Capítulo 4 Especiação Introdução O livro mais famoso escrito por Darwin chama-se “A Origem das Espécies”. O interessante é que, apesar do título, em todo o seu livro, Darwin não descreve um único caso concreto, observado na natureza, de nascimento de uma espécie. Sendo a evolução um processo muito lento, realmente é muito difícil vermos esse nascimento. A especiação, como é chamada a formação de novas espécies, é, portanto, um dos temas mais polêmicos acerca da evolução. Há muita discussão sobre como o “nascimento” de uma espécie realmente ocorre. Modelos de especiação Há dois modelos básicos de especiação: por anagênese e por cladogênese. Anagênese Uma população vai lentamente se adaptando a modificações ambientais, de tal forma que a população final é tão diferente da inicial, que pode ser considerada uma outra espécie. Um exemplo muito bem documentado pelo registro fóssil de especiação por anagênese é o cavalo. Veja nos desenhos abaixo os vários gêneros de cavalo que aparecem no registro fóssil, até chegar ao gênero atual (Equus) Cladogênese Uma parte da população sofre modificações diferentes de outro grupo populacional, geralmente por ocuparem regiões distintas. Com isso, parte da população origina uma espécie e a outra parte, outra espécie. As duas espécies de lagarto apresentadas abaixo vivem nas imediações do Rio São Francisco, próximo ao povoado de Santo Inácio (BA). Elas descendem de uma mesma espécie (ancestral comum) que teve sua população separada geograficamente, em duas, provavelmente por causa da última era glacial ou por mudança do curso do rio. Com isso, cada grupo populacional foi-se modificando geneticamente. Como eles não podiam se encontrar para recombinar seus genes por meio do sexo, chegou a um ponto em que as diferenças ficaram tão grandes que produziram duas espécies novas. As espécies-irmãs Tropidurus divaricatus (esq.) e T. amathites (dir.) podem ter se separado há dois milhões de anos. Fonte: Ciência Hoje on-line Perceba que, desde que a vida surgiu na Terra, o número de espécies diferentes aumentou muito. Isso é um sinal de que grande parte das espécies surgiu por cladogênese, já que, na anagênese, uma espécie é substituída por outra, enquanto que, na cladogênese, uma espécie se diversidica originando mais de uma nova espécie. Fonte: Integrated Principles of Zoology Prof. Dorival Filho 23 Condições para ocorrência de especiação por cladogênese. Geralmente, mas, aparentemente, não sempre, para que ocorra a cladogênese são necessárias 3 etapas, examinadas abaixo. 1. Isolamento geográfico O isolamento geográfico é a melhor e mais fácil explicação para a especiação por cladogênese. Imagine, por exemplo, que o alargamento de um rio ou a elevação de montanhas isolem dois grupos de indivíduos de uma mesma espécie. 2. Diferenciação genética Como já vimos, as mutações gênicas e cromossômicas ocorrem aleatoriamente. Portanto, é de se esperar que as alterações genéticas que ocorrem com um grupo não sejam idênticas as que acontecem com os membros do outro grupo. Como eles, não podem se intercruzar, porque estão isolados geograficamente, essas modificações aos poucos os tornarão cada vez mais diferentes. Além disso, por estarem ocupando ambientes diferentes, em um grupo, a seleção natural pode eliminar um conjunto de alelos que, no outro grupo, seria preservada, visto que, estão submetidas a pressões seletivas distintas. entre os indivíduos aconteça antes que o isolamento reprodutivo esteja completo, eles continuarão pertencendo à mesma espécie, mas constituirão raças (ou subespécies) diferentes. O Isolamento Reprodutivo O isolamento reprodutivo pode se dar de várias maneiras. Para fins didáticos, pode ser dividido em mecanismos pré-zigóticos e mecanismos pós-zigóticos. • Mecanismos pré-zigóticos. 1. Isolamento sazonal ou estacional: cada espécie se adaptou a se reproduzir em uma determinada fase do ano. 2. Isolamento comportamental ou etológico: os indivíduos não se cruzam, porque a “dança” da corte de cada um deles é diferente. Com isso, as fêmeas de uma espécie não reconhecem os sinais de sedução dos machos de outra espécie. 3. Isolamento mecânico: Os órgãos sexuais dos machos e das fêmeas de espécies diferentes não são compatíveis. Em vegetais, o tubo polínico pode não germinar no órgão feminino de uma flor de outra espécie. 3. Isolamento reprodutivo As diferenças genéticas geradas pelo isolamento geográfico podem conduzir a alterações morfológicas, fisiológicas ou de comportamento que produzam o isolamento reprodutivo. Ou seja, mesmo que os dois grupos voltem a se encontrar, não conseguirão mais gerar descendentes férteis. A partir do momento em que duas espécies esteVariações de características sexuais secundáras entre machos de beija-flor de espécies jam isoladas rediferentes, embora as fêmeas sejam semelhantes. Essa diferenças contribuem para que produtivamente, exista o isolamento reprodutivo. Fonte: Biologia Evolutiva. já são consideradas espécies diferentes. Caso o encontro Prof. Dorival Filho 24 • Mecanismo pós-zigóticos. 1. Inviabilidade do híbrido: Os indivíduos de espécies diferentes podem até copular, mas o embrião não é viável, morrendo prematuramente. 2. Esterilidade do híbrido: o híbrido até se forma e, algumas vezes, pode até ser mais vigoroso que os pais, mas são inférteis. 3. Deterioração dos descendentes: os filhos nascem e são saudáveis. Mas, com o passar das gerações, tornam-se mais fracos e estéreis. Filogenia Em muitas questões de vestibular têm aparecido perguntas sobre árvores filogenéticas, e eu percebo que muitos alunos têm dificuldade na sua interpretação. O texto abaixo foi adaptado da revista Ciência Hoje, no 156. Ele é muito didático na explicação sobre como construir uma árvore filogenética. Leia - o com atenção. Análise filogenética (…) Na análise filogenética, tenta-se reconstruir a história evolutiva de uma espécie, um gênero ou uma família, comparando as seqüências de nucleotídeos de certos genes obtidos de variações da mesma espécie ou de espécies próximas (mesmo gênero ou família). Isso permite descobrir quem está relacionado a quem e quem se originou de quem. As seqüências são comparadas e as semelhanças e diferenças são contadas e registradas. Para dar um exemplo disso, pode-se supor que as seqüências de nucleotídeos de um mesmo gene, em três organismos, sejam as seguintes: Organismo X Organismo Y Organismo Z ATTAGCAA ATTTGCAA ATATACGA (…) Comparando-se as seqüências de DNA, nota-se que o organismo X difere do Y apenas na quarta posição (‘A’ no primeiro e ‘T’ no segundo). Já Z apresenta três diferenças em relação a Y e quatro em relação a X. Além disso, muitas das posições com o mesmo nucleotídeo em X e Y são diferentes em Z. A análise indica que X e Y são mais relacionados entre si e Z é o mais divergente, sendo provável que tenha se separado evolutivamente em uma época anterior. A representação gráfica desses resultados é feita na forma de árvores com ramos que se afastam, mostrando as separações (iguais às árvores genealógicas de famílias). Nas árvores filogenéticas, os comprimentos dos ramos indicam as distâncias evolutivas. Observe abaixo como ficaria a representação filogenética do exemplo dado pela revista Ciência Hoje. A representação mostra que a primeira linhagem a se separar foi a que originou Z. Por estar separada há mais tempo, ela possui a maior diferença na seqüência de nucleotídeos, visto que, desde Prof. Dorival Filho 25 que se separou, não trocou mais genes com as outras duas linhagens. X e Y se separaram mais recentemente, por isso, não acumulam tantas diferenças. São espécies mais próximas. A especiação passo a passo Descritas as etapas do processo que leva uma espécie a se dividir em duas Um mistério sobre a evolução das espécies pode ter sido resolvido por biólogos da Universidade da Califórnia em San Diego (Estados Unidos). Estudando os genes e o comportamento de pássaros, eles identificaram como uma espécie pode se dividir em duas que não se cruzam mais. As etapas intermediárias desse processo - que os cientistas descreveram pela primeira vez - constituem, segundo eles, o 'elo perdido' que Darwin tentou encontrar para sustentar sua teoria da seleção natural. O estudo foi publicado em 18 de janeiro na revista Nature. Segundo Darren Irwin, coordenador da pesquisa, durante a última era glacial, quando a Sibéria se dividiu em pequenas 'ilhas' de floresta, as populações de Phylloscopus trochiloides foram confinadas ao sul da área em que viviam anteriormente. Quando a floresta voltou a se expandir, as aves teriam seguido para o norte circundando o planalto tibetano por dois caminhos diferentes (pelo leste e pelo oeste). Depois, elas se reencontraram no centro da Sibéria, mas já estavam tão mudadas que não se cruzavam mais - haviam se tornado espécies distintas. O quadro corresponde àquilo que os cientistas Os cientistas estudaram 15 populações de chamam de um 'anel de espécies' (ring species) - Phylloscopus trochiloides, pequenos pássaros situação em que uma cadeia de populações se divide canoros que vivem nas florestas da Ásia temperada. por causa de fatores geográficos. Uma vez separados, (foto: Darren Irwin/UCSD) os grupos de indivíduos, ao se adaptarem ao novo meio, sofrem mudanças graduais (genéticas, morfológicas e comportamentais) ao longo de várias gerações. Isso pode levar à especiação, quando os grupos se tornam tão diferentes que, embora venham da mesma espécie, não se cruzam mais. Esses 'anéis' permitem identificar as diversas etapas do processo de especiação, das pequenas divergências observadas em populações vizinhas às diferenças que distinguem uma espécie de outra. A partir da localização de um anel contínuo de populações de Phylloscopus trochiloides em torno do planalto tibetano, os cientistas descobriram variações graduais nos padrões de canto, na morfologia e nos marcadores genéticos de 15 populações da ave. Com isso, eles puderam ligar duas espécies distintas que não se cruzavam mais a uma espécie original única. Para estudar o comportamento dos P. trochiloides, os cientistas gravaram o canto de machos, levaram as gravações para a floresta e avaliaram a reação de outros pássaros. Eles descobriram que os dois grupos de aves da Sibéria central que não se cruzam porque não reconhecem os cantos uns dos outros. "Parece que, nas populações que circundaram o planalto tibetano pelo oeste, o canto dos machos para atrair fêmeas se tornou mais longo e complexo", disse Irwin à CH on-line. "A pesquisa será útil para a compreensão do processo evolutivo em outras espécies." Andressa Camargo Ciência Hoje on-line/RJ 22/01/01 Prof. Dorival Filho 26 Supra-Sumo • • • • • • Especiação é o processo de formação de novas espécies. A especiação pode ocorrer por anagênese ou cladogênese. Como o número de espécies na Terra aumentou muito durante sua história, pressume-se que grande parte da especiação foi por cladogênese, já que a especiação por anagênese não aumenta o número de espécies diferentes. De maneira geral, mas não sempre, a especiação por cladogênese exige isolamento geográfico. A especiação por cladogênese apresenta três etapas: isolamento geográfico, diferenciação genética e isolamento reprodutivo. Existem mecanismos de isolamento reprodutivo pré-zigóticos (sazonal, comportamental e mecânico) e pós-zigóticos (inviabilidade do híbrido, esterilidade do híbrido e deterioração dos descendentes). Prof. Dorival Filho 27