USOS E COSTUMES
Lobolo
Prática antiga e comum à África
Austral é o lobolo. À primeira vista,
pode parecer uma negociação
complexa e formal entre as famílias
dos futuros esposos. Visa obter um
acordo sobre o preço que o jovem
pretendente tem de oferecer à família
da noiva para casar com ela. Mas é o
oposto de uma transição comercial.
Torna-se tão importante para
o casamento porque está baseado
no processo que reúne duas famílias.
Assenta sobre o respeito mútuo e a
dignidade, em que o amor dos dois
jovens é alargado de modo a incluir
todos os membros das suas famílias
Preparação do rito da partilha da
carne numa cerimónia tradicional
texto e foto Carlos Domingos
radicionalmente o lobolo é pago
em produtos da natureza, especialmente gado bovino. A maioria dos casamentos exige a quantia de 11
vacas. O número pode aumentar no caso
de jovens de linhagem, filhas de chefes
ou raparigas inteligentes e hábeis. Mas,
no caso em que se venha a descobrir um
defeito físico na mulher, o pai dela deve
dar de volta parte do gado recebido.
do matrimónio. Em caso de separação
da esposa (equivalente ao divórcio), a
família dela, geralmente, deve devolver
o lobolo. Assim, quando surge um problema no matrimónio, toda a família
se preocupa em ajudar a ultrapassar as
dificuldades (muitas vezes fazendo pressão sobre a esposa), já que ninguém está
disposto a desfazer o que foi acordado.
Garantir a estabilidade
Os costumes e tradições podem ser adulterados e mal-entendidos com o passar
do tempo. Na sociedade actual, há quem
considere o lobolo uma compra da noiva
pelo marido, o que lhe daria fundamento legal para usar e abusar dela. A crescente urbanização e a livre circulação do
dinheiro (em oposição aos bens da natureza) levou ao pagamento em numerário, acentuando a ideia de compra.
Há jovens que, não dispondo da so­
ma necessária para o casamento,
sen­tem-se perante uma barreira de
ti­po financeiro. Outros, com meios
su­ficientes, pensam duas vezes antes
O processo é longo e formal e, muitas
vezes, é iniciado e mantido pelos tios do
jovem, intermediários e interessados
ao mesmo tempo. Um encontro final
entre as duas equipas permite acertar
os últimos detalhes. Entre os xhosa, da
África do Sul, é costume colocar uma
garrafa de brandy em cima da mesa das
“negociações”, para quebrar a tensão.
Embora quase nunca se abra, a garrafa
é conhecida como o “abre-bocas”. Assim que a quantia a pagar for acordada,
as negociações dão-se por concluídas.
O lobolo contribui para a estabilidade
22 FÁTIMA MISSIONÁRIA JUNHO 2009
Riscar a ideia de compra
de investir na mulher, já que investimentos diferentes podem produzir
resultados financeiros mais atraentes.
Amizade entre duas famílias
Os defensores do lobolo argumentam
que, na sociedade tradicional agrária, a
quantia paga era entendida como um
presente do noivo à família da noiva,
por esta ter criado a sua esposa. Nesta
maneira de ver, seria uma espécie de
compensação pela perda da filha, já que
ela irá mudar-se para a casa do noivo.
O lobolo é tido como uma garantia
para a família da noiva. O jovem prova que tem habilidade para manter a
futura esposa e a nova família. Nunca
se pode comparar a pessoa a um valor
monetário. Nem se trata de recuperar
o dinheiro gasto para criar a filha. O
lobolo não significa compra; significa
boa vontade e amizade entre as duas
famílias. Não tem a ver com a quantia
que o noivo paga, mas se ele demonstra interesse suficiente para iniciar o
encontro entre as duas famílias.