BIODIVERSIDADE Autores: Juliano Bonfim Carregaro e Carolina Tavares da Silva Bernardo Sumário I. Introdução II. O que é Biodiversidade? III. Como medimos a Biodiversidade? IV. Conclusão V. Referências 1 I. Introdução Antes de começarmos esta unidade, podemos fazer a seguinte pergunta: O número de espécies cresce infinitamente, ou há alguma condição que reduza esse crescimento? Para responder a essa pergunta, temos que considerar alguns fatores ambientais que influenciam os padrões de ocorrência das espécies encontrados atualmente na natureza. Como veremos nas próximas unidades, o tamanho do habitat, como uma possível diferença entre terras continentais e insulares, interfere na quantidade de espécies que lá habitam, sugerindo que ocorra a regulação da diversidade pelo espaço disponível. Pesquisas evidenciam que áreas maiores suportam mais organismos, por possuírem mais recursos disponíveis, possibilitando a presença de diferentes espécies no local. Outro exemplo de regulação é o conjunto de variáveis ambientais locais, que são bem diferentes se compararmos regiões distantes no globo (Ex: Trópicos e Pólos), pois essas exercem influência sobre a sobrevivência das espécies, o que resulta em diferentes distribuições geográficas dos organismos. Em vários estudos ecólogos verificaram que existem mais e/ou diferentes organismos nos trópicos quando comparados com regiões, de tamanhos equivalentes, nos pólos, registrando que há um padrão de maior diversidade em ecossistemas tropicais no mundo. Desde as explorações ocorridas no século XIX, de cientistas como Charles Darwin, Henry Walter Bates e Alfred Russel Wallace, foi observado que os trópicos apresentam uma biodiversidade diferenciada e exuberante, quando comparados a outras regiões do mundo. Atualmente, os taxonomistas já catalogaram em torno de dois milhões de espécies no planeta, mas as estimativas atuais de riqueza total podem mudar dependo do pesquisador, variando entre autores mais conservadores com estimativas de 8 milhões de espécies no total ou chegando a estimativas de que existam na Terra cerca de 30 milhões de espécies. Podemos nos perguntar, então, “Por que essa diferença no padrão de ocorrência dos indivíduos entre os trópicos e as outras regiões?”. A resposta dessa e de outras questões será vista ao longo desta unidade. II. O que é Biodiversidade? O termo “biodiversidade” é uma contração de “diversidade biológica” e foi popularizado pelo simpósio, seguido da 2 publicação do livro de mesmo título, “Biodiversity” de Edward Osborne Wilson (1986). Biodiversidade ou somente diversidade é “o número de taxa numa área local (diversidade alfa) ou região (diversidade gama). Também, uma medida da variedade de taxa numa comunidade que leva em consideração a riqueza (número de espécies) e a abundância relativa (número de indivíduos em cada espécie)” (Ricklefs, 2003). Em outras palavras, biodiversidade se refere à variedade e à riqueza de vida na Terra, como de animais, plantas e microorganismos, por exemplo. Visto sua ampla definição, podemos dividir a biodiversidade em três níveis: diversidade genética, diversidade de espécies ou diversidade de comunidades. Saiba mais: Taxa é o plural de táxon e significa qualquer nível de sistema de organização. Pode ser um reino, um filo, uma classe, uma ordem , uma família, um gênero, uma espécie ou mesmo um organismo. Biodiversidade em 3 níveis: (a) variação genética dentro de cada espécie; (b) composição de espécies em um habitat; (c) variação de habitats em uma região. Para definirmos o primeiro nível, precisamos definir o que é espécie. Esse é um trabalho difícil, pois pode levar a diferentes interpretações de acordo com a sua área de trabalho dentro da Biologia. Uma espécie pode ser definida como um grupo de indivíduos que é morfológica, fisiológica e/ou bioquimicamente distinta de outros grupos (definição 3 morfológica de espécie). Ou espécie pode ser um grupo de indivíduos que cruzam entre si e produzem descendentes férteis, mas não o fazem com indivíduos de outros grupos (definição biológica de espécie). No campo da taxonomia, a primeira definição de espécie foi muito utilizada, pois os taxonomistas precisam diferenciar espécies visualmente quando coletadas no campo, para realizarem sua identificação. Atualmente, com as descobertas de técnicas avançadas de seqüenciamento de DNA (ácido desoxirribonucleico) e marcadores moleculares, tanto os taxonomistas quanto os evolucionistas, utilizam a segunda definição, que é mais divulgada e aceita. Esta definição, mesmo que simplificada, representa bem as relações parentais entre os indivíduos, e os dados genéticos podem nos conduzir a um conhecimento mais aprimorado das relações entre as espécies, para defini-las com maior precisão. Contudo, os problemas para identificar espécies são mais comuns do que se imagina: (1º) uma única espécie pode ter algumas variedades, em que pode se observar grandes diferenças morfológicas, (2º) enquanto que membros de duas espécies podem ser tão semelhantes e considerados membros de uma única espécie. Um exemplo do primeiro caso é a existência de diversas raças de cachorros, como pastor alemão, fila e beagle, que são diferentes morfologicamente entre si, mas pertencem a uma mesma espécie (Canis lupus familiaris) e, portanto, podem cruzar entre si. Por outro lado, têm-se espécies que são semelhantes fisicamente, cruzam entre si e produzem híbridos, que não são sexualmente viáveis, como é o caso da mula, produzida do cruzamento de um jumento (Equus asinus) com uma égua (Equus caballus). Já um bom exemplo para a segunda situação descrita acima, seria a presença de cobras não-peçonhentas que mimetizam cobras peçonhentas, como encontrado entre a cobra coral falsa (Oxyrhopus trigeminus) e a cobra coral verdadeira (Micrurus corallinus), duas espécies diferentes, mas com 4 aspectos morfológicos praticamente indistinguíveis para um leigo (Figura 1). + Equus caballus Equus asinus Mula (Híbrido) Oxyrhopus trigeminus Micrurus corallinus Figura 1: Híbrido (mula) formado entre o cruzamento do jumento (Equus asinos) com a égua (Equus caballus), e a diferença entre a cobra coral verdadeira (Micrurus corallinus) e seu mímico, a coral falsa (Oxyrhopus trigeminus). A diversidade genética é conseqüência do comportamento reprodutivo dos indivíduos dentro de uma população. Os indivíduos são geneticamente diferentes entre si, ou seja, seus “pools” gênicos são diferentes, graças à mutação e à reprodução sexuada. Relembrando que nesse tipo de reprodução ocorre recombinação genética, devido ao processo Saiba mais: Para relembrar os processos de meiose e mitose, retorne à Unidade 1, do Eixo Biológico do módulo IV. 5 de meiose na formação dos gametas masculinos e femininos, que produzem gametas geneticamente diferentes dos parentais. Durante a reprodução sexual, os gametas se fundem, originando um indivíduo geneticamente único. Além da reprodução sexuada, as mutações genéticas que ocorrem durante esse e outros processos, podem também resultar em maior variabilidade genética dentro de uma população. A variabilidade genética permite aos indivíduos responderem de forma mais versátil a um ambiente instável e assim sofrerem menos pressões de pequenas mudanças ambientais. As espécies consideradas raras têm menos variação genética do que espécies que são mais comuns e abundantes, pois apresentam populações com baixo número de indivíduos, o que representa um pequeno “pool” gênico e, conseqüentemente, são mais vulneráveis às modificações ambientais. O terceiro nível em que podemos utilizar a definição de biodiversidade é o de comunidade. Uma comunidade é definida pelas populações de diferentes espécies que coexistem em uma determinada região, interagindo direta ou indiretamente umas com as outras. A comunidade em interação com os fatores abióticos, como o clima, o solo, pode ser chamada de ecossistema. Dentro de um ecossistema há o ambiente físico - solo, clima, temperatura, umidade, precipitação - que afeta as características e estruturas de uma comunidade, mas que também pode ser alterados por ela. Uma floresta, com vegetação alta, por exemplo, produz sombra e deixa o ambiente mais úmido do que seria sem sua presença, alterando assim o ambiente físico de uma região. Dentro de um ecossistema, tem-se uma grande variedade de recursos que são utilizados pelos organismos vivos presentes nele. Cada organismo de uma determinada espécie utiliza um conjunto de recursos que são imprescindíveis a sua sobrevivência e reprodução, o que compõe o seu nicho. O nicho de uma planta, por exemplo, pode ser o tipo de solo sobre o qual ela cresce, a quantidade de luz de sol que ela necessita para realizar a fotossíntese, o seu tipo de sistema de polinização, o seu mecanismo de dispersão de sementes, etc. Se adotarmos como exemplo um animal, o seu nicho pode incluir o tipo de habitat onde ele é encontrado, a sua tolerância térmica, suas exigências alimentares, seu hábito (diurno ou noturno), etc. Qualquer um desses recursos que fazem parte do nicho de uma espécie passa a ser limitante do tamanho de sua população. O Lobo-Guará, por exemplo, teve sua população diminuída pela redução de seu habitat nativo. Esse animal evita locais ocupados por humanos e, por isso, teve sua área de Saiba mais: Pool gênico é conjunto total de alelos que podem ser localizados no DNA dos indivíduos de uma determinada espécie ou população. Saiba mais Ecologicamente falando, nicho é toda a relação do indivíduo ou de uma população com todos os aspectos do ambiente onde está inserido, ou seja, é o papel ecológico das espécies dentro de uma comunidade. 6 ocorrência restringida devido à ocupação humana dentro da Caatinga e do Cerrado. Dinâmica da Comunidade Para entendermos melhor os padrões de diversidade encontrados em determinadas regiões, é preciso conhecer a dinâmica de uma comunidade. Dentro de uma comunidade ocorre o que chamamos de sucessão ecológica, que é um processo gradual de mudança na composição de espécies, na estrutura da comunidade e nas características físicas que ocorrem dentro do ambiente, em resposta a distúrbios naturais ou antrópicos (causados pelo homem). Existem dois tipos de sucessões ecológicas: (a) Primária, quando envolve o estabelecimento gradual das comunidades bióticas em locais virgens, ou seja, locais que não foram anteriormente habitados, como ocorre em rochas e dunas (Figura 2.1); (b) Secundária, quando ocorre o restabelecimento de comunidades em áreas anteriormente habitadas, ou seja, em áreas que foram perturbadas e que apresentavam uma comunidade preexistente, como ocorre quando há a formação de uma clareira dentro de uma floresta, por exemplo (Figura 2.2). Saiba mais Para relembrar os processos que ocorrem dentro de uma comunidade, retorne às Unidades 7 e 8 do eixo Biológico do módulo VI. Figura 2.1: Sucessão primária. (A) Organismos pioneiros (liquens, microorganismos e fungos) colonizam rochas nuas, que se transformam em solos férteis; (B) Solo formado que permite colonização de vegetação rasteira; (C) e (D) se o ambiente permanecer intocável, sem perturbação, ocorrerá uma sucessiva troca de formas vegetais até a comunidade atingir sua estabilidade com a comunidade clímax (E). (Fonte: http://www.ib.usp.br/~delitti/projeto/ricardo/sucessao_primaria.htm). 7 Figura 2.2: Sucessão secundária. (A) ambiente com solo já formado, mas perturbado, onde começa ocorrer uma nova colonização; (B), (C) e (D) sucessão natural de espécies dentro da comunidade, caso não haja nova perturbação; (E) comunidade clímax. (Fonte: http://www.ib.usp.br/~delitti/projeto/ricardo/sucessao_secundaria.htm) Internet Para saber sobre a aplicação do estudo da biodiversidade, dos seus índices quantitativos num estudo de sucessão ecológica, acesse o link a seguir: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/html/534/53414104/53414104.html Algumas espécies estão diretamente associadas a um determinado estágio de sucessão, como é o caso de plantas pioneiras, como as embaúbas (Cecropia sp.) que são as primeiras a aparecerem quando se abre uma clareira na floresta. Outros exemplos são aquelas espécies de sombra de uma floresta, que só são encontradas nas florestas em estágios avançados de sucessão, chamado de estado clímax. Quando a perturbação é causada pelo homem, como a criação de um pasto, por exemplo, o desequilíbrio pode ser tão grande que impossibilita a recuperação da floresta ao seu estágio original. Esse dano, portanto, é irreparável e provoca grave perda da diversidade que se encontrava naquela comunidade, que estava em estágio avançado de sucessão. Cecropia sp. 8 Atividade Complementar 1 Identifique em sua região o provável estágio de sucessão de uma floresta próxima ao local de estudo, trabalho ou de casa. Peça ajuda aos seus professores para identificar espécies vegetais dessa comunidade indicadoras desses estágios e faça um relatório sobre a situação dessa floresta. Além da sucessão, vários tipos de interações ecológicas podem afetar a formação de uma comunidade e, conseqüentemente, a diversidade biológica local. Interações desarmônicas, como a competição e a predação são exemplos dessa interferência sobre a biodiversidade. Os predadores podem reduzir, eliminar ou aumentar, indiretamente, a diversidade biológica. A presença do predador pode aumentar a diversidade local quando esses mantêm a densidade de algumas espécies de presas baixa, o que limita a competição por recurso, permitindo a coexistência de todas elas. Mas, se o predador for retirado da comunidade, existe a possibilidade de que as populações de presas aumentem e extrapolem a capacidade suporte do ambiente, onde os recursos se tornam insuficientes para tolerar tais populações, acarretando em um desequilíbrio ambiental grave, podendo levar a população à extinção (Figura 3). Figura 3: Dois exemplos de alteração na comunidade pela presença (a, b, c, d, e) ou ausência (f, g) do predador. Outros tipos de relações entre espécies, como as harmônicas, um bom exemplo seria o mutualismo, também alteram a composição de uma comunidade, pois várias destas 9 relações são importantes para a existência dos organismos envolvidos. Algumas orquídeas apresentam alta dependência por seu agente polinizador (insetos), pois para alguns grupos (Ex: gênero Ophrys) existe apenas uma espécie de agente polinizador, ou seja, se este agente acabar sendo eliminado do meio a planta vai, provavelmente, ser também eliminada por não conseguir mais completar seu ciclo reprodutivo, mostrando que relações mutualísticas (neste caso a polinização) são extremamente importantes para a manutenção da biodiversidade. Dessa forma, é importante conhecer todos os níveis tróficos de uma comunidade e saber a relação entre eles, tanto desarmônicas como harmônicas, para podermos extrapolar o conhecimento em biodiversidade. Internet Para saber sobre o estudo de relações harmônicas entre espécies e sua relação com a biodiversidade de uma comunidade acesse o link a seguir: http://www2.ib.unicamp.br/profs/thomas/arch/arch00208/seminarios%20ECE%202008/%5bECE%202008%20Seminario%5d%20Intera%e7%f5es %20Micr%f3bio-Planta%20e%20Processos%20Ecossist%eamicos.pdf Já vimos, em outras unidades, que temos os seguintes níveis tróficos dentro de uma comunidade: produtores primários (espécies fotossintetizantes ou quimiossintetizantes), consumidores, que podem ser primários (herbívoros) ou secundários, terciários e quaternários (predadores e parasitas), e decompositores (detritívoros). Uma forma de representar estas relações é chamada de cadeia alimentar, onde temos um encadeamento unidirecional dos organismos envolvidos (Figura 4), mas quando reunimos um conjunto de cadeias, passamos a visualizar outra forma representativa, agora multidirecional, chamada de teia alimentar (Figura 5). Internet Para saber sobre o estudo de consumidores e seu papel no manejo e conservação florestal acesse o link a seguir: http://www.ipe f.br/publicacoes /scientia/nr35/c ap04.pdf 10 Figura 4: Exemplo de cadeia alimentar em uma lagoa. (Modificado de Sônia Lopes, 2006) Em qualquer comunidade terrestre analisada, é mais provável que encontremos o número de produtores primários alto, e possivelmente maior que de indivíduos herbívoros e esses maiores que de organismos carnívoros primários e assim por diante, mas também existem cadeias alimentares suportadas por poucos produtores (Figura 6). Além disso, uma situação comum encontrada em muitas comunidades biológicas é a de que uma espécie que se alimenta de vários organismos de níveis tróficos inferiores, pode competir pela comida com outras espécies de mesmo nível trófico e, por conseguinte, torna-se presa de outras espécies de nível trófico superior. Chamando a atenção para o fato de que uma espécie pode ocupar mais de um nível trófico dentro da mesma teia trófica (Figura 5). Figura 5: Exemplo de teia alimentar em uma lagoa. (Modificado de Sônia Lopes, 2006) 11 Figura 6. Exemplo de pirâmides ecológicas em ecossistemas terrestres. P = produtor; C1 = Consumidor primário e C2 = Consumidor secundário. (fonte: Amabis e Martho, 2006) Analisando essas relações complexas entre as espécies dentro de uma comunidade, vemos que existem espécies que são mais relevantes que outras na manutenção desta comunidade. É o que chamamos de espécies-chave. Essas espécies são prioritárias na conservação e determinantes na medida de esforços para a proteção de uma determinada área. Os predadores, topos de cadeia, estão entre as espécies-chave mais conhecidas, pois eles são importantes para controlar a população de presas (Ex: herbívoros), mais abundantes. Mesmo as espécies de predadores existindo em menor número e constituindo uma pequena porção da biomassa de uma comunidade, quando eliminamos uma parte de seus indivíduos, mudanças drásticas podem ocorrer na vegetação e resultar em uma grande perda da diversidade biológica local. Para entendermos melhor essa situação, tomemos como exemplo o peixe-boi. A redução da população de peixe-boi nos rios da região Norte, devido à caça, causou uma reação em cadeia dentro da comunidade: houve um 12 crescimento exagerado de biomassa vegetal e conseqüente redução da fertilização da água devido ao acúmulo de matéria orgânica e diminuição do oxigênio dissolvido; que resultou na diminuição da população de peixes dessa região. Por isso as espécies-chave são prioritárias para a conservação, pois sua eliminação pode ocasionar uma série de extinções, conhecidas como extinção em cascata, que resultará na degradação do ecossistema e na perda de diversidade biológica em todos os níveis tróficos subseqüentes. Além das espécies-chave, temos também os chamados recursos-chave que podem ocupar uma pequena área dentro de um ecossistema, mas ser necessário à vida de muitas espécies. No Cerrado, por exemplo, a área de Veredas, que são áreas alagadas e junto com riachos formam as únicas fontes de água superficial nesse ecossistema, sendo consideradas recursoschaves e, portanto, prioritárias para a conservação. Saiba mais Veredas são regiões dentro do bioma Cerrado caracterizadas por solos rebaixados onde há o afloramento de águas subterrâneas. Nesse tipo de vegetação é comum a ocorrência da palmeira Buriti. Dessa forma, o conhecimento integrado de um ecossistema e a relação dos fatores abióticos com os organismos (componente biótico) encontrados em uma região, fornece subsídios para o entendimento da dinâmica de uma comunidade, sua diversidade biológica, sendo o passo inicial para a conservação dessa biodiversidade. Os principais fatores abióticos que afetam os padrões de ocorrência de espécies em ecossistemas terrestres e aquáticos são a luz e a temperatura, sendo que tais fatores exercem grande influência na biodiversidade de tais regiões. A luz determina a distribuição de organismos aquáticos, pois ela se restringe a no máximo 200 metros de profundidade em ambientes pouco turvos (Ex: Oceanos), fazendo com que essa camada superficial apresente a maior parte produtora (fotossintetizante) da cadeia alimentar e, consequentemente, afeta a distribuição dos consumidores deste ecossistema. Por isso, é bastante grave qualquer tipo de poluição que impeça a penetração da luz em ambientes aquáticos (Ex: vazamento de petróleo), pois acaba por restringir a camada fotossintetizante e, por conseguinte a disponibilidade 13 de recursos no meio, o que pode gerar extinção em larga escala, diminuindo a biodiversidade local. III. Como medimos a Biodiversidade? Antes de começarmos este tópico, temos que ter bem claro em nossas mentes os conceitos que estão relacionados ao conceito de biodiversidade e que, ás vezes, são apresentados como sinônimos deste. O primeiro deles é o de riqueza, que é definida como o número de espécies encontrado em uma comunidade. O outro conceito é o de abundância, que é o número total de indivíduos encontrados em cada espécie. Quando consideramos estes dois conceitos (riqueza e abundância) em uma comunidade, juntamente com a uniformidade dos valores atribuídos, temos uma medida conhecida como Biodiversidade, sendo que tal medida alcança maior valor conforme a comunidade apresenta-se mais uniformemente distribuída. Por exemplo, se há 10 espécies de peixes numa comunidade com 600 indivíduos, podemos pensar em duas possibilidades (Tabela1): (a) abundância uniformemente distribuída, como na comunidade 1, sem nenhuma espécie dominante, ou seja, 60 indivíduos para cada, apresentando assim o maior valor de biodiversidade possível para este exemplo, utilizando o índice de Shannon-Weaver (H’) que leva em consideração a riqueza e a abundância para gerar um valor de diversidade, conclui-se que o valor para a biodiversidade local é igual a 1; ou (b) a abundância desigualmente distribuída, como na comunidade 2, onde há grande diferença entre as espécies, possuindo uma dominante dentro da comunidade (espécie com maior abundância = sp.1), resultando em um menor valor para biodiversidade local (H’ = 0,31). Internet Saiba mais sobre riqueza, abundância e diversidade acessando o link a seguir: http://www.s cielo.br/pdf/r bzool/v22n2/ 25131.pdf Tabela 1: Exemplo para o cálculo de biodiversidade. Abundância para sp1 Abundância para sp2 Abundância para sp3 Abundância para sp4 Abundância para sp5 Abundância para sp6 Abundância para sp7 Abundância para sp8 Abundância para sp9 Abundância para sp10 Abundância total Comunidade 1 60 60 60 60 60 60 60 60 60 60 600 Comunidade 2 500 50 10 10 10 5 5 5 4 1 600 14 Riqueza (nº de spp) H' 10 1,00 10 0,31 Dentro de uma comunidade a abundância dentro de cada espécie pode refletir a variedade e a abundância dos recursos disponíveis para cada população bem como a influência de outros fatores que regulam o número de espécies, como a pressão exercida por predadores e competidores. Dessa forma, a abundância de uma espécie pode indicar o equilíbrio entre diversos fatores e processos dentro de uma população, e variações desses fatores podem aumentar ou diminuir a abundância. Quando quantificamos a biodiversidade, utilizamos os conceitos apresentados nos parágrafos anteriores. Para isso, foram desenvolvidos diversos métodos matemáticos de biodiversidade (Ex: índice de Shannon-Weaver), que descrevem o que ocorre com os padrões geográficos de biodiversidade. Alguns índices mais simples e práticos são os conhecidos alfa, gama e beta, que descrevem bem a diversidade local e regional. Chamamos de diversidade alfa ou local (α), o número de espécies encontrado em um habitat uniformemente distribuído dentro de uma região (Ex: diversidade em um campo sujo ou uma mata de galeria). Esse é o índice utilizado para comparar o número de espécies em diferentes ecossistemas. A diversidade gama ou regional (γ), se refere ao número de espécies encontradas em todos os habitats de uma determinada região (Ex: diversidade no Cerrado). E ainda há a diversidade Beta (β) que está relacionada à mudança das espécies de acordo com uma variação ambiental, ou seja, refere-se à substituição de espécies de um habitat para outro dentro da mesma região (Ex: Diferença de espécies entre campo sujo e mata de galeria). A diversidade Beta é calculada através dos índices alfa e gama (Equação: β = γ / α), alcançando maior valor conforme as áreas apresentem diferenças na composição de espécies. Perceba que os índices variam de acordo com a composição dos diferentes habitats (Tabela2). Internet Saiba mais sobre os índices de diversidade alfa e beta acessando o link a seguir: http://www.s cielo.br/pdf/a bb/v15n2/682 8.pdf Tabela 2: Exemplo para o calculo de diversidade (α, γ e β) entre quatro regiões com a presença de possíveis 5 espécies (a, b, c, d, e). Habitat 1 Habitat 2 Habitat 3 Habitat 4 Alfa (α) Gama (γ) Beta (β) Região 1 a a b b 1 2 2 Região 2 ab ab ab ab 2 2 1 Região 3 ab c d e 1,25 5 4 Região 4 abc abc abc abc 3 3 1 15 *Obs: Como Alfa representa o índice LOCAL, para este exemplo onde utilizamos quatro habitats, temos que dividir o valor de Alfa por 4, para obter o alfa médio por habitat. Índices de biodiversidade As diferenças de abundância dentro de uma comunidade trazem alguns problemas práticos para os ecólogos. Quando queremos comparar a diversidade em duas comunidades, por exemplo, o esforço de amostragem de indivíduos, deve ser o mesmo, pois o número de espécies contabilizadas pode variar de acordo com o tamanho amostral obtido. Quanto mais indivíduos capturados em uma região, maior a probabilidade de encontrar espécies raras, ou seja, espécies com baixa abundância. Assim, não se deve comparar a diversidade entre duas áreas que tiveram esforços de amostragem diferentes. O outro problema é que nem todas as espécies devem contribuir da mesma forma para a estimativa da diversidade, já que cada espécie desempenha um papel diferente na comunidade, variando com a abundância total (Tabela 3). Na tabela 3, podemos observar que nos locais onde ocorrem menos espécies, cada uma delas é mais abundante, relativamente, e deve ocupar um maior número de habitats (localidade 7 – Tabela 3), quando comparado com locais que tem mais espécies. Isso demonstra que uma espécie encontrada em um local com maior número de habitats, contribui menos para a abundância relativa, contribuindo de maneira diferente para a diversidade quando comparada a um local com menor número de habitats. Internet Para se aprofundar mais sobre os índices de biodiversidade utilizado em ecologia acesse o link a seguir: http://www2. ib.unicamp.br /profs/fsantos /refer/Holos1999-1-236.pdf Tabela 3: Distribuição de habitats e abundância relativa de espécies de aves em sete localidades da região tropical*. Número Número de Abundância médio de Abundância espécies Habitats relativa por Abundância espécies relativa de Localidade observadas por espécie e relativa por por habitat todas as (densidade espécie habitat espécie (diversidade espécies regional) (densidade) local) 1 135 30,2 2,01 2,95 5,93 800 2 106 28,2 2,35 3,31 7,78 840 3 56 21,4 3,43 4,97 17,05 955 4 53 21,4 3,63 4,71 17,1 906 5 33 15,2 4,15 5,77 23,95 790 6 30 15,5 4,63 5,36 24,82 745 7 20 11,9 5,35 5,88 31,45 629 * Baseado em 10 amostragens em cada um dos 9 habitats de cada localidade. A abundância relativa por espécie e habitat corresponde ao número de períodos de contagem nos quais as espécies foram vistas (máximo 10); esse dado vezes o n° de habitats corresponde a abundância relativa por espécie; e esse valor vezes o n° de espécies fornece a abundância relativa de todas as espécies (Fonte: Ricklefs, 2003). 16 O primeiro problema deve ser resolvido com um bom desenho experimental e uma metodologia condizente com o tipo de estudo que deseja. O segundo problema foi solucionado pelos ecólogos com a formulação dos índices de biodiversidade, nos quais a contribuição de cada espécie para a formulação do índice varia de acordo com sua abundância relativa, ou seja, são atribuídos diferentes pesos para cada espécie. Dessa forma, cada espécie recebe o peso adequado por influenciar a diversidade de uma comunidade. Existem vários modelos para calcular a diversidade em Ecologia, porém dois desses índices são muito utilizados: o índice de Simpson e o índice de Shannon-Weaver. Nesses dois casos, o cálculo do índice é feito a partir da proporção (pi) das espécies (i) na amostra total de indivíduos (Ricklefs, 2003). A proporção das espécies pode ser determinada pela seguinte equação: pi = ni N Onde, ni é o número amostrado para a espécie i e N é o número total de espécies amostradas. O índice de Simpson (D) pode ser obtido pela seguinte fórmula: D= 1 ∑ pi2 Onde ∑ significa somatório. No caso acima é o somatório da proporção das espécies elevada ao quadrado. Esse índice leva em consideração a regularidade das abundâncias das espécies e, por isso, o valor de D pode variar de 1 a S, onde S é o número total de espécies numa amostra. Por exemplo, quando 5 espécies amostradas têm igual abundância, o valor de cada pi é 0,20, logo pi2 = 0,04 e o seu somatório é 0,20. Colocando esses dados na fórmula, teremos que o valor de D é o mesmo do número de espécies amostradas, 5. O índice de Shannon-Weaver (H’) pode ser calculado pela fórmula: H’ = - ∑pi loge pi Onde, pi é a proporção das espécies na amostra total e loge pi é o logarítimo neperiano da proporção das espécies. Na tabela 1, podemos ver um exemplo do índice de Shannon-Weaver para cálculo da biodiversidade. Saiba mais Para aprimorar o conhecimento desses índices e sua utilização em ecologia não deixe de ler os artigos recomendados, apresentados ao longo do texto e na lista apresentada ao final desta unidade. Atividade Complementar 2 Com a ajuda de seus professores, faça uma amostragem de artrópodes em duas regiões que possua diferentes tipos de vegetação, com o 17 mesmo esforço amostral, e estime para as duas áreas os índices de biodiversidade citados anteriormente. Discuta as diferenças e semelhanças encontradas num contexto ecológico. IV. Conclusão Ao longo desse módulo, você irá se deparar com várias aplicações do estudo da biodiversidade, como na biogeografia de ilhas, na conservação da biodiversidade, na unidade de extinção, dentre outras. Todas elas demonstram relação direta com o uso da biodiversidade e seu papel dentro da ecologia. Por isso, não iremos nos alongar no assunto da aplicabilidade do estudo da biodiversidade. Essa é uma das áreas mais amplas e que está chamando atenção dos pesquisadores nos últimos anos, devido a sua relação com todas as disciplinas da ecologia e à alteração dos processos ambientais que a Terra vem passando, como o aquecimento global. Os estudos de biodiversidade indicam regiões prioritárias para conservação, indicam espécies que estão sendo e que podem ser extintas devido a processos diversos (que você verá logo a seguir ainda neste módulo) e explicam o porquê do padrão de distribuição de espécies dentro das regiões existentes na Terra (que você já deve ter visto no módulo VI e verá nas unidades a seguir). Esse ano (2010) é comemorado o ano da Biodiversidade, mas apesar dos esforços de vários pesquisadores do país, muito ainda pode ser feito para a conservação da flora e fauna brasileira. Existem poucas pessoas estudando filos mais simples, como os de artrópodes, nematóides, anelídeos, que existem em grande abundância e podem ser bons bioindicadores às perturbações que ocorrem no ecossistema no qual se encontram. Além disso, pouco se sabe sobre os organismos planctônicos de águas continentais e sobre os microorganismos presentes no solo, porém esses dois ecossistemas apresentam também alta biodiversidade, mas são constantemente agredidos por poluição, desmatamento, dentre outros fatores. Acreditamos que com a leitura dessa unidade, juntamente com os artigos sugeridos a seguir, você conseguirá entender que a palavra biodiversidade abrange, praticamente, todos os processos abordados em ecologia, por isso é importante entendermos os principais conceitos que estão inseridos neste tema e suas possíveis aplicações. Internet Para saber mais sobre a aplicação do estudo da biodiversidade para a conservação de espécies acesse o link a seguir: http://www.co nservacaointern acional.org.br/p ublicacoes/files /11_Agostinho_ et_al.pdf Internet Para saber mais sobre o ano da biodiversidade acesse os links a seguir: http://2010aib. blogspot.com/2 010/02/2010anointernacionalda.html http://www.w wf.org.br/?2370 0/2010-Ano-daBiodiversidade 18 V. Referências Amabis, J.M. & Martho, G.R. 2006. Fundamentos da biologia moderna. 4ª edição. Editora Moderna.São Paulo. Begon, M.; Harper, J.L. & Townsend, C.R. 1996. Ecology: individuals, populations and communities. 3rd edição. Oxford, Blackwell Primack, R.B. & Rodrigues, E. 2001. Biologia da Conservação. Editora Planta. Ricklefs, R.E. 2003. A Economia da Natureza. 5ª edição. Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. Lopes, S. 2006. Bio: Volume 3. 1ª edição. Editora Saraiva. São Paulo. Artigos recomendados: Almeida, M.V.R.; Oliveira, T.S. & Bezerra, A.M.E. 2009. 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