Grupo de Trabalho 4 Aplicações: sustentabilidade, prospecção Coordenadores: Alberto J. Cavalheiro, NuBBE -IQ/UNESP – Araraquara Giselda Durigan, IF - Assis Provocador: Glaucius Oliva, USP – São Carlos Alexandre Marco da Silva – CENA – ESALQ Ana Maria Soares Pereira - UNAERP Ariane di Túlio – ESALQ (Trilhas Ecológicas) Márcia Regina Braga – IBt – SMA Marco Aurélio Tiné – IBt - SMA Maria Alice Vaz Ferreira – ESALQ (Educação Ambiental) Walter Barrela – PUC-SP Introdução A utilização da biodiversidade pelo homem se confunde com sua própria existência e a domesticação de espécies úteis está diretamente associada à civilização. No entanto, a partir da segunda metade do século XX dois fatores começaram a mudar a forma de tratar a biodiversidade: - o desenvolvimento da biotecnologia, valorizando produtos (genes, substâncias) encontrados em espécies aparentemente sem valor, o que torna qualquer espécie um tesouro potencial; - o desenvolvimento urbano e industrial, que aliado ao aumento explosivo da população humana na Terra e da sociedade de consumo, começaram a dar sinais de que os recursos não são infinitos e que as alterações ambientais provocadas por sua exploração acelerada poderia comprometer a sobrevivência da nossa espécie. Desde a década de 70, várias iniciativas internacionais vêm sendo tomadas para encontrar e propor novos caminhos na direção da exploração sustentável dos recursos biológicos, culminando com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), já assinada e ratificada por 172 países, mas com a ausência dos EUA. Embora não exista um entendimento claro do que seria o uso sustentável da biodiversidade, algumas características desse tipo de exploração de recursos biológicos podem ser apontadas: - o uso sustentável deve assegurar a manutenção da diversidade genética das espécies exploradas; - o uso sustentável deve assegurar a manutenção da diversidade de espécies em áreas exploradas; - parte dos recursos gerados a partir da exploração de produtos da biodiversidade deve reverter para a recuperação/preservação do meio ambiente. Entre os produtos da biodiversidade estão espécies forrageiras, fornecedoras de alimentos, bebidas, madeira, fibras, ornamentais, espécies indicadoras de qualidade ambiental, biorremediadores, espécies úteis no controle biológico de pragas etc, que poderiam ser domesticadas ou exploradas através de manejo sustentável. Mas, existem também produtos mais elaborados, e hoje com maior valor agregado, obtidos de metabólitos naturais ou a partir de modelos naturais, que não implicam em exploração de populações naturais ou em manejo sustentável. Neste grupo estão incluídos fármacos, essências, pesticidas, conservantes, antioxidantes, espessantes, estabilizantes, toxinas, corantes, enzimas etc., além dos próprios genes responsáveis em primeira instância pela produção dessas substâncias – hoje tremendamente valiosos em função dos avanços da biotecnologia. Ainda é preciso mencionar a diversidade gênica inestimável de parentes silvestres de espécies cultivadas, que possibilitam a obtenção de variedades mais resistentes ou produtivas através de melhoramento genético. A busca de novos produtos oriundos da diversidade biológica – a bioprospecção – permite agregar valor a espécies desconhecidas ou até agora pouco valoradas e pode ser feita em qualquer área, com qualquer espécie, e de forma suportável em qualquer ambiente. Mas, a um novo produto descoberto, pelo menos as três características da exploração sustentável apontadas acima devem ser consideradas, demandando estudos adicionais ou complementares que permitam mapear e conservar (germoplasma) a diversidade genética da espécie, conhecer seu ciclo reprodutivo, estoque natural, potencial econômico, envolvimento na cadeia alimentar, papel no ecossistema (ecofisiologia), estudos de manejo, formas de distribuição de lucros advindos de sua exploracão etc., sem os quais não será possível falar em sustentabilidade. Parece óbvio, mas esse ciclo precisa ser exaustivamente repetido, até ser efetivamente aplicado. O programa BIOTA/FAPESP tem contribuído para isso? O BIOTA trouxe avanços fundamentais na metodologia de mapeamento da biodiversidade paulista, incluindo perspectiva real de modelagem de ocorrência de espécies. Identificar as espécies e localizá-las no campo é o ponto de partida para trabalhos de bioprospecção. Conhecer a distribuição das espécies e sua relação com o meio físico é ponto de partida para entender o funcionamento dos ecossistemas e para avaliar a sustentabilidade na exploração de qualquer espécie. Com relação ao mapeamento propriamente dito, pelo menos 5296 espécies diferentes já foram cadastradas no SinBiota, fruto do trabalho de 3571 coletas realizadas nos vários ecossistemas do estado de São Paulo no âmbito do programa BIOTA. Porém, há grandes lacunas taxonômicas e regiões pouco amostradas pelos inventários já concluídos. Isso pode ser reflexo de duas situações. A primeira estaria relacionada à falta de projetos ou a um número reduzido deles dedicados ao inventário de táxons megadiversos como angiospermas, microrganismos, invertebrados etc., enquanto a segunda situação estaria relacionada à condição residual das áreas nativas do estado, tornando muitas espécies extremamente raras no estado de São Paulo. Mesmo assim, grupos taxonômicos como Pteridófitas e Mamíferos já tiveram ampliado o número de espécies conhecidas no estado, em relação ao que se conhecia em 1997. A estratégia do Programa, de focar várias abordagens simultaneamente, é positiva. Paralelamente à realização de inventários e informatização de coleções, vários projetos envolvem estudos integrados ou integradores, que levarão ao melhor entendimento do funcionamento dos ecossistemas e à avaliação de sua sustentabilidade. Por outro lado, pelo menos quatro projetos estão diretamente voltados para a busca de novos produtos moleculares a partir da biodiversidade paulista – esses projetos já foram capazes de eleger espécies das quais se poderiam obter produtos de interesse econômico, como fitofármacos, , espessantes e adoçantes naturais, por exemplo. Em alguns casos, como o de adoçantes naturais baseados em frutose e extraídos de espécies de cerrado, já existem estudos agronômicos gerados dentro do Biota, referentes à produtividade em solos normais e sujeitos à adubação e cujos dados já foram disponibilizados na forma de publicações. Mas, mesmo apoiados na rede de informação recém implementada, o ponto de estrangulamento dos projetos de bioprospecção está na dificuldade em localizar e identificar as espécies no campo, principalmente aquelas menos comuns. Uma maior integração entre equipes de campo envolvidas no inventário de espécies, geneticistas envolvidos na implementação de bancos de germoplasma e químicos de produtos naturais envolvidos em trabalhos de bioprospecção traria avanços consideráveis nas pesquisas. Expedições de coleta baseadas no tripé amostragem para coleções biológicas – amostragem de DNA e material para banco de germoplasma – amostragem para bioprospecção resultariam em maior eficiência no aproveitamento dos recursos humanos e materiais destinados a essas coletas. Outro ponto a considerar é que ainda são raros os estudos voltados para a sustentabilidade ecológica de populações de espécies com valor comercial recém descobertas ou mesmo com mercado já existente. Considerando os grandes biomas do estado, com os dados obtidos até o momento, foi constatado que o Cerrado e a Floresta Estacional Semidecidual são biomas extremamente fragmentados, com populações reduzidas e ameaçadas pelo isolamento, embora ainda ricos em espécies pouco estudadas. São áreas de preservação prioritárias, nas quais a exploração em larga escala das reduzidas populações naturais através de manejo sustentável é inviável. Com relação à Floresta Ombrófila Densa, embora existam algumas tentativas de uso sustentável (caixeta e palmito, por exemplo), não há estudos completos que garantam a efetividade do método utilizado (a real sustentabilidade ecológica da exploração) e nem mesmo avaliação do impacto ambiental. A redução da variabilidade genética da caixeta provocada pelo predomínio de reprodução vegetativa por rebrota é um dos possíveis impactos ambientais que devem ser avaliados e usados como exemplo quando se pensa em sustentabilidade com pequeno impacto. Novos caminhos devem ser seguidos? Embora detentor da maior quimiodiversidade do planeta – uma planta biossintetiza em média 100 metabólitos secundários diferentes, há uma participação mínima do Brasil no mercado mundial de medicamentos. Substâncias naturais continuam sendo modelos para novos fármacos 40% dos fármacos atuais têm origem em produtos naturais e a tendência desse percentual é crescer. Porém, chegar a um novo fármaco a partir de produtos da natureza é um processo demorado e difícil. A probabilidade de se encontrar uma molécula com bioatividade potencial é baixa, e a probabilidade de uma dessas moléculas, ou derivados delas, vir a se tornar um medicamento comercial é pelo menos mil vezes menor. Assim, a descoberta de um novo fármaco é um empreendimento de alto risco, o desenvolvimento é um empreendimento de alto custo e a comercialização deve ser um negócio de altíssimo lucro. Por isso não há interesse dos grandes laboratórios internacionais em buscar medicamentos para as chamadas doenças tropicais, doenças “ligadas à pobreza”. O sucesso de um empreendimento de bioprospecção será tanto mais provável quanto maior for o número de amostras avaliadas, quanto maior a diversidade das amostras e quanto maior o número de ensaios utilizados. O programa BIOTA, inicialmente pensado para mapear a biodiversidade do Estado de São Paulo, a partir da experiência que adquiriu no desenvolvimento integrado de projetos relacionados à biodiversidade, representa um marco importante para as necessidades de um sub-programa de bioprospecção. Para estabelecer um empreendimento colaborativo dessa natureza, uma relação ainda mais próxima entre grupos de pesquisa voltados para a localização, identificação e estudos de biologia das espécies e laboratórios de química de produtos naturais e de bioensaios é fundamental. Além disso, grupos de pesquisa nacionais com experiência reconhecida, uma vez associados, poderiam estabelecer estratégias para resolver problemas relacionados às doenças tropicais, como leishmaniose, Chagas, malária e outras, sem esquecer que os biomas tropicais ainda são fonte potencial de novas drogas anticâncer, antioxidantes, antibióticas etc. Além da comunidade científica, o setor empresarial ligado às indústrias farmacêuticas, cosméticas, alimentícias e agroquímicas seria parceiro de grande importância para o sucesso dessa proposta. Um desenho básico de ação integrada é representado na figura 1. O processo não consiste apenas em identificar moléculas naturais com alto valor de mercado e desenvolver produtos a partir delas, seja por processos sintéticos ou biotecnológicos. Para o uso sustentável da biodiversidade, as espécies a serem exploradas devem ser avaliadas, considerando todos os aspectos da sua biologia e conservação mencionados anteriormente. Para avançar paralelamente também com esta etapa, estudos dirigidos de exploração sustentável poderiam ser estimulados, a partir de uma lista de espécies com potencial de mercado já reconhecido e pouco explorado, com diagnóstico do conhecimento atual. Estas espécies alvo seriam submetidas a estudos de biologia, demografia, diversidade genética, domesticação, manejo, etc., visando, além da utilização dessas espécies, o desenvolvimento de métodos para avaliação da viabilidade econômica de outras espécies a serem eleitas. Um retorno para a população do conhecimento obtido nos estudos de biodiversidade também deve ser destacado. Vários produtos de cunho educativo estão sendo preparados a partir dos estudos já realizados. No entanto, falta um mecanismo simples para atender as demandas específicas da população e de outras instituições que, se consideradas, poderiam gerar uma interface interessante. Figura 1. Proposta integrada para bioprospecção. Em síntese, o que se busca é a utilização sustentável da biodiversidade, visando a melhoria da qualidade de vida e distribuição justa de benefícios, o que pode ser alcançado valorando as espécies nativas e utilizando seus produtos de forma não predatória. O programa BIOTA/FAPESP, articulação da comunidade científica do Estado de São Paulo em torno das premissas preconizadas pela Convenção sobre a Diversidade Biológica, tem amplas condições de contribuir efetivamente nesse sentido.