas”. (PEC 6).
[...] às vezes eu nem ia pra Escola, quando tinha leitura eu não ia, ia depois
nas outras aulas, mas na hora delas eu não ia, com medo (A 4).
As falas reafirmam o pensamento de Alliende e Condemaín (1987, p. 115), quando dizem que “[...] a leitura oral pode ser, às vezes, motivo de enfado e tensão para algumas crianças, principalmente as que têm defeitos articulatórios ou fortes inibições.” Nas escolas pesquisadas, a leitura em voz alta na sala de aula transformou-se em momentos de tensão aterrorizante para o aluno, diante de suas incertezas e inseguranças, provocando nele um estado de
angústia que se reflete na ação de se esconder ao ser requisitado para a tarefa. A leitura do
texto, nesse sentido, violenta o leitor na sua auto-estima, desencadeando a rejeição pela leitura. As causas mais freqüentes estão relacionadas ao pouco domínio do código escrito, à timidez de se expressar publicamente e a textos pouco interessantes para o aluno.
No quesito incentivo à leitura, a biblioteca apresenta um leque de opções bastante significativo em relação às Escolas-Classe, evidenciando que a biblioteca do CECR primava por
despertar no aluno o interesse pela leitura. As atividades desenvolvidas na biblioteca tinham
como objetivo maior o incentivo ao hábito de leitura. As mais destacadas são a leitura livre, a
hora do conto, a dramatização, o jogral. Dentre as atividades de incentivo, destacam-se a hora
do conto e a leitura livre:
[...] eu incentivava assim: começava a estória e deixava naquele ponto que
eles ficavam mais animados, era uma maneira, era uma estratégia (PB2).
13
[...] tinha aula de leitura, de estorinhas, os professores da biblioteca mesmo é
que fazia com a gente, naquele horário, era o grupo, sentava a gente no chão
(A9).
Tinha estórias que eles contavam, tinha dramatização, me lembro bem dos
livros de Monteiro Lobato, dramatização de Emilia e tinha a leitura mesmo
que a gente fazia. (A1).
Na biblioteca, as estratégias de incentivo à leitura quase sempre estão relacionadas às
atividades narrativas, nas quais os professores atuavam direta ou indiretamente como mediadores de leitura junto aos seus alunos. Em alguns momentos, os diários registram a ocorrência
de práticas de leitura executadas na área externa da biblioteca, quase sempre voltadas aos alunos com pouco domínio da habilidade leitora. Estas, dentre outras, eram as que mais exploravam a oralidade, vez que no espaço interno imperava a concepção de que biblioteca era um
local de silêncio. Para alguns professores, aquela atividade motivava os alunos para a leitura,
pois demonstrava ser a mais prazerosa para eles.
Os relatos dos alunos demonstraram que a biblioteca em alguns momentos era um espaço de leitura prazerosa, ainda que a freqüência fosse obrigatória por força do currículo. Entretanto, em outros momentos, este era um local preterido pelos alunos. Essa diferença de percepções está diretamente relacionada com os momentos de crise enfrentado pelo CECR, refletindo em todos os espaços do Centro. No caso da biblioteca, o acervo desatualizado, a mudança do quadro docente, as atividades pouco interessantes são as causas apontadas como pouco
motivadoras para a realização da leitura no espaço.
As estratégias de avaliação e de compreensão da atividade leitora estão intrinsecamente relacionadas. Os diários dos espaços investigados demonstram que a leitura era uma atividade freqüentemente avaliada através de testes orais, testes escritos e também pela observação
do docente. No espaço escolar a avaliação leitora era realizada mediante a análise do professor, no que se refere ao cumprimento de itens como a pontuação, entonação, fluência, rapidez,
interpretação/compreensão e postura apresentada pelo aluno no momento da leitura, considerados relevantes pelo docente. Ao final da tarefa, a emissão de um parecer atesta a competência ou não do aluno naquela atividade e conseqüentemente, o aval para prosseguir ou permanecer na série. Nesse sentido, parece haver uma relação entre decodificação do sinal e a habilidade adquirida ao longo do processo.
Essas informações coadunam com as descritas pelos professores, quando se referem à
avaliação realizada na atividade de leitura:
Eu dava nota nessa leitura oral, era um décimo, dois décimos, eu fazia muito
isso, eu tinha a lista com o nome da cada um, ia botando ali, fulano tem um
décimo [...] (PEC 6)
Os professores de biblioteca ressaltam a avaliação das atividades de leitura, como uma
prática cotidiana:
Tinha avaliação, avaliava a leitura, a atividade que eles fizeram, a estória que
ele leu e mais gostou, ai ele ia falar sobre a estória. (PB3).
Na perspectiva da avaliação da atividade leitora como mecanismo de medir a compreensão do aluno acerca do texto lido, Kleiman (1996, p. 152-153) considera esta prática altamente inibidora, com conseqüências desastrosas para o desenvolvimento da capacidade de
compreensão, pois “[...] a preocupação primordial da criança é com a decodificação, uma vez
14
que, naquele momento, ela esta sendo avaliada neste aspecto pelo professor e pelos colegas”,
ficando a construção do sentido prejudicada em detrimento da pronúncia correta.
A avaliação continua sendo uma temática bastante controversa. Parece distante a compreensão de que não existe nenhum recurso capaz de mensurar todo conhecimento apreendido
por um leitor, durante sua leitura e, muito menos, verificar as possibilidades criadas por ele
para dotar de sentido um conteúdo lido.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desvelar as práticas de leitura nos espaços propostos nessa investigação se constituiu
uma fascinante aventura na busca de conhecimentos até então guardados nos documentos
escolares e na memória dos participantes desse contexto educacional. Esses achados, por certo, possibilitaram ampliar a compreensão acerca dos procedimentos adotados nas atividades
voltadas ao ensino-aprendizagem da leitura do CECR, durante o período analisado.
Os dados constataram que as estratégias de aprendizagem leitora desenvolvidas nas
aulas de Língua Portuguesa e nas “aulas de biblioteca”, privilegiaram de práticas de leitura
voltadas para a aquisição de hábito a ser adquirido pelos alunos em situação de aprendizagem.
A prática de leitura nesse contexto era uma atividade meio para a realização de outras atividades que privilegiavam a internalização de regras do código escrito.
Ficou evidenciado que a leitura do texto escrito foi apenas um pretexto para atingir
objetivos outros, quase sempre atrelados a uma atividade avaliativa. Nessa perspectiva, a leitura pode ser entendida como um ato que reforça o caráter verificativo da atividade leitora, o
que de certa forma compromete a criatividade do leitor, quando a execução de uma prática
tolhe as possibilidades dele externar sua compreensão, ao acessar uma determinada informação.
As dificuldades de aprendizagem da leitura mencionadas pelos participantes durante a
aprendizagem leitora nas aulas de língua materna é um aspecto que denuncia a incoerência
observada na adoção de práticas escolares que privilegiam a memorização do código escrito
submetido ao viés conteudista, em detrimento de opções que valorizem o ato de ler como um
processo de construção de sentido individualizado por cada sujeito leitor no ato da leitura.
As estratégias adotadas no ensino em sala de aula se mantêm quase que inalteradas, isto é, a passagem do tempo não promoveu mudanças significativas no processo de ensinoaprendizagem leitora nos alunos do referido Centro. Tal constatação demonstra que apesar de
todo um discurso sobre a evolução das práticas de leitura, construída nos últimos 30 anos,
ainda está distante uma articulação com a prática efetivada em sala de aula, ainda que o espaço estudado tenha sido fruto de um projeto educacional pretendia uma aprendizagem a partir
das experiências vivenciadas pela criança.
REFERÊNCIAS
ALLIENDE, Felipe; CONDEMARÍN, Mabel. Leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento.
Trad. José Cláudio de Al Abreu. Porto Alegra: Artes Médicas, 1987
15
ADOLFO, Sérgio Paulo. Literatura e visão de mundo. In: RESENDE, Lucinea Aparecida de
(Org.). Leitura e visão de mundo: peças de um quebra-cabeça. Londrina: Atrito Art Editorial, 2005. p.29-38.
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. São Paulo: Ática, 1995
BAJARD, Élie. Caminhos da escrita: espaços de aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Cortez,
2002
BOGDAN, R. C.; BILKEN, Sari K InvestigaçãoPesquisa qualitativa em educação: uma
introdução à teoria e aos métodos. Porto; Editora Porto, 1994.
CARVALHO, Maria da Conceição. Escola, biblioteca e leitura. In: CAMPELLO, Bernadete
S. et al. A biblioteca escolar: temas para prática pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica,
2002.
CARVALHO, Ana Maria Sá. O professor formador de leitores e escritores: saberes e competências. Leitura: teoria e prática, São Paulo, ano 23, n. 45, set. 2005.
CASTRO, Maria Céres P. S. A biblioteca na escola plural. In: SEMINÁRIO BIBLIOTECA
ESCOLAR: espaço de ação pedagógica, 1999, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte:
Escola de Biblioteconomia da UFMG, 1999. p.7-14
CERDEIRA, Theodolino. A biblioteca escolar no planejamento educacional. R. Bibliotecon.
Brasília, v. 5, n. 1, p. 35-43, jan./jun. 1977.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução Reginaldo C.
Correa de Moraes. São Paulo: UNESP, 1999.
HESS, Remi. Momento do diário e diário dos momentos. In: SOUZA, Elizeu C.; ABRAHÃO, Mª Helena M. B. (Org.). Tempos, narrativas e ficções. Porto Alegre: EDPUCRS,
2006.
KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo, Martins Fontes, 1985.
KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. 2. ed. São Paulo: Pontes, 1996.
KUHLTHAU, Carol. O papel da biblioteca escolar no processo de aprendizagem. In: SEMINÁRIO BIBLIOTECA ESCOLAR: espaço de ação pedagógica, 1999, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Escola de Biblioteconomia da UFMG, 1999. p. 9-14.
LAJOLO, Marisa. Projeto memória de leitura: pressupostos e itinerários. In: ABREU, Márcia
(Org.). Leitura, história e história da leitura. São Paulo: Mercado das Letras, 2002.
LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre:
Artemed, 2002.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli e. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo: EPU, 1996. 99 p.
MARTUCCI, Elizabeth M. Rompendo o silêncio: a biblioteca escolar e a trajetória .... In:
SEMINÁRIO BIBLIOTECA ESCOLAR: espaço de ação pedagógica. Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Escola de Biblioteconomia da UFMG, 1999. p. 31-38.
MORAIS, José. A arte de ler. Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1996
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3 ed. rev. ampl. São
Paulo: Atlas, 1999.
SMITH, Frank. Leitura significativa. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999
SILVA, Ezequiel T. da. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da
leitura. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1992.
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 4. ed. São Paulo: Nacional, 1977.
16
17
Download

entrecruzando olhares sobre a prática leitora - ENANCIB