Osvaldo Herek Visão sistêmica do curso de Engenharia Mecânica Osvaldo Herek (Doutor) Curso de Engenharia Mecânica - Universidade Tuiuti do Paraná Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 109 110 Visão sistêmica do curso de Engenharia Mecânica Resumo O trabalho propõe uma metodologia para a seleção das disciplinas de um curso de engenharia mecânica, bem como dos tópicos individuais correspondentes, a partir da contestação dos projetos pedagógicos em moda, que têm como objetivo final que o egresso atinja competência nas habilidades avaliadas como fundamentais em função do mercado, da ética e das necessidades da sociedade, e ainda que essa escolha seja fundamentada na caracterização de problemas práticos e suas soluções. Propõe também que o problema seja tratado através da informática permitindo agilidade e atualização constantes. Mostra ainda como o engenheiro mecânico se insere no seu campo de atuação na indústria permitindo uma visão geral do problema. Palavras-chave: Engenharia Mecânica, ensino superior, projeto pedagógico. Abstract This paper suggests a methodology for the selection of individual subjects that together will characterize the disciplines of a Mechanical Engineering Course. Its done from the contestation of the nowadays pedagogic projects, wich aims at reaching students competence in the considered fundamental abilities, in order to reach the needs of the society, ethic principles, market laws and a strong capacity of solving practical problems. It also suggests that the problem can be treated through information systems, allowing update and constant actualization. It also shows the role of the mechanical engineer in industries in order to get a general view of the problem. Key words: Mechanical Engineering, superior pedagogic, pedagogic project. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 Osvaldo Herek Introdução O conhecimento humano pode ser imaginado como o conteúdo de uma esfera limitada. O restante é o desconhecido. Embora o conhecimento humano seja muito pequeno, em relação ao que ainda está por vir, já é de uma grandeza tal que não se pode mais esperar que exista alguém capaz de, sozinho, dominá-lo, mesmo que seja de uma forma generalista. Por essa razão, é importante dividi-lo. Poderíamos, portanto, imaginar uma classificação dos profissionais de engenharia em: cientistas, pesquisadores, engenheiros propriamente ditos e executores. Aos cientistas caberia esclarecer, à exaustão, os fenômenos físicos e químicos, independentemente dos resultados práticos que possam deles ser obtidos. Aos pesquisadores caberia, de uma forma geral, desenvolver as metodologias que permitissem utilizar, praticamente, os resultados obtidos pelos cientistas. Aos engenheiros caberia projetar e construir obras, utilizando os princípios físicos e químicos a seu favor quando possível, ou evitando os seus efeitos quando desfavoráveis, de forma a garantir qualidade, estabilidade e perenidade à sua obra e os executores seriam os apontadores dos problemas. A Engenharia Mecânica é por si só muito ampla e por isso é fundamental definir as habilidades do enTuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 genheiro mecânico que se pretende formar para que se possa, de forma objetiva, educar corretamente um ser humano para a sociedade. Habilidades do engenheiro mecânico Para se definirem essas habilidades, devemos tomar em consideração, entre as dezenas de fatores pertinentes, em especial: as necessidades da sociedade, os estudantes disponíveis, a propensão da região, os outros cursos existentes etc. Essas habilidades deverão ser listadas e passarão a ser os objetivos do curso e deverão permitir ao egresso resolver problemas e implantar soluções, de forma a atender às necessidades da sociedade, mesmo porque, de outra forma, não faria sentido. Devemos, portanto encontrar um critério de seleção dos conteúdos que deve caracterizar o curso de engenharia para atingir essas habilidades. Ao longo da História tem-se observado que, na maioria dos casos, os problemas práticos é que levam os homens a desenvolver teorias que possam esclarecêlos, resolvê-los ou contorná-los; aliás, podemos sentir aqui a primeira grande e básica falha de nossa educação: em geral ensinamos ao aluno resolver teoricamente um problema prático que ele jamais teve. Obviamente o aluno deverá compreender, em primeiro lugar, qual é o problema prático para o qual ensinamos a solução. 111 112 Visão sistêmica do curso de Engenharia Mecânica Podemos, portanto, utilizar esse fato como um critério para definirmos os conteúdos das disciplinas bem como para consolidarmos as habilidades do engenheiro que queremos. A primeira pergunta será pois: quais os problemas práticos que ele, como engenheiro, deverá resolver? Dessa forma, definiremos as referidas habilidades desejadas e a segunda pergunta será: quais os conteúdos que essas disciplinas devem conter para a conquista dessas habilidades; em outras palavras, nenhum conteúdo deve compor as disciplinas se não for possível mostrar ao aluno, a partir da caracterização do problema prático, sua finalidade dentro do campo de atuação profissional previsto. Neste momento, chama-se a atenção dos professores que, em geral, conhecem profundamente os assuntos que ministram e possuem uma boa experiência no mesmo, para que façam uma reflexão na elaboração das ementas de suas disciplinas, pois o entusiasmo poderá incluir assuntos distantes da realidade dos alunos. O perfil do engenheiro mecânico (Visão do MEC, 1999) - Sólida formação básica em engenharia mecânica; - Visão sistêmica e multidisciplinar; - Espírito empreendedor e capacidade de trabalhar em equipe; - Atitudes e capacidade para resolução de problemas e tomada de decisão; - Formação humanística e visão holística; - Postura ética, atento para as questões sociais e ambientais; - Capacidade de auto-aprendizado e aperfeiçoamento contínuo; - Conhecimento de informática; - Capacidade de expressão oral e escrita; - Conhecimento de língua(s) estrangeira(s); - Visão gerencial para administrar recursos humanos e materiais. Caminhos essenciais para a formação do engenheiro mecânico O curso deve ser generalista, pois o aluno ainda não sabe qual será sua atuação como profissional, mesmo quando já entra na Universidade com aparente escolha definitiva. As disciplinas ministradas envolvem dezenas de especialidades que deverão ser desenvolvidas posteriormente. Qualquer que seja, no entanto, seu caminho, podemos dizer que a formação do engenheiro envolve, pelo menos, os seguintes conhecimentos: - conhecimentos dos fenômenos físicos e químicos passíveis de serem medidos e controlados; - conhecimento de matemática (cálculo, geometria, Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 Osvaldo Herek - - - - - álgebra linear, estatística, etc.) suficiente para levantar dados sobre esses fenômenos físicos e químicos, utilizar as leis que os regem e extrapolar resultados; conhecimentos de informática suficientes para metodizar, agilizar e tornar mais confiáveis esses cálculos; conhecimento de sistemas de medição e metrologia para medir as grandezas características desses fenômenos, bem como os resultados calculados para constatação da validade dos mesmos; conhecimentos de metodologias que permitam com base nesses fenômenos construir sistemas estáveis, funcionais, de acordo com a legislação vigente (normas) e livre de problemas de forma a atender as necessidades da sociedade; conhecimentos de línguas o suficiente para que possa se expressar internacionalmente e compreender os acontecimentos internacionais, em especial no campo da tecnologia; conhecimentos de ecologia para que saiba utilizar com parcimônia os recursos naturais disponíveis; conhecimento de técnicas e metodologias administrativas e de otimização e orientação para que tenha uma postura ética impecável e de enfrentamento dos problemas. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 113 Grade genérica de um Curso de Engenharia Mecânica (UTP, 2000) No Série Disciplinas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 1a 2a 3a Cálculo Diferencial e Integral A Física Geral e Experimental A Introdução à Engenharia Geometria Analítica e Álgebra Linear Química Geral Desenho Técnico Cálculo Diferencial e Integral B Física Geral e Experimental B Probabilidade e Estatística Calculo Numérico e Computação Mecânica A Termodinâmica Ciência e Tecnologia dos Materiais Mecânica B Economia da Engenharia Mecânica dos Fluidos Elementos de Máquinas A Metrologia Transferência de Calor Resistência dos Materiais Eletrotécnica e Eletrônica Processos de Fabricação A Vibrações Mecânicas Maquinas Térmicas A Seleção dos Materiais Elementos de Máquinas B Automóveis H/A Subtotal 160 160 80 120 100 100 720 120 120 80 120 80 120 80 720 80 80 80 80 40 80 80 80 120 720 80 80 80 80 Produção H/A Subtotal 160 160 80 120 100 100 720 120 120 80 120 80 120 80 720 80 80 80 80 40 80 80 80 120 720 80 80 80 80 114 No 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 Visão sistêmica do curso de Engenharia Mecânica Automóveis Produção Série Disciplinas H/A Sub- H/A Subtotal total 4a Tópicos em Engenharia da Produção A 80 160 Tópicos em Engenharia Automotiva A Projeto de Máquinas 80 80 Automação Industrial 80 80 Maquinas de Fluxo 80 80 Processos de Fabricação B 80 80 Engenharia e Sociedade 80 80 Supervisão de Estagio 40 840 40 840 Máquinas Térmicas B 80 Sistemas Mecânicos Automotivos 160 Refrigeração e Ar Condicionado 80 5a Robótica 80 Optativa 80 80 Sistemas de Controle Automotivo 120 Tópicos em Engenharia da Produção B 80 80 Tópicos em Engenharia Automotiva B Planejamento e Organização Industrial 80 Pesquisa Operacional 120 Custos Industriais 80 Logística 80 Gestão da Qualidade na Industria 80 Gerencia de Projetos 80 Projeto de Graduação 40 720 40 720 Total 3720 3720 Carga horária estágio supervisionado 320 320 Atividades Complementares 400 400 Envolvimento do engenheiro mecânico nos processos industriais Para os engenheiros mecânicos, assim como para qualquer outra profissão, sugere-se, como auxiliar para reflexão, um fluxograma (figura 1), que mostra seus Arte Criatividade Consultoria Literatura Função Estética Projeto Conceitual Grupos: I, V Projeto Funcional Grupos: I, II, III Projeto Estrutural Grupos: I, II, IV Protótipo Grupos: I, II, III e VI Testes Grupo: VI Projeto da produção Manutenção Descarte Grupos: V, VI Mercado Figura 1: Envolvimento do Engenheiro Mecãnico na Indústria envolvimentos dentro de um processo industrial, bem como os de outras profissões afins. Separamos, a seguir, para uma melhor análise, as disciplinas em grupos característicos, os quais estão também indicados na figura 1- Envolvimento do engenheiro mecânico na indústria, nas fases pertinentes. O fluxograma procura mostrar onde o Engenheiro mecânico atua dentro do contexto industrial. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 Osvaldo Herek Divisão por grupo das disciplinas do Curso triais; Gestão da Qualidade na Indústria; Robótica; Sistemas de Controle Automotivo; Grupo I - Física e Química Grupo VII - Administração Física Geral e Exp. A; Física Geral e Exp. B; Química Geral; Termodinâmica; Ciência E Tecnologia dos Materiais; Transferência de Calor; Eletrotécnica e Eletrônica; Mecânica dos Fluidos; Mecânica Vetorial B; Vibrações em Sistemas Mecânicos; Gerência de Projetos; Engenharia e Sociedade; Planejamento e Organização Industrial; Pesquisa Operacional; Economia para a Engenharia; Grupo VIII - Informática Cálculo Numérico e Computação; Grupo IX - Comunicação Cálculo Diferencial e Integral A; Cálculo Diferencial Grupo X Grupo II - Matemática e Integral B; Cálculo Numérico e Computação; Geometria Analítica e Álgebra Linear; Probabilidade e Estatística; Estágio Supervisionado Projeto de Graduação Grupo III - Máquinas Planejamento do Curso Elementos de Máquinas A; Máquinas de Fluxo; Máquinas Térmicas A; Máquinas Térmicas B; Sistemas Mecânicos Automotivos A; Refrigeração e Ar Condicionado; Para um bom planejamento do curso, sugere-se discretizar os tópicos de todas as disciplinas, organizar um “PERT” com as estimativas de tempo necessárias para ministrar os respectivos tópicos, ordená-los de acordo com a seqüência didática ótima, considerando-se os pré-requisitos necessários para cada tópico, prevendo-se inclusive o tempo necessário para as aulas práticas, onde um dos itens principais é a caracterização dos problemas cujas soluções estão sendo estudadas, retirar os conteúdos que não estiverem relacionados aos objetivos do curso, incluir os conteúdos considerados faltantes na análise feita e só então agrupá-los em Grupo IV – Estruturas Mecânica Vetorial A; Resistência dos Materiais; Elementos de Máquinas A; Grupo V - Projeto do produto Desenho Técnico; Projeto de Máquinas; Seleção de Materiais; Processos de Fabricação A; Processos de Fabricação B; Grupo VI - Medição e controle Metrologia; Automação Industrial; Custos IndusTuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 115 116 Visão sistêmica do curso de Engenharia Mecânica disciplinas. Para um trabalho dessa natureza é fundamental o envolvimento integral de todos os docentes. Contatos com a indústria e a participação dos alunos como cúmplices do trabalho são fundamentais. Não podem ser esquecidas as recomendações do MEC para que o curso seja devidamente reconhecido. Não há necessidade de mudança dos nomes das disciplinas. Basta otimizar os seus conteúdos. Na coluna ao lado, apresentamos um esboço inicial de um planejamento dessa natureza, montado com auxilio do “Microsoft Project”, onde sugerimos como esse trabalho poderá ser conduzido. Implantação do planejamento do Curso Não basta planejar com perfeição, é necessário que o planejamento seja seguido, acompanhado e devidamente corrigido quando necessário. Para isto é necessário que se coloque no sistema, malhas de realimentação em função das observações dos próprios professores e que se permita sua atualização quase “online”. É importante também lembrar que os alunos aprendem melhor novos conhecimentos quando podem relacioná-los aos conhecimentos que já possuem. Por essa razão deve-se, ao se iniciar um tópico Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 Osvaldo Herek de uma disciplina, estabelecer claramente as relações do assunto novo com os assuntos (pré-requisitos) já aprendidos. Esse raciocínio vale também para cada aula, quando se deve reservar alguns minutos para relacionar os assuntos a serem vistos com os já vistos na aula anterior e mais alguns minutos ao final da aula para visualizar o assunto da próxima aula. Não custa lembrar que estamos na era da informática e que existem softwares para a maioria das aplicações de engenharia. Portanto, não podem ser esquecidas as referências a esses softwares nem tampouco exercícios relacionados, no laboratório de informática, para que os alunos se familiarizem com os mesmos. Para se introduzir os novos conceitos e exemplos é recomendável a utilização de vários recursos audiovisuais (retroprojetor, data-show, modelos, peças, fotos etc.), caracterizando sempre o problema prático que gerou o conteúdo em pauta. A cada aula deve-se propor exercícios, sempre ligados aos problemas caracterizados, para que os alunos os resolvam e retenham conseqüentemente o assunto visto. A fonte (bibliografia) deve estar acessível aos alunos. Para as disciplinas onde são necessárias aulas práticas em laboratório, envidar todos os esforços para que elas aconteçam. Prever também visitas aos locais onde os problemas mencionados possam ser visualizados. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 Note-se que embora tenha sido dito neste trabalho que o engenheiro mecânico tem de se comunicar bem, inclusive internacionalmente, respeitar o meio ambiente, trabalhar em equipe, desenvolver seus conhecimentos de informática e se portar de maneira ética, não há, na grade horária, conteúdo suficiente previsto nesse sentido. Para que essas habilidades sejam garantidas, sem aumentar a carga horária do curso, é necessário que os professores, através de trabalhos práticos escritos, exijam dos alunos que os mesmos sejam elaborados em equipe, com participação da indústria, utilizando-se dos recursos de informática, de acordo com as normas pertinentes, utilizando bibliografia, pelo menos em parte, estrangeira (em Inglês, por exemplo). Também como sugestão: pode-se usar períodos ociosos para realizar cursos paralelos de línguas, informática etc. oferecidos à comunidade em geral, nos quais os alunos do curso de engenharia mecânica, que não forem aprovados nos testes de proficiência, teriam direito a bolsas. Conclusões As idéias aqui expostas não pretendem a perfeição. O objetivo é iniciar um movimento que acabará por aperfeiçoar os Cursos de Engenharia Mecânica. Os professores têm pela frente duas tarefas que são também dois desafios. A primeira refere-se à de- 117 118 Visão sistêmica do curso de Engenharia Mecânica finição do rol de habilidades que irá caracterizar o engenheiro Mecânico desejado e que daí em diante passarão a ser os objetivos do curso e a segunda, dividida entre os professores de cada área, consistirá na seleção dos diversos conteúdos e respectivos níveis de aprofundamento, essenciais para que os alunos conquistem as habilidades definidas. Caberá também aos professores, estimar o tempo necessário para cada um desses conteúdos incluindo as aulas práticas e a definição dos respectivos conteúdos pré-requisitos necessários. Uma primeira versão das relações mencionadas deverá ser elaborada e trabalhada com o auxílio de um software (como sugestão o MSProject) e serão consideradas no projeto pedagógico. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 Osvaldo Herek Referências bibliográficas MEC. (1999). Diretrizes curriculares para os cursos de Engenharia. MEC: Brasília. UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ – UTP. (2000). Colegiado do Curso de Engenharia Mecânica – Projeto pedagógico. Curitiba. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 109-120, Curitiba, dez. 2001 119