Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII. Págs. 71-85 (2009) O PÓLEN DE MILHO GENETICAMENTE MODIFICADO. POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES NO DESEQUILÍBRIO ECOLÓGICO DAS COLMEIAS BERNARDO SABUGOSA-MADEIRA1, ILDA ABREU1,2* ENVISED - Centro de Geologia da Universidade do Porto,Portugal Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Portugal; e-mail:[email protected] 1 2* RESUMO O conhecimento sobre o impacto das culturas transgénicas em insectos não alvo é ainda escasso. No presente trabalho apresentamos possíveis efeitos directos e indirectos que o pólen transgénico milho (Zea mayz) pode ter nas abelhas (Apis mellifera) e nas traças da cera Galeria mellonella. Palabras chave: Apis mellifera, Galeria mellonella , Milho Bt, Pólen, Transgénicos. ABSTRACT Knowledge on the impact of transgenic crops on non-target insects is still scarce. In this paper we present possible direct and indirect effects that the transgenic corn pollen (Zea mayz) may have on bees (Apis mellifera) and on wax moths Galeria mellonella. Key words: Apis mellifera, Galeria mellonella, Bt corn, Pollen, Transgenics. 72 Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII INTRODUÇAO Desde que o Homem começou a domesticação dos animais tentou condicionar e modificar a composição genética das populações por ele dominadas. Na maioria dos casos a influência do Homem limitou-se à selecção de determinadas características produtivas e comportamentais gerando, assim, diferentes raças ao mesmo tempo que preservou algumas mutações que foram surgindo. O Homem teve sempre a ambição de cruzar espécies diferentes. São exemplos o cruzamento de Triticum, já de si um híbrido natural, com Secale, produzindo o Triticale. Mostra-se assim que não é nova a vontade do Homem em fundir espécies, quebrando as barreiras naturais existentes! A produção de organismos geneticamente modificados é, sem dúvida, uma conquista que vai muito para além do mais atrevido sonho do cruzamento de espécies, pois não só se cruzam, com sucesso, duas distintas espécies como na realidade se fundem apenas partes seleccionadas do seu genoma, independentemente da ordem, família ou reino. Culturas transgénicas A modificação genética de um organismo pode resumir-se à alteração da expressão de alguns genes que, naturalmente, fazem parte do seu genoma e cuja expressão terá sido inibida ou modificada. Embora, neste caso, as formas produzidas não sejam naturais, podem considerar-se equivalentes a mutações. Por seu turno, os organismos transgénicos são, normalmente, produzidos em resultado da substituição ou, mais frequentemente, adição ao seu genoma, de genes de outros seres vivos. Esta técnica tem permitido a troca de genes entre espécies diferentes do mesmo reino e, inclusivamente, entre reinos como a genes de peixes em tomateiros (Hightower et al., 1991). A transgenia é, na natureza, um processo pouco comum, apenas realizado por organismos infecciosos como vírus e bactérias, não sendo uma tecnologia pacificamente aceite na comunidade científica e pelo público. O impacto ambiental que a produção destes organismos pode causar, bem como dúvidas acerca da sua estabilidade, bio-segurança e potencial uso em acções de bio-terrorismo são questões frequententemente colocadas. Embora já estejam no comércio alguns animais transgénicos, como o “GloFish” variedade fluorescente do Danio rerio, vulgarmente utilizado em Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII 73 aquários, poucos países têm autorizado a sua venda. Assim, foram as plantas transgénicas os primeiros organismos a ocupar um lugar na cadeia alimentar do Homem, sendo já longa a lista de culturas transgénicas e rápido o aumento da área plantada, tendo-se passado de 1,7 milhões de hectares plantados em 1996 para 143 milhões de hectares em 2007, com especial destaque para os países do novo continente. Na Europa, o consumo e a plantação de plantas transgénicas tem sido objecto de cuidada legislação, obrigando-se, pelo Regulamento (CE) nº 1829/2003, à rotulagem de todos os produtos alimentares, bem como rações animais que contenham transgénicos. Embora, na UE, algumas variedades transgénicas possam já ser legalmente cultivadas, desde 2007 que a França, Áustria, Polónia, Grécia, Hungria e Luxemburgo e Alemanha impuseram a proibição do seu cultivo. Milho transgénico O milho (Zea mays) foi a primeira grande cultura transgénica e a que, na Europa, é cultivada de forma comercial, destacando-se o milho Bt, variedade modificada de modo a produzir uma toxina insecticida encontrada no Bacillus thuringiensis, estando em vias de autorização o milho Roundup Ready, cuja alteração lhe confere resistência ao herbicida Roundup, em que a substância activa é o glifosato. Em ambos os casos as plantas de milho apresentam, no seu genoma, genes estranhos oriundos de bactérias, vírus e outras plantas. Por exemplo, na formação do milho NK 603, da multinacional Monsanto, interveio material genético proveniente das bactérias Agrobacterium tumefaciens (duas estirpes) e Esherichia coli, do vírus do mosaico da couve flor, e ainda genes do arrozeiro Oriza sativa e de Arabidopsis thaliana bem como o transposão Tn5 com o gene para a enzima neomicina fosfotransferase conferindo, assim, resistência a certos antibióticos aminoglicosídeos. As variedades comerciais de milho e de outras culturas transgénicas, resultam da simples inserção, por cruzamento, de variedades comerciais já estabelecidas com genearcas portadores da combinação transgenética pretendida e fixada. Deste modo, as variedades disponíveis para cultivo são, aparentemente, idênticas às comerciais diferindo nas características de certos processos metabólicos resultantes da expressão dos transgenes. 74 Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII Com base no princípio da substantial equivalence as empresas produtoras de transgénicos, apresentam os seus produtos como idênticos às variedades tradicionais. De facto, até ao momento as diferenças encontradas em análises de quantificação dos nutrientes principais não assumem significado estatístico. Poluição ambiental Uma das maiores preocupações ambientais, acerca das culturas transgénicas, reside no facto de o pólen ser dificilmente controlado e ser a célula que apresenta maior concentração de proteínas transgénicas, quer seja no milho Bt ou no milho Roundup Ready, aparecendo em concentrações cerca de 100x superiores às que se verificam na cariopse (Fearing et al., 1997; Monsanto, 2009). A dispersão do pólen de Zea mays é predominantemente realizada pelo vento (Schmidt et al., 2009), sendo, por conseguinte, uma planta anemófila. Como o pólen não conhece barreiras, ele pode ser arrastado pelo vento, percorrendo grandes distâncias. Deste modo, a contaminação do ecossistema vegetal, nomeadamente o cruzamento de variedades transgénicas com variedades não transgénicas pode realizar-se, o que, mesmo não sendo prejudicial para a saúde pode ter impacto económico. As variedades “contaminadas” dificilmente são expurgadas, havendo também, no caso de algumas culturas, o risco de poder ocorrer a fuga de genes para plantas selvagens da mesma espécie, resultando daí uma duradoura e possivelmente irremediável consequência para o ambiente. Aliás, a principal razão que tem levado a que, no espaço comunitário, a entrada das culturas transgénicas esteja a ocorrer muito lentamente resulta do legítimo receio de algumas culturas facilmente contaminarem os campos vizinhos ou se cruzarem com espécies selvagens ou afins com as quais podem facilmente hibridar, como é o caso da colza Brassica napus (Lavigne et al., 1998; Colbach et al., 2004; Gruber et al., 2004). Em contrapartida, as autorizações obtidas para plantação de Zea mays, encontram suporte no facto de esta espécie pertencer à tribo Maydeae que não tem representantes selvagens na Europa, e não se cruza com outras espécies cultivadas (Heslop-Harrison et al., 1985). Pensa-se, por conseguinte que, na Europa, não existe risco de contaminação do ambiente a partir de genes de plantas de milho transgénico. Porém, visto a polinização anemófila Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII 75 ser dominante, o cruzamento de variedades de milho não transgénico e transgénico são particularmente difíceis de evitar, tendo já sido noticiados diversos casos (Quist et al., 2001). Embora o pólen de Zea mays tenha grandes dimensões (76 – 106μm), por comparação com o pólen das restantes gramíneas, e tenha tendência para se depositar nas imediações (Aylor, 2002; Jarosz et al., 2003), cada panícula produz cerca de 25 milhões de grãos de pólen, libertando cerca de 2 milhões de grãos de pólen por dia e por planta (Aylor et al., 2003; Jarosz et al., 2003). Assim, uma cultura de 100 000 plantas por hectare possui um grande potencial de produção. Supõe-se que 99% do pólen de milho se deposita nos primeiros 30 m em torno da parcela sendo, contudo, proporcionalmente elevada a quantidade de pólen que ultrapassa mais de 200 m (Jarosz et al., 2003; Jarosz et al., 2004). Aliás, verificou-se já que a presença de pólen a distâncias superiores a 200 m não é apenas uma hipótese teórica, mas um facto, tal como Bannert (2006) observou. Este autor refere que ocorre contaminação a 371 m de distância. Bannert (2006) observou, ainda, contaminação a 4125 m de distância, numa concentração pouco inferior à que foi encontrada nas parcelas a 400 m. Os resultados deste trabalho pouco diferem dos apresentados por Jones e Brooks (1950) que já referiam uma contaminação de 0,15% a 2,5 km e, esporadicamente, até 0,03% a uma distância de 3 km. Estas distâncias são alcançadas porque o pólen se dispersa também na vertical, acompanhando as massas de ar convectivas, com a presença de concentrações superiores a 8 grãos de pólen/m3 a uma altitude de 60 m (Aylor, et al. 2003). Estas contaminações são comercialmente aceitáveis, no entanto, no caso de culturas biológicas ou onde haja o risco de cruzamento com plantas selvagens, o nível de tolerância pode ser de zero (Aylor et al., 2003; Aylor, 2005). Para que haja fecundação é necessário que o pólen mantenha a sua viabilidade. No caso do pólen de milho a viabilidade depende da temperatura ambiental e da humidade relativa, podendo variar de 45 minutos a 4 horas e meia (Aylor et al., 2003; Aylor, 2004; Fonseca et al., 2005) o que lhe permite percorrer distâncias consideráveis conservando-se viável. No caso das plantas transgénicas, considerando a exigência de um risco nulo para a fuga de genes, é praticamente impossível definir uma distância segura (Giddings et al., 1997). 76 Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII Em Portugal o Decreto Lei 160/2005 estabelece a distância mínima de isolamento como sendo de 200 m ou, em alternativa, a existência de uma bordadura de milho constituida por 24 linhas de uma variedade não transgénica, levando a um isolamento de apenas 19 m, o que, de acordo com a literatura da especialidade, não é uma medida de protecção eficaz (Goggi et al., 2007). Aliás, o próprio relatório de acompanhamento de 2007, elaborado pela Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR, 2008) demonstra, nas análises realizadas, grandes diferenças de eficiência na prevenção de contaminação das parcelas adjacentes. Efeitos secundários em animais de sangue quente Embora as culturas transgénicas existam há cerca de 15 anos, e estejam desde então no circuito comercial, os estudos realizados são relativamente escassos, e o referido conceito da equivalência substancial resulta, fundamentalmente, de análises elementares. Estudos realizados em animais são raros e apresentam resultados contraditórios. Curiosamente só recentemente se iniciou investigação envolvendo animais e tecidos de plantas transgénicas e não apenas as moléculas supostamente por eles sintetizados. McNaughton et al. (2008) realizaram alguns trabalhos sobre a performance de frangos criados com rações que incluíam ou não, variedades transgénicas de milho. Embora os animais abatidos com 40 dias de vida apresentassem, para alguns parâmetros, desempenhos produtivos tendencialmente negativos, estas diferenças não eram significativamente diferentes em relação aos animais criados em condições normais. Também He et al. (2008), realizando um ensaio com ratos, não observaram, no período de 90 dias, diferenças corporais entre os diferentes lotes de animais, porém, manteve-se a tendência negativa no caso dos animais alimentados com milho transgénico. Seralini et al. (2007) ao analisarem os dados de um estudo conduzido pela multinacional Monsanto, que tinha como objectivo avaliar a segurança da variedade de milho Bt Mon 863, concluíram que com uma abordagem estatística diferente evidenciava-se um padrão de efeitos negativos, mesmo no crescimento dos animais, e significativas alterações ao nível dos rins e fígado. Estas alterações foram entretanto confirmadas por outros autores (Finamore et al., 2008; Malatesta et al., 2008; Velimirov e Binter, 2008). Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII 77 Com estes resultados é cada vez maior o consenso em torno da hipótese de existirem efeitos nocivos em mamíferos com o consumo de plantas transgénicas. Num estudo plurigeracional com ratos, ocorreram diferenças significativas na reprodução, tendo os ratos alimentados com o milho NK603xMONS810 apresentado, ao longo das sucessivas gerações, uma constante e acentuada redução da dimensão das ninhadas e do peso dos recém-nascidos, bem como significativas diferenças no tamanho dos rins dos ratos adultos. Os restantes parâmetros avaliados não foram significativamente diferentes, apesar de, na maior parte dos casos, se revelarem tendências não normais (Velimirov e Binter, 2008). Embora a ingestão de proteínas Cry (tóxico produzido pelas plantas transgénicas Bt), não produza efeitos aparentemente nocivos em ratos, a inalação destas proteínas leva a uma resposta do sistema imunitário, com produção de anticorpos específicos. Por consequência, a inalação de farinhas, restos de vegetais e pólen de plantas transgénicas apresenta um risco alergológico acrescido (Kroghsbo et al., 2008). Outros estudos demonstraram ocorrer, em animais imunodeprimidos ou em condições de stress, como ratos recém desmamados e ratos velhos, uma resposta imunitária, traduzida por alterações da percentagem de linfócitos B e T (Ewen e Pusztai, 1999; Finamore et al., 2008). Efeitos secundários em insectos O milho transgénico que sintetiza as proteínas tóxicas do Bacillus thuringiensis apresenta, teoricamente, um efeito insecticida limitado a algumas espécies alvo, nomeadamente à lagarta do milho Ostrinia nubilalis e alguns lepidópteros não alvo. Porém, o pólen é um recurso alimentar utilizado por diversos insectos, inclusivamente alguns auxiliares predadores e parasitóides. Foram já demonstrados efeitos deletérios em insectos auxiliares pertencendo às ordens Neuroptera e Hymenoptera (Hilbeck et al., 1998; Dutton et al., 2002). Schmidt et al. (2009) verificaram que coccinelas da espécie Adalia bipunctata, um dos mais emblemáticos insectos auxiliares, foram afectadas pelo consumo (directo ou mediado através das suas presas) de toxinas Cry1Ab, Cry3Bb sintetizadas por plantas transgénicas. Estes autores discutem a selectividade e segurança ambiental destas proteínas. Provavelmente, os insectos considerados não sensíveis, tornam-se sensíveis quando ingerem insectos fitófagos nos quais as proteínas tóxicas se 78 Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII tornaram activas. Estas toxinas podem ter efeitos negativos sobre predadores e parasitóides a diversos níveis tróficos (Dutton et al., 2002; Harwood et al., 2005; Obrist et al., 2006; Schmidt et al., 2009). Os investigadores que questionam o uso do milho Bt argumentam que o risco ambiental é muito grande, visto ainda não se conhecer a verdadeira função das toxinas Cry sintetizadas pelo Bacillus thuuringienses. Alguns autores defendem que são importantes nas relações do ecossistema do solo (Addison, 1993) enquanto outros admitem que têm como função infectar insectos (de Maagd et al., 2001). Efeitos indirectos no ecossistema das colónias Embora as toxinas insecticidas Bt possam ser consideradas não nocivas para as abelhas, o pólen de plantas transgénicas é altamente tóxico para outros insectos que coabitam nas colmeias, nomeadamente as traças da cera Achroia grisella e Galeria mellonella (Hanley et al., 2003). Nas colónias mortas ou nos favos abandonados, estas traças vão alimentar-se da cera velha, consumindo-a e eliminando, assim, eventuais focos de infecção (Melathopoulos et al., 2004). Se as abelhas se alimentarem e acumularem, nos seus favos, pólen transgénico, poderá ocorrer, a intoxicação das traças da cera provocando o desequilíbrio no ecossistema (Sabugosa-Madeira et al., 2007). Este efeito poderá ser particularmente grave uma vez que a toxicidade deste pólen se mantém durante várias semanas ou meses. Em muitas explorações apícolas é frequente fornecer às abelhas uma alimentação estimulante à base de xarope de milho, provavelmente transgénico, e substitutos de pólen à base de farinhas de soja, também transgénica. Deste modo, ao longo de todo o ano, as colónias ficam expostas a diversas proteínas tóxicas das plantas transgénicas. Um dos aspectos que é comum em todas as colónias mortas com CCD é o facto de os favos abandonados não apresentarem nem traças da cera vivas, nem escaravelhos da espécie Athenia tumida e, também, serem raros casos de pilhagem por parte de outras colónias (Oldroyd, 2007; Sanford, 2007), confirmando as suspeitas já levantadas por Sabugosa-Madeira et al. (2007). Assim, nos favos de colónias mortas com o CCD deve existir alguma substância tóxica que mata as traças da cera e que funciona, simultaneamente, como um repelente para outros insectos, nomeadamente abelhas (Latsch, 2007). Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII 79 Alguns autores referem que um pesticida da família dos neonicotinóides pode estar, envolvido no CCD, dado que pode provocar um efeito repelente. Porém, os trabalhos de Ramirez-Romero et al. (2005, 2008) mostraram que o efeito do “imidaclopride, um neonicotinóide” não é tão duradouro e traumático para as abelhas quanto o provocado pela exposição às endotoxinas Cry do Bacillus thuringiensis. Também se desconhece se a proteína CP4 EPSPS, produzida pelas plantas Roundup Ready, terá ou não algum efeito indesejado na Galeria mellonella. A provável redução da população de traças da cera nas colmeias de abelhas bem como de abelhas selvagens, em consequência da colheita de pólen de culturas transgénicas, pode causar uma deficiente reciclagem e limpeza da cera velha, levando à prevalência de agentes patogénicos nocivos para as abelhas. Efeitos directos nas abelhas O pólen de Zea mays por dispersão anemófila atinge distâncias consideravelmente elevadas, mas quando se considera o transporte mediado por insectos palinófagos, como as abelhas (Apis mellifera), as distâncias são muito maiores. Embora não esteja perfeitamente estabelecido o raio de influência de uma colónia de abelhas, os trabalhos mais recentes apontam para distâncias médias de 6 km, podendo este valor ser encurtado ou aumentado até 12 km, dependendo das condições climáticas e da disponibilidade de alimento (Marrão, 1998; Beekman et al., 2000; Capaldi et al., 2000). Apesar de o milho não ser considerado uma planta melífera, é frequentemente utilizado pelas abelhas como fonte de pólen, sendo recolhido num período do ano em que são relativamente escassas as plantas em floração. Em certas circunstâncias, pode representar mais de 80% da colheita semanal de pólen, sendo, por isso, considerado um alimento estratégico (Louveaux e Albisetti, 1963; Sabugosa-Madeira et al., 2007). Como, aparentemente, as abelhas são incapazes de distinguir flores transgénicas de não transgénicas (Malone et al., 2001; Huang et al., 2004), as colónias de abelhas têm-se sido confrontadas cada vez com maior quantidade de pólen, contendo proteínas novas e estranhas ao ambiente da colónia. Alguns trabalhos com pólen preservado indicam que as culturas transgénicas não influenciam directamente o desenvolvimento das abelhas (Hanley et al., 2003; Huang et al., 2004). Outros trabalhos mostram maior reserva no que diz respeito à sua nocividade para as abelhas (Ramirez- 80 Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII Romero et al., 2008). No entanto, estes investigadores observaram uma maior mortalidade de abelhas (larvas e adultos), passando, num caso, de 8% para 16% (Hanley et al., 2003; Huang et al., 2004; Ramirez-Romero et al., 2008). Ramirez-Romero et al. (2008) observaram, também, alterações no comportamento das abelhas, verificando que levavam mais tempo a consumir a solução contaminada com pólen transgénico. Este trabalho confirmou um ensaio anterior em que os autores tinham observado que as abelhas reduziam o número de visitas a flores artificiais com uma solução açucarada contendo as proteínas sintetizadas pelo milho Bt, mantendo essa redução mesmo depois de lhes serem apresentadas as mesmas flores com alimento não contaminado (Ramirez-Romero et al., 2005). Estes autores referem ter sido demonstrado que a toxina Cry1Ab possui um factor anti-nutricional ou repulsivo, com efeitos subletais que foram memorizados pelas abelhas. Muito embora a inocuidade das endotoxinas do Bacillus turingiensis para as abelhas tenha sido, durante muito tempo, indiscutível, alguns trabalhos demonstraram mortalidade ou efeitos deletérios em abelhas quando alimentadas com esporos de Bacillus thuringiesis ou com a proteína Cry (Vandenberg e Shimanuki, 1986; Vandenberg, 1990; Ramirez-Romero et al., 2005, 2008). Recentemente tem sido notícia a morte de milhões de colónias de abelhas, situação especialmente grave nos Estados Unidos da América. A morte destas colónias não foi, até à data, conclusivamente atribuída a qualquer patogénio, parasita, químico ou mesmo a plantas transgénicas. Este síndrome recebeu o nome de colony collapse disorder (CCD). Embora não se tenha estabelecido uma relação de causa efeito entre a expansão de culturas transgénicas e a ocorrência do CCD estas podem, teoricamente, ter interferido no equilíbrio ecológico das colónias. As culturas transgénicas, independentemente do facto de serem plantas produtoras das toxinas Bt ou resistentes a herbicidas, sintetizam novas proteínas, que podem causar efeitos nocivos a organismos não alvos (Monsanto, 2009). Estas novas proteínas podem activar o sistema imunitário destes insectos, à semelhança do que se observa nos estudos feitos com ratos (Ewen e Pusztai, 1999; Seralini et al., 2007; Finamore et al., 2008; Malatesta et al., 2008). Mesmo não tendo efeitos letais, são provavelmente, factores que induzem algum grau de stress o qual tem sido apontado por alguns investigadores como o factor responsável pelo aumento da susceptibilidade das abelhas à acção de outros patogénios como bactérias, ácaros e vírus, que, Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII 81 em situações normais, não causariam estragos de tão grande dimensão como os que se têm observado (Oldroyd, 2007). O primeiro sinal de alerta de um efeito directo e nocivo das toxinas Cry foi apresentado por Ramirez-Romero et al. (2005, 2008). Investigadores da Universidade de Jena (Alemanha) observaram, acidentalmente, que as abelhas infectadas com um agente patogénico (microsporídeas de Nosema spp) apresentavam valores superiores de mortalidade quando na sua alimentação estava presente pólen de milho transgénico Mon 810 e Bt176 (Kaatz, 2005). De acordo com Kaatz (2005) se as abelhas sãs, fossem tratadas com antibióticos, não apresentavam diferente taxa de mortalidade se expostas às toxinas do milho transgénico. Estes resultados levaram o autor a admitir a existência de uma interacção da toxina e patogénio sobre o epitélio do intestino das abelhas, tornando-as, assim, muito mais sensíveis à infecção. A sinergia (stress/ patogéneo) tem sido, diversas vezes, sugerida no caso do CCD. No entanto desconhece-se o agente responsável pela diminuição das defesas imunitárias das abelhas. Em face das dúvidas que existem em relação à segurança de algumas culturas transgénicas, e dos resultados publicados das investigações realizadas, é importante estudar os efeitos em todas as espécies alvo e não-alvo presentes nos agro-ecosistemas (Andow e Zwahlen, 2006), o que nem sempre tem sido a regra, visto as autorizações de cultivo terem sido dadas quando a investigação era ainda escassa. Assim, de acordo com o estado actual do conhecimento, parece-nos que o cultivo de milho transgénico poderá induzir alterações directas e/ou indirectas no equilíbrio ecológico existente nas colónias de abelhas Apis mellifera. 82 Revista Real Academia Galega de Ciencias. Vol. XXVIII Referências Addison, J. (1993). Persistence and nontarget effects of Bacillusthuringiensis in soil: a review. Can. J. For. 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