A EDUCAÇÃO E A FÍSICA: UMA RELAÇÃO ENTRE DUAS LINGUAGENS Joselaine Aparecida Martinez Migliato Marega Bacharel em Física Mestre e Doutoranda em Física Aplicada Joaquim Gonçalves Barbosa Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo Pesquisa coincide com a vontade de viver, de sobreviver, de mudar, de transformar, de recomeçar. Pesquisar é demonstrar que não se perdeu o senso pela alternativa, que a esperança é sempre maior que qualquer fracasso, que é sempre possível reiniciar. No fundo, pesquisa passa a ser a maneira primeira de o ator político se colocar, se lançar, seja no tatear cuidadoso em ambiente desconhecido ou hostil, seja no medir as próprias forças diante das contrárias, seja na instrumentação estratégica da ocupação do espaço1. Vindo de uma formação básica em física, na qual sou bacharel e mestre, observei durante o início da carreira como professora de física do ensino médio que faltava exercer o papel de professora–educadora; sentia a falta de uma formação no campo da educação. Durante as reflexões comecei a estabelecer relações entre as duas ciências, que a princípio pareciam antagônicas, mas que, em determinadas situações, há apenas uma diferença de linguagem. A área da educação é uma área muito rica para ser pesquisada, pois englobam inúmeras problemáticas todas ao mesmo tempo. Através da relação aluno-professor-escola pode-se avaliar as diversas realidades sociais, culturais e econômicas. Assim sendo a pesquisa em educação pode ser definida como a capacidade de questionamento do autor que se apresenta de forma não definitiva, tratando-se de uma busca permanente. Para que uma pesquisa possa ser realizada é necessária a pessoa do pesquisador, isto é, o cientista. Este deve ser uma pessoa versada sobre os pontos de vista da teoria, ou seja, apresentar uma autonomia teórica para que tenha respaldo quando nas atividades de campo. Durante muitos anos a pesquisa nas ciências humanas seguiu a trajetória percorrida pelas ciências naturais. Empregavam-se os mesmos conceitos destas para explicar muitas vezes o comportamento humano. De acordo com o Deepak CHOPRA, os velhos paradigmas consistem em considerar: - O mundo de forma objetiva, independente do observador; - O corpo e mente separados e independentes um do outro; - O materialismo é primário, a consciência, secundária. Isto é, os homens são máquinas físicas que aprenderam a pensar; - A consciência humana como um produto da bioquímica; - Os indivíduos como entidades desconectadas e auto-suficientes. Entretanto, enquanto a natureza é imutável, repetível, o ser humano difere uns dos outros, principalmente porque pensa, tem emoções e sentimentos, comportando-se muitas vezes de maneira imprevisível. As ciências físicas tratam da observação da natureza e das mudanças que nela ocorrem e as ciências humanas pesquisam o homem, não só como um ser individual, mas também como paarte da sociedade. 1 DEMO, P. Pesquisa princípio científico e educativo, p.40. Sendo assim, não vejo como correto utilizar os conceitos da física clássica da forma como vinha sendo feita para analisar o comportamento humano.Atualmente esta atitude está mudando. Entrou-se na era dos novos paradigmas, na qual o homem é entendido como um ser complexo, aquele que age de forma não dicotomizada entre corpo e mente, mas com sentimentos, emoções, desejos. Para CHOPRA o novo paradigma entende: - O mundo físico como uma resposta do observador. Os corpos são criados assim como é criada a experiência do mundo; - Os corpos são compostos de energia e informação; - O corpo e a mente são inseparáveis. A unidade, que sou “eu”, separa-se em dois cursos de experiências: o mundo subjetivo dos pensamentos, sentimentos e desejos e o curso objetivo com o corpo, em uma única fonte; - A bioquímica do corpo é um produto da consciência. Crenças, pensamentos e emoções criam as reações químicas que sustentam a vida de cada célula. - A percepção parece automática, mas na verdade é um fenômeno aprendido. - O mundo em que se vive, inclusive a experiência do próprio corpo, é ditado pela forma como a pessoa aprendeu a percebê-lo. As sementes desse novo paradigma foram plantadas por Einstein, Bohr, Heisemberg e outros pioneiros da física quântica, ao perceberem que, o modo geralmente aceito de ver o mundo restringia-se a determinadas situações, isto é, ao mundo macroscópico, no qual podia-se quantificar sem que houvesse interação com o sistema e sob condições normais de velocidade e distância. As novas formas de entendimento do ser humano consideram-no de forma holística e, portanto, de forma complexa, com suas emoções, sentimentos, afetividade, empatia e respeitando a sua caminhada anterior. Entende-se que o homem ao relacionar-se com o outro, influencia e sofre influência, nunca podendo sair do relacionamento exatamente igual como entrou. Comparando com a física, observo que esta é a idéia básica da teoria quântica: em sistemas microscópicos o observador não pode observar o objeto sem que nele influencie. A ciência não é algo acima ou à margem da sociedade, mas uma componente da mesma. Assim sendo o cientista não pode ser encarado como um elemento alheio à sociedade, a sentimentos, mas sim um observador ativo que interfere, que possui sentimento e ao mesmo tempo tem o seu olhar sobre o objeto de pesquisa. Portanto não há como se dizer que o pesquisador deve ser neutro em suas pesquisas: “A ciência tem sempre a marca do seu construtor, que nela não só retrata a realidade, mas igualmente a molda do seu ponto de vista”.(Demo, 1990). A questão da neutralidade do pesquisador não é apenas uma questão relevante nas ciências sociais. Muitas vezes comete-se o equívoco de dizer que nas ciências naturais este problema não existe. Este é um engano, pois ao entrar em um laboratório e apresentar o resultado de sua pesquisa, o cientista na área das ciências exatas e da saúde revela toda a metodologia utilizada no experimento e a sua interpretação dos resultados obtidos. Assim sendo, coloca a sua formação teórica na análise de seus resultados. A ciência recorta a realidade, porque, não alcançando dominar o todo, avança por meio da estratégia aproximativa das relevâncias discerníveis. Em termos práticos, vê-se na realidade o que se imagina relevante, o que determina ato construtivo, pelo menos no sentido de que não se interpreta sem intervir. Na ciência deve estar a realidade, que é seu objetivo.(Demo, 1990) Assim sendo, a abordagem científica de um determinado assunto reflete o pensamento do pesquisador, pois apesar deste tentar agir de forma neutra, não há como discorrer ou mesmo pesquisar, sem que haja uma inter-relação do observador com o objeto pesquisado. O primeiro é dotado de emoções e sentimentos que mesmo involuntariamente permeiam a pesquisa científica. Atualmente a educação é entendida como uma relação entre sujeitos, vendo o indivíduo integrado à sociedade e, portanto como um produto das relações sociais. Trata do indivíduo de forma complexa, considerando sua história anterior, interessando-se por seus desejos, suas implicações, sua empatia, isto é, todos os tipos de sentimento e comportamentos que podem estar envolvidos em uma relação. Sendo assim, o professor ao trabalhar o conhecimento junto ao aluno está vivenciando sentimentos como amor, afeto, indiferença, ódio, segurança, paixão pela matéria, isto é, sentimentos que são absorvidos pelo aluno, assim como este age e vivencia aquele momento junto ao professor. O relacionamento humano é de forma implicada, isto é, há uma movimentação dentro do próprio “eu” ao haver a interação. Assim sendo, não há uma relação de aprendizado sem que haja uma mudança interior tanto para o aluno como para o professor. Esta visão é o princípio geral da mecânica quântica: nenhum objeto pode ser observado sem que o observador interfira no sistema. Da mesma forma ocorre com o professor. Não é possível, a este, desempenhar sua função sem interagir com o aluno de uma maneira implicada, de forma que esta interação, este comprometimento, interfira na caminhada. É possível visualizar a sala de aula como sendo um sistema físico. Dependendo do enfoque que se deseja pode ser considerada de forma clássica (mecânica Newtoniana), quântica ou relativistica (teoria de Einstein). Pensando no ensino tradicional, em que o professor, usando a metodologia e didática que achar conveniente, quer transmitir seus conhecimentos aos alunos, tem-se um sistema físico em que a relação professor-aluno pode ser definida classicamente. Entretanto, cada aluno possui uma história de vida diferente e este conhecimento só será assimilado pelo indivíduo de acordo com suas convicções (paradigmas). Assim quando tenho a visão de uma classe na forma de grupo (isto é, num todo) encontro uma explicação na física relativística, isto é, cada aluno tem o seu próprio referencial marcado por seus dramas pessoais, sonhos, afetos, desejos. Desta forma o mesmo conteúdo (exposto em aula) terá sentido diferente para cada aluno. Pensando individualmente em cada aluno e sua interação com o professor como sendo uma interação implicada, observo uma relação com a física quântica. Esta, tratando de partículas mostra que não há como o observador medir sem que interfira no resultado. Assim ocorre com o professor: ele interfere na caminhada dos alunos, o que evidência a responsabilidade do professor-educador. Podemos destacar que em uma mesma sala de aula encontram-se, no mínimo, três formas diferentes de ver o problema, dependendo da visão do pesquisador. Um determinado tema pode ser lido por diferentes olhares, dependendo do conhecimento préexistente do pesquisador, da sua história de vida pessoal, profissional e do seu desejo em relação àquele determinado assunto. Neste sentido pode-se pensar os conceitos na educação a partir de múltiplas referências. Exemplificando, o aluno pode ser visto, entre outros, do ponto de vista psicológico, social, administrativo, ou como um sistema físico. Tudo depende da forma como está sendo observado. Cada observador tem sua trajetória anterior, sua especialização e, portanto, a visão possui uma característica pessoal de interpretação. Cada aluno deve ser considerado como um sistema de referência, não sendo possível obter a mesma resposta, no sentido de comportamento, para alunos da mesma classe, pois cada um traz naquele momento uma caminhada diferente, uma carga diferente de emoções e desafios durante a vida. Neste sentido é que penso que ocorre uma revolução nas teorias educacionais: o aluno passa a ser observado a partir de um contexto mais amplo, não só como um número inscrito em uma caderneta, limitado dentro de uma sala de aula, desconectado do social e alheiro as suas experiências da vida, mas sim como portador de um referencial próprio. Portanto, nesta perspectiva, o vivido numa sala de aula pode ser comparado ao mundo estudado por Einstein no qual dois acontecimentos simultâneos num sistema de referência não são simultâneos noutro sistema de referência. É possível dizer que, em termos de educação, a partir da aprendizagem experienciada pelo professor e o aluno dentro da sala de aula, não se pode esperar o mesmo aproveitamento para todos os alunos, pois cada aluno tem seu próprio referencial, seu próprio processo de aprendizagem, seus problemas, aflições, indagações, isto é, sua vida pessoal diretamente influenciando, para não dizer determinando, seu aprendizado. Este só vai conseguir absorver da experiência vivida em sala de aula apenas o que conseguir e desejar, mesmo que inconscientemente filtrar. Ao mesmo tempo, cada aluno deve ser compreendido em seu próprio mundo, de forma individualizada e não como um conjunto. Cada um, principalmente quando adulto, já traz consigo experiências, saberes adquiridos, visões do mundo, julgamentos, valores que vai se tornar fundamental na perspectiva da formação é a apropriação de conhecimento de modo individual que só poderá ocorrer tendo em conta o ritmo próprio de cada indivíduo através de um processo de amadurecimento pessoal. Quando se observa a caminhada do sujeito individual deve-se levar em conta a dimensão temporal e histórica. Não o tempo quantitativo, mas o tempo vivido. Cada pessoa compreende a partir de seus preconceitos, de seus prismas, de seus filtros... de sua própria temporalidade. Nesse novo modo de ver a formação dos alunos, cabe ao professor interagir com eles, de forma que sejam interações implicadas, isto é, carregadas de desejo e de afetividade para despertar o amor para o conhecimento. O professor, assumindo o grupo-classe com a finalidade de formar seus estudantes, interage com eles através de uma relação de troca onde cada um exerce uma influência sobre o outro de forma a haver alteração. Esta forma de ver a educação é muito mais complexa do que a prática tradicional, porque se destina também à observação e à escuta do outro que nem sempre é fácil de ser obtida, pois o professor para isso tem que conseguir enxergar a relação com o aluno como se não fizesse parte dela e sim como um mero espectador, interpretando-a. Considerando o aluno como uma partícula, o seu relacionamento com o professor, interferirá na caminhada desse. Na mecânica quântica, como se trabalha com o mundo microscópico, não é possível medir a posição de uma partícula sem nela interferir; o que há são funções de onda, que indicam a probabilidade da partícula estar naquele local naquele determinado tempo. O mesmo ocorre na educação, onde o professor não pode ser apenas observador do aluno com o intuito de controlá-lo e dominá-lo, mas sim que influencia o tempo todo na vida do aluno. A teoria de Newton é clara quando queremos explicar o mundo em que (individualmente) vivemos e nas dimensões em que a vida se desenvolve. O nosso sistema educacional é objetivo, unidimensional, matematicamente ordenado e disciplinado. Os professores transmitem conhecimentos a todos os alunos de forma indistinta, isto é, concebe identidade única a vários sujeitos. O novo paradigma considera as relações entre vários sujeitos singulares que interagem entre si e, portanto trabalha com a complexidade, pois nelas há conflitos interpessoais de histórias pessoais que dependem da caminhada do sujeito. Pode-se considerar esta complexidade do aluno, de formas diferentes. Podemos considerar o aluno dentro de uma sala de aula, tendo seu referencial próprio, assim como podemos enxergá-lo individualmente em seu relacionamento com o professor. Desta forma, assim como na física uma teoria não invalida a outra, depende das condições em que se está trabalhando, não se pode excluir dentro do processo educacional qualquer tipo de abordagem. Depende do momento e da forma pela qual deseja-se que o aluno seja observado. A natureza como um todo, é muito complexa. Para estudá-la o homem dividiu-a em várias áreas do conhecimento, que se interpenetram, diferem apenas na linguagem. Pensando desta forma é que há aproximadamente há um ano e meio estudo as abordagens educacionais, iniciando pela perspectiva multirreferencial, pois embora tenha tido formação em Física, penso que todo o desenvolvimento científico encontra-se alicerçado em uma mesma base; cada área do conhecimento humano interpreta-a de uma forma, mas na essência, trata-se apenas de uma diferença de linguagem! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência. Ars Poetica, 1996. ARDOINO, Jacques. A formação do educador e a perspectiva multirreferencial. EUFSCar, 1998. BARBOSA, Joaquim. Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EUFSCar, 1998 (a). BARBOSA, Joaquim. Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EUFSCar, 1998 (b). CAPRA, Fritjof . O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1999 CAPRA, Fritjof. O tao da física. São Paulo: Cultrix, 1983. CHOPRA, Deepak. Corpo sem Idade, Mente sem Fronteira. Coleção Arco do Tempo. Editora Rocco. DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 1990. MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Explicando a teoria da relatividade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. NOBREGA, Clemente. Em busca da empresa quântica. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 11a edição. Edições Afrontamento, 1999. ZOHAR, Danah. O ser quântico. São Paulo. Editora Best Seller,1990. ZOHAR, Danah. Sociedade quântica. São Paulo. Editora Best Seller,2000.