As ressacas no litoral catarinense
O mês de maio ficou marcado para os catarinenses pela frequente atuação de ciclones
extratropicais no Atlântico, próximo à costa Sul do Brasil. Foram muitos dias com
predomínio de vento sul no litoral catarinense e consequentes ressacas atingindo as praias
do Estado, resultando em prejuízos expressivos. Os pesquisadores da Epagri/Ciram
resumem aqui os principais fatores atmosféricos e oceânicos que levaram a essa condição.
A passagem de sistemas atmosféricos como frentes frias e ciclones, na região oceânica
próxima ao Sul do Brasil, provoca uma alteração nos campos de pressão atmosférica e de
vento em superfície, o que por sua vez favorece uma alteração nas condições de mar junto à
costa catarinense.
A atuação de sistemas de baixa pressão no oceano, em especial no caso de ciclones
extratropicais, gera um padrão de circulação hidrodinâmica costeira que resulta em sobreelevações do nível do mar (aumento no nível da maré). Além disto, estes ciclones no mar
geram condições atmosféricas que favorecem um aumento da ondulação que chega à costa.
E, dependendo das características locais, a combinação de tais fatores resulta na ação de
fortes ondas que atingem uma significativa extensão de praia, favorecendo problemas de
erosão e destruição de estruturas costeiras. Nestes casos, as ondas, além de erodir a praia,
avançam sobre as dunas, que desempenham o papel de proteção costeira. A areia que não
pertence ao equilíbrio normal da praia, por sua vez, é transportada pelo vento,
reconstruindo as dunas. Mas quando ocorre uma intervenção humana, como a construção
de casas sobre as dunas, o mar destrói tudo o que está sobre as mesmas.
No litoral Sul do Brasil, os ciclones extratropicais são comuns no outono-inverno,
provocando fortes ventos de sul na região costeira, especialmente entre abril e setembro,
quando são registrados episódios de ressaca e também as melhores ondas para o surf
(swell). Em geral, nesta época do ano, verifica-se uma média de 2 casos no mês de atuação
de ciclones na costa Sul do Brasil, que resulta em alterações significativas das condições de
mar. Em maio deste ano, foram cerca de 6 ciclones extratropicais influenciando as
condições de tempo e de mar na região: em torno dos dias 05, 09, 13, 17, 20 e 30. Neste
mês, observou-se uma atuação frequente de ciclones extratropicais e passagens frontais, na
área costeira de Santa Catarina, provocando mais de 15 dias com predomínio de vento sul.
Na maior parte das vezes, os ventos ficaram entre sul e sudeste, sendo poucos os dias com
atuação do vento sudoeste.
Estas condições atmosféricas que favorecem adversidades nas condições de mar, comuns
nesta época do ano, mas verificadas em um período prolongado neste mês de maio,
somadas a problemas locais de erosão costeira, resultaram em expressivos prejuízos em
algumas localidades da costa de Santa Catarina. Embora a erosão praial possa ocorrer
naturalmente, a falta de conhecimento da dinâmica litorânea, a ocupação desordenada e a
construção de algumas estruturas (molhes, calçadões etc) podem acelerar esse processo,
exigindo, em alguns casos, gastos volumosos para minimizar o problema.
A seguir, é apresentada uma abordagem mais ampla sobre o tema, comentando desde a
atuação dos sistemas atmosféricos até o transporte de sedimentos.
Entenda mais sobre as alterações no mar associadas à atuação de ciclones na costa
catarinense
Um fator que deve ser levado em consideração quando tratamos de ressacas é a maré
astronômica, oscilações periódicas do nível oceânico em resposta à força resultante da
atração gravitacional gerada pelo sistema Sol-Terra-Lua. O alinhamento destes astros
produz as maiores amplitudes de marés, ou seja, as mais altas e mais baixas, conhecidas
como marés de sizígias.
Quando associadas a forçantes atmosféricas, as variações do nível do mar são denominadas
marés meteorológicas e verificadas em relação à maré astronômica. A passagem de
ciclones e frentes frias no mar ocasiona uma diminuição da pressão atmosférica e a atuação
do vento sul, favorecendo uma elevação do nível do mar (maré meteorológica positiva) no
litoral de Santa Catarina. Ou seja, se a maré astronômica estiver elevada em determinado
dia, a presença destes sistemas atmosféricos favorecerá uma elevação ainda maior do nível
da maré.
Com a maré alta, as ondas que chegam a determinada posição quebram mais próximo da
costa, atingindo casas, calçadas e ruas. E quanto mais elevada a altura da onda, maior a
potencialização dos estragos. As ondas mais altas (maior agitação marítima) que chegam à
costa catarinense são as de sul, geradas em alto-mar, também em associação à presença de
ciclones extratropicais.
Na costa Sul do Brasil, as maiores ressacas ocorrem quando temos a ação conjunta de
elevadas ondulações de sul e maré metorológica positiva, ambas associadas à atuação dos
ciclones extratropicais no Atlântico Sul, e ainda a maré astronômica de sizígia mais alta.
Especialmente a atuação de ciclones extratropicais no Atlântico Sul provoca uma pista de
vento sul na superfície oceânica. Conforme o tamanho da pista e tempo de duração, maior
ou menor será o efeito do vento transmitido às camadas inferiores da superfície do mar. Na
Figura 1, é apresentado um caso de ciclone extratropical (B) afastando-se do litoral de
Santa Catarina, na direção oeste-leste, entre os dias 12 e 13/05/2010, favorecendo a ação
prolongada de uma extensa pista de vento sul na superfície do mar (seta), a qual favoreceu
o aumento do nível do mar na costa catarinense e a chegada de uma ondulação mais
elevada.
Figura 1 – Ciclone extratropical no litoral de Santa Catarina, visualizado no campo de
pressão ao nível do mar e vento a 10m, entre os dias 12 e 14/05/2010 (Fonte: NCEP).
O efeito do vento sul na costa catarinense favorece o empilhamento de água na região e o
consequente aumento no nível do mar (maré meteorológica positiva). O vento é
influenciado pela força de Coriolis, a qual provoca um desvio no transporte de Ekman à
esquerda da direção da tensão do vento. Assim, é especialmente em casos de vento de
sudoeste que teremos um maior empilhamento de água no litoral sul de SC. Para o litoral
norte de SC, este empilhamento será maior para os casos de vento sul. A ondulação gerada
na pista de vento sudeste propaga-se em direção à costa de SC, e sua altura e direção de
propagação vai depender da posição, trajetória de deslocamento e intensidade dos ciclones.
Entenda melhor o balanço sedimentar na praia
A praia é um ambiente resultado de um equilíbrio dinâmico entre as ações do mar, terra e
atmosfera. O equilíbrio ocorre longitudinalmente e transversalmente à praia.
As praias recebem constantemente areia de alguma fonte que, geralmente, são os rios ou
praias vizinhas. Quando a areia chega à praia, as ondas retrabalham e selecionam o
tamanho de grão característico para aquelas condições hidrodinâmicas (ondas e correntes)
locais. Assim, as areias passam pela praia e como a fonte continua enviando sedimentos, as
praias vão se formando e permanecendo em equilíbrio.
Essa transferência lateral de sedimentos é chamada de deriva litorânea de sedimentos ou
transporte longitudinal ou paralelo à praia. A deriva litorânea pode ocorrer ora para um
lado, ora para outro lado da praia, dependendo da direção que chegam as ondas.
O movimento da areia depende essencialmente da direção de chegada das ondas e da
refração a que são submetidas quando chegam à costa. A deriva litorânea lembra os “dentes
de uma serra”, como mostra a Figura 2. O grão de areia que estava na posição 1, com a
chegada das ondas, é transportando para a posição 2; com o retorno da água ele é levado
para a posição 3 e é levado para a posição 4 quando chegam novamente as ondas, e assim
sucessivamente.
Praia
Sentido da Deriva Litorânea de Sedimentos
Grão de areia
1
2
4
3
Ondulação
Oceano
Figura 2 - Equilíbrio longitudinal das praias - transporte de sedimentos feito pela deriva
litorânea.
Sempre que ocorre a interrupção desse transporte a praia busca um novo equilíbrio, tendo
como alguns dos reflexos a erosão praial e a diminuição da faixa de areia. Por isso a fixação
da entrada dos rios por molhes precisa ser avaliada, principalmente quanto ao volume de
sedimentos que o rio transporta e o destino desses sedimentos. Se a construção do molhe é
inevitável, e às vezes é, a reposição de sedimentos para a praia deve ser feita
periodicamente, de modo que o equilíbrio seja mantido.
O outro equilíbrio ocorre transversalmente à praia e é mais visivelmente percebido no
inverno e no verão. A praia apresenta um perfil de acresção e outro de erosão (ver Figura
3). Na primavera/verão ocorre uma maior deposição de areia na parte visível da praia,
caracterizando o perfil de acresção. No outono/inverno a altura das ondas fica maior devido
à passagem de sistemas atmosféricos, como os ciclones, por exemplo. Assim, a areia que
estava na parte emersa da praia é erodida e depositada na parte submersa, caracterizando o
perfil de erosão.
Tanto no perfil de acresção quanto de erosão a areia da parte submersa forma uma
seqüência de barras e cavas paralelas à praia, provocadas pela atuação de ondas e correntes,
como mostra a Figura 3. Como as condições hidrodinâmicas locais variam, a posição
dessas feições muda periodicamente.
Dunas
Perfil de acresção
Praia
Movimento da areia
oceano
Dunas
Perfil de erosão
Praia
Movimento da areia
oceano
Figura 3 – Equilíbrio longitudinal da praia - perfil de acresção (primavera/verão) e perfil de
erosão (outono/inverno).
Em situações atmosféricas mais severas e/ou duradouras as ondas, além de erodir a praia,
avançam sobre as dunas, que desempenham o papel de proteção costeira. Os sedimentos
que são erodidos das dunas voltam gradativamente, após a passagem dos fenômenos
atmosféricos que atuavam e a respectiva diminuição na altura das ondas.
O processo de reconstrução das dunas pode ser resumido dessa forma: as ondas trazem a
areia até a parte emersa da praia e, por esta não pertencer ao equilíbrio (perfil de acresção e
erosão) normal da praia, é transportada pelo vento, reconstruindo as dunas. Quando ocorre
uma intervenção humana, como a construção de casas sobre as dunas, o mar destrói tudo o
que esta sobre as mesmas.
Os problemas nas praias ocorrem quando um desses equilíbrios é alterado. Quando a
intervenção humana ocorre, tanto no transporte longitudinal quanto no transversal, o
problema é intensificado e os estragos são de grandes proporções, como estão ocorrendo
nas praias de Santa Catarina ultimamente.
Laura Rodrigues – meteorologista
Argeu Vanz - oceanólogo
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