94›95 guia de verão Serapião-de-flores-grandes (Serapias cordigera) Orquídeas A sensualidade em forma de flor Texto Maria do Carmo Tavares /AmbioDiv Fotografia D.r. Muitos leitores desconhecem que as plantas pertencentes à família das Orquídeas não se restringem somente às espécies encontradas nas floristas. Actualmente, em Portugal é possível observar em plena natureza estes incríveis seres, normalmente entre os meses de Fevereiro e Junho. E não é necessário ir procurá-las muito longe. Em pleno centro urbano, nos limites de Lisboa, é possível observar uma grande diversidade destas espécies. Na Amadora, por exemplo, numa área com pouco mais de 20 hectares, localizam-se cerca de 9 espécies diferentes. É um desafio que aqui fica: no caminho para o emprego ou para apanhar transportes, deve-se observar com sentido crítico o que nos rodeia e talvez bem perto de casa se possam encontrar estas lindas criaturas. Para se conseguirem identificar deve-se olhar para elas com vivo interesse. Faça-se então um teste, observando as fotografias aqui exibidas. A forma da flor assemelha-se a alguma forma por conhecida? Se olhar com atenção, todas elas sugerem, de modo mais ou menos evidente, a forma de um homem. Umas vezes o “homem” tem as pernas e braços fechados, outras vezes abertos. É aqui que reside a beleza destes seres: assumindo num sem número de formas, todas elas têm algo em comum. No entanto este fascinante grupo encontra-se em risco de desaparecer, principalmente devido à relação directa que existe com o igualmente preocupante declínio de polinizadores, como as abelhas, domésticas e silvestres. Já se fala mesmo que o mel, a longo prazo, será considerado um produto de luxo. É que as Orquídeas não têm o pólen de forma imediatamente disponível para os insectos. Os pequenos grãos de pólen encontramse aglomerados em diminutos conjuntos, designados por polínidias, pelo que a sua dispersão pelo vento verão 2009 91_100 GuiaVerao.indd 94 24-05-2009 16:34:31 Erva-vespa (Ophrys lutea); Ophrys conica; Erva-do-sapelo (Orchis morio); Saturião-de-duas-folhas (Gennaria diphylla) não é possível. Para que possa ocorrer polinização é necessária a intervenção dos insectos, que são atraídos pela cor, cheiro e forma da orquídea. Quando o insecto específico da espécie em causa pousa na flor, ocorre o desprendimento das polínideas e desta forma o pólen é transportado para outra flor. Como é então possível contribuir para a conservação destas espécies? Em primeiro lugar, é necessário ter-se consciência da raridade destas espécies, ou seja, por muito que se goste de ter um lindo ramo de Orquídeas silvestres em casa, hoje em dia, ainda não se desenvolveu tecnologia suficiente que permita satisfazer este capricho. Então o que se propõem é simples: deve-se ajudá-las a subsistirem no nosso planeta por muito mais séculos. Como? Na realidade através de um processo bastante simples. Como já foi referido, a polinização é um processo complexo, ou porque existe uma incrível diminuição dos agentes polinizadores, ou pelo facto de os seus grãos de pólen estarem reunidos em estruturas próprias que não permitem o seu transporte pelo vento. Então o que é necessário fazer? Polinizá-las! Dito deste modo pode pensar-se, que se trata de um processo muito complicado. A verdade é que não o é! É possível polinizá-las apenas recorrendo à ajuda de um ‘palito’ que permite desprender estas estruturas (bem visíveis nas fotos) e levá-las até outra espécie. E assim, através de um acto tão simples como este contribui-se para a conservação da Biodiversidade deste grupo. A família Orchidaceae está representada por 55 espécies em Portugal. Dependendo do local onde vivem podem ser classificadas como: epífitas, se vivem sob o tronco de árvores, rupícolas, se crescem sobre rochas, terrestres, se se desenvolvem sob o solo ou saprófitas, que são as mais raras pois dependem da existência de Tudo Sobre Jardins 91_100 GuiaVerao.indd 95 24-05-2009 16:34:51 96›97 guia de verão Rapazinhos (Aceras anthropophorum); Erva-borboleta (Orchis papilionacea); Erva-vespa (Ophrys lutea) matéria orgânica em decomposição para sobreviverem, não precisam de clorofila nem folhas. Em Maio de 2009 é lançado um projecto intitulado “Banco de Biodiversidade” de Orquídeas mais propriamente na Amadora. Este projecto resulta da formação de uma parceria entre a AmBioDiv – Valor Natural, consultora ambiental, o BioFig, um centro de Biodiversidade Genómica Integrativa e Funcional da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e a Chamartin Imobiliária. A Chamartín é o elemento fundador do “Banco Biodiversidade”. Trata-se de uma empresa do sector imobiliário, promotora do centro comercial Dolce Vita Tejo, na Amadora, e que apresenta fortes preocupações ambientais e com uma política bastante marcada em termos de Sustentabilidade e Biodiversidade, que é o primeiro “investidor depositante”, ao avançar com o apoio à avaliação ecológica, polinização no terreno, colheita de sementes, propagação em laboratório e caracterização genética das populações de Orquídeas, precisamente na zona envolvente de implementação do Dolce Vita Tejo. Trata-se de um projecto dedicado à conservação da Natureza e reprodução de espécies de flora rara e ameaçada. Os dois parceiros do projecto, a AmBioDiv, com todo o seu conhecimento em termos de gestão e conservação de habitats e o BioFig, com o input em termos de reprodução e propagação de espécies, permitirão recuperar habitats degradados de Orquídeas, nomeadamente através de acções de restauro. Serão realizadas recolhas e posterior germinação de sementes em laboratório para futura utilização do material vegetal nas sobreditas acções. Com efeito, embora exista uma grande diversidade de espécies na área que engloba o projecto, a verdade é que se tem verificado nos últimos anos de amostragem um decréscimo significativo das suas populações, devido sobretudo à forte pressão urbana. Apesar das Orquídeas serem capazes de viver nos locais inóspitos e de se adaptarem a sítios depauperados, não se pode pedir milagres! …Será que com o auxílio da biotecnologia poderemos chegar um dia a uma florista e pedir um belo vaso de Orquídeas silvestres? Pode ser que sim! verão 2009 91_100 GuiaVerao.indd 96 24-05-2009 16:35:07 Polinização de orquídeas Com a ajuda de um palito desprender as polinídeas e de seguida transferi-las até outra Orquídea ou depositá-las no labelo da própria planta. Curiosidade Outro motivo que em tempos idos levou a uma diminuição destas espécies foi o facto de as Orquídeas serem vistas como objecto de premonição sexual. Com efeito, na sua etimologia, a palavra “orquídea” deriva do grego “orkhis”, termo que designa “testículo”. Era bastante comum entre os homens colectarem estas espécies como símbolo de poder sexual. São várias as Orquídeas, vulgarmente conhecidas pelo seu nome comum, que estão ligadas a símbolos sexuais, como por exemplo, as flores-dos-rapazinhos (Orchis italica) que se distingue das outras espécies do mesmo género por possuir uma pequena protuberância que faz lembrar um pénis. AmBioDiv – Valor Natural. Empresa de consultadoria especializada em Gestão de Biodiversidade, Avaliação de Ecossistemas e Conservação da Natureza. No âmbito da Filosofia de Gestão ‘Business & Biodiversity’, pretendem integrar as questões ligadas ao ambiente e Conservação da Natureza como parte dos processos de negócio em áreas como a agricultura e floresta, turismo, gestão de áreas naturais, energias renováveis, ordenamento do território, desenvolvimento regional, entre outras. Para saber mais visite www.ambiodiv.com Tudo Sobre Jardins 91_100 GuiaVerao.indd 97 24-05-2009 16:35:23